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AS POLÍTICAS NEOLIBERAIS PARA A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL:
ANALISANDO O GOVERNO FERNANDO HENRIQUE CARDOSO E
LUÍS INÁCIO LULA DA SILVA
Jussara de Fátima Alves Campos Oliveira1
Pontifícia Universidade Católica de Goiás – PUC - GO
Maria Esperança Fernandes Carneiro2
Pontifícia Universidade Católica de Goiás – PUC - GO
RESUMO: Este artigo incorpora estudos que estão sendo realizados em nível de doutorado
em Educação. Seu recorte traz a discussão do avanço do neoliberalismo e sua interferência
nas políticas educacionais que norteiam a educação profissional, a partir da década de 1990.
Nossa intenção, dada à abrangência do tema e a complexidade do conteúdo é, inicialmente,
analisar a Reforma da Educação Profissional, ocorrida nos anos de 1990, no Governo
Fernando Henrique Cardoso, bem como as mudanças decorrentes da publicação do Decreto
5.154/04 e da Lei 11.892/08, ocorrida no Governo Lula da Silva. A proposta de discutir o
tema da educação profissional no quadro das políticas públicas conduz-nos a recuperar não
apenas questões ligadas à definição, manutenção e/ou (re)direcionamento das políticas em
curso, mas, e sobretudo, nos obriga a reconstituir, mesmo que parcialmente, as ligações entre
as concepções neoliberais gestadas no âmbito nacional e internacional, a partir da década de
90. São questões estritamente vinculadas às políticas educacionais que vêm sendo
implantadas no país e, em âmbito mais geral, à definição e promoção das políticas sociais.
Esta análise está aportada, teoricamente, em documentos oficiais e em autores como Marx
(2008), Arruda (1995), Azevedo (2004), Boito Jr.(2007), Frigotto (2003,2011), Kuenzer
(2000, 2004, 2006), Sousa(2005), dentre outros. Quanto ao procedimento metodológico, será
utilizada a pesquisa bibliográfica no sentido de buscar ações e iniciativas do âmbito do poder
público para a educação profissional que contribuíram para a área. Dentro do percurso
proposto nesse artigo, o cenário da década de 90 apresenta-nos uma acentuada interferência
do mercado no sistema educacional brasileiro em decorrência da globalização da economia.
Um dos resultados dessa política, pautada no modelo societário neoliberal, é a reforma da
educação profissional, implantada nas instituições federais de ensino a partir de 1996. A
justificativa do Governo Federal, na época, era de que a Reforma da Educação Profissional
possibilitaria a inclusão social de jovens e adultos trabalhadores através da profissionalização
média, além de prepará-los para o mundo do trabalho dentro desse modelo políticoeconômico vigente. A educação também fez parte do rol de reformas e programas,
provenientes de tais políticas, a nível macro e micro, na educação, que, para se viabilizarem,
dependeram de acordos e contratos de empréstimos com o Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID), além da interferência de outras instituições multilaterais (BIRD,
CEPAL, OIT). Por outro lado,quando fazemos um contraponto da política educacional do
governo FHC com o governo Lula, vemos uma transição do neoliberalismo para o modelo
social-desenvolvimentista no governo brasileiro. O Estado reafirma sua soberania nacional,
reorienta sua política internacional, forma uma grande reserva cambial, redireciona o
comércio externo e estabelece uma nova dinâmica de cooperação internacional. Ele assume a
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responsabilidade de solucionar os problemas sociais com a inclusão de mais de um terço da
população brasileira em programas de garantia de renda. Há, também, a reconstrução de um
projeto de desenvolvimento econômico, como a valorização do salário mínimo, que terá
grande impacto na redução da desigualdade, na diminuição da pobreza, além de dinamizar o
mercado de consumo interno. Neste cenário, em julho de 2004, o governo Lula, atendendo às
lutas históricas das classes trabalhadoras da educação profissional, fará uma mudança no
ambiente da Rede Federal de Ensino, com a publicação do Decreto 5.154, de 23/07/04,
revogando o Decreto 2.208/97 e iniciando, assim, a expansão da Educação Profissional e
Tecnológica. Em 2008, o governo Federal iniciou um trabalho de reestruturação da Rede de
Educação Profissional, transformando os Centros Federais de Educação Tecnológica, Escolas
Técnicas e Agrotécnicas em Institutos Federais de Educação Profissional e Tecnológica. Os
Institutos Federais estão relacionados ao conjunto das políticas para a educação profissional e
tecnológica em curso, como: expansão da rede federal, cooperação com os estados e
municípios, ensino médio integrado, educação à distância, sistema nacional de formação de
professores, elevação da titulação dos profissionais das instituições federais e a defesa de que
a formação para o trabalho esteja vinculada a elevação de escolaridade dos trabalhadores. A
imposição e desorganização em decorrência das políticas educacionais implantadas nas
Instituições Federais de Educação se consubstanciaram no decreto 2.208/97 da era FHC e a
reorganização de luta dos docentes na reconquista de sua autonomia. Essa luta desencadeada,
paulatinamente, durante oito anos, propiciou a discussão dos resultados negativos da
desprofissionalização do Ensino Profissional e a construção de resgate de uma política pública
que expressasse, minimamente, os anseios de professores, alunos, funcionários e pais por uma
formação técnica com o mínimo de qualidade para os trabalhadores brasileiros. O Decreto
5.154/04 e a Lei 11.892/08, que criou os Institutos Federais de Educação, consolidaram a
reconquista possível de espaço para a qualificação da formação profissional.
PALAVRAS-CHAVE: Neoliberalismo; políticas educacionais; educação profissional.
