Universidade Tecnológica Federal do Paraná - UTFPR
Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciência e Tecnologia - PPGECT
A Questão dos Dois Amarelos em Livros
Didáticos de Física do Ensino Médio
Charles Teruhiko Turuda
Alexandro Cardoso Tenório
Heloísa Flora Brasil Nóbrega Bastos
Resumo
Os livros didáticos de Física do Ensino Médio costumam apresentar ao
menos uma de duas teorias distintas para explicar as cores dos corpos. Uma delas
é puramente física e a outra dispõe de conhecimentos biológicos agregados. Essa
segunda explicação origina o que chamamos de ‘a questão dos dois amarelos’. O
objetivo do presente trabalho foi estudar as explicações para a origem da cor dos
corpos, dadas nessas obras. Diante disso, discutimos aqui as possíveis
repercussões na compreensão dos fenômenos cromáticos por parte dos alunos,
quando a aprendizagem de conceitos relativos à composição de cor é pautada
apenas em uma das descrições teóricas para a origem da cor dos corpos.
Palavras-chave: composição de cor, livros didáticos, ensino de física.
Abstract
The question of the two yellows in Physics textbooks of Secondary
Education
Physics textbooks present two different explanations for the color of
bodies. One is purely physical and the other has biological knowledge aggregates.
This second explanation gives rise to what we call 'the question of two yellow'.
II Simpósio Nacional de Ensino de Ciência e Tecnologia
07 a 09 de outubro de 2010
Artigo número: 60
ISSN 2178-6135
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The objective of this paper was to study the explanations for the origin of the color
of the bodies found in these textbooks. Thus, here we discuss the possible impact
on the understanding by students of chromatic phenomena, when learning of
concepts concerning the composition of color is based on only one of the
theoretical descriptions for the origin of the color of the bodies.
Keywords: colors, colors composition, textbooks analysis, concepts.
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Introdução
Durante os estudos e pesquisas para a elaboração da dissertação de mestrado do autor
principal deste trabalho, deparamo-nos com uma série de textos que tinham a cor e suas
implicações no ensino das ciências como tema principal. Durante esses estudos, principalmente
em textos com finalidade didática voltados para o ensino de Física no Ensino Médio, percebemos
o emprego de ao menos duas explicações teóricas para a percepção da cor amarela em corpos
iluminados por luz branca solar.
Normalmente, nessas obras didáticas para o Ensino Médio, as cores dos corpos são
explicadas com base em apenas uma das explicações teóricas encontradas. Em uma das
descrições, a perspectiva física é utilizada para a compreensão do fenômeno da cor. Por outro
lado, a explicação para as cores dos corpos também pode ser fundamentada em elementos da
Biologia, em uma perspectiva mais interdisciplinar, quando a descrição do fenômeno cor
considera o processo fisiológico através do qual o ser humano enxerga.
Neste trabalho, trazemos os resultados de uma pesquisa, que, ao estudar as explicações
para a cor dos corpos dadas em livros didáticos de Física do Ensino Médio, objetivou empreender
uma análise com foco no que chamamos ‘a questão dos dois amarelos’. Como veremos, com
mais detalhes a seguir, as descrições, baseadas na Física ou na Biologia, podem suscitar nos
alunos perspectivas conflitantes para a compreensão da natureza da cor, principalmente diante
do fenômeno que trata da percepção da cor amarela em corpos iluminados por luz branca solar.
O presente trabalho busca refletir sobre a relevância de uma compreensão mais ampla e
integrada dos fenômenos da natureza, ao tomar como exemplo o uso de diferentes explicações
teóricas para a cor, em livros didáticos. Esperamos que os resultados aqui relatados possam
subsidiar a elaboração de livros didáticos que auxiliem os professores no ensino da Física de uma
maneira mais contemporânea e alinhada com as novas perspectivas para o ensino de ciências.
