O que é assédio moral ? Não tenho dúvidas em afirmar que o maior vilão das relações trabalhistas deste início de século XXI é o assédio moral. É bem verdade que o assédio moral não é nenhuma novidade. Sendo assim, o que há de novo ? Certamente a conscientização que os trabalhadores adquiriram nos traz à tona o quanto existe na intensificação, gravidade, amplitude e banalização do fenômeno. Principalmente na vinculação para se estabelecer o nexo causal com a organização do trabalho. Segundo levantamento do MPT, entre os estados em que há o maior número de queixas estão o de São Paulo, Minas Gerais, do Espirito Santo e Rio de Janeiro. No Rio, o Ministério Público do Trabalho tem em curso um total de 394 investigações sobre assédio moral e duas ações civis públicas em andamento. Mais 21 termos de ajustamento de conduta (acordos com as empresas) foram firmados. No Brasil temos o relato de uma pesquisa feita pela Dra. Margarida Barreto que serviu de base para sua dissertação de mestrado em Psicologia Social, defendida em 22 de maio de 2000 na PUC/SP, sob o título “Uma jornada de humilhações”. Em agosto do mesmo ano, foi publicado no Brasil o livro de Marie France Hirigoyen “Harcelement Moral: la violence perverse au quotidien”, traduzido pela Editora Bertrand Brasil, com o título “Assédio moral: a violência perversa no cotidiano”. Desde então o tema foi muito abordado pela imprensa e noticiado, mais recentemente, por uma reportagem no portal da internet G1 e por uma série de reportagens veiculadas na TV Brasil. Na categoria bancária tem-se difundido maciçamente por todos os sindicatos do Brasil uma campanha intensa e incansável pelo fim do assédio moral que pode ser exemplificado na fixação das metas absurdas e inatingíveis. Posso citar ainda uma grande campanha idealizada pelo Sindicato dos Professores sobre o assédio moral. Tenho notícias que, hoje, existem cerca de 80 projetos de lei em diferentes municípios do país. Vários projetos já foram aprovados, entre eles, destacamos: São Paulo, Natal, Guarulhos, Iracemápolis, Bauru, Jaboticabal, Cascavel, Sidrolândia, Reserva do Iguaçu, Guaracema, Campinas, entre outros. No âmbito estadual, o Rio de Janeiro condena essa prática desde maio de 2002. Lei contra assédio moral do Estado do Rio de Janeiro De iniciativa de Noel de Carvalho, deputado estadual, PSB/RJ. Primeira lei estadual aprovada no Brasil (agosto de 2002). Lei nº 3921, de 23 de agosto de 2002. Veda o assédio moral no trabalho, no âmbito dos órgãos, repartições ou entidades da administração centralizada, autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista, dos Poderes Legislativo, Executivo ou Judiciário do Estado do Rio de Janeiro, inclusive concessionárias e permissionárias de serviços estaduais de utilidade ou interesse público, e dá outras providências. Existem projetos em tramitação nos estados de São Paulo, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Paraná, Bahia, entre outros. No âmbito federal, há propostas de alteração do Código Penal e outros projetos de lei. Precisamos fazer uma distinção entre o assédio moral individual e o assédio coletivo. O assédio moral coletivo é o mais fácil de ser identificado porque você tem vários empregados com a mesma queixa e pode demonstrar que há uma política do empregador em relação aos seus empregados que faz com eles sejam assédios constantemente por conta do serviço. No assédio moral individual as humilhações são vertidas para a figura de um trabalhador ou de um pequeno grupo de trabalhadores. • VAMOS TENTAR ENTENDER BEM ALGUNS CONCEITOS O que é humilhação? Conceito do dicionário digital Aulete: 1 – Ação ou resultado de humilhar(-se), 2 Aviltamento, rebaixamento moral. Evidentemente que a humilhação provoca dor, tristeza e sofrimento. Qual a definição de assédio moral no trabalho? É a exposição dos trabalhadores a situações humilhantes e constrangedoras, que normalmente são retiradas diariamente ao longo da jornada de trabalho e no exercício de suas funções, sendo mais comuns aquelas que os doutrinadores conceituam como sendo o Assédio Moral Vertical Descendente, ou seja, aquele em que o trabalhador é assediado por seu superior hierárquico (que pode ser o chefe ou o próprio patrão). Neste tipo de assédio predominam as condutas negativas, relações desumanas e aéticas de longa duração. E qual seria o propósito: a DESESTABILIZAÇÃO da vítima para com seu emprego que a leva a pedir sua demissão por não suportar mais este tipo de relação. Existem outros tipos de assédio no ambiente do trabalho que apenas faço uma referência, já que