1. Introdução
Este artigo pretende discutir o avanço das políticas neoliberais e interferências nas
políticas educacionais que norteiam a educação profissional, a partir da década de 1990.
Assim, analisamos a aplicação da política neoliberal nos governos Fernando Henrique
Cardoso e Luís Inácio Lula da Silva e de que forma essa política atingiu a educação
profissional brasileira. A partir desses objetivos, emergiu o seguinte questionamento: como a
implantação dos Institutos Federais de Educação pode contribuir para a superação do modelo
neoliberal na educação profissional?
A pesquisa recorreu ao enfoque qualitativo, à pesquisa bibliográfica, assim como à
vivencia de professora da Educação Profissional há mais de 17 anos, para interpretar e
analisar a política neoliberal e a sua repercussão na educação e, especificamente, nos
Institutos Federais de Educação . Recorre-se aqui, como método, ao materialismo histórico
dialético, tendo por pressuposto a relação ativa entre sujeito e objeto na construção do
conhecimento científico No processo investigativo, no tratamento das informações, nas
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interpretações e nas análises dos dados, buscamos os documentos oficiais e os autores como
Marx (2008), Arruda (1995), Azevedo (2004), Boito Jr. (2007), Frigotto (2003, 2011),
Kuenzer (2010), Sousa (2005), dentre outros..
Quanto ao procedimento metodológico, utilizando a pesquisa bibliográfica,
mapeamos e avaliamos as ações e iniciativas no âmbito do poder público para a educação
profissional que contribuíram para a área. O percurso proposto nesse artigo é de interpretar e
analisar a política neoliberal e a sua repercussão na educação e, especificamente, nos
Institutos Federais de Educação. Em seguida, faremos uma análise da Reforma da Educação
Profissional implantada no governo Fernando Henrique Cardoso. Finalmente, analisaremos as
políticas para a educação profissional no governo Luís Inácio Lula da Silva, com ênfase no
Decreto 5.154/04 e na Lei 11.892/08.
2. A relação entre o neoliberalismo e as políticas para a educação profissional a partir
dos anos 1990
Ao tratarmos do tema da educação profissional no quadro das políticas públicas,
propomo-nos a recuperar não apenas questões ligadas à definição, manutenção e/ou
(re)direcionamento das políticas em curso, mas, e sobretudo, a reconstruir, mesmo que
parcialmente, as ligações entre as concepções neoliberais gestadas no âmbito nacional e
internacional, a partir da década de 1990. São questões estreitamente vinculadas às políticas
educacionais, que vêm sendo implantadas no país e, em âmbito mais geral, à definição e
promoção das políticas sociais.
As características principais desta fase do capitalismo estão centradas na globalização
da economia, no fim das fronteiras econômicas, no desmonte do Estado, na destruição dos
direitos sociais, como saúde, educação, habitação, transporte, comunicação, estabilidade de
emprego, aposentadoria digna, destruição das economias microrregionais, etc. Essa
globalização competitiva criou um jogo de poder onde as megaempresas transnacionais, ao
invés de contribuírem desenvolvimento povos e nações, apenas buscavam maximizar os seus
lucros através da tecnologia e de engenharias altamente racionalizadas. Sua política investiu
contra o autodesenvolvimento dos povos. Segundo Arruda (1995), essa política:
Afeta comunidades e nações de ambos os hemisférios. Um clima de incerteza e
instabilidade se avoluma no próprio mundo rico. Os avanços tecnológicos e
organizativos da produção, a maré sempre mais abundante de produtos de consumo
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e, sobretudo, a hipertrofia da atividade financeira especulativa resultante da
desregulação e do progresso telemático têm sido acompanhados de crise financeira e
fiscal dos estados, do crescimento econômico sem aumento da oferta de emprego e
de deterioração ambiental. Isto lança no desespero um número crescente de famílias
trabalhadoras e nutre um crescente abismo social nos países ricos. Enfraquece as
organizações dos trabalhadores e alimenta sentimentos xenófobos e racistas contra
os imigrantes vindos dos países pobres. (p. 6).
Entretanto, o neoliberalismo não se refere somente a questões econômicas, comércio
internacional e proteção aos blocos econômicos. Ele é um programa global e filosófico que
atenta para todas as esferas da vida humana. Uma de suas áreas estratégicas e que nos
interessa aqui, é a educação.
Para Azevedo (2004), a política educacional apregoada pelos neoliberais exigiu novas
regras para a educação.
Postula-se que os poderes públicos devem transferir ou dividir suas
responsabilidades administrativas com o setor privado, um meio de estimular a
competição e o aquecimento do mercado, mantendo-se o padrão de qualidade na
oferta dos serviços. (p. 15).
A educação passou a significar um papel estratégico para o projeto neoliberal. Os
governos liberais passaram a intervir no sistema educacional consorciados com as empresas
privadas. Buscou-se fazer isto de duas formas: direcionou-se a formação para atender aos
objetivos da produção capitalista, preparando pessoas para o trabalho, com uma visão
meramente tecnológica e, por outro lado, usou-se também a educação como meio para a
difusão do liberalismo como a única forma de organização social por meio da livre iniciativa e
do livre mercado.
A concepção neoliberal, no contexto das políticas públicas, passou a forçar melhores
desempenhos educacionais básicos nos países em desenvolvimento para dar condições para a
globalização. Organismos internacionais, como o Banco Internacional de Reconstrução e
Desenvolvimento – BIRD deram prioridade ao financiamento da Educação Básica.
Assim, o cenário da década de 1990 apresenta-nos uma acentuada interferência do
mercado no sistema educacional brasileiro em decorrência da globalização da economia. Um
dos resultados dessa política, pautada no modelo societário neoliberal, é a reforma da
educação profissional, implantada nas instituições federais de ensino a partir de 1996. A
justificativa do Governo Federal, na época, era de que a Reforma da Educação Profissional
possibilitaria a inclusão social de jovens e adultos trabalhadores através da profissionalização
média, além de prepará-los para o mundo do trabalho, de forma a atender as exigências do
modelo político-econômico vigente.