Nas próximas seções, vamos descrever de uma maneira mais detalhada as principais
abordagens de que os autores de livros didáticos de Física para o Ensino Médio fazem uso para
explicar a percepção da cor e sua relação com a iluminação dos corpos. Em seguida, descreve-se a
metodologia desse estudo e apresentam-se os resultados da análise das obras selecionadas.
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Fundamentação teórica
Na Física, há dois modelos para se explicar a luz. No modelo de luz que interessa ao
presente estudo, ela é uma onda eletromagnética, ou seja, uma série de perturbações em campos
elétricos e magnéticos que se propaga, transportando energia e momento linear.
Ao longo da história, alguns físicos tentaram explicar a cor dos corpos utilizando apenas
conhecimentos provenientes da física da luz. Tal fato parece ser uma herança newtoniana,
mesmo que ele próprio não tenha seguido exclusivamente essa abordagem (GUIMARÃES, 2000).
Newton (2002) afirmou que a luz branca proveniente do Sol é composta por todas as cores e isso
influenciou profundamente os estudos subsequentes sobre a cor dos corpos. Nessa teoria, as
cores estão associadas unicamente à frequência da luz (SILVA, 2007).
A frequência de uma onda eletromagnética pode ser definida como sendo o número de
perturbações por unidade de tempo que a luz apresenta (HALLIDAY; RESNICK; WALKER, 2009).
Segundo Silva (2007), a cor amarela é a interação de uma onda eletromagnética, de frequência
aproximadamente entre 510 e 530 THz, com o sistema visual humano. Portanto, uma onda
eletromagnética de frequência igual a 520 THz é interpretada como luz de cor amarela.
Consequentemente, se um objeto iluminado por luz branca solar reflete apenas uma onda
eletromagnética de frequência igual a 520 THz, ele é visto por uma pessoa de visão normal como
tendo a cor amarela. Essa é a origem do que chamamos ‘primeiro amarelo’. Na Figura 1,
reproduz-se uma ilustração bastante comum em livros didáticos de Física que acompanha essa
explicação para a cor amarela de um corpo.
Figura 1 – Ilustração de livros que acompanha a explicação da cor de um corpo sob luz branca.
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(Fonte: autores)
Ao longo dos tempos, alguns artistas, cientistas e filósofos discordaram dessa posição que
considera apenas a questão física da luz para explicar as cores dos corpos (GOETHE, 1840;
SCHOPENHAUER, 2003; WITTGENSTEIN, 1996). Questões biológicas e psicológicas foram
acrescidas à teoria para o completo entendimento dos fenômenos cromáticos.
Figura 2 – Efeito da cor do fundo sobre a cor à frente.
(Fonte: autores)
De fato, parece impossível fornecer uma boa explicação para a cor de um corpo sem apelar
para ideias e conhecimentos provenientes exclusivamente da Física. O fenômeno da cor de um
corpo não está associado apenas à frequência da onda eletromagnética que ele emite e/ou
reflete. Podemos ilustrar esse argumento com um exemplo disso, através do ‘efeito de fundo’,
conforme representado na Figura 2. O efeito de fundo é um fenômeno que envolve a influência
de uma cor sobre a percepção de outra. Esse efeito é mais bem explicado utilizando-se
conhecimentos da Psicologia ou da Neurociência.
Na Figura 2, as frequências das luzes refletidas pelos dois círculos são idênticas. Por causa
da cor verde ou amarela do fundo quadrado, a cor do círculo é percebida, no primeiro caso, mais
amarela ou mais clara, e no segundo caso, mais verde ou mais escura. Pedrosa (1982) estudou
profundamente o efeito de fundo para desenvolver o que chamou de ‘cor inexistente’. A
explicação para a cor dos corpos meramente baseada na física da luz não dá conta do efeito de
fundo da Figura 2. As frequências das ondas eletromagnéticas refletidas pelos dois círculos são
idênticas e, portanto, eles deveriam apresentar a mesma cor. Pode-se dizer que a cor física é a
mesma (ondas eletromagnéticas de mesma frequência), mas a cor psicológica não é.