não são, em princípio, o foco deste evento. Temos o Assédio Moral Vertical Ascendente, onde o subordinado dissemina uma onda de ataques à pessoa do chefe no afã de poder ocupar aquele posto. Temos também o Assédio Moral Horizontal, que é aquele que se dá entre os colegas de trabalho sem hierarquia funcional contra a pessoa de dos membros do grupo ou da equipe. Em certas ocasiões o trabalhador assediado é isolado do grupo sem explicações, passando a ser hostilizado, ridicularizado, inferiorizado, culpabilizado e desacreditado diante dos pares. Estes, por medo do desemprego e a vergonha de serem também humilhados associado ao estímulo constante à competitividade, rompem os laços afetivos com a vítima e, freqüentemente, reproduzem e reatualizam ações e atos do agressor no ambiente de trabalho, instaurando o que alguns pesquisadores chamam “pacto da tolerância e do silêncio” no coletivo, enquanto a vitima gradativamente se desestabiliza, fragilizando, ‘perdendo’ sua autoestima. Posso afirmar que, em ato isolado de humilhação, não se constitui como assédio moral que tem algumas características próprias: 1. repetição da prática assediadora; 2. intencionalidade (o objetivo e fazer com que o assediado peça demissão e, com isso perca alguns direitos trabalhistas); 3. direcionalidade (uma pessoa do grupo é escolhida como bode expiatório); 4. tempo do assédio (durante a jornada, por dias e meses); e 5. degradação deliberada das condições e do ambiente de trabalho. Entretanto, quer seja um ato ou a repetição deste ato, devemos combater firmemente por constituir uma violência psicológica, causando danos à saúde física e mental, não somente daquele que é excluído, mas de todo o coletivo que testemunha esses atos. A humilhação repetitiva a de longa duração interfere na vida do trabalhador assediado de modo direto, comprometendo sua identidade, dignidade e relações afetivas e sociais que podem influir na relação doméstica ocasionando graves danos à saúde física e mental, que podem evoluir para a incapacidade laborativa, desemprego ou mesmo a morte do assediado. A violência moral no trabalho constitui um fenômeno internacional segundo levantamento recente da Organização Internacional do Trabalho (OIT) com diversos países desenvolvidos. A pesquisa aponta para distúrbios da saúde mental relacionado com as condições de trabalho em países como Finlândia, Alemanha, Reino Unido, Polônia e Estados Unidos. As perspectivas são sombrias para as duas próximas décadas, pois segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Organização Mundial da Saúde (OMS), estas serão as décadas do “malestar na globalização”, onde predominarão depressões, angústias e outros danos psíquicos, relacionados com as novas políticas de gestão na organização de trabalho e que estão vinculadas as políticas neoliberais. O que a vítima deve fazer? • Resistir: anotar com detalhes todas as humilhações sofridas (dia, mês, ano, hora ou setor, nome do agressor, colegas que testemunharam, conteúdo da conversa e o que mais você achar necessário); • Dar visibilidade: procurando a ajuda dos colegas, principalmente daqueles que testemunharam o fato ou que já sofreram humilhações do agressor; • Organização: O apoio é fundamental dentro e fora da empresa; • Evitar contato direto com o assediador: procurar conversar com o agressor, com testemunhas. Neste momento pedir ajuda a um colega de trabalho ou representante sindical; • Exigir por escrito: explicações do ato agressor e permanecer com cópia da carta enviada ao DP ou RH e da eventual resposta do agressor. Se possível mandar sua carta registrada, por correio, guardando o recibo; • Procurar seu sindicato e relatar o acontecido para diretores e outras instâncias como: médico ou advogados do sindicato, Ministério Público, Justiça do Trabalho, Comissão de Diretos Humanos e Conselho Regional de Medicina; • Buscar apoio junto a familiares, amigos e colegas, pois o afeto e a solidariedade são fundamentais para recuperação da auto-estima, dignidade, identidade e cidadania. ALERTA AOS TRABALHADORES Principalmente para quem testemunhou algum caso de assédio moral. É importante que você seja SOLIDÁRIO com o seu colega e digo isto por dois bons motivos: o primeiro é que você, agindo desta forma, vai estar reparando um ato de injustiça e, segundo, se você presenciou e não se manifesta contrariamente aquela situação saiba que você poderá ser a próxima vítima. Assédio Moral é Crime? Hoje ainda não podemos dizer que assédio moral seja tipificado como crime. E digo isso por não nas leis do país nada que assim o