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3. A política para a educação profissional no governo Fernando Henrique Cardoso
A partir da década de 1990, as políticas educacionais públicas passaram por forte
influência dos princípios neoliberais. Podemos perceber isso, por meio de alguns documentos
oficiais do governo Fernando Henrique Cardoso, como a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional – Lei nº 9.394/96, o Programa Brasil em Ação de 1998, a Emenda
Constitucional nº 14 que criou o Fundef e o Plano Nacional da Educação – Lei nº 10.174/01.
Esses documentos oficiais deixam evidente a presença das estratégias neoliberais, tanto em
relação aos gastos públicos, quanto às privatizações, às descentralizações, bem como aos
instrumentos legais aprovados em seu governo. Para se adequar às orientações neoliberais
para as economias “em desenvolvimento”, o Estado diminuiu sua participação direta na
economia, deixou de desempenhar o papel de regente de desenvolvimento econômico e
passou a atuar apenas como aparelho de regulação e de garantias ao bom funcionamento do
mercado (BOITO JR., 2007).
Segundo Frigotto (2011),
As reformas neoliberais, ao longo do Governo Fernando Henrique, aprofundaram a
opção pela modernização e dependência mediante um projeto ortodoxo de caráter
monetarista e financeiro rentista. Em nome do ajuste, privatizaram a nação,
desapropriaram o seu patrimônio (Petras, Veltmeyer, 2001), desmontaram a face
social do Estado e ampliaram a sua face que se constituía como garantia do capital.
(...) A educação não é mais direito social e subjetivo, mas um serviço mercantil.
(p.240)
Tais fatos acima enumerados inscrevem-se em um modelo econômico que privilegiou o
capital financeiro externo e interno. A fração financeira do capital beneficiou-se por um lado
com a política de abertura econômica, redução de gastos sociais, privatização de empresas e
serviços públicos e desregulamentação das relações de trabalho, como recomendações do FMI
e do Banco Mundial e suas políticas neoliberais. A educação também fez parte do rol de
reformas e programas, provenientes de tais políticas, a nível macro e micro, na educação, que,
para se viabilizarem, dependeram de acordos e contratos de empréstimos com o Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID), além da interferência de outras instituições
multilaterais: BIRD, CEPAL, OIT.
O Brasil, como quase toda a América Latina, seguindo as sugestões contidas no
Consenso de Washington3, dos países europeus e dos Estados Unidos movimentaram-se de
forma quase desesperada para assegurar que seu sistema educacional alcançasse o padrão de
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eficiência ditado por aquelas nações. O acatamento das recomendações destas instituições,
além de expressar a nossa subordinação econômica e política, mostrou a incapacidade de
nossas elites de construir outro modelo, a partir de uma realidade diferente como a nossa.
Dentre as ações estatais para a educação profissional, destacam-se o Decreto n° 2.208 de
17/04/97 que promoveu a separação entre o ensino médio e técnico. “A educação profissional
de nível técnico terá organização curricular própria e independente do ensino médio, podendo
ser oferecida de forma concomitante ou sequencial a este” (KUENZER, 2000, p. 24). Assim,
ocorreu uma cisão entre a formação geral e profissional nos cursos técnicos. Os textos legais
deixam bem claro que essa cisão, na realidade, pretendeu privilegiar uma formação restrita e
direcionada para ocupações no mercado de trabalho.
Igualmente, há a imposição da obrigatoriedade de ofertar cursos profissionais de nível
básico a alunos das redes públicas e privadas de educação básica, assim como para
trabalhadores com qualquer nível de escolaridade, demonstrando a interferência do mercado
na formulação das políticas educacionais. Mais do que isso, a profissionalização voltada para
o mercado passou a ser realizada por módulos, como proposto pelo sistema S (SESC, SENAI,
SESI, SENAR, etc.), como também da transferência dos recursos públicos para a iniciativa
privada. O Decreto 2.208/97 refletiu a forma subordinada como foi sendo conduzida nossa
inserção no mundo globalizado.
A Portaria MEC nº 646, de 14/05/1997 regulamentou a implantação do Decreto nº
2.208/97, na Rede Federal de Educação Tecnológica, para se adequar às novas deliberações,
no prazo de até quatro anos, ou seja, até o ano de 2001. A educação profissional em nível
técnico passou a ter caráter de terminalidade, oferecida de forma concomitante ou sequencial
ao ensino médio. Nesta complementação, deveriam ser oferecidas apenas as disciplinas
específicas, ficando a parte propedêutica para o ensino médio. Além de reduzir 50% da oferta
de ensino médio nas escolas federais, a formação técnica tornou-se um complemento da
educação geral.
.Já a Lei Federal nº 9.649 de 27/05/98 vinculou a expansão da oferta de educação
profissional a convênios com estados, municípios, distrito federal, setor produtivo ou
organizações não-governamentais, deixando clara a redução do papel do Estado. Surgiu,
portanto, a possibilidade de se desenvolver, de forma progressiva, a privatização das
instituições federais de educação profissional mediante essas parcerias.
§ 5º A expansão da oferta de educação profissional, mediante a criação de novas
unidades de ensino por parte da União, somente poderá ocorrer em parceria com
Estados, Municípios, Distrito Federal, setor produtivo ou organizações não-
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governamentais, que serão responsáveis pela manutenção e gestão dos novos
estabelecimentos de ensino.