É possível encontrar outra explicação para o fenômeno da cor dos corpos em livros de Física
do Ensino Médio. Ela leva em conta conhecimentos que provêm da Biologia, mais
especificamente, Fisiologia Humana. Embora também não explique o efeito de fundo da Figura 2,
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aprimora a teoria inicial para que possa englobar outros fenômenos. Essa outra explicação
considera a cor como a interação da onda eletromagnética com o sistema visual humano.
Figura 3 – Microfotografia da retina mostrando as células cones e bastonetes.
(Fonte: Photo researches. Retine. Disponível em: <http://db2.photoresearchers.com>. Acesso
em: 31 dez. 2008).
A retina é um dos elementos desse sistema responsáveis pela visão das cores. É uma
membrana composta por células sensíveis à luz. Sua camada mais superficial constitui-se de dois
tipos de células: bastonetes e cones (Figura 3).
Figura 4 – As cores e a sensibilidade dos cones da retina humana.
(Fonte: modificado de Luciano Guimarães. A cor como informação: a construção biofísica,
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linguística e cultural da simbologia das cores. 3. ed. São Paulo: Annablume, 2000, p. 35).
Os cones pertencem a uma de três famílias distintas de células: ‘azul’, ‘vermelha’ e ‘verde’
(PEDROSA, 1992; GUIMARÃES, 2000). Essa denominação classificatória deve-se às frequências das
ondas eletromagnéticas que captam com mais intensidade (Figura 4).
O conhecimento da existência dos cones e a elucidação do seu papel na visão de cores
criaram uma explicação diferente para as cores dos corpos. Os olhos humanos enxergam todas as
cores por combinação de acionamento dos três tipos de cones. Por exemplo, para enxergar a luz
amarela, os cones verdes e vermelhos são ativados e os azuis não são.
A ilustração reproduzida na Figura 5 costuma acompanhar essa explicação em livros
didáticos de Física. Nota-se que a luz branca pode ser obtida através da mistura apenas de luzes
de cores verde, vermelha e azul. Essa teoria contrapõe-se à ideia anterior que diz que a luz branca
é formada pela combinação de todas as cores.
Figura 5 – Ilustração comum em livros didáticos de Física que acompanham a explicação das
cores levando em consideração os cones da retina humana.
(Fonte: Maurício Mueller. Disponível em: <www.agenciapro.com.br>. Acesso em: 28 jul. 2010).
Tendo-se em consideração essa outra teoria para as cores, um corpo também pode ser
amarelo se reflete e/ou emite simultânea e exclusivamente luzes de cores vermelha e verde,
como representado na Figura 6. Essa é a origem do nosso chamado ‘segundo amarelo’. Portanto,
há pelos menos duas maneiras distintas de um corpo ter a cor amarela: apenas refletindo e/ou
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emitindo ondas eletromagnéticas unicamente com frequência dentro da faixa do amarelo ou
refletindo e/ou emitindo simultânea e exclusivamente ondas eletromagnéticas com frequências
dentro das faixas do vermelho e do verde.
Figura 6 – Ilustração de outra explicação para a cor amarela de um corpo.
(Fonte: autores).
O enfoque da primeira explicação para a cor dos corpos é meramente físico. Envolve a ideia
de a luz amarela corresponder a determinada faixa de valores de frequências de ondas
eletromagnéticas. A segunda explicação para a cor dos corpos leva em consideração o processo
pelo qual o ser humano enxerga a cor amarela: acionando os cones verdes e vermelhos da retina.
Nessa última teoria, cria-se a possibilidade de enxergar a cor amarela quando se recebem
simultânea e exclusivamente ondas eletromagnéticas nas faixas de frequência do verde e do
vermelho.