tipifique. Quando muito e dependendo da situação estaríamos diante daquilo que o Código Penal chama de “Crimes contra a Liberdade Pessoal” e caracteriza-se através do art. 146: Constrangimento ilegal Art. 146 – Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou fazer o que ela não manda: Pena – detenção, de 3(três) meses a 1(um) ano, ou multa. Pois bem, para tais atos acima descritos, aplica-se o texto constitucional estampado nos artigos 5º e 7º da CF, que estabelece a proteção ao direito à intimidade, dignidade, igualdade, honra e vida privada, além do artigo 483 da CLT que permite que o trabalhador possa considerar rescindido o contrato de trabalho, no que chamamos de rescisão indireta, ou seja, aquela em que o empregador praticou ato faltoso e este ato pode representar a sua “justa causa”. Entretanto, de relevância salientar, que já tramita na Câmara dos Deputados projeto de lei de autoria do então deputado Marcos de Jesus (PL-PE), a proposição 4.742 de 2001, que tipifica o chamado assédio moral como crime enquadrando-o no CPB no artigo 146 - A. Em que pese admitirmos que tal norma tenha já alcançado o Direito Civil, quando a Súmula 341, editada pelo STF, prega que “é presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto”, ainda não temos tal avanço no segmento penal, ou seja, não resta, ainda, regulamentado o assédio moral como crime. Agora, é bom que se diga que, nos dias de hoje, quem humilha ou xinga empregado, não fica impune, pois será enquadrado na prática de crime de calúnia e difamação, estes, estampados nos artigos 138 e 139 do CP, além de correr o risco de indenizar o trabalhador prejudicado por dano material, moral e à imagem. EXEMPLOS DE JULGAMENTOS NOS TRIBUNAIS TRABALHISTAS SOBRE ASSÉDIO MORAL Agravo de instrumento. Dano moral. Assédio moral. Matéria fática. Desprovimento. O assédio moral caracteriza-se por atos repetidos de violência moral, de tortura psíquica, e de intenção de degradar as condições de trabalho do empregado. Todavia, um problema subsiste, o de saber o que se entende por atos repetidos e quando tais atos acarretariam a degradação das condições do trabalho. Em tal situação, é dever do juiz analisar a prova de modo a evitar que o empregado entrave ou conteste o exercício moral do poder diretivo do empregador, com suas alegações de assédio moral. Destarte, o assédio moral demanda que a prova do prejuízo moral do empregado seja notória e convincente, suficiente a demonstrar o desrespeito à sua dignidade. Essa proteção da dignidade humana passa, evidentemente, pela proteção contra todas as formas de discriminações, em obediência aos princípios fundamentais de proteção ao trabalho e ao homem. No caso em tela, a empregada não produziu prova convincente do assédio moral, por parte do empregador, razão pela qual não prospera a sua pretensão de reparação pecuniária. Aplicação da súmula 126 do tst. Agravo de instrumento a que se nega provimento. Acórdão do Processo nº 67-2003-2-96-40 11/03/2009 Tribunal Superior do Trabalho. 6ª Turma ASSÉDIO MORAL, RESCISÃO indireta. RECONHECIMENTO. No contexto da prova produzida nos autos, chega-se à ilação de que o reclamante foi vítima de pressão psicológica, capaz de caracterizar assédio moral, eis que a conduta da reclamada, através de sua gerência, permitiu que o Obreiro fosse colocado à margem da empresa, incorrendo, assim, na falta tipificada no art. 483, “b” da CLT, autorizando o rompimento do contrato de trabalho, com ônus para a empresa, inclusive sobre o período de estabilidade da CIPA, não se podendo esquecer, ainda, que foi a própria ré, em razão do Desrespeito aos princípios que devem gerir as relações de empregado, que deu azo rompimento do contrato de trabalho. (Recurso improvido – PROC RO 00414/2008-004-11 – 00,0 – 11ª REGIÃO – Vera Lúcia C. de Sá Peixoto – Des.Relatora.Dj / AM de 21/05/2009 – (DT – junho/2009 – vol. 179, p.76). DENUNCIAR OS ABUSOS A melhor maneira de neutralizar as ações do assediador é fazer a denúncia. Procurar o sindicato da categoria a que pertença o trabalhador, denunciar perante a autoridade policial ou mesmo procurar o Ministério Público do Trabalho são algumas formas do trabalhador assediado externar a sua insatisfação a respeito da situação constrangedora e por vezes humilhante. Tão importante quanto denunciar é obter provas: documentos (sempre que existentes), data, hora e local do assédio, procurar sempre a presença de alguém que possa presenciar o momento do assédio e, de acordo com as possibilidades, gravar as conversas por qualquer meio possível. Rio de Janeiro, 18 de agosto de 2009.