DO NUNCA AO JAMAIS
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SÉRGIO PAULO MUNIZ COSTA
Historiador.
Membro do Centro de Pesquisas Estratégicas “Paulino Soares de Sousa” da UFJF.
Pesquisador do CEBRI e responsável pela Clio Consultoria Histórica.
Autor do livro: Os Pilares da Discórdia – Fundamentos de uma incerteza (Rio de Janeiro:
BIBLIEX, 1995).
[email protected]
“Não existe um programa no mundo mais eficiente de redução da pobreza do que o
brasileiro", disparou Antônio Delfim Netto, em artigo recente, contra a oposição ao
governo federal. A afirmação, que poderia ser tomada como uma provocação
intelectual, serviu bem para reforçar a percepção do uso político dos programas
assistenciais no Brasil, muito embora pareça que a oposição tenha questionado o
sujeito do programa, que deveria ser ela e não a presidente em sua fala do 1º de maio
último.
Em tempos de eleição, a politização da questão escala ao ponto de a oposição querer
que o Bolsa-Família vire um programa de Estado, permanente e definitivo. Assim,
construído o consenso em torno da transferência de renda como solução da
desigualdade social do Brasil, vamos transferir a transferência do politics para o policy
e resolver a grande questão nacional.
Inicialmente, cabe observar que a preocupação da oposição não tem muita razão de
ser: o Bolsa-Família já é "permanente e definitivo". É o que se depreende de números
e falas oficiais (outubro de 2013). Em dez anos ele quadruplicou, passando de um
universo de 3,6 milhões de famílias para mais de 14 milhões, e as declarações do
presidente do IPEA e do secretário de Assuntos Estratégicos só festejaram a redução
da pobreza (em 28%) e o não crescimento de miséria (em 36%, se não houvesse o
programa).
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Artigo publicado no Jornal do Comércio, em 22 de Maio de 2014.
Sem responder quantas pessoas saíram do programa por terem superado os limites da
pobreza (renda per capta familiar mensal de R$ 140,00), o Ministério do
Desenvolvimento Social e Combate à Fome avançou que ainda existiriam 500.000
famílias abaixo da linha de extrema pobreza (renda per capita familiar mensal inferior
a R$ 70,00) a serem localizadas e incluídas.
À medida que são atingidos os limites quantitativos da "detecção de pobres", surge a
bolsa da bolsa, os novos programas que se desdobram a partir do programa original,
como o Benefício para a Superação da Extrema Pobreza na Primeira Infância (BSP),
criado em 2012 para atender às famílias que, mesmo recebendo os demais benefícios
do Bolsa-Família, continuam em situação de pobreza extrema e o PETI, para famílias
com renda per capita mensal superior a R$ 120,00, que tenham crianças e
adolescentes na faixa etária dos 7 aos 15 anos envolvidos no trabalho precoce,
especialmente em condições consideradas perigosas, penosas, insalubres ou
degradantes.
Na verdade, degradante é o valor transferido a cada "grupo familiar": no máximo R$
306,00 para uma família abaixo da linha de pobreza com 5 pessoas, entre gestantes,
nutrizes, crianças e adolescentes de até 15 anos, e mais dois jovens entre 16 e 17 anos,
ou de R$ 236,00 para grupo semelhante situado acima da linha de extrema pobreza.
A interminável miséria brasileira justifica qualquer redundância e insuficiência. Na
perspectiva macro, as inconsistências são maiores. Uma parcela substancial dos
bolsistas são considerados empregados pelo governo, muito embora qualquer
pequeno ou médio empresário brasileiro saiba quantos pretendentes a vagas de
emprego declinam da assinatura de sua carteira de trabalho, preferindo habilitar-se ao
programa assistencial. É a combinação perversa do não-trabalho com o subemprego
promovida pelo assistencialismo oficial.
Claros e chocantes são os valores totais do Bolsa-Família em dez anos: R$ 157,3
bilhões, mais do que o dobro dos orçamentos dos Ministérios da Educação e Saúde
entre 2001 e 2012, que montaram a R$ 66,7 bilhões. O discurso oficial alardeia que
para cada R$ 1,00 aplicado no Bolsa- Família há um aumento do PIB de R$ 1,78.
Socorre-se nas estatísticas do Relatório Mundial de Saúde de 2013 que apontam uma
redução de 17% na mortalidade infantil e de 65% nas mortes por desnutrição. E fecha
o triunfalismo eleitoreiro com chave de ouro, atribuindo ao programa um papel de
gerador de renda.
Mas não há teoria ou estatística capaz de negar que quaisquer desses alegados
resultados seriam larga e definitivamente superados por intermédio do investimento
em saúde, educação e infraestrutura de saneamento, para não falar do efeito
magnificente na economia nacional da inclusão desse universo de bolsistas no
mercado formal de trabalho e não nas manipulações governamentais.
Há vinte anos o Brasil enveredou pela senda da transferência de renda e há uma
década a peroração político-ideológica suprimiu qualquer aferição razoável e
fundamentada dos resultados dessa opção. De certo nisso tudo é a percepção de que
existe alguma coisa muita errada com um país que comemora "realizações" que não
levam a lugar nenhum, tanto nas áreas de segurança, saúde e infraestrutura, como na
social, evidenciada a contradição entre os bombásticos anúncios de avanços no
combate à desigualdade e o fato de que continuamos pura e simplesmente tão
desiguais.
Pretender que a pobreza no Brasil seja reduzida por uma bolsa média de R$153,75 de
um programa que drena bilhões de reais das áreas vitais para o desenvolvimento
integral da sociedade e de onde se sai pela abdicação voluntária e espontânea do
próprio bolsista é um ultraje a todos os brasileiros.
À luz da economia pode haver muito o que se discutir sobre a eficiência do Programa
Bolsa-Família. O que não é possível aceitar é que se continue a sustentar uma política
que não é eficaz, por que não reduz a pobreza, mascara-a, e muito menos efetiva, por
que não gera riqueza, inibe-a.
O discurso do "nunca antes" jamais levará o Brasil a superar os seus problemas.
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