Os autores de livros didáticos de Física do Ensino Médio podem seguir seis caminhos
alternativos no que se refere à questão dos dois amarelos:
a) Ignorar o problema da cor dos corpos e, consequentemente, evitar a questão.
b) Apresentar apenas a primeira explicação meramente física e não resolver a questão.
c) Apresentar apenas a primeira explicação meramente física e adaptar o problema da
cor dos corpos para evitar a questão.
d) Apresentar as duas explicações, mas não apresentar ou não solucionar a questão.
e) Apresentar as duas explicações e adaptar o problema da cor dos corpos para evitar a
questão.
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f)
Apresentar as duas explicações e solucionar a questão.
Na análise dos livros didáticos de Física do Ensino Médio relatada na próxima seção,
utilizaram-se exatamente as alternativas acima para categorizá-los. Um segundo aspecto a
considerar é a relação da ciência com a tecnologia, no ensino de Física. Principalmente quando
percebemos que tecnologia de telas de televisores e de computadores está ligada à questão dos
dois amarelos, aqui discutida.
Afinal, nesses equipamentos, o amarelo é obtido acionando-se emissores cromáticos de
luzes vermelha e verde. Nessa tecnologia, em contraposição à explicação física que a luz branca é
composta por todas as cores, a produção da cor branca é feita pelo uso de apenas três cores:
verde, vermelha e azul.
Dessa maneira, abordar a questão aqui tratada nos livros didáticos poderia ajudar na
aproximação do ensino de ciência com o entendimento da tecnologia associada.
Metodologia
A análise de livros realizada pela presente investigação constituiu-se dos seguintes passos:
a) Escolha das obras a serem analisadas;
b) identificação dos capítulos a respeito de Óptica Geométrica;
c) leitura dos capítulos a respeito de Óptica Geométrica e busca por explicações sobre a
cor de corpos e a visão humana de cores;
d) classificação dos eventos encontrados de acordo com as duas teorias estudadas na
fundamentação teórica desse trabalho;
e) categorização dos livros selecionados de acordo com o tipo de solução dada para a
questão dos dois amarelos;
f)
identificação de possíveis problemas na apresentação da explicação para a cor dos
corpos.
Analisaram-se seis livros didáticos de Física do Ensino Médio. Escolheram-se obras que
constam na lista das mais utilizadas no estado de Pernambuco e que são de editoras diferentes.
Selecionar livros de diferentes editoras teve como objetivo aumentar a variação da amostra. Na
Tabela 1, listam-se essas obras citando-se autores, título, editora e os capítulos analisados.
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Tabela 1 – Capítulos ou tópicos lidos nas obras estudadas.
Obra
Capítulos ou tópicos lidos
Bôas, Doca e Biscuola, 2007
Tópico 1: Fundamentos da Óptica Geométrica.
Tópicos da Física
Tópico 2: Reflexão da luz.
Saraiva
Tópico 3: Refração da luz.
Tópico 4: Lentes esféricas.
Tópico 5: Instrumentos ópticos e Óptica da Visão.
Bonjorno et al., 2003
Capítulo 8: Conceitos fundamentais da Óptica.
Física: história e cotidiano
Capítulo 9: Sistemas ópticos.
FTD
Capítulo 10: Reflexão da luz.
Capítulo 11: Espelhos esféricos.
Capítulo 12: Refração da luz.
Capítulo 13: Lentes esféricas.
Capítulo 14: Instrumentos ópticos.
Cabral e Lago, 2004
8: Princípios da Óptica Geométrica.
Física
9: Espelhos e lentes.
Harbra
10: Instrumentos ópticos.
Gaspar, 2005
Capítulo 5: Ondas e luz.
Física: ondas, óptica, termodinâmica
Capítulo 6: Espelhos curvos.
Ática
Capítulo 7: Refração da luz – I.
Capítulo 8: Refração da luz – II.
Capítulo 9: Lentes esféricas.
Capítulo 11: Instrumentos ópticos.
Luz e Álvares, 2005
14: Reflexão da luz.
Curso de Física
15: Refração da luz.
