POBRES, POBREZA E CIDADANIA: OS DESAFIOS
RECENTES DA PROTEÇÃO SOCIAL1
Luciana Jaccoud2
Palavras-chave
Programa Bolsa Família, seguridade social, pobreza, garantia de direitos, mercado
de trabalho.
Resumo
Esse texto3 tem como objetivo analisar a trajetória recente da seguridade social no
Brasil a partir da evolução dos programas contributivos e não-contributivos de
garantia de renda. Respondendo, de um lado, à configuração dada pela
Constituição Federal às políticas de previdência e de assistência social e, de
outro, ao surgimento de programas de transferência de renda voltados à
população em situação de extrema pobreza, a proteção social brasileira tem sido
objeto de importantes mudanças nos últimos anos. Pretende-se discutir tais
mudanças e seus impactos, destacando o movimento de progressiva inclusão de
novos grupos de beneficiários, a ampliação da cobertura para uma maior
diversidade de situações de risco e o perfil dos beneficiários tendo em vista de sua
inserção no mundo de trabalho. Destaca-se também que esse processo de
expansão vem sendo acompanhado pelo surgimento de novas tensões,
vinculadas tanto ao contexto de precária configuração do mercado de trabalho
como às dificuldades de ainda presente em garantir a articulação entre as políticas
de combate à pobreza e a consolidação da seguridade social.
1
A autora agradece os comentários e sugestões apresentados pelos colegas da Diretoria de Estudos Sociais
(Disoc) do Ipea, e por Milko Matijascic e Fernando Gaiger. Agradece ainda ajuda de Patrícia El-Moor e
Juliana Rochet na organização dos dados.
2
Técnica de Planejamento e Pesquisa da Diretoria de Estudos Sociais - DISOC/Ipea.
3
Esse trabalho foi publicado como Texto de Discussão do IPEA. Uma primeira versão foi publicada no livro
“Previdência Social: como incluir os excluídos: uma agenda baseada no desenvolvimento econômico com
distribuição de renda”, organizado por Fagnani, Henrique e Lúcio (2008).
1
1- Introdução
A pobreza e a indigência, entendidas como situações sociais marcadas pela
carência e pela vulnerabilidade, têm se imposto como questões centrais do debate
público brasileiro e têm efetivamente sido objeto de um conjunto de intervenções
de governo. Desde a Constituição, assiste-se a ampliação dos programas de
garantia de renda, destacando-se a emergência de benefícios monetários de
natureza não-contributiva operados pelo governo federal, e que podem ser
considerados hoje parte importante do sistema de proteção social e da seguridade
social brasileira.
A operação desses benefícios tem promovido uma ampliação do debate sobre
aspectos centrais da nossa proteção social. Temas referentes ao papel a ser
cumprido pelo patamar não-contributivo, sua articulação com o conjunto de
benefícios previdenciários, seu impacto distributivo e sua influência sobre o
comportamento dos beneficiários e sobre sua situação de carência vem sendo
amplamente discutidos. De fato, as mudanças observadas nos últimos 20 anos,
decorrentes da relativização do caráter contributivo da previdência social e da
criação dos benefícios assistenciais têm recolocado a questão sobre qual patamar
de proteção (e de desproteção) social a sociedade está operando e qual o seu
impacto no tratamento da pobreza, seja no que diz respeito ao combate das
situações de ausência ou insuficiência de renda ou ao objetivo de evitar a
instalação das situações de carência. Mais ainda, tais mudanças têm permitido
aprofundar o debate sobre a necessidade de ampliação e qualificação da ação
social do Estado, parte de uma discussão mais ampla sobre a capacidade da
sociedade brasileira de conviver com níveis praticamente inigualáveis de
desigualdade, assim como sobre o potencial de antagonismo e de conflito que
essa desigualdade contém.
Esse texto tem como objetivo retomar as questões da pobreza e da
desigualdade no Brasil a partir da trajetória recente das políticas de proteção
social.4 De um lado observa-se a ampliação da cobertura para riscos relacionados
à perda da capacidade de trabalho e, de outro, o surgimento de um pilar de
garantia de renda à população em situação de extrema pobreza. Como produto
desse processo, emerge no país um sistema de proteção social que busca
compatibilizar programas de naturezas diversas em um movimento de expansão
4
Nesse texto, o termo proteção social será utilizado de maneira reduzida, ou seja, em referência
aos programas que têm como objetivo garantir segurança de renda: aqueles que visam manter a
renda das pessoas que tem interrompida sua atividade produtiva por motivos de desemprego,
doença, invalidez ou aposentadoria, assim como os programas que aportam ajuda financeira às
pessoas e famílias que não tem renda ou cuja renda se revela insuficiente.
2
que, apesar de desigual, parece ocorrer também em outras áreas da política
social.5
A hipótese que sustenta a argumentação é a de que no Brasil, a pobreza de
parcelas significativas da população e a extrema desigualdade que vem marcando
a sociedade, colocam importantes dificuldades para a ampliação da coesão social
e para a reprodução da estabilidade e legitimidade do regime democrático. De um
lado, a pobreza questiona a capacidade do sistema econômico de transformar
trabalho em bem estar. Nesse mesmo sentido, ameaça a legitimidade do trabalho
e da ética do trabalhador quando o padrão de restituição em forma de salário,
proteção social e posição social não garantem o fim da precariedade de vida numa
sociedade em constante produção de riqueza. De outro lado, no campo político, a
ainda recente conformação do Estado Democrático de Direito encontra na pobreza
e na desigualdade fontes permanentes de tensão. Fundando sua legitimidade no
estatuto de igualdade que equipara todos os cidadãos, inclusive os pobres, a
democracia, como diz Procacci (1993, p.16), ancora-se no pressuposto de que “os
pobres não podem não ser iguais”. A sociedade brasileira enfrenta hoje o desafio
de, ao mesmo tempo combater a pobreza e reduzir a desigualdade, ampliando o
acesso aos direitos sociais numa ordem política fundada no reconhecimento da
igualdade.
Todos esses desafios vêm tensionando o debate político e repercutindo na
formatação da proteção social. Cabe destacar que a trajetória dos últimos anos
tem revelado a densidade da institucionalidade das políticas de garantia de renda
que emergiram no pós-1988. Apesar de combatidas de um lado, por um forte
discurso de crítica à expansão da intervenção do Estado, e de outro, por reformas
restritivas e por limitações de ordem fiscal e orçamentária, tais políticas e seus
programas consolidaram-se no período. Ao mesmo tempo, observa-se a expansão
delas com o surgimento de novos programas que, se emergiram como projetos
alternativos, vêm conseguindo operar de forma complementar aos já existentes.
Contudo, a consolidação desse modelo depende não apenas de seus impactos
diante da gravidade do quadro social brasileiro, mas também de um
aprofundamento do debate sobre o papel das políticas de proteção social em um
projeto de sociedade menos desigual.
Esse trabalho está organizado em oito seções. Após um rápido retrospecto da
evolução recente da seguridade social, na segunda seção, se segue, na terceira,
um esforço de analise da garantia de renda operada pelo governo federal, a partir
da identificação da origem e dos objetivos dos diferentes programas que a
5
Uma ampla avaliação da política social brasileira para o período 1995-2005, seu processo de
expansão e os limites em que ele tem operado pode ser encontrada no boletim Políticas Sociais:
acompanhamento e análise, número 13, edição especial (Ipea, 2007).