§ 7o É a União autorizada a realizar investimentos em obras e equipamentos,
mediante repasses financeiros para a execução de projetos a serem realizados em
consonância ao disposto no parágrafo anterior, obrigando-se o beneficiário a prestar
contas dos valores recebidos e, caso seja modificada a finalidade para a qual se
destinarem tais recursos, deles ressarcirá a União, em sua integralidade, com os
acréscimos legais, sem prejuízo das sanções penais e administrativas cabíveis.
§ 8o O Poder Executivo regulamentará a aplicação do disposto no § 5o nos casos das
escolas técnicas e agrotécnicas federais que não tenham sido implantadas até 17 de
março de 1997."(BRASIL, 1998)
Dessa forma, para que as Instituições se adequassem à legislação vigente, foi instituído
pelo governo federal o Programa de Expansão da Educação Profissional (PROEP), cuja
finalidade era acompanhar a aplicação da Reforma da Educação Profissional nessas
instituições. A construção e montagem de laboratórios ficaram sob a responsabilidade do
Estado, através de recursos do PROEP e as entidades comunitárias, estados, municípios e
outras entidades particulares interessadas em educação profissional e tecnológica ficaram
responsáveis pela manutenção, contratação de pessoal e desenvolvimento do processo
educacional.
Com a Lei 9.649/1998, a União absteve-se da sustentabilidade destas instituições,
responsabilizando somente o parceiro pelas formas de manutenção e gestão das escolas. As
verbas oriundas do programa eram vinculadas à aplicação de suas metas e as escolas que não
aderiram ao programa viram seus laboratórios se sucatearem, além de não receberem verbas
de investimento em infraestrutura. Aquelas que aderiram ao programa transformaram-se em
“balcões de negócios” e o fator financeiro passou a ser o elemento norteador de suas ações
(SOUSA, 2005).
Diante do exposto, fica evidente a inversão de papéis entre Estado e mercado. O Estado
estabeleceu diretrizes a fim de contemplar a formação técnica desassociada da formação geral
(Decreto nº 2.208/97). A interferência do mercado sobre o papel do Estado pode ser notada
quando, ao verificarmos os documentos expedidos pelo MEC, durante o governo FHC,
percebemos um processo de mercantilização da educação. Segundo Frigotto, o mercado
tornou-se “sujeito regulador da concepção e da organização da educação, tende[ndo] a
eternizar a concepção instrumentalista, dualista, fragmentária, imediatista e interesseira de
formação humana”. (FRIGOTTO, 2003, p. 47-48. grifo do autor).
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4. Do neoliberalismo para o modelo social-desenvolvimentista: a educação profissional
no governo Luís Inácio Lula da Silva
Quando fazemos um contraponto da política educacional do governo FHC com o
governo Lula, podemos perceber que houve uma vitória das classes e frações de classes
dominantes, em particular do capital financeiro, que, para conquistar sua hegemonia, contou
com total apoio do governo federal, inclusive, do Ministério da Educação, da burguesia
industrial, bem como da nova burguesia de serviços, representada pelas empresas que
exploram a educação, concebendo o ensino como mera mercadoria. Essa nova burguesia de
serviços cresceu com a política neoliberal, a partir do momento em que o Estado reduziu seus
gastos sociais e delegou a ela as funções sociais por ele relegadas. A resistência a essa
hegemonia só ocorreu, principalmente, em alguns setores organizados da classe trabalhadora e
de uma fração das classes médias, especialmente, pelo funcionalismo público federal.
A “continuidade do governo Lula com o governo FHC” na política macroeconômica —
“baseada em três pilares: metas de inflação, câmbio flutuante e superávit primário nas contas
publicas” — foi uma decisão política e ideológica (SINGER, 2009).
Ainda citando Singer:
uma fração de classe (trabalhadora) que, embora majoritária, não consegue construir
desde baixo as suas próprias formas de organização. Tal opção política por
“executar o programa de combate à desigualdade dentro da ordem’(grifos do autor)
‘confeccionou nova via ideológica, com união de bandeiras que pareciam não
combinar’(idem, p.97) (Apud FRIGOTTO, 2011, p.239)
Como destaca Singer (2009), a elevação do superávit primário para 4,25% do PIB, a
concessão de independência operacional ao Banco Central, que teve a sua frente um deputado
federal eleito pelo PSDB com autonomia para determinar a taxa de juros, e a inexistência de
controle sobre a entrada e a saída de capitais foram o modo encontrado para assegurar um
elemento vital na conquista do apoio dos mais pobres: a manutenção da ordem.
Por outro lado, vemos também, nessa década, uma transição do neoliberalismo para o
modelo social-desenvolvimentista no governo brasileiro. O Estado reafirmou sua soberania
nacional, reorientou sua política internacional, formou uma grande reserva cambial,
redirecionou o comércio externo e estabeleceu uma nova dinâmica de cooperação
internacional. O Estado assumiu a responsabilidade de solucionar os problemas sociais com a
inclusão de mais de um terço da população brasileira em programas de garantia de renda.
Houve, também, a reconstrução de um projeto de desenvolvimento econômico, como a
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valorização do salário mínimo, que teve grande impacto na redução da desigualdade, na
diminuição da pobreza, além de dinamizar o mercado de consumo interno.
Essa transição do modelo neoliberal para o social-desenvolvimentista iniciou a retomada
de uma sociedade salarial: avanço do emprego assalariado com carteira assinada e ampliação
do consumo popular, principalmente, pela população de menor renda.
No cenário internacional, consolidou-se a 3ª Revolução Industrial, possibilitando novas
formas de comunicação e informação, além de novas formas de organização do trabalho e da
produção. A transferência de determinadas operações intelectuais para as máquinas provocou
um forte debate teórico e prático sobre a elevação dos níveis de qualificação profissional.
