A FORMAÇÃO DE PROFESSORES E A EDUCAÇAO INFANTIL: entre a “leigalização” e profissionalização. Rosânia Campos∗ O atendimento à infância no Brasil é caracterizado por uma dupla trajetória. Por dupla trajetória se compreende a distinta forma de atendimento organizada no Brasil ao longo dos anos. Vários pesquisadores (Kuhlmann Jr, 1998; Machado, 1998; Rosemberg, 1995) ressaltam o desenvolvimento de uma rede pautada na assistência, na filantropia para as crianças, sobretudo de famílias mais pobres, e outra rede com tendência educacional voltada para as crianças de famílias economicamente favorecidas. Para além dessa questão, outro fato observado é que, historicamente, o profissional que trabalhava com crianças de 0 a 3 anos, em geral, “vinha das áreas da saúde e da assistência, para os jardins de infância [4 a 6 anos] o profissional era o professor”(Vieira, 1999 p.29). Este percurso da educação infantil tem suas repercussões ainda nos dias atuais e a herança foi tanto um contingente de profissionais sem formação específica, quanto a idéia instituída nos governos militares de maior atendimento pelo menor custo, confirmando, como bem pontua Franco (1995) , a lógica de atendimento pobre para população pobre! Nosso objetivo nesse trabalho, é mostrar como essa “herança” se presentifica nas práticas atuais de atendimento à infância, na cidade de Joinville. Em outras palavras, pretendemos apresentar como as iniciativas locais do poder executivo não apenas reafirmam essa lógica, como também ratificam a divisão que acima nos referimos. Também em nível local, encontramos a presença de políticas compensatórias, incentivadas e difundidas por organismos internacionais, cuja repercussão imediata é a expansão de creches e pré-escolas com baixa qualidade, sem profissionais devidamente qualificados. A expansão da educação infantil, por meio de iniciativas desta natureza, tem desdobramentos também em termos de perfil e da identidade profissional de quem se ocupa dessas atividades. Ao contrário do que prevê a lei, em termos de ∗ Doutoranda em Educação. PPGE/UFSC. Professora das Faculdades de Educação e Psicologia de Joinville. 2 formação em nível superior dos profissionais que estão inseridos nesse segmento educativo, se observa o aumento considerável das chamadas “leigas1”, legitamando-se a histórica idéia da relação natural entre mulher-mãe-educadora infantil. 1. O atendimento a infância brasileira A intensa urbanização do país, observada nas últimas décadas do século XX, bem como a crescente entrada da mulher no mercado de trabalho, entre outros fatores, acabou por configurar uma demanda por vagas em instituições de educação infantil. Essa pressão por vagas se intensificou na década de 1980 com o movimento feminista e a promulgação da constituição de 1988 que, pela primeira vez, assegura a educação infantil como direito. É nesse cenário que o Estado formulou uma política de expansão de ofertas de vagas, estruturando na educação infantil um perfil de atendimento de massa (Rosemberg, 2002). Desta forma, participaram das 397.739 novas matriculas iniciadas em 1984, um total de 14.528 docentes, com formação inferior ao ensino médio (essas professoras são denominadas de leigas). Importante observar que, se analisarmos esses números a partir da razão número de crianças por adulto de 1983, que correspondia a 23,6, “essas novas funções docentes leigas seriam, praticamente, responsáveis por quase todo o processo de expansão: as 14.528 novas professoras leigas teriam assumido 342.860 novas matrículas, ou seja, 86,2% da expansão” (Rosemberg, 1999 p.24). No entanto, com a publicação da LDB 9.394/96, e a centralidade social conferida à criança acompanhada pela “descoberta da infância” como objeto de estudo, a discussão sobre formação de professores/as de educação infantil se intensificou. De acordo com Machado (2000 p.195) Se há tempos atrás o profissional leigo, paciente e afetivo satisfazia a expectativa social para a função de cuidar das crianças pequenas enquanto suas mães estavam trabalhando, a exigência de um docente especialmente 1 Leigas são profissionais que não possuem formação acadêmica exigida por lei para atuam no segmento educativo em que se encontram. 3 qualificado e com nível de escolaridade mais elevado vem responder ao clamor de democratização da educação e de melhoria da qualidade do atendimento. Essa concepção de um profissional com formação específica para educar/cuidar de crianças menores de seis anos coloca um novo desafio: necessidade de formar e qualificar as milhares de leigas existente na área. Essa necessidade, somada a urgência na ampliação desse serviço apresenta um duplo desafio: ampliar a rede de atendimento pública e qualificar as/os seus profissionais. Em termos estatísticos, o quadro de professoras da área, no que se refere à formação inicial, na década de 1990 configurava-se da seguinte forma: Tabela 1 Formação docente na educação infantil – Brasil/1999 Total Ensino Fundamental Ensino Médio Ensino Superior Creche 44.190 9.945 29.684 4.561 Pré-escola 177.260 10.099 121.225 45.936 Fonte: Edudatabrasil/INEP/MEC, 2004. Em 2003, o quadro referente à formação docente dos profissionais da área de educação infantil se configurava da seguinte forma: Tabela 2 Formação docente na educação infantil – Brasil/2003 Total Ensino Fundamental Ensino Médio Ensino Superior Creche 69.353 7.691 48.777 12.885 Pré-escola 224.128 5.115 138.531 80.482 Fonte: Edudatabrasil/INEP/MEC, 2004. Entretanto, ainda que os dados apontem um aumento no nível de escolaridade, é pertinente lembrar que em 1999, o total de professores/as 4 trabalhando em creches era de 44.190, já em 2003 esse número correspondia a 69.353 professores/as. O mesmo é observado na pré-escola, de 177.260 professores/as existentes em 1999, passou-se a ter 224.128 profissionais nesse segmento educativo em 20032. Isso parece significar então que, o aumento de escolaridade não corresponde diretamente à formação daqueles que estavam em exercício. Mas resulta também da inserção dos novos profissionais. Para além dessas questões, os dados acima evidenciam ainda dois aspectos: - Permanece a discrepância entre a formação das profissionais que atuam em creches e daquelas que atuam na pré-escola; - O aumento significativo, 56,94% de profissionais de creche, contra 26,44% de aumento no segmento pré-escola, parece evidenciar a ampliação tanto da educação infantil, quanto do atendimento destinado às crianças de 0 a 3 anos. A diferença de formação entre os dois segmentos advém de vários fatores, entre os quais podemos destacar desde a pouca atenção governamental destinada ao atendimento de crianças de 0 a 3 anos, até a idéia de que, para atuar em creches é suficiente gostar de lidar e ter alguma experiência com crianças, experiência esta que é geralmente adquirida junto aos próprios filhos. Expressa também a idéia de que o trabalho, quanto mais próximo dos cuidados físicos, é menos valorizado, revelando a dicotomia entre cuidar e educar (Cerisara, 1996; Carvalho, 1999). Essa divisão repercute também na valorização dos profissionais que atuam nas creches, que só recentemente foram incorporados as Secretarias de Educação e participam dos planos de carreira e de salários do magistério público. Nesse sentido, como já assinalado anteriormente, é fundamental o desenvolvimento de uma política de expansão de atendimento acompanhada por uma política de formação e qualificação dos docentes desse segmento educativo, pois para se melhorar a qualidade do atendimento em instituição de educação infantil, é fundamental garantir um “quadro de profissionais altamente qualificados 2 Fonte: Edudatabrasil/INEP/MEC, 2004. 5 e fortemente motivados e compromissados para exercerem as novas competências postas pela legislação atual” (Leite, 2002 p.195). Ainda que a LDB 9.394/96 exija e as pesquisas e os movimentos para valorização do magistério pontue a necessidade e a urgência de organizarem formação para os professores/as de educação infantil, a realidade observada não segue essa direção. No caso específico da cidade de Joinville (SC), local onde foi desenvolvida a pesquisa, o que se observa é um movimento na “contramão” do que os documentos oficiais divulgam. Isto porque os “arranjos” realizados pelas diversas administrações nas últimas décadas para atender a demanda por vagas nesse segmento educativo, acabaram por ampliar o número de leigas de professoras voluntárias, sem a implementação de qualquer programa sistemático de formação em serviço e valorização profissional. 2. Atendimento à infância na cidade de Joinville A expansão da rede oficial de atendimento infantil em Joinville encerrou-se em 1992, quando foi inaugurada a última unidade de um Centro de Educação Infantil (CEI)3. Ao se considerar todas as formas de atendimento público existente na cidade, isto é, tanto instituições municipais quanto estaduais, têm o seguinte quadro em 2000: Tabela 3 - Atendimento a infância em Joinville (SC) –2000 Instituição N° de instituição N° de criança que atende CEI 24 2.214 Jardins de infância municipal 14 2.732 Salas de pré-escola municipal 38 salas 927 Creches estaduais 04 178 Pré-escolas estaduais 32 2.272 Fonte: Secretaria da Educação de Joinville / Divisão de Adm. –Serviço de Planejamento e Estatísticas. (março/2000). 3 No ano de 2003, após determinação judicial, pressão popular e do Fórum Regional de Educação Infantil, teve início a construção de 3 novas unidades que deveriam ter sido concluídas naquele ano. Entretanto, essas unidades ainda estão em construção devendo ser entregues a comunidade apenas agora em 2004. 6 Ao se somar todas as formas de atendimento, o número de criança que freqüenta algum tipo de instituição pública é de 8.323, numa cidade que têm uma população aproximada de 48.000 crianças menores de seis anos.4 Diante dessas circunstâncias e com a demanda crescente, novos projetos foram lançados pelo poder público, sendo comum a esses projetos o estímulo às iniciativas de caráter assistencial e filantrópico. A partir de uma política de restrição orçamentária e dos princípios orientadores do Banco Mundial, CEPAL e UNESCO, especialmente no que tange a uma crescente retirada do Estado e a uma responsabilização maior das comunidades, houve uma expansão, durante toda a década de 1990 das denominadas creches domiciliares.5 Ao final da década de 1990, haviam 60 creches cadastradas e orientadas pela Secretaria do Bem Estar Social6, atendendo aproximadamente 751 crianças. A parceria entre Creches domiciliares e Prefeitura Municipal compreende: subsídio financeiro7, orientação pedagógica prestada pela Secretaria do Bem Estar Social e cursos de capacitação8 oferecidos pela Secretaria de Educação em parceria com a Secretaria do Bem Estar Social. No entanto, além dessa forma de atendimento ter se mostrado uma alternativa de baixo custo somente para a Prefeitura e não para as famílias participantes, ela não consegue atender a demanda de vagas. Essa situação exigiu novas medidas e, sempre seguindo o receituário de maior oferta de vagas/menor custo, foi desenvolvido em 1999 o Projeto Acalanto. 2.1. Projeto Acalanto O Projeto Acalanto, muito divulgado pela administração municipal (gestão 1997-2000) pode ser definido em linhas gerais da seguinte forma: as associações 4 Fonte: Prefeitura Municipal de Joinville – secretaria de Educação e Cultura – Divisão de Administração – Serviço de Planejamento e Estatística (março, 2000). 5 Creches domiciliares são assim denominadas por serem atendimentos realizados no domicílio da pessoa que presta esse serviço. 6 O fato dessas creches estarem vinculadas a Secretaria do Bem Estar e não a Secretaria de Educação parece evidenciar ainda mais seu caráter assistencial e não educativo. 7 A ajuda financeira da prefeitura não isenta os pais de pagarem uma contribuição que possui valores entre R$40,00 e R$ 80,00 por criança. 8 Importante salientar que esses cursos se configuram como treinamento não objetivando a complementação ou melhoramento da formação básica dessas mulheres. 7 de moradores organizam as creches em seus bairros, em locais cedidos pela própria comunidade, com mão-de-obra voluntária e recebe uma verba federal9 mensal após o cadastro na Secretaria do Bem Estar Social. A possibilidade de acesso a essa verba federal, por meio das associações de moradores, foi uma das principais condicionantes do projeto. O resultado desse projeto foi à estruturação de 3 centros de educação infantil e na incorporação de 2 outros centros que já desenvolviam atividades vinculadas às associações de moradores. Diferentemente, da parceria entre Creches Comunitárias e prefeitura, essa parceria se restringe ao repasse da verba federal, ficando as Creches Comunitárias fora da assessoria pedagógica e dos eventuais cursos de capacitação. Assim, as Creches Comunitárias sobrevivem com a ajuda da comunidade e da boa vontade das leigas que ali atuam. E acabam por se constituir para muitas famílias, a única alternativa de atendimento, assim, em 2000, as creches comunitárias atendiam 426 crianças. Segundo Franco (1995 p.206), essa situação, “não é apenas fruto da escassez de recursos, mas de opções políticas que privilegiam os grandes investimentos e sacrificam, particularmente, as populações de baixa renda”. Nesse sentido, as creches comunitárias podem ser compreendidas como “uma resposta das populações de baixa renda ao descaso do poder público em relação às suas necessidades de educação” (Tiribia, 1992 p.17). Entretanto, essa “reposta”, inúmeras vezes, é incorporada pelos governos, a exemplo do município de Joinville, que se apoiando no discurso da parceria, incentivam-nas, eximindo-se de sua responsabilidade. Todavia, essas parcerias são vantajosas somente para um dos parceiros, ou seja, quem é beneficiado é o próprio governo, que economiza com a construção de espaços, contratação de pessoal, equipamentos, materiais. Haja vista que, a mesma população que pouco ou nenhum acesso tem a saúde, habitação, transporte e lazer, é negado o acesso a instituições com infra-estruturas e profissionais com habilitação adequada. Assim, mesmo sendo esses direitos constitucionais, não são respeitados, uma vez que a opção governamental não é de privilegiar políticas sociais. 9 Essa verba é proveniente do Conselho Nacional de Assistência. 8 No que se refere, especificamente, as mulheres que trabalham nessas instituições, o grau máximo de escolaridade corresponde ao ensino médio, sendo importante observar que segundo relato dessas mulheres, a maioria conclui ensino médio após iniciar seu trabalho na creche comunitária. Mas há um número significativo de docentes sem o ensino fundamental completo. Como já pontuado anteriormente, não há nenhuma parceria com a Prefeitura Municipal para capacitação ou formação dessas mulheres. Isso significa que, o presente projeto foi desenvolvido ignorando, a Constituição Federal, naquilo que consta no Artigo 206 IV, onde salienta a importância de planos de carreira, obrigatórios para todas as professoras, incluindo as profissionais de educação infantil, bem como, as recomendações do MEC quanto às instalações físicas10 e a qualificação das pessoas que ali trabalham. Entretanto, esse projeto, não se expandiu suficientemente para atender a demanda, que, cada vez mais, reivindica seu direito à creche e pré-escola. Desta forma, em 2003, o governo municipal lança um novo programa intitulado “Viva a Infância”. 2.2. O projeto “Viva a Infância” O projeto “Viva Infância”11 é na verdade, uma retomada nas propostas de incentivos às creches domiciliares, revitalizando as propostas que orientaram as políticas públicas para esse segmento educativo até final dos anos de 1980. Contrariando todas as discussões e legislação que afirmam o estatuto próprio da área, como espaço de cuidar/educar e não uma forma assistencial de atender a criança, o projeto “Viva a Infância” se configura num ponto de inflexão na trajetória de luta que vinha sendo delineado nessa década de 2000 pela sociedade civil, e pelas pesquisas que reafirmam a necessidade de profissionais qualificados para ser possível um atendimento de qualidade na área. 10 Documento do MEC destinado para essa orientação é o Credenciamento e Funcionamento de Instituição de Educação Infantil (Vol. I): Roteiro (sugestão dos itens e dos conteúdos que deverão ser contemplados pela regulamentação) Seção II – Do espaço físico; Anteprojeto (sugestão de concepção e normas para contribuir na implantação e implementação da educação infantil), Cap. V – Do espaço das instalações e dos equipamentos – destaque especial para o Artigo 15. 11 O projeto foi implementado sob forma de decreto lei: Decreto nº 11.295, de 22/08/2003. 9 Assim, o presente projeto informa que atualmente na cidade, as creches domiciliares e comunitárias atendem 1.415 crianças e que este número já representa 58% do total de vagas ofertadas pelos centros de educação infantil da rede pública municipal - CEIs (2.429 vagas); ou, 33,9% do total das vagas incluindo-se CEIs e mais Jardins de Infância (total de 4.173)12. Além da inversão observada no que diz respeito à responsabilidade pública ao atendimento a infância, esses números revelam o enorme contingente de leigas na área. Esse fato é reconhecido no mesmo decreto quando afirma que “a falta de habilitação específica dos responsáveis por tais creches, está em desacordo com a LDB, Lei 9.394/96, em detrimento dos cuidados que as crianças merecem”. No entanto, se é referido a inadequação da formação das docentes, nada é proposto pra reverter esse quadro. Em nenhum momento do Decreto n° 11.295 /03 há qualquer proposta para qualificação e/ou formação dessas docentes. Muito pelo contrário, é evidente nesse documento a preocupação com a regulamentação de uma série de procedimentos de higienização, ignorando as discussões atuais que postulam a necessidade de profissionais com habilitação para promoção do desenvolvimento psíquico, afetivo, cognitivo e motor e não apenas atendimento a necessidades fisiológicas. Assim, novamente, observamos em pleno século XXI, a idéia da assistência organizando o atendimento a infância desfavorecida economicamente, camuflando assim a questão do direito, segundo Kuhlmann (1998 p.202), O atendimento educacional da criança pequena passa a ser visto como um favor aos pobres, que se estabelece por meio do repasse das escassas verbas públicas às entidades assistenciais, legitimando-as como intermediárias na prestação do serviço à população. A baixa qualidade se transforma em algo aceito como natural, corriqueiro e mesmo necessário. Assim, imprescindível o estabelecimento de uma política de formação que tanto oportunize a qualificação dessas leigas, quanto a sua certificação. É fundamental a implementação de uma política que respeita as crianças, suas 12 Dados retirados do Decreto 11.295 de 22/08/2003. 10 famílias e as docentes que acabam ficando a margem de todos os direitos como professoras, bem como do reconhecimento de seu papel como profissional. Esta necessidade acaba por configurar também em Joinville, o desafio, atual do país, qual seja: ampliar a oferta de vagas e formar um grande contingente de docentes. Considerações finais A realidade discutida acima não é uma singularidade apenas de Joinville, mas é uma realidade que observada em diferentes regiões do Brasil. Esse contexto remete à necessidade de se pensar em propostas efetivas para qualificar / certificar um grande número de pessoas, que atualmente, são as responsáveis pela maior partes dos atendimentos à infância no Brasil. Além da questão da urgência em implementação de programas de formação, é importante também se discutir que tipo de formação será mais adequado. Alguns autores têm pontuado a necessidade de se considerar como dimensão importante da qualificação profissional, os conhecimentos, as estratégias, as técnicas de educar - cuidar, que as chamadas leigas, foram construindo ao longo de sua vida. Mesmo que essas, sob um ponto de vista técnico, possam parecer inadequadas devem ser ponto de partida para as mudanças que se deseja implementar. É necessário criar novos “modelos” de formação “construindo um saber emergente da prática que não negue os contributos teóricos das diversas ciências sociais e humanas, mas que os integre com base em uma reflexão sobre a experiência pedagógica concreta” (sem grifo no original – Nóvoa, 1995 p.37). Assim, não mais é possível se pensar em formação esporádica, descontinuada, organizada a partir da simples transmissão de conhecimentos, como se ao repassar para os professores/as as últimas pesquisas e discussões acadêmicas transformasse automaticamente as práticas pedagógicas (Cruz, 1996; Scarpa, 1999). Antes, importante organizar esses cursos como espaços também de trocas de experiências, angustias, conhecimentos. Espaços de reflexão a partir de suas práticas cotidianas, do (re)conhecimento de seus direitos e das crianças. 11 Espaços que possibilitem aos docentes se apropriarem dos seus saberes, trabalhando-os sob o ponto de vista teórico e conceitual (Nóvoa, 1995). Há ainda necessidade de se considerar a particularidade da área, assim, a formação pautada no modelo da escola de ensino fundamental é inadequado para esse segmento educativo. Todas essas ressalvas ratificam a questão de que, o pensar na formação atual dos docentes que trabalham na área, é pensar muito mais do que certificar um contingente de pessoas para atender a legislação vigente. A garantia de qualidade passa, então, por uma formação que abrange todas as propostas defendidas pela área. No caso particular discutido no presente artigo, se as formas de atendimento efetivas por leigas estão sendo legitimadas pelo poder público como opções de atendimentos as crianças, é imprescindível que o poder público reconheça o direito dessas mulheres à formação adequada e seu reconhecimento legal como professoras. Importante ainda compreender a indissociabilidade entre formação e profissionalização, isto é, as diferentes estratégias de formação devem gerar profissionalização, possibilitando tanto avanço da escolaridade, quanto valorização e progressão na carreira” (Kramer, 1994). Nesse sentido, Vieira (1999 p.34) ressalta: políticas que privilegiam estratégias de formação regular, em diferentes níveis de complexidade, integrando o cuidar e o educar, são políticas emancipatórias também na perspectiva de gênero. Possibilitar elevação de escolaridade, qualificação profissional, progressão em carreiras – mesmo as em construção -, remuneração digna, contribuem para a valorização social da função de cuidar e educar crianças pequenas, para valorização de carreiras femininas no contexto educativo, o que pode ser inovador e garantir melhores condições de atendimento às crianças. Dito de outra forma, urgente implementar uma política de formação profissional que possibilite superar a idéia de “lidar pobremente com a pobreza” que invista no docente e na sua formação de maneira a configurar as instituições de educação Infantil como novos espaços de emancipação. Espaços adequados, 12 de qualidade tanto para as crianças quanto para os docentes, procurando romper definitivamente com o quadro desigual, presente em Joinville e no Brasil, no que se refere à possibilidade de acesso e na qualidade do atendimento. Assim, a política de formação deve vir acompanhada de ganhos em termos de planos de carreira e salários. Para tanto, a destinação de recursos públicos e a responsabilidade social para com um significativo número de crianças, jovens e adultos que historicamente tem sido expropriado de seus direitos elementares, são fundamentais. Referências Bibliográficas BRASIL. “Constituição da Republica Federativa do Brasil”. São Paulo: Tecnoprinte, 1998. _________ “Subsídios para Credenciamento e funcionamento de Instituições de Educação Infantil”. Brasília, MEC/SEF/COEDI, 1998. CAMPOS, Rosânia. “Entre lutas e sonhos: as professoras leigas na educação infantil”. Florianópolis, 2001. Dissertação (Mestrado em Educação). UFSC. CARVALHO, Marília Pinto. “No coração da sala de aula: gênero e trabalho docente nas séries inicias”. São Paulo: Xamã, 1999. CERISARA, Ana Beatriz. “A construção da identidade das profissionais de educação infantil: entre o feminino e o profissional”. São Paulo, 1996. 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