3
compõe. Os programas serão analisados distinguidos em dois grupos. De um
lado, os programas de transferência de renda de natureza não-contributiva, que
visam garantir uma renda à população pobre. Estão neste grupo os programas
vinculados à comprovação de insuficiência de renda, quais sejam: o Benefício de
Proteção Continuada (BPC) e o Programa Bolsa-Família (PBF). De outro, os
programas contributivos que têm por objetivo aportar recursos nos casos de perda
da capacidade de trabalho. Compõem este grupo os diferentes regimes da
previdência social, dos quais será destacado apenas o regime geral.
Na quarta seção, são analisados o público coberto por esses programas e o
tipo de proteção que recebem. Pretende-se identificar as características das
populações beneficiárias no que se refere à sua participação no mercado de
trabalho. Efetivamente, enquanto as transferências realizadas pela previdência
social e pelo BPC visam proteger populações reconhecidas como dispensadas ou
impossibilitadas - temporária ou definitivamente - de arcarem com sua
sobrevivência mediante o próprio trabalho, o PBF alcança principalmente aquelas
famílias cujos membros adultos estão em idade economicamente ativa e
participam do mercado de trabalho. Em seguida, discute-se a participação das
categorias indigente e pobre no mercado de trabalho. Na sexta seção procurou-se
analisar a articulação entre proteção social e seus diferentes programas e a sua
relação com o trabalho, enfocando tanto a vinculação entre as formas de trabalho
e o formato da proteção, via seguro e assistência social. Na sétima seção,
pretende-se retomar o debate sobre os riscos que a pobreza e a desigualdade
vêm aportando para a sociedade brasileira, e o papel que pode cumprir a proteção
social no processo de modernização social, democratização do espaço público e
na própria dinâmica de organização e integração social. Por fim, na conclusão,
serão discutidas sucintamente algumas propostas visando o aperfeiçoamento dos
programas de proteção social tendo em vista o objetivo de universalizar a
cobertura e ampliar o combate à pobreza e à vulnerabilidade.
2- A evolução recente da seguridade social
A Constituição é marco central para analisar a evolução recente da
proteção social no Brasil. Instituindo novas regras para os benefícios vinculados à
previdência social, criando benefícios no âmbito da assistência social e
assegurando a sua integração sob o princípio da seguridade social, a Constituição
alterou o quadro da proteção social com expressivos impactos, tanto em termos
de ampliação da cobertura como em termos redistributivos. Com a introdução da
chamada previdência rural, flexibilizou-se a forma de contribuição do trabalhador
4
rural em regime de economia familiar, ultrapassando-se os limites da concepção
estrita de seguro social até então em vigor. Essa nova categoria de segurado
passa a ser regida por princípios diferenciados, que desvinculam o acesso ao
benefício da comprovação de contribuição individual ao regime previdenciário e o
associam à comprovação da inserção naquele regime de produção.
Paralelamente, a implantação do BPC, assegurando uma renda mensal de
cidadania a todos os idosos e pessoas com deficiência em situação de pobreza,
também significou uma relevante inovação. Ela garantiu uma ampla cobertura da
população idosa pela proteção social, além de atender de maneira inovadora no
país às pessoas com deficiência em famílias pobres independentemente de
qualquer contribuição.
Se tais inovações tiveram um impacto positivo na ampliação da cobertura
dos programas de segurança de renda à população brasileira, reformas
implementadas durante a década de 1990 buscaram atuar no sentido contrário. A
adoção de medidas restritivas, em que pese não terem alterado a configuração e
as características de base da previdência social (Ipea, 2007), significou a
ampliação da desprotecão para alguns grupos de trabalhadores. Entre essas
medidas, deve ser destacada a substituição da comprovação de tempo de serviço
por tempo de contribuição para acesso à aposentadoria, fazendo crescer o risco
de perda da condição de segurado e dificultando o acesso aos benefícios
previdenciários.6
No campo dos benefícios assistenciais, reformas implementadas permitiram
ainda, além do BPC, o aparecimento e a posterior consolidação de novos
benefícios. Ao contrário dos programas contributivos, que têm longa história no
Brasil, as chamadas transferências de renda não-contributivas têm origem
bastante recente. Elas emergem, na esfera federal, no início dos anos 2000,
operando novos tipos de benefícios monetários, não previstos pelo texto
constitucional. Quase simultaneamente, entre abril de 2001 e janeiro de 2002, o
governo federal institui os programas Bolsa Escola, Bolsa Alimentação e o Auxílio
Gás.7 Num contexto de crítica à seguridade social, esses programas se voltavam
ao atendimento de famílias pobres e se associavam a um projeto de restrições
progressivas às coberturas universais asseguradas pelo modelo de proteção
social adotado em 1988.
Sobre as reformas previdenciárias implantadas durante a década de 1990, ver Fagnani (2007).
Sobre seu impacto restritivo no que diz respeito ao acesso, ver ainda Matijascic, Kay e Ribeiro
(2007) e Campos e Pochmann (2007).
7
Esses programas tinham em comum a mesma definição de população beneficiária (famílias de
renda mensal inferior a ½ salário-mínimo (SM) per capita, o que correspondia, na época, a R$ 90).
O Bolsa Escola e o Bolsa Alimentação compartilhavam também os valores dos benefícios (R$ 15
por criança, até um total máximo de R$ 45), e o fato de beneficiarem apenas famílias que tivessem
crianças em sua composição.
6
5
Contudo, a evolução observada nos últimos anos não vem apontando no
sentido da consolidação de restrições à cobertura no campo da seguridade social.
Os programas de transferência de renda, que haviam sido acrescidos em 2003, do
chamado Cartão Alimentação,8 foram unificados, em 2004, pelo PBF. Esse
programa garantiu a implementação de um benefício básico voltado às famílias
mais pobres independentemente da composição familiar. Ao lado dele, instituiu-se
um piso variável, vinculado à existência de crianças na família. A progressiva
expansão do PBF, levando à implantação de uma ampla cobertura ao longo dos
últimos 4 anos,9 vem consolidando a transferência de renda não-contributiva como
um novo pilar da proteção social brasileira, cumprindo um papel específico e
complementar aos demais programas de segurança de renda, como será visto a
seguir.
3- A cobertura dos benefícios contributivos e os não-contributivos
Em seu novo formato, a garantia de renda no campo da seguridade social
vem operando por meio de uma política contributiva e por programas
assistenciais, de natureza não-contributiva e seletiva, dirigida a um público
geralmente definido sob condições de renda.10 Essas ações perseguem objetivos
distintos: enquanto o seguro social visa evitar as situações de ausência de renda
nos casos da perda da capacidade de trabalho, os programas assistenciais
buscam fazer frente às situações em que a pobreza já está instalada. Observando
sua trajetória desde a década de 1990, percebe-se a afirmação progressiva
dessas duas vertentes de garantia de renda. Elas se tornam responsáveis por um
patamar progressivo de cobertura, em que pese a manutenção de um elevado
grau de desproteção social no país.
A previdência social que emerge da Constituição mantém-se organizada sob a
base da contribuição de empregados e empregadores, garantindo proteção aos
riscos sociais para os trabalhadores com contratos formais de trabalho.11 Para os
demais grupos de trabalhadores, a lei institui tratamento distinto. A grande
inovação instituída com a ampliação da cobertura previdenciária aos trabalhadores
8
Sobre a evolução desses programas, ver Ipea (2007).