Neste cenário, em julho de 2004, o governo Lula, atendendo às lutas históricas das
classes trabalhadoras da educação profissional, fez uma mudança no ambiente da Rede
Federal de Ensino, com a publicação do Decreto 5.154, de 23/07/04, revogando o Decreto
2.208/97, iniciando, assim, a expansão da Educação Profissional e Tecnológica.
O Decreto 5.154/04 retomou a oferta do ensino técnico de nível médio integrado ao
ensino médio, de acordo com as diretrizes curriculares nacionais do CNE, as normas do
sistema de ensino e as exigências do projeto pedagógico de cada instituição. Do Decreto
2.208/97, manteve a progressividade e cumulatividade na formação e certificação dos
estudantes, à medida que o aluno aproveitaria “sua qualificação inicial, podendo
complementá-la com cursos técnicos de nível médio e de graduação, desde que estes tenham
sido organizados dentro de itinerários formativos específicos” (BRASIL, 2004). A
certificação gradativa, possibilitada pelas saídas intermediárias, também é mantida, podendo
ser articulada com os programas de educação de jovens e adultos.
Se por um lado o Decreto 5.154/04 possibilitou a integração entre o ensino médio e a
educação profissional, por outro, não estiveram presentes, nos documentos que o
regulamentaram (Parecer nº 39/04 e Resolução nº 01/05), os conceitos de formação integral,
trabalho como princípio educativo e politecnia, os princípios norteadores do decreto.
Não obstante, o Parecer nº 39/04 e a Resolução nº 01/05 não revogaram o Parecer nº
16/99 e a Resolução nº 04/99, além de manter os referenciais curriculares que referendaram o
Decreto 2.208/97. Assim, os planos de cursos dos cursos integrados implantados tiveram os
elementos didáticos e metodológicos ainda no modelo das competências. A Instituição passou
a ter duas opções: ou construía seus currículos baseados no modelo das competências com
uma prática de integração disciplinar e formação integral, que não condizia com tal modelo,
ou construía currículos “livres” do modelo das competências e, portanto integrados nas
dimensões teórica e prática. (FEITOSA, 2010)
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A maior crítica a esse decreto foi que todas as contradições do Decreto 2.2008/97,
implantado pela gestão anterior, foram mantidas. O novo decreto manteve um viés
conservador, na medida em que, mesmo possibilitando a integração do ensino médio com a
educação profissional, conservou a separação do ensino médio da educação profissional e
manteve a concomitância, conforme o decreto anterior. Foram mantidas também a estrutura
modular de organização da educação profissional e a complementaridade da formação em
instituições distintas. No entanto, por não haver homogeneidade nos inúmeros projetos
pedagógicos das instituições de educação profissional, a complementaridade mostrou-se um
grande problema.
Com o novo decreto, cada instituição passou a ter autonomia para decidir pela junção ou
não entre o ensino médio e o ensino técnico de nível médio. Entretanto, em 13 de junho de
2005, foi editada a Portaria nº 2.080, que regulamentava os artigos 3 e 4 do Decreto 5.154/04,
estabelecendo no âmbito os Centros Federais de Educação Tecnológica, Escolas Técnicas
Federais, Escolas Agrotécnicas Federais e Escolas Técnicas vinculadas às Universidades
Federais, as diretrizes para a oferta de cursos de educação profissional de forma integrada aos
cursos de ensino médio, na modalidade de educação de jovens e adultos _ PROEJA.
Assim, para a Rede Federal, a junção tornou-se obrigatória, já para as outras instituições
a integração do ensino técnico e médio foi somente uma possibilidade, podendo ocorrer ou
não, dependendo da correlação das forças sociais em disputa. No entanto, a falta de consenso
governamental e a pressão das instituições obrigou o MEC a recuar, permitindo outras
opções4.
Para Frigotto, Ciavatta, Ramos (2005), a promulgação do Decreto 5.154/04 não
possibilitou mudanças estruturais na educação brasileira:
passada mais da metade do mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o que
se explicita cada vez mais é a continuidade da política econômica monetarista
centrada no ajuste fiscal e a reedição de políticas focalizadas no campo social e
educacional. No plano político, a cada dia aprofunda-se a divisão do campo da
esquerda, que poderia dar uma base para mudanças nas estruturas que geram a
desigualdade social e educacional.
Como participantes ativos, ao longo de dois anos no processo de revogação do
Decreto 2.208/97 e aprovação do Decreto 5.154/04, pudemos testemunhar tanto o
conteúdo do novo decreto quanto e, especialmente, a regulamentação feita às DCNs
pelo Conselho Nacional de Educação, que podem resultar em avanços pífios ou
retrocessos. (p. 14)
Concordando com Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005), podemos perceber, pela análise
realizada, que os textos legais representaram regressão social ou a sinalização da persistência
das forças conservadoras.
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O embate para revogar o Decreto 2.208/97 engendra um sentido simbólico e éticopolítico de uma luta entre projetos societários e o projeto educativo mais amplo.
Trata-se de um decreto que expressava, de forma emblemática, a regressão social e
educacional sob a égide do ideário neoconservador ou neoliberal e da afirmação e
ampliação da desigualdade de classes e do dualismo na educação.