Scipione
Ramalho Junior, Ferraro e Soares, 2009
Capítulo 10: Introdução à Óptica Geométrica.
Os fundamentos da Física
Capítulo 11: Reflexão da luz. Espelhos planos.
Moderna
Capítulo 12: Espelhos esféricos.
Capítulo 13: Refração luminosa.
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Capítulo 14: Lentes esféricas delgadas.
Capítulo 15: Instrumentos ópticos
Durante a leitura, procuraram-se termos referentes à cor para um levantamento
preliminar. Em seguida, em nova leitura, classificaram-se os trechos de acordo com uma das duas
abordagens possíveis. Ilustrações similares à da Figura 1 ou à da Figura 5 auxiliaram nessa etapa.
Esses trechos foram analisados com o intuito de identificar que postura os livros didáticos
assumem com relação à questão dos dois amarelos. A Tabela 2 apresenta as categorias de análise.
Tabela 2 – Categorias de análise.
Categoria
I
Ignora o problema da cor dos corpos.
II
Explica a cor dos corpos apenas através da física da luz e não resolve a questão dos dois
amarelos.
III
Explica a cor dos corpos apenas através da física da luz e adapta o problema para que a
questão dos dois amarelos não apareça.
IV
Explica a cor dos corpos levando-se em consideração a Biologia e não resolve a questão dos
dois amarelos.
V
Explica a cor dos corpos levando-se em consideração a Biologia e adapta o problema para
que a questão dos dois amarelos não apareça.
VI
Explica a cor dos corpos levando-se em consideração a Biologia e resolve a questão dos dois
amarelos.
Através da categoria a que os livros pertencem e do modo como conciliam as duas
explicações distintas para a cor dos corpos, determinaram-se problemas e elaborou-se uma
descrição deles.
Resultados e análise
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A primeira obra analisada apresenta as duas teorias para a cor dos corpos, mas em
capítulos distintos. Parece haver a preocupação de esclarecer que a luz branca que é composta
por todas as cores é aquela que provém do Sol ou de uma lâmpada incandescente. No capítulo
sobre os fundamentos da Óptica Geométrica (‘Tópico 1’, na Tabela 1), vê-se uma ilustração
equivalente à Figura 1 e fornecem-se explicações sobre a cor dos corpos segundo ideias
unicamente físicas (BÔAS; DOCA; BISCUOLA, 2007, p. 291):
Notas:
Se vemos um corpo branco, é porque ele está refletindo todas as cores do
espectro solar.
Se “vemos” um corpo preto, é porque ele está absorvendo todas as cores do
espectro solar.
Um corpo que nos parece vermelho quando iluminado pela luz branca solar se
apresentará escuro quando iluminado por luz monocromática de cor diferente
da vermelha (azul, por exemplo).
No capítulo sobre a refração da luz, encontra-se uma seção intitulada ‘cor e frequência’.
Nela apresenta-se a segunda explicação para a cor dos corpos (BÔAS; DOCA; BISCUOLA, 2007, p.
339):
Quando recebemos mais de uma dessas frequências simultaneamente, temos
sensações de cores diferentes de cada uma delas. Se recebermos
simultaneamente as luzes verde, vermelha e azul, podemos ter a sensação da
cor branca. A “luz branca” solar, por exemplo, contém todas as cores, desde a
vermelha até a violeta.
Há contradição entre o primeiro e o segundo trechos transcritos acima. No primeiro trecho,
afirma-se que um corpo é branco quando reflete todas as cores e, no segundo, que se pode ter a
sensação da cor branca apenas com as luzes verde, vermelha e azul. É o mesmo problema da
questão dos dois amarelos.
O segundo livro analisado (BONJORNO et al., 2003) apresenta somente a primeira
explicação para a cor dos corpos acompanhada de esquemas parecidos com o da Figura 1. Em um
dos exercícios, na página 156, propõe-se que se determinem as cores do retângulo, do losango,
do círculo e da faixa da bandeira brasileira em um quarto iluminado apenas por luz
monocromática amarela. A resposta no livro do professor é que o losango se apresenta amarelo.