Uma estimativa da ainda incompleta cobertura do PBF foi realizada por Lavinas e Cavalcanti
(2007).
10
Além desses dois modelos, cabe destacar a existência de um terceiro formato de políticas de
garantia de renda, constituída pelos programas universais de transferência de renda (Morel, 1999).
Distintos do seguro social e da assistência social, programas dessa natureza ainda não operam no
Brasil, como destacam Lavinas e Cavalcanti (2007).
11
Cabe lembrar que a Constituição de 1988 reconheceu o seguro-desemprego como parte da
proteção previdenciária.
9
6
rurais em regime de economia familiar significou a inclusão de milhões de famílias
na previdência social, com a quase universalização de sua cobertura no meio
rural. Entretanto, quadro diferente se desenha para os trabalhadores urbanos não
atrelados a contratos formais de trabalho. Este configura um grupo ainda
majoritariamente excluído da proteção previdenciária. Analisando as taxas de
contribuição à previdência social das ocupações não assalariadas, Campos e
Pochmann (2007) concluem que menos de 11% desses trabalhadores (ocupados
por conta-própria, em emprego sem carteira, em atividades em produção para o
próprio consumo, em construção para próprio uso ou sem remuneração)
mantinham-se, em 2006, como contribuintes. A baixa taxa de contribuição é
reforçada pelo expressivo número de desempregados no mercado de trabalho
assim como pela alta rotatividade no emprego que, segundo aqueles autores,
compromete a permanência da filiação previdenciária e, em conseqüência, a
garantia da proteção social decorrente.
O caminho da inclusão previdenciária vem sendo perseguido pelo Ministério
da Previdência desde 2004, com medidas como o Super Simples, que busca a
ampliar a cobertura dos empregados sem carteira, a adoção de incentivos
tributários para a formalização dos empregados domésticos e, mais recentemente,
a instituição do regime simplificado de aposentadorias, que reduziu a alíquota de
contribuição para autônomos, estudantes e donas de casa.12 Contudo, a baixa
renda, a precariedade dos vínculos trabalhistas e a incerteza ocupacional que
caracterizam as atividades de grande número de trabalhadores urbanos tornam a
instituição de uma cobertura universal de base contributiva no país pouco
exeqüível.
À guisa de um balanço geral, no que diz respeito à cobertura, a previdência
social ampliou a população protegida que passou, entre 1995 e 2005, de menos
de 36 para mais de 47 milhões de pessoas, representando um incremento de 32%
no número de trabalhadores diretamente amparados - 56% da População
Economicamente Ativa (PEA). Contudo, estima-se que, em 2005, 38 milhões de
trabalhadores (44% da PEA) não contavam com amparo previdenciário (IPEA
2008).
Ao lado da previdência social, a Carta Constitucional instituiu uma segunda
garantia de renda vinculada à seguridade social, o BPC. De natureza nãocontributiva, esse benefício assistencial visa à proteção dos inativos – idosos e
deficientes - em situação de indigência. O BPC garante uma renda de
solidariedade nacional por meio do pagamento de um benefício mensal no valor
de 1 SM aos idosos (com 65 anos ou mais) e às pessoas com deficiência
12
Ver a respeito Ipea (2007b).
7
consideradas incapacitadas para a vida autônoma e para o trabalho e em situação
de extrema pobreza. A Lei Orgânica da Assistência social (Loas) regulamentou o
BPC fixando o acesso ao benefício para aqueles cuja renda familiar per capita
seja inferior a ¼ do SM. O BPC foi o primeiro benefício assistencial implementado
no país em escala nacional, tendo começado a operar em 1996.13
A ampliação da proteção social no campo dos benefícios não-contributivos
foi realizada mais recentemente por meio dos chamados programas transferência
de renda. Apesar de sua origem estar largamente assentada em uma busca de
alternativa ao modelo universalista de proteção social que emergiu da
Constituição, essa iniciativa se consolidou nos últimos anos por meio do PBF e
vem, em larga medida, se integrando àquele modelo. É o que se pode deduzir ao
observar o público coberto hoje pelo PBF, distinto tanto daquele que contribui para
a previdência social quanto dos beneficiários do BPC. Para garantir uma renda
mínima a toda a população em situação de extrema pobreza, o PBF alcança
principalmente famílias cujos membros adultos estão em idade economicamente
ativa e participam do mercado de trabalho.
Herdeiro dos programas de transferência de renda implementados no final dos
anos 1990 em diversas cidades brasileiras, e após 2000, pelo governo federal, o
PBF introduz uma relevante inovação com relação aos anteriores. Os primeiros
programas federais beneficiavam principalmente famílias em situação de pobreza
que contavam com crianças em sua composição, reafirmando assim a idéia da
vulnerabilidade pela idade como condição para a legitimidade da transferência de
renda. O PBF, ao contrário, mantém uma faixa de proteção que beneficia qualquer
família, independentemente de sua composição. Como mostra o quadro 1, em
janeiro de 2008, as famílias cuja renda per capita for inferior a R$ 60,00, tendo ou
não crianças, têm acesso ao chamado piso básico do programa, no valor de R$
58,00. Ao lado desse piso o programa opera também com dois pisos variáveis: um
no valor de R$ 18,00, para cada criança ou adolescente de até 15 anos, no limite
de três filhos por família e o outro no valor de R$ 30,00 para cada jovem entre 16
e 17 anos, no limite de até 2 jovens por família.14 Esses dois pisos são concedidos
para as famílias com renda mensal até R$ 60,00 que tenham crianças e também
para as famílias com renda mensal per capita entre R$ 60,01 e R$ 120,00. Os
valores pagos pelo Bolsa Família variam, assim, entre R$ 18,00 e R$ 172,00, de
acordo com a renda mensal da família e o número de crianças e jovens.
13
Devido a expressiva cobertura dos idosos rurais pela previdência rural, o BPC se caracteriza
hoje, como um benefício quase integralmente urbano e atende parte da população idosa urbana
não segurada pela previdência social. Em 2006, 8 em cada 10 idosos brasileiros recebiam
benefícios da seguridade social, sendo que esse número subia para 9 em cada 10 residências com
presença de idosos. (Ipea, 2007a).
14
O BVJ passou a ser implementado a partir de março de 2008.
8
QUADRO 1
Tipos de benefícios concedidos pelo PBF
-janeiro de 2008
Famílias com renda de até R$
60,00 per capita
Famílias com renda entre 60,01 e
120,00 per capita e com crianças
de 0 a 16 anos
Piso básico
Benefício fixo de R$ 58,00
-
Piso variável - crianças
Benefício de R$ 18,00 por
criança (máximo de 3 crianças)
Benefício de R$ 18,00 por criança
(máximo de 3 crianças)
Benefício variável jovem (BVJ)
Benefício de R$ 30,00 por jovem
(máximo de 2 jovens)
Benefício de R$ 30,00 por jovem
(máximo de 2 jovens)
R$ 172,00
R$ 114,00
Valor máximo do benefício por
família
Fonte: MDS
Elaboração: DISOC/IPEA.