O conteúdo final do Decreto 5.154/04, por outro lado, sinaliza a persistência de
forças conservadoras no manejo do poder de manutenção de seus interesses. Mas
também pode revelar a timidez política do governo na direção de um projeto
nacional de desenvolvimento popular e de massa. (p. 52)
Outra política para a educação profissional do governo Lula foi o Pró-Jovem. Com o
intuito de ampliar em 30% a oferta de vagas nos cursos técnicos em todo país, até 2006, o
governo federal criou, através da Medida Provisória nº 238, de 1º de fevereiro de 2005, o PróJovem, programa gerido pela Secretaria Geral da Presidência da República, em uma ação
integrada com os Ministérios da Educação, do Trabalho e Emprego e do Desenvolvimento
Social e Combate à Fome. Esse programa, além de pagar uma bolsa mensal de cem reais aos
inscritos, tinha o objetivo de propiciar aos jovens brasileiros, na forma de curso, “elevação do
grau de escolaridade, visando à conclusão do ensino fundamental, qualificação profissional,
voltada a estimular a inserção produtiva cidadã e o desenvolvimento de ações comunitárias
com práticas de solidariedade, exercício da cidadania e intervenção na realidade local”
(BRASIL, 2005).
A certificação desse programa estava condicionada à aprovação em Exame Final
Nacional Externo, que poderia ser refeito em caso de insucesso após processo de recuperação.
Segundo Kuenzer (2006), a exigência desse exame foi uma forma de controle do produto,
devido à ausência e impossibilidade de controle durante o processo, dada a quantidade,
qualidade, natureza diferenciada e dispersão espacial das unidades executoras.
Outro projeto inovador do governo Lula, que já estava previsto pelo Decreto 2.208/97,
foi o Programa Escola de Fábrica. Este programa previa que a educação fosse realizada em
escolas de ensino regular, instituições especializadas ou nos ambientes de trabalho. Neste
último, instrutores e monitores ministrariam aulas de disciplinas técnicas. Embora não
estivesse definido quem pagaria os instrutores e monitores, esse programa representou o uso
privado de recursos públicos, buscando, inclusive, atender às especificidades de determinadas
empresas, transformando a educação profissional em mero treinamento para o
desenvolvimento de uma atividade profissional específica (SANTOS, 2005).
Já o PROEJA – Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a
Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos surgiu a partir do Decreto
5.478/2005, revogado em seguida, que responsabilizou os Institutos Federais de Educação,
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Ciência e Tecnologia como a única instituição que viabilizaria a execução do programa,
deixando fora da oferta o ensino fundamental na modalidade de EJA.
A partir de discussões que denunciaram essa lacuna, esse Decreto logo foi revogado
pelo Decreto 5.840/2006, que regulamentou a formação de jovens e adultos trabalhadores em
nível inicial e continuado e em nível de educação profissional técnica de nível médio,
integrada ou concomitante. Além da rede federal de educação profissional, o PROEJA
poderia ser ofertado por instituições de ensino estaduais, municipais e pelo sistema “S”, desde
que houvesse um projeto pedagógico integrado único. Esse programa se configurou em uma
política de governo com caráter de transitoriedade. Conforme afirma Moura (2006):
O PROEJA surge, então com a dupla finalidade de enfrentar as descontinuidades e o
voluntarismo que marcam a modalidade EJA no Brasil, no âmbito do Ensino Médio
e, além disso, integração básica uma formação profissional que contribua para a
integração socioeconômica de qualidade desses coletivos. (p.61)
Outra iniciativa do governo Lula foi a publicação da Lei 11.892/08, que instituiu a
Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, que será analisada a seguir.
5. A implantação dos institutos federais de educação: superação ou acomodação?
Em 2007, quando o governo Federal publicou o Decreto nº 6.095, que estabeleceu
regras para a constituição dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFET),
ficou claro que ele não tinha mais como objetivo, sua proposta anterior _ a transformação de
CEFETs em Universidades Tecnológicas. Alguns diretores de CEFETs que, inicialmente,
haviam defendido a transformação das instituições que dirigiam em Universidades
Tecnológicas, passaram a aceitar esta mudança na estratégia do governo Lula, mas nem todos.
Os Diretores do CEFET Celso Suckow da Fonseca, do Rio de Janeiro, e do CEFET Minas
Gerais continuaram insistindo na transformação destas duas instituições em Universidade
Tecnológica, travando, até hoje, uma batalha no legislativo.
Para os diretores dos demais CEFETs, o processo de ifetização era uma forma de suas
instituições terem iguais condições de crescimento e reconhecimento, uma vez que eram
vistas como as “mais importantes dos novos Institutos Federais, portanto com reais condições
de se transformarem em suas reitorias” (OTRANTO, 2010).
Desse modo, em 29 de dezembro de 2008, foi assinada a lei 11.892 pelo presidente
Lula. Essa lei, na realidade, teve a mesma exposição de motivos do decreto nº 6.095/07. Desta
forma, além de demonstrar que o Poder Executivo tinha alcançado apoio a seus projetos
13
educacionais no Congresso Nacional, também apontou para a hegemonia destes projetos
dentre os dirigentes da Rede Federal. Estes conseguiram inclusive que, nas articulações
políticas ocorridas entre o decreto e o Projeto de Lei, fosse instituída formalmente “a Rede
Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica”, até então não definida em lei.
Os Institutos Federais de Educação Ciência e Tecnologia foram criados a partir da
agregação de duas ou mais instituições federais de educação profissional e tecnológica de um
mesmo estado, tais como: Centro Federal de Educação Tecnológica, Escola Técnica Federal,
Escola Agrotécnica ou Escola Técnica vinculada à Universidade Federal.
Em alguns Estados foram criados mais de um Instituto Federal: Minas Gerais, com
cinco; Rio Grande do Sul, com três; e Rio de Janeiro, Goiás, Bahia, Pernambuco e Santa
Catarina, com dois cada um. Em Goiás foram criados o Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia de Goiás, composto pelo CEFET-GO e suas diferentes unidades; e o
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Goiano, que incorporou o CEFET-Rio
Verde, o CEFET-Urutaí e sua Unidade de Ensino Descentralizada de Morrinhos, a Escola
Agrotécnica Federal de Ceres, além do novo Campus de Iporá, inaugurado em 2010.
