A Inimiga da Pobreza Helenilson Cunha Pontes É a Constituição Federal, e não a ampliação do Programa Bolsa-Família, como alardeado pela propaganda oficial, a grande responsável pela melhora na distribuição de renda vivida pelo Brasil nas últimas décadas. É o que demonstra o estudo produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), órgão do Governo Federal, citado em reportagem do jornal O Estado de S. Paulo (7/3/10, A10). O maior impacto na redução da pobreza é resultado de dois grandes programas assistenciais concebidos pela Constituição Federal de 1988, e implementados pelo Governo Fernando Henrique Cardoso, a saber, a garantia previdenciária ao trabalhador rural, em regime de economia familiar, e o benefício de prestação continuada. A Constituição assegura ao trabalhador rural, em regime de economia familiar, uma renda mínima de um salário mínimo, independente de prévia contribuição. A assistência previdenciária alcança os homens a partir de sessenta anos, e mulheres a partir de cinquenta e cinco anos. Atualmente, esta rede de proteção social beneficia 8 milhões de trabalhadores rurais aposentados e garante dignidade aos brasileiros idosos que vivem no campo. O benefício de prestação continuada consiste no programa assistencial que atinge o idoso com mais de sessenta e cinco anos, e pessoas com deficiência, desde que tenham renda mensal familiar per capita inferior a um quarto do salário mínimo vigente. O programa assegura uma renda mensal mínima a aproximadamente um milhão e meio de idosos e um milhão e seiscentos mil deficientes no Brasil, que recebem juntos cerca de 1,4 bilhão de Reais. O Bolsa-Família é apenas o terceiro programa social mais importante no quesito distribuição de renda. O programa alcança famílias com renda mensal até R$ 140,00 por pessoa, cadastradas oficialmente, situação em que se encontram atualmente 12,37 milhões de famílias. O Governo Federal aplica no programa algo em torno de 12,5 bilhões de Reais. Mesmo com toda essa rede de proteção social, o Brasil tem 12,6% da sua população vivendo em situação de indigência, com renda inferior a um quarto do salário mínimo. Além desse chocante número, 32% do povo brasileiro ainda está em situação de pobreza, sobrevivendo com renda mensal menor do que metade do salário mínimo. O estudo do IPEA concluiu que se o programa Bolsa-Família desaparecesse, o nível de indigência chegaria a 13,9% e o de pobreza saltaria para 33%. O quadro, no entanto, ficaria muito pior, caso a Constituição Federal não garantisse a universalização da previdência rural e o benefício de prestação continuada. Sem esses dois programas sociais, a indigência e a pobreza atingiriam, respectivamente, 23,4% e 43,7% da população brasileira. Em outro dizer, o estudo o IPEA demonstra que, embora seja um programa social de inegável importância, o Bolsa-Família não é o único remédio para a chaga da vergonhosa distribuição de renda que marca a sociedade brasileira. Nada garante também que a ampliação deste Programa significaria uma alteração substancial nos indicadores sociais brasileiros. O estudo comprova o efeito positivo de programas de renda mínima, independentemente de contribuição previdenciária prévia, dirigidos a idosos e deficientes, isto é, pessoas com capacidade produtiva comprometida, e atesta a necessidade de o país consolidar uma sólida rede de proteção social que as proteja da indigência e da pobreza. Como o Bolsa-Família atinge pessoas normalmente em estado de indigência, mas que, em tese, têm condições de trabalhar e produzir, é fundamental que o Programa contemple, na sua porta de saída, a inserção deste contingente de brasileiros no mercado de trabalho, objetivo que exige programas educacionais para crianças, jovens e adultos e treinamento profissionalizante. A garantia de dignidade deve ser encontrada através do salário, produto do emprego e do trabalho, e não exclusivamente da renda fornecida pelo Governo. O estudo do IPEA serve para desmistificar a propaganda oficial e mostrar que a grande inimiga da pobreza no Brasil é a Constituição Federal produzida em 1988 e não o governante de plantão, a quem compete apenas cumpri-la.