Assentado no princípio da solidariedade nacional, o PBF representa um
avanço na proteção social e na seguridade social brasileira.15 Pela primeira vez, a
nossa política social opera um programa de distribuição de renda à população
pobre, independente de comprovação de incapacidade para o trabalho ou de
afirmação de mérito. Na história da assistência social no país, a identificação do
“pobre merecedor” sempre organizou as práticas de ajuda, seja ela pública ou
privada. Por esse critério era identificada a população pobre “desobrigada” de
cobrir suas necessidades pelo exercício do trabalho - crianças, deficientes, idosos
ou mulheres com filhos – ou a população trabalhadora vítima de situações trágicas
ou episódicas que legitimassem a oferta do benefício monetário – secas, morte,
acidentes etc. O acesso convencional dos trabalhadores a benefícios monetários
da seguridade social deveria se fazer pela previdência social, enquanto se
mantinha para a parcela da população em idade ativa, mas sem trabalho estável
ou remunerado que lhe desse acesso ao seguro social, a suspeita da corrupção
moral - indigência, preguiça, indolência, ou irresponsabilidade -, justificando a
ausência de qualquer proteção social garantida pelo Estado.
A inovação representada pelo Bolsa Família diz respeito, assim, ao
reconhecimento da relevância e da legitimidade de garantir um aporte de renda a
15
Apesar de ser operado por uma gestão própria e independente, esse programa é aqui entendido
como um programa do campo da assistência social – e, em decorrência, da seguridade social
devido ao fato de : a) ser um benefício não-contributivo; b) operar no âmbito da segurança de
renda; c) ter cobertura universal no grupo beneficiário; e d) não contrariar os princípios que regem
a seguridade social expressos no artigo 194 da Constituição Federal. Em que pese ser um
benefício assistencial, o PBF ainda não pode ser identificado como um direito social.
9
todos aqueles que estejam abaixo de um patamar de renda considerado mínimo.
Tal garantia não precisa estar submetida à existência de características
específicas como exercer ou não uma atividade remunerada, habitar área urbana
ou rural ou ter ou não filhos.16 Em que pesem as restrições representadas pelo
limitado valor do benefício ofertado (cujo valor médio era de R$ 72,00 em
dezembro de 2007) e pela a ausência de uma regra de indexação, a instituição do
PBF parece efetivamente configurar a formação de um novo pilar no sistema de
proteção social no país.17
A cobertura desse conjunto de programas de segurança de renda é, hoje,
expressiva. Como pode ser observado na tabela 1, em dezembro de 2007,
considerando o PBF, o BPC e o Regime Geral da Previdência Social (RGPS), a
seguridade social brasileira operou mais de 36 milhões de benefícios, dos quais
mais de 27,9 milhões (78%) eram de até 1 SM e cerca de 17 milhões tinham o
valor de 1 SM.
TABELA 1
Benefícios previdenciários e assistenciais: número total e benefícios no valor de até 1
SM- dezembro de 2007
PBF
Benefícios
assistenciais*
Benefícios
previdenciários
- RGPS
Total
Número de benefícios emitidos
11.043.076
3.080.821
22.066.263
36.026.502
Total dos benefícios com valor
igual ou menor que 1 SM
11.043.076
3.080.764
14.010.026
27.954.453
Percentual dos benefícios com
valor igual ou menor que 1 SM
100,0
99,9
63,5
77,7
Fontes: Boletim Estatístico da Previdência social- v.12, n. 12 e MDS, relatório do PBF.
Elaboração: DISOC/IPEA.
* Consideram-se aqui os benefícios do BPC e os benefícios referentes à Renda Mensal Vitalícia – RMV.
O PBF atendeu, em dezembro de 2007, cerca de 11 milhões de famílias em
todo o país, estimando-se um alcance para 54 milhões de pessoas. O BPC
distribuiu no mesmo período 2,7 milhões de benefícios, sendo que deste número,
1,3 milhão era para idosos e 1,4 milhão, para pessoas portadoras de deficiência
que as incapacitavam para o trabalho. Somando aos beneficiários do BPC aqueles
16
Mesmo que o valor do benefício varie em função da composição da família, o piso básico
independe dessa composição, como já citado.
17
Cabe lembrar que o caráter condicionado dos benefício do PBF no que se refere a famílias com
crianças (a grande maioria das famílias beneficiárias) pode vir a representar uma restrição na
configuração desse novo patamar de garantia de renda. Até o momento, as condicionalidades não
tem sido usadas em seu potencial punitivo e sim geridas em favor da inserção dos membros
dessas famílias em outros campos da política social.
10
que ainda recebem a antiga RMV18, o número de pagamentos no campo desses
benefícios assistenciais sobe para 3,1 milhões.
Entre os benefícios previdenciários pagos pelo RGPS,19 aqueles de 1 SM
representaram 63,5% do número de benefícios pagos no mês de dezembro,
cobrindo praticamente 14 milhões de beneficiários. Cabe lembrar que entre os
benefícios previdenciários predominam os de aposentadoria e pensões por morte,
que somam mais de 90% do total dos benefícios.20
Contudo, em que pese a relevância da cobertura garantida pela seguridade
social e seus impactos redistributivos,21 cabe ainda ampliar o debate sobre o papel
dos programas que operam benefícios monetários no combate à pobreza e à
iniqüidade no país. O aprimoramento de tais programas e sua integração com o
sistema contributivo de proteção aos riscos sociais passam, neste momento, por
uma discussão mais ampla sobre o papel das políticas de solidariedade nacional
na garantia de rendas mínimas nas diversas situações de vulnerabilidade social e
pobreza.
4- Pobreza, pobrezas e garantia de renda
Do quadro de cobertura já apresentado, destacam-se não apenas a
diferenciação do objetivo dos programas contributivos e não-contributivos que
compõem hoje a proteção social brasileira no campo da garantia de renda, como
também a diferença de público-alvo. De fato, aqueles programas beneficiam
populações distintas no que se refere à sua participação no mercado de trabalho.
Os benefícios sob responsabilidade da previdência social, assim como o BPC,
visam beneficiar as populações reconhecidas como dispensadas ou
18
A RMV foi substituída pelo BPC em 1996. A partir de então foram canceladas novas
concessões, passando a ser pagos somente os benefícios já concedidos.
19
Além do RGPS, a previdência social opera ainda os Regimes Próprios de Previdência Social
(RPPS) e regimes complementares. A previdência básica, formada pelo RGPS e administrada pelo
Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), atende obrigatoriamente aos empregados do setor
privado - regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)-, de empresas estatais,
trabalhadores rurais do Regime de Economia Familiar, assim como os conta-própria e contribuintes
avulsos. Este é o principal pilar da previdência social. Os RPPS englobam os regimes de
previdência para servidores públicos civis e militares em níveis federal, estadual e municipal. Há
RPPSs nos 27 estados e no Distrito Federal e em mais de 2.100 municípios, atendendo, em 2005,
6% dos segurados da previdência social. Por fim, a previdência complementar tem por objetivo
conceder benefícios opcionais complementares aos segurados da previdência dos empregados do
setor privado.
20
Os demais benefícios previdenciários são os auxílios por motivo de doença, acidente ou
reclusão e o salário-maternidade. Somam-se a eles os benefícios acidentários, também de
pequena expressão.
21
Um conjunto de estudos vem se debruçando sobre o impacto distributivo desses programas. Ver,
entre outros, Soares et al. (2006) e Soares et al. (2007).
11
impossibilitadas, temporária ou definitivamente, de arcarem com sua
sobrevivência pelo próprio trabalho. O Bolsa Família, por outro lado, alcança
principalmente aquelas famílias cujos membros adultos estão em idade
economicamente ativa e participam do mercado de trabalho. Assistiu-se, assim,
nos últimos 20 anos, a uma ampliação da cobertura para riscos relacionados à
perda da capacidade de trabalho, sob o qual se voltam benefícios contributivos e
não-contributivos, ao mesmo tempo em que inaugurou-se um novo pilar visando à
garantia de renda para a população em situação de ausência ou insuficiência de
renda.