Os Institutos Federais surgiram com o compromisso de garantir a oferta de 50% de suas
vagas aos cursos técnicos (inciso I do caput do artigo 7º), 20% de suas vagas para atender aos
cursos de licenciatura em Matemática, Física, Química e Biologia (alínea b do inciso VI do
caput do mesmo artigo citado). Os 30% restantes de suas vagas foram destinados aos cursos
superiores de tecnologia, aos cursos de bacharelado e engenharia, aos cursos de pósgraduação lato sensu de aperfeiçoamento e especialização e, ainda, aos cursos de pósgraduação stricto sensu de mestrado e doutorado.
Ao ofertar somente 50% de suas vagas para o ensino profissional médio e básico, a
tendência é que estes Institutos assumam uma identidade diversa das de suas instituições de
origem. Um exemplo disso é a obrigatoriedade legal que reserva 20% de suas vagas para a
oferta de cursos de licenciatura. A criação de cursos de licenciatura em instituições,
tradicionalmente, vinculadas à educação profissional de nível médio, segundo o Governo
Federal deve-se ao fato de que há uma grande carência de professores em determinadas áreas
e da dificuldade em se alcançar a meta de universalização do ensino médio sem que esta
carência seja sanada. Assim, ao estender para toda a rede a obrigatoriedade de implementação
de licenciaturas, a política governamental não leva em conta as especificidades das
instituições de origem dos Institutos Federais.
14
Oliveira e Tesser (2010) refletem sobre a questão da identidade docente nas tramas das
políticas públicas de educação e indagam sobre a opção pelos Institutos Federais como espaço
de formação docente.
Por que os [Institutos Federais] (...) foram os escolhidos para a expansão de cursos
de licenciaturas, que na maior parte são [vinculadas a] (...) cursos de Biologia,
Química e poucos de áreas tecnológicas? As universidades não deram conta desse
modelo de profissionalizar o magistério? Estariam sendo cumpridas as metas dos
[Institutos Superiores de Educação -] ISEs (...) com outra denominação, roupagem e
finalidades ampliadas para “certos cursos” de graduação? (p. 42)
Segundo as autoras, ao impor aos Institutos Federais a oferta de 20% de suas vagas para
os cursos de licenciatura, mesmo resguardando 50% das vagas para a oferta de educação
profissional de nível médio e básico, o governo Federal faz com que essas instituições percam
sua centralidade, como antigas escolas técnicas e agrotécnicas para assumir atribuições
formativas dos Institutos Federais.
Por outro lado, salientamos a importância da expansão e interiorização da Rede Federal
de Educação Profissional e Tecnológica, pois poderá contribuir para a democratização do
ensino e do desenvolvimento local.
Ao levar unidades dos Institutos Federais para o interior do país, o governo Federal
oportuniza às populações rurais o acesso ao ensino público de qualidade e o contato com
outra realidade educacional. Certamente, essa ação proporcionará a este contingente
populacional outro referencial de educação pública (ARRUDA; CARNEIRO, 2010).
Os cursos técnicos e tecnológicos implantados nos campi têm procurado atender às
demandas locais, estabelecendo um diálogo entre o saber científico, a pesquisa e a extensão e
os potenciais econômicos de cada região em que estão inseridos.
Assim, ao ofertar uma educação profissional e tecnológica de qualidade, com
compromisso social, vemos consubstanciar a construção de uma sociedade capaz de lutar
pelos seus direitos. No entanto, para que os Institutos Federais, com seus 404 campi5, se
constitua em um instrumento de disputa de hegemonia, é necessário que se tenha uma
organização de escola unitária6, através da educação propedêutica e científica, integrada à
formação profissional, sob um mesmo projeto pedagógico.
15
6. Conclusões
A imposição e desorganização em decorrência das políticas educacionais implantadas
nas Instituições Federais de Educação se consubstanciaram no Decreto 2.208/97 da era FHC e
a reorganização de luta dos docentes, na reconquista de sua autonomia. Essa luta
desencadeada, paulatinamente, durante oito anos, propiciou a discussão dos resultados
negativos da desprofissionalização do Ensino Profissional e a construção de resgate de uma
política pública que expressasse, minimamente, os anseios de professores, alunos,
funcionários e pais por uma formação técnica com o mínimo de qualidade para os
trabalhadores brasileiros.
O Decreto 2.208/97, que reformou o ensino profissional, foi uma imposição, num
processo de luta política entre os que defendiam um ensino técnico profissional humanizante
e aqueles que não se opunham à desorganização do ensino técnico, transmutado em
propedêutico e em meros cursos, após o término do Ensino Médio ou de forma subsequente.
Portanto, perdeu-se o foco na profissionalização e impôs-se o Ensino Médio propedêutico de
menor custo a todos.
Diante do exposto, podemos observar que a política educacional no governo FHC
transferiu a responsabilidade da educação profissional para as instâncias estaduais, municipais
e privadas, atendendo às exigências dos organismos internacionais, com destaque para o BID,
em especial, na formação profissional acelerada, voltada, exclusivamente, para atender às
necessidades do mercado de trabalho. A política desse período caracterizou-se pela
fragmentação, pautada em princípios gerencialistas, em que os investimentos em educação
foram vistos como gastos. Além disso, a desvinculação do ensino médio e educação
profissional de nível técnico acentuou a histórica dualidade entre educação geral e formação
profissional, resultando na substituição da pedagogia de qualificação profissional pela
pedagogia das competências. Tal política gerou insatisfação e a organização dos docentes,
que, no governo Lula, procuraram reverter a desorganização do ensino profissional. As
discussões, as propostas e a luta política possibilitaram uma outra reforma, que se
consubstanciou no Decreto 5.154/04 e na Lei 11.892/08, que criou os Institutos Federais de
Educação, consolidando a reconquista possível de espaço para a qualificação da formação
profissional.
Já o Decreto 5.154/04 trouxe muitos limites, mas não podemos negar que ele avançou
na possibilidade de integração entre escolarização e profissionalização. Isto pode ser notado
no próprio texto do decreto, que afirma: "tanto a LDB quanto o novo decreto regulamentador
16
da Educação Profissional, o Decreto 5.154/04, não admitem mais essa dicotomia que separa a
teoria da prática" (BRASIL, 2004, p. 5).
Ressaltamos, assim, a necessidade de construção de uma política para a educação
profissional que supere os desafios históricos. É preciso que se construa uma cultura da
Educação Profissional, o que hoje não vemos na maioria das instituições de ensino. A
legislação para a Educação Profissional deve ser pensada a partir da perspectiva de uma
educação que atenda aos interesses dos trabalhadores, tenha a formação humana como
referência (e não apenas o mercado) e leve em consideração, principalmente, "políticas de
Educação Profissional integradas a políticas de educação básica de qualidade para todas as
faixas etárias, ambas integradas a políticas de geração de emprego e renda (...), de modo a
criar efetivas oportunidades de inclusão para os que vivem do trabalho" (Kuenzer, 2004, p. 2).
A análise que realizamos mostra que as medidas implementadas pelos governos FHC e
Lula para a educação profissional sempre estiveram condicionadas aos interesses corporativos
do capital e à subordinação do Brasil ao quadro hegemônico internacional. O governo Lula,
por exemplo, não se preocupou em realizar mudanças estruturais na ordem societária,
conforme era esperado no início de seu mandato em 2003. O que vimos foram apenas
medidas superficiais com o objetivo de minimizar as consequências das opções políticoeconômicas da classe dominante.
Por outro lado, no governo Lula houve um fortalecimento da Rede Federal de Educação,
com ampliação da oferta de vagas, qualificação permanente dos servidores técnicos
administrativos e docentes, além da qualidade e investimento no ensino, pesquisa e extensão.
Todas essas iniciativas têm contribuído de forma positiva para a superação do modelo
neoliberal na educação profissional.
Se para o governo federal o sentido político e econômico dos Institutos Federais está
expresso de forma clara, para aqueles que neles atuam (docentes e técnicos administrativos),
essas instituições ainda estão sendo construídas. Um dos grandes desafios tem sido a
articulação da educação profissional, científica e tecnológica com a educação básica,
licenciatura, bacharelado e pós-graduação em uma mesma instituição. Além de que, para
atender ao Termo de Metas, assinado pelos reitores dos Institutos Federais junto ao MEC, em
2010, deve-se enfatizar, nessa articulação, a inovação e a ciência aplicada, além da ampliação
da oferta de vagas e de se atingir o coeficiente de 20 alunos por docente.
Enfim, um dos desafios para os Institutos Federais é a construção de projetos
pedagógicos, articulados a valores e identidade, com base na compreensão teórico-prática das
17
ciências e que permitam à classe trabalhadora entender a formação social, política, econômica
e cultural da sociedade na qual estão inseridos, com uma visão crítica e criativa.
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18
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20
1
Doutoranda em Educação da Pontifícia Universidade Católica de Goiás - PUC-GO. Mestre em Educação
Agrícola pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ. Professora do Instituto Federal Goiano
Campus Urutaí - GO. E-mail: [email protected]
2
Orientadora da pesquisa. Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Universidade
Católica de Goiás – PUC – GO.
3
A expressão Consenso de Washington, chamada também de neoliberalismo, nasceu em 1989, criada pelo
economista inglês John Williamson, ex-funcionário do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional
(FMI). Numa conferência do Institute for Intemational Economics (IIE), em Washington, Williamson listou
políticas que o governo dos Estados Unidos preconizava para a crise econômica dos países da América Latina.
4
INFORMATIVO do Sindicato dos Trabalhadores do CEETEPS, do ensino público estadual técnico,
tecnológico e profissional do estado de SP – SINTEPS Nº 41 – Dezembro de 2004.
5
Para a 3ª etapa da expansão, o governo federal anunciou 208 novos campi de Institutos Federais. O IF Goiano
inaugurará, até o final de 2014, os campi de Trindade, Posse e Campos Belos.
6
Trata-se de uma proposta apresentada por Gramsci nos idos da década de trinta, na Itália, e divulgada com
maior intensidade no Brasil, nos anos oitenta, como estratégia para superar a dualidade da escola, dividida em
escola de formação humanista e de formação profissional. Ao ser difundido no Brasil, nos anos oitenta, o
conceito gramsciano de escola unitária foi confundido com o de politecnia, elaborado por Marx, e ambos foram
vistos como sinônimos, desvinculados dos contextos históricos e políticos em que surgiram, levando à falta de
clareza nesse campo. Para Gramsci, o surgimento da escola unitária não se restringe aos limites da educação
escolar, mas diz respeito a toda a vida cultural e social. O advento da escola unitária significa o início de novas
relações entre trabalho intelectual e trabalho manual, não apenas na escola, mas em toda a vida social. O
princípio unitário, por isso, refletir-se-á em todos os organismos de cultura, transformando-os e emprestandolhes um novo conteúdo. A escola unitária elementar e média deve educar de forma conjunta para as atividades
intelectuais e manuais, e propiciar uma orientação múltipla em relação às futuras atividades profissionais, sem
predeterminar escolhas.
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as políticas neoliberais para a educação profissional - CEFET