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Sabe-se, entretanto, que a segunda teoria para a cor dos corpos prevê a possibilidade de o
amarelo ser devido à reflexão simultânea e exclusiva de luz verde e vermelha. Nesse caso, o
losango deveria ser visto como preto.
Na terceira publicação estudada (CABRAL; LAGO, 2004), discute-se apenas como o ser
humano enxerga cores, mas não se versa a respeito da cor dos corpos. Portanto, não resolve a
questão dos dois amarelos por não apresentá-lo.
O quarto livro é o que deu origem à questão dos dois amarelos. Ele apresenta as duas
explicações e resolve a questão em uma seção destinada ao aprofundamento do assunto
(GASPAR, 2000, p. 177):
De acordo com a teoria da visão das cores, nossos olhos têm na retina três
famílias de células, conhecidas como cones, cada uma sensível à detecção de
uma faixa de frequências do espectro visível: vermelho, verde e azul. […]
[…] Se uma radiação monocromática amarela, por exemplo, atingir a retina,
são os cones vermelhos e verdes que responderão a esse estímulo e então
veremos o amarelo. Se forem duas radiações luminosas – a verde e a vermelha
– a atingir ao mesmo tempo a retina, também veremos amarelo.
A quinta obra apresenta apenas a explicação meramente física para a cor dos corpos em
uma seção intitulada “Física no cotidiano: a cor de um objeto”. Mostram-se ilustrações similares à
da Figura 1, inclusive para a cor amarela. Um trecho de um texto para leitura complementar
trazido pelo livro deixa bem claro que a teoria utilizada é a unicamente física (LUZ; ÁLVARES,
2005, p. 227):
No mesmo trabalho em que apresentou esta ideia sobre a composição da luz
branca, Newton desenvolveu um estudo sobre as cores dos objetos. A teoria
proposta por ele é exatamente aquela que analisamos também na seção 15.3.
[…]
A última obra (RAMALHO JUNIOR; FERRARO; SOARES, 2009) discute as duas explicações.
Inicia a seção referente ao tema explicando que a luz branca proveniente do Sol ou de uma
lâmpada incandescente constitui-se por uma infinidade de luzes monocromáticas. Em seguida,
apresenta três desenhos semelhantes ao da Figura 1 para explicar as cores azul, branca e preta
dos corpos representados nas figuras.
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A observação que se segue preventivamente adverte ao leitor que os corpos apresentam
‘cores puras’, ou seja, que refletem exclusivamente dada cor e absorvem o restante ou refletem
todas ou absorvem todas.
Logo na página seguinte, encontra-se a outra explicação para a cor dos corpos, entretanto é
posta apenas como composição de cores. Mostra figuras similares à Figura 5. Não atribui o
funcionamento desse mecanismo de combinação de cores ao processo visual humano.
Das seis obras analisadas, apenas uma (GASPAR, 2000) apresentou explicitamente a
solução para o problema dos ‘dois amarelos’. Outras obras resolveram a questão de modo mais
velado e outras não a resolvem, deixando uma confusão conceitual a ser resolvida pelo estudante
leitor ou esclarecida pelo professor (Tabela 3).
Tabela 3 – Categorização dos livros didáticos de Física do Ensino Médio
analisados.
Categoria
Livro(s)
I
Ignora o problema da cor dos corpos.
Cabral e Lago (2004)
II
Apresenta explicação baseada apenas na Física e
Bonjorno et al. (2003)
não resolve a questão dos dois amarelos.
IV Explica a cor dos corpos levando-se em
Luz e Álvares (2005)
Bôas, Doca e Biscuola (2007)
consideração a Biologia e não resolve a questão
dos dois amarelos.
V
Explica a cor dos corpos levando-se em
Ramalho Junior, Ferraro e Soares (2009)
consideração a Biologia e adapta o problema
para que a questão dos dois amarelos não
apareça.
VI Apresenta uma explicação para a cor dos corpos
Gaspar (2000)
levando em consideração a Biologia dos cones
da retina e resolve a questão dos dois amarelos.
Alguns fatores limitadores para uma compreensão do fenômeno da cor de uma maneira
mais completa foram detectados nas análises: contradições entre as duas diferentes explicações,
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ausência de observações sobre a luz branca formada apenas pelas três cores básicas (verde,
vermelho e azul), falta de clareza de qual teoria é utilizada em certo momento, ausência de
menção das diferenças entre as duas abordagens, não explicitação do mecanismo fisiológico da
visão humana para justificar a combinação de cores e apresentação de apenas uma das teorias,
levando-se a responder incorretamente questões sobre as cores dos corpos. Outro problema
encontrado foi o artificialismo exagerado de alguns exercícios. Apresentam-se situações em que a
luz incidente é monocromática e o corpo tem cor pura para que a teoria da cor dos corpos
meramente física faça sentido.
Conclusão
Percebemos que uma parte dos livros analisados apresenta a questão dos dois amarelos de
maneira explícita e tenta resolvê-la e outra parte apenas fornece condições favoráveis a
explicações condizentes com o que pode ser observado no cotidiano. No primeiro conjunto,
entendemos que uma abordagem mais completa do fenômeno da percepção das cores,
abrangendo a perspectiva biológica para a visão, tem a possibilidade de promover uma
compreensão mais integrada dos fenômenos da natureza. Por outro lado, as obras didáticas, do
segundo conjunto, que parecem seguir uma tendência no ensino de ciências de trabalhar com
situações da realidade adaptadas, ou modelizadas, para que a explicação teórica seja “mais bem”
compreendida, podem fortalecer nos alunos o senso comum de que a ciência dos livros didáticos
“funciona” apenas na escola, ou dito de outra forma, que “na prática a teoria é outra”.
Outros livros didáticos de Física do Ensino Médio, entretanto, como sugestão, precisariam
ser atualizados para abranger também uma teoria para a cor dos corpos que envolva não apenas
fatores físicos, mas também biológicos. Sem essa estratégia, consideramos que a compreensão da
natureza da cor fica restrita, tornando-se inclusive difícil, por exemplo, promover para o ensino de
física, estratégias didáticas mais inovadoras, que favoreçam uma maior aproximação da ciência
ensinada com a tecnologia presente no cotidiano do estudante. Nesse sentido, uma abordagem
que ignora o papel da visão humana para a interpretação das cores, tende a dificultar a
compreensão do funcionamento de equipamentos tecnológicos, como impressoras jato de tinta e
monitores de Liquid Cristal Display (LCD).
Dessa maneira, esperamos que o presente trabalho venha a favorecer um ensino de Física
que possa dialogar com outras áreas do conhecimento, como a Biologia ou a Química, em uma
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tendência alinhada com perspectivas mais contemporâneas para o ensino de ciências, pautadas
na interdisciplinaridade e na contextualização do fazer pedagógico, na promoção de um sujeito
com uma noção mais madura das relações que ciência estabelece com a tecnologia e a sociedade.
Referências
BÔAS, N. V.; DOCA, R. H.; BISCUOLA, G. J. Tópicos de Física: termologia, ondulatória, óptica. 18.
ed. reformulada. São Paulo: Saraiva, 2007.
BONJORNO et al. Física: história e cotidiano: termologia, óptica, ondulatória , hidrodinâmica, 2.
São Paulo: FTD, 2003.
CABRAL, F. LAGO, A. Física 2: edição 2004: exercícios reformulados. São Paulo: Harbra, 2004.
GASPAR, A. Física: onda, óptica, termodinâmica. São Paulo: Ática, 2005.
GOETHE, J. W. Theory of colours. Traduzido do alemão para o inglês. Notas de Charles