Os dois processos de expansão dialogaram com o movimento de
esgotamento do modelo histórico de proteção social implantado no país a partir
dos anos 1930 e que, desde a década de 1980, via serem minadas as bases sob
as quais se assentava. De um lado, ficava evidente a impossibilidade de
universalização da cobertura de um sistema organizado sobre as bases restritas
do seguro social. Chegava ao fim a expectativa de progressiva ampliação dessa
cobertura, a ser realizada pelo avanço do assalariamento e do crescimento dos
postos de trabalho ligados a setores dinâmicos da economia, e que garantiriam
inclusive o crescimento das remunerações. De outro lado, também se exauria o
projeto desenvolvimentista que operava com a promessa de inclusão gradativa do
conjunto de trabalhadores no mercado de trabalho moderno e protegido, e que,
com a manutenção dessa expectativa, atuava como legitimador da exclusão
presente de expressivos segmentos de trabalhadores (Theodoro, 2003).
Efetivamente, o desenvolvimento econômico acenava para a melhoria das
rendas a serem obtidas no mercado de trabalho, ao mesmo tempo em que o
seguro social pretendia garantir o enfrentamento dos riscos relacionados à perda
da capacidade de trabalho de um grupo cada vez maior de trabalhadores. Essa
perspectiva se alimentava (ao mesmo tempo em que o reforçava) de um projeto
de sociedade ancorado na dinâmica do trabalho e na sua valorização. A
retribuição justa do trabalhador por meio de participação no mercado de trabalho
se estenderia, também fora dele, pela sua contribuição à previdência social.
Se a estagnação econômica que marcou os anos 1980 e 1990 minou parte
das promessas que trazia a previdência social desde sua origem, a legitimidade
desta instituição não foi, contudo, abalada. De fato, o seguro social no Brasil se
constitui em um mecanismo solidamente ancorado em termos políticos e sociais.
Sua força se baseia na valorização das relações assalariadas de trabalho,
entendida como parte do processo geral de modernidade e de mobilidade social
de cada um de seus participantes, bem como no alto grau de legitimidade de um
direito social ancorado no pagamento de contribuições. O seguro social pressupõe
a prévia contrapartida, via cotização, que assegura o direito ao recebimento do
12
benefício. Ao lado da contribuição como participação e esforço individual que
garante o direito, o seguro social reforça a centralidade do trabalho enquanto valor
e prática social.
O surgimento de benefícios monetários não ancorados na contribuição
social ou na comprovação do exercício do trabalho legítimo faz emergir tensões
expressivas no campo da proteção social. Como chama a atenção Morel (1999), a
assistência social, ao contrário, do seguro social, não responde ao princípio da
reciprocidade. De fato, além de estar assentada na separação entre os que pagam
e os que recebem, a assistência social exige a comprovação do estado de
necessidade. A ausência de contrapartida coloca poucos problemas quando os
benefícios assistenciais são dirigidos aos idosos - cuja contribuição ao
desenvolvimento social já teria sido dada -, às crianças - cuja contribuição ainda
será efetuada-, e aos doentes ou inválidos - para quem tal demanda pode ser
suspensa. Mas os problemas são efetivos quando se trata da parte do sistema de
proteção social que atende à população em idade ativa e em condições de
trabalho.
O benefício sem a contrapartida da cotização para a população apta para o
trabalho parece questionar a própria obrigação do trabalho que organiza as
sociedades modernas. Ao mesmo tempo, significa um reconhecimento da
incapacidade do sistema econômico em prover oportunidades à população. Esses
benefícios parecem ainda ameaçar a organização do trabalho ao proteger grupos
sociais cuja participação no processo produtivo permanece precária, inclusive
devido à sua própria ausência de motivação, segundo sustentam certos setores. A
suspeita que se dirige contra os segmentos de trabalhadores pobres não
integrados às relações formais de trabalho é um elemento permanente do debate
social e vem atuando ativamente, desde a década de 1930, contra as propostas
de ampliação da cobertura da proteção social no Brasil (Jaccoud, 2002).
Contudo, a longa crise econômica associada à redução da criação de
postos de trabalho formais e à queda da renda média do trabalho permitiu dar
corpo à instituição de uma política de garantia de renda para um espectro
ampliado da população. Entendida como uma medida pontual de luta contra a
pobreza, essa nova política terminou por efetivar o reconhecimento de novos
interesses e a garantia de proteção às parcelas mais vulneráveis da sociedade.
Nesse contexto, a assistência social passou a se responsabilizar por um braço
distinto e complementar da proteção social. Atingiu uma população impossibilitada
de obter renda satisfatória via sua inserção no mercado de trabalho, bem como de
se assegurar, via cotização, de uma proteção social nas eventualidades da
incapacidade para o trabalho.
13
Entretanto, a ampliação do escopo da cobertura dos programas de garantia
de renda ainda não está consolidada. A adoção dos benefícios assistenciais
depende da clara afirmação de um projeto político abrangente, que mobilize um
novo patamar de intervenção do Estado no campo social. Esse papel “reparador”
ou compensatório precisa ampliar sua legitimidade ao combater situações de
carência e limitações de autonomia consideradas socialmente injustas. Essa,
contudo, não é uma trajetória simples, como tem mostrado, no caso do Brasil, não
apenas os debates em torno da consolidação e ampliação do PBF, como da
continuidade da previdência rural e do BPC.
5- Pobreza e mercado de trabalho
Em que pese a visão uniforme sobre pobre e pobreza que vêm marcando o
debate em torno do PBF, torna-se importante destacar sua relação com a questão
do trabalho. Em um contexto econômico marcado pela expressiva precariedade do
mercado de trabalho, e por um tecido social caracterizado por uma enorme
heterogeneidade, avançar no debate sobre o público potencial do PBF pode
permitir uma clareza maior do papel de proteção social que esse programa exerce
e que pode vir a exercer.
Visando analisar com mais atenção os domicílios cujos chefes estão em
idade ativa e fazem parte da PEA, as tabelas 2 e 3 trazem informações sobre as
ocupações desses chefes, assim como sobre a renda média per capita de seus
domicílios no ano de 2006.
A tabela 2 permite observar a posição na ocupação do conjunto dos chefes
de família com idades de 16 a 59 anos pertencentes à PEA, segundo a faixa de
renda de suas famílias.22 Considerando todas as faixas de renda, vê-se que o
maior grupo de chefes de família está ocupado em empregos com carteira (35%),
seguidos pelos conta-própria (26%) e pelos empregados sem carteira (15%).
Apenas 4% são desempregados e menos de 2% trabalhadores sem remuneração.
Ao considerar apenas as famílias cuja renda familiar encontra-se abaixo de
¼ do SM, observa-se que 40% de seus chefes estão ocupados por conta própria,
30% são empregados sem carteira (incluindo os domésticos sem carteira) e mais
de 17% são desempregados. É interessante também observar que 6% das
De acordo com a metodologia adotada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
considera-se que existirem famílias conviventes no mesmo domicílio. Contudo, devido ao fato de
que, em 2006, 72% dos chefes das famílias conviventes eram filhos e 26,7% eram parentes do
chefe do domicílio, optou-se, no texto, por tratar indistintamente famílias e domicílios.
22
14
famílias cujos chefes estão ocupados em empregos com carteira encontram-se
em situação reconhecida como de indigência.
Tabela 2 – Distribuição dos chefes de domicílios*, segundo a posição na ocupação, por
estratos de renda domiciliar per capita - 2006 (em %)
Posição da ocupação
População total
Doméstico sem carteira
Doméstico com carteira
Funcionário público e militar
Empregados sem carteira
Empregados com carteira
Empregador
Conta-própria
Sem remuneração
População desocupada/desempregada
Total de
pessoas
100,00
3,33
1,60
7,20
15,16
35,08
6,19
25,69
1,75
3,99
Renda domiciliar per capita em SM
0 |-- 1/4
100,00
5,55
0,44
0,71
23,65
5,94
0,76
39,39
6,91
16,66
1/4|-- 1/2
100,00
5,73
1,70
2,55
22,04
30,07
1,48
29,00
2,11
5,33
1/2|-- 1
100,00
4,14
2,19
4,73
15,74
40,84
2,90
25,27
1,29
2,91
1 ou +
100,00
1,50
1,48
11,74
10,43
39,84
11,01
21,79
0,78
1,43
Fonte:IBGE/Microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2006.
Elaboração: Ipea/Disoc - Núcleo de Gestão de Informações Sociais.
* Participantes da PEA com idade entre 16 a 59 anos.
Considerando que quando a pesquisa da Pnad foi a campo, o SM era de
R$ 350, cabe lembrar que o corte de ½ SM equivalia, em valores nominais, a R$
175. Nesse sentido, boa parte das famílias com renda entre ¼ e ½ SM era
público-alvo do PBF que, desde abril de 2006, utilizava como valor para acesso a
renda familiar per capita de até R$ 120.23 Nesse grupo, como também pode ser
visto na tabela 2, altera-se significativamente a ocupação dos chefes de família
com relação ao observado no estrato anterior. O maior grupo passa a ser de
empregados com carteira (30%), seguidos dos ocupados por conta própria (29%)
e pelos empregados sem carteira (28%). Os chefes de família desempregados
representam apenas 5% nesse grupo de renda.
Cabe observar que se decidiu utilizar, nesse trabalho, as faixas de renda de ¼, ½ e 1 SM por
dois motivos. O primeiro se refere ao fato de que essa classificação tem sido a mais usual nas
análises sobre pobreza e indigência no Brasil. O segundo se deve a dificuldades metodológicas e
analíticas que poderiam advir aqui da utilização dos valores nominais então usados pelo PBF.
Devido a não disponibilidade, até a conclusão desse artigo, dos dados do Suplemento da Pnad
2006 (que permite a identificação dos beneficiários do PBF), uma separação das famílias entre as
que tem renda abaixo ou acima de R$ 120,00, não permitiria informar, por exemplo, quais estariam
acima desse patamar devido ao recebimento do PBF ou quais estariam abaixo mesmo computado
aquele benefício entre suas fontes de renda. Optou-se, assim, por não associar os dados
apresentados ao corte de renda de acesso ao PBF.
23
15
Visando completar os dados apresentados, a tabela 3 permite visualizar a
freqüência das famílias nas diferentes faixas de renda com relação à posição na
ocupação dos chefes da família. Observa-se que, de acordo com a Pnad 2006,
pouco menos que 10% das famílias cujos chefes participavam da PEA estavam
em situação de indigência. Contudo, mais de 40% das famílias cujo chefe estava
desempregado se encontravam nesse grupo. Praticamente o mesmo se observa
nas famílias onde o chefe trabalha sem remuneração.
Nas famílias brasileiras onde os chefes trabalham como doméstico sem
carteira, 16% estão em situação de indigência. O mesmo acontece nas famílias
onde o chefe trabalha como empregado sem carteira ou por conta própria.
A tabela 3 permite ainda observar que 64% das famílias cujos chefes
estavam desempregados mantinham-se com rendas abaixo de ½ SM, assim como
60% das famílias cujo chefe estava trabalhando sem remuneração. Neste mesmo
patamar de renda estavam 46% das famílias cujo chefe dedicava-se ao trabalho
doméstico sem carteira e 20% dos que eram trabalhadores domésticos com
carteira. Nas famílias em que os chefes estavam ocupados em outros empregos
sem carteira e por conta-própria, o percentual de pobreza era, respectivamente,
de 41% e 35%.
Tabela 3Distribuição dos chefes de domicílios*, segundo estratos de renda domiciliar per capita, por
posição na ocupação – 2006 (em %)
Posição da ocupação
População total
Doméstico sem carteira
Doméstico com carteira
Funcionário público e militar
Empregados sem carteira
Empregados com carteira
Empregador
Conta-própria
Sem remuneração
População desocupada/desempregada
Total de
pessoas
100,00
100,00
100,00
100,00
100,00
100,00
100,00
100,00
100,00
100,00
Renda domiciliar per capita em SM
0 |-- 1/4
1/4|-- 1/2
1/2|-- 1
1 ou +
9,79
17,46
26,50
46,25
16,31
30,01
32,92
20,77
2,70
18,48
36,18
42,64
0,97
6,19
17,40
75,44
15,27
25,39
27,52
31,82
1,66
14,97
30,86
52,52
1,21
4,17
12,39
82,24
15,01
19,71
26,07
39,22
38,67
21,11
19,55
20,67
40,82
23,29
19,33
16,57
Fonte:IBGE/Microdados da Pnad de 2006.
Elaboração: Ipea/Disoc - Núcleo de Gestão de Informações Sociais.
* Participantes da PEA com idade entre 16 a 59 anos.
16
Como mostra a tabela 3, em 2006, 27,25% dos chefes de família
economicamente ativos e na faixa de idade de maior atividade - entre 16 e 59
anos – pertenciam a famílias cuja renda mensal média não alcançava a metade do
SM. Os dados da Pnad mostram com clareza a relação entre o desemprego do
chefe da família e as condições de pobreza e indigência da família. Paralelamente,
aponta-se uma nítida vinculação entre a pobreza e indigência e a inserção em
certas ocupações. Observa-se que o fato de trabalhar não diminui
necessariamente o risco de pobreza, devido à precariedade das ocupações e a
sua fraca remuneração.
É essa população de trabalhadores pobres e suas famílias que estão sendo
incluídos no sistema de proteção social pelo PBF. Circulando entre situações de
desemprego, trabalho sem remuneração, ocupações incertas, empregos precários
e rendas insuficientes, a população em situação de pobreza está submetida a
vários tipos de vulnerabilidade. Na sessão 6 a seguir, procurar-se-á aprofundar
sobre os pilares contributivo e não-contributivo da proteção social brasileira e seu
papel no enfrentamento das situações de risco social e de efetiva destituição
vivenciadas no país por parte significativa de sua população.
6- Proteção social e mercado de trabalho
A proteção social brasileira ampliou sua cobertura nas últimas duas décadas,
passando, como foi visto, a atender não apenas aos trabalhadores vinculados a
contratos formais de trabalho, mas, também, aos trabalhadores rurais em regime
de economia rural, idosos e deficientes em situação de indigência e, por fim, por
meio de um benefício diferenciado, às famílias em situação de extrema pobreza.
Contudo, a consolidação da proteção social enquanto instrumento de garantia de
renda ainda é, no Brasil, um processo incompleto.
No que se refere ao sistema contributivo de cobertura de riscos relacionados à
perda da capacidade de trabalho, mantêm-se a exclusão dos trabalhadores
desempregados, empregados rurais e urbanos sem carteira assim como
praticamente todo o rol de trabalhadores vinculados a atividades autônomas.
Paralelamente, parcelas dos trabalhadores formais estão submetidas ao risco de
perda da condição de segurado devido a dificuldades de cumprir, ao longo do
tempo, as regras previdenciárias. A cobertura parcial da previdência social tem
sido largamente explicada pela configuração do mercado de trabalho nacional e
de sua incompatibilidade parcial com o modelo de seguro social, que deu origem e
ainda se mantêm como pilar central de nossa proteção social. Como
conseqüência deste quadro de desproteção, observa-se um amplo espectro de
17
segmentos para os quais a perda da capacidade de trabalho significa a passagem
ou o agravamento de situações de carência ou ausência de renda.
No outro espectro da proteção social, a garantia de renda implantada pelos
programas assistenciais também opera em diálogo permanente com o mercado de
trabalho. Os beneficiários idosos do BPC são antigos participantes do mercado de
trabalho (e seus dependentes) que não mantiveram vínculos contributivos com a
previdência social. Como visto na sessão anterior, são também as famílias de
trabalhadores desempregados, empregados sem carteira, trabalhadores
autônomos e trabalhadores sem remuneração, o público privilegiado do PBF.
A reprodução de pobreza e desigualdade no âmbito do mercado de trabalho
configura-se, assim, no centro do debate sobre a proteção social. A imagem do
pobre como o incapacitado ou excluído do mundo do trabalho não é senão um
reflexo parcial da realidade. O próprio exercício do trabalho suscita a produção e
reprodução de situações de pobreza, que impedem tanto a obtenção de renda
suficiente para o acesso aos bens básicos ou mesmo indispensáveis à
sobrevivência, como o acesso à proteção social de natureza contributiva que
permitirá enfrentar os problemas decorrentes da perda da capacidade de trabalho.
O duplo papel dos sistemas públicos de garantia de renda – disponibilização
de uma renda mínima aos cidadãos e enfrentamento das situações de ausência
de renda por perda da capacidade de trabalho – assume, assim, diante da
precariedade do mercado de trabalho no Brasil, um papel ainda mais estratégico
do que em países mais desenvolvidos. É o que tem revelado os estudos que
buscam avaliar o impacto das transferências de renda previdenciárias e
assistenciais no quadro de pobreza e indigência no país. As estimativas apontam
que, na ausência de tais transferências, o patamar de indigência no país dobraria,
assim como cresceria de forma expressiva os percentuais de pobreza.24 Sem os
benefícios operados pela seguridade social, a pobreza ultrapassaria a metade da
população em algumas regiões e a indigência dobraria em todas elas (Jaccoud,
2006).
Não apenas no Brasil o papel preventivo das políticas de proteção social tem
sido destacado. Um exemplo pode ser dado pelos estudos realizados na última
década sobre a relação entre crescimento do desemprego e crescimento da
pobreza. Atkinson (1998), por exemplo, analisando as taxas de crescimento da
pobreza e desemprego em diversos países da Europa, mostra que a correlação
não é positiva onde os benefícios e a cobertura dos programas de garantia de
renda são amplos. Analisando a pobreza no sul e no norte a Itália, Paugam (2005)
24
Ver a respeito, entre outros, Delgado (2005), Ipea (2007), Ipea (2007a), Lavinas e Cavalcanti
(2007).
18
observa que ela é mais forte no sul, mesmo entre os desempregados. A
explicação é encontrada na cobertura do seguro desemprego dos trabalhadores
do norte, em geral vinculados aos ramos industriais. A variação encontrada entre
países, e mesmo em diferentes regiões de um mesmo país na evolução da
pobreza em quadros de ampliação do desemprego, aponta para a influência
efetiva dos instrumentos e políticas de proteção social.
De fato, o papel dos sistemas de proteção social não se limita - nem pode se
limitar - a beneficiar os indivíduos em situação de pobreza. Seu papel preventivo,
operado pelos programas de seguro social, tem permitido enfrentar a insegurança
e a precariedade relacionadas aos riscos de a população trabalhadora e de suas
famílias caírem em situação de pobreza na medida em que suas condições de
trabalho estivessem comprometidas pela idade, doença, invalidez ou desemprego.
Contudo, esse papel não pode resumir o conjunto da intervenção pública no
campo da garantia de renda. Os inúmeros exemplos de programas que beneficiam
os trabalhadores ativos e suas famílias nos diversos países ganham progressivo
destaque num mundo do trabalho em rápida mudança. Esse debate é ainda mais
relevante no Brasil onde tais transformações se associam à reprodução de formas
tradicionais de inserção precária no mercado de trabalho e a uma sempre
surpreendente resistência à desconcentração das rendas nacionais, dentro e fora
do âmbito do trabalho.
7- Crise social e proteção social
Compartilha-se neste artigo da compreensão de que a proteção social significa
a implantação de um sistema que visa ultrapassar tanto as restrições impostas
pelo moralismo da filantropia quanto os limites da garantia de renda ancorada na
aquisição de propriedades ou poupança quando esgotada ou limitada a
possibilidade de acesso à renda do trabalho (Castel, 1998). Nesse sentido, a
proteção social implica a instituição de seguranças dadas ao indivíduo em
decorrência de sua participação em um coletivo social, seja ele de natureza
corporativa ou nacional. O pressuposto de tal garantia é a existência de um
compromisso entre diferentes setores da sociedade em torno da implantação de
um regime de solidariedade garantido pelo Estado e tendo como objetivo a
redução da vulnerabilidade, da insegurança e do risco da pobreza.
Contudo, cabe lembrar que o tema que ocupa o lugar central no debate sobre
o formato da proteção social não é o da pobreza em si. O cerne desse debate se
refere à questão da integração social nas sociedades modernas, ancoradas, de
um lado, na centralidade do trabalho e na criação de riquezas e, de outro, na
19
igualdade política e civil dos indivíduos. Assim, é não apenas da pobreza, mas
também, da capacidade de integração e interação entre os diversos segmentos e
setores da sociedade brasileira que se trata. Tal debate não implica a anulação ou
o não reconhecimento do conflito social em seus diversos matizes como fenômeno
e dinâmica social. Ao contrário, ele demanda sua identificação, assim como o
estabelecimento de instâncias de negociação que possam publicizá-lo e processálo. Nas sociedades modernas, somente o Estado tem se mostrado a instituição
capaz de assegurar a mediação entre os conflitos e a intervenção sobre a
sociedade em torno da garantia de reconhecimento dos diversos grupos e seus
interesses. Sendo parte da sociedade, mas, ao mesmo tempo, exterior a ela, é por
meio do Estado e pelo intermédio das políticas públicas que os interesses
privados podem ser negociados e integrados em prol de um patamar de
sociabilidade comum.
Numa sociedade com os níveis de desigualdade como a brasileira, o
caráter deletério dos interesses privados se aguça devido à escassez das
oportunidades e à ampliação das expectativas de consumo, de um lado, e à
fragilização do Estado democrático, de outro. A desresponsabilização dos atores
privados em torno do nível de desigualdades sociais e suas conseqüências (em
especial as relacionadas à ruptura dos laços sociais causada pela violência, pelo
isolamento social, pela perda de controle de territórios por parte de poderes
públicos e sua conquista por poderes privados, mas também pela perda de
vínculos estáveis de emprego e ocupação, perda de vínculos familiares ligados à
ausência de renda, entre outros) só pode ser combatida pelo exercício do poder
público a partir do aprofundamento de um projeto comum que garanta o
reconhecimento de direitos e seu efetivo exercício às mais diferentes parcelas da
população.
Compreende-se aqui, portanto, que a proteção social deve ser entendida
como uma proteção contra o risco de fragmentação e mesmo de ruptura social
que o processo de diferenciação social introduz na medida em que avança. Esse
risco é ainda mais presente na sociedade brasileira, pesando, inclusive, sobre a
ordem democrática, como já apontou Teresa Caldeira (2000). Em seu estudo
sobre a violência de São Paulo, ela nos ensina o quanto “a lógica de um ciclo de
violência é o oposto da lógica de uma ordem democrática”. O aumento dos
abusos, da privatização da proteção pública e das formas paralelas de vingança
privada esvazia a legitimidade do Estado democrático, sua expansão ou
consolidação. Os ciclos de violência refletem, assim, a incapacidade de certos
Estados se estabelecerem como autoridades legítimas, que provêem justiça e
garantem o Estado de Direito. O fracasso em consolidar instâncias de mediação
legítima dos conflitos esvazia o espaço público e sua capacidade de atuar. A
20
dificuldade de estruturação da ordem pública democrática está, assim, relacionada
à manutenção de amplos espaços da vida social na esfera estrita do privado.
Da mesma forma, pode-se afirmar que a manutenção da resolução dos
conflitos distributivos no campo das relações pessoais e dos espaços privados
também impacta no esvaziamento do espaço público e de suas instituições. A
consolidação de um Estado democrático não pode mais prescindir da garantia,
pelo poder público, do exercício e usufruto de direitos, inclusive os sociais. O
campo da proteção social é o campo da solidariedade social, tendo como
finalidade a constituição de um acesso mais igualitário aos recursos coletivos.
Institui, assim, valores comuns que possam reunir os indivíduos para além de suas
diferenças. Esse é um desafio do Estado, mas não apenas dele. Recusar a
exclusão social é um desafio que demanda a abertura de um processo contínuo
de negociação, onde os diferentes atores estejam presentes em torno dos
objetivos da estabilidade, segurança e justiça, e reforçando o sentimento dos
indivíduos de pertencimento à sociedade.
8- Conclusão: os desafios da proteção social
Após considerada a trajetória recente de avanços da proteção social no
Brasil, no que se refere à garantia de renda, destacado seu formato inconcluso e
expostos alguns de seus graves problemas, fica para a conclusão a tarefa de citar
alguns desafios atuais no enfrentamento das questões da pobreza, da
desigualdade, da vulnerabilidade e dos riscos sociais a partir das políticas de
previdência e assistência social.
No que se refere à segurança de renda para as situações relacionadas à
perda da capacidade de trabalho, o desafio maior ainda é o da universalização da
cobertura previdenciária no país. Dada a fragilidade relativa da capacidade
contributiva de parte expressiva da população economicamente ativa, propostas
vêm sendo apresentadas e merecem ser destacadas. Além dos esforços já
citados de iniciativa do Ministério da Previdência Social no sentido da ampliação
da cobertura aos trabalhadores de micro e pequenas empresas e aos autônomos
e domésticos, ganham relevo as propostas de instituição de um piso universal, de
eliminação do tempo mínimo de contribuição para acesso aos benefícios e de
instituição de subvenções para alíquotas contributivas. Defendida por Matijascic,
Kay e Ribeiro (2007), a proposta de um piso básico financiado com recursos do
orçamento da seguridade social, visa incluir de forma ampla as populações pobres
na proteção dos riscos sociais. Articulada a esse piso e visando combater o
“caráter regressivo em termos de distribuição de renda para quem transita muito
21
entre a formalidade e a informalidade”, os autores sugerem a instituição de um
sistema onde toda a contribuição, independentemente do tempo pelo qual será
realizada a cotização ou do seu valor, tenha como contrapartida um acréscimo no
valor futuro do benefício.
Cabe destacar a relevância da proposta do piso básico previdenciário como
uma possibilidade de integração do BPC ao RGPS. A dissociação entre os dois
sistemas exclui da proteção social os trabalhadores que não tem contribuído para
a previdência social (cerca de metade da PEA), mas que, na idade da
aposentadoria não se encontrem em situação de indigência. A universalização da
cobertura previdenciária deve caminhar para uma integração maior entre o
benefício assistencial e o benefício previdenciário nos casos de velhice e
invalidez, sob pena de perda de organicidade do sistema.
Visando a expansão da formalização das relações de trabalho e a
ampliação da cobertura previdenciária, Delgado (2007) propõe a instituição de
subvenções, financiadas por tributos, para alíquotas contributivas de modo a
garantir acesso aos benefícios mínimos. No mesmo sentido, Cardoso Jr e
Magalhães (2007) propõem a ampliação do conceito de segurado especial de
modo a incluir, além dos trabalhadores rurais de economia familiar, os
trabalhadores ocupados na autoconstrução, no autoconsumo ou na pequena
economia familiar urbana. Também visando ampliar a inclusão do sistema
previdenciário, Lúcio (2007) propõe a criação de mais faixas de alíquotas de
contribuição e elevação do teto de contribuição, desvinculando-o do teto do
benefício. Permite-se, dessa forma, a ampliação da contribuição dos salários mais
elevados e do sistema de solidariedade entre os participantes do RGPS, como
ocorre hoje em outros países.
Quanto à garantia de renda à população em situação de extrema pobreza,
novas propostas também merecem ser discutidas. A necessidade de aumento no
valor do benefício do PBF tem sido levantada em vários fóruns de debates.
Efetivamente, segundo a Pnad, estima-se que em 2006 existiam 21,7 milhões de
pessoas vivendo em situação de indigência, ou seja, com uma renda familiar per
capita mensal abaixo de ¼ do SM. Dada a ampla cobertura do programa e sua
boa focalização, reconhecida em diversos estudos e avaliações25 pode-se
sustentar a hipótese de que o baixo valor do benefício não esteja permitindo a
saída de um número expressivo de beneficiários da situação de indigência.
Cabe lembrar que a experiência de outros países tem demonstrado que a
regra de perda integral do benefício em função de ter se alcançado o teto máximo
de renda para acesso pode ser um problema para a expansão dessa medida de
25
Ver, por exemplo, Soares (2007).
22
garantia de renda. Uma proposta passível de discussão seria o aumento do valor
máximo do benefício associado a um teto de renda onde o valor a ser
efetivamente recebido seria calculado pela diferença entre a renda existente na
família e o teto de renda a ser garantido pelo Estado. É ainda importante lembrar a
necessidade de instituição de um mecanismo de indexação do valor do benefício
PBF.
Propostas existem e apresentam alternativas diversas e efetivas visando à
universalização da proteção social e à consolidação da seguridade social no país.
Mais do que necessário, é urgente fazer avançar esse debate, tendo como
objetivo reforçar o papel desse novo regime de políticas sociais na ampliação da
solidariedade e da inclusão social.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÀFICAS
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Exclusion, Paris, La Documentation Française.
CALDEIRA, TERESA (2000) - Cidade de muros: crime, segregação e cidadania
em São Paulo. São Paulo, Editora 34/Edusp.
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POBRES, POBREZA E CIDADANIA: OS DESAFIOS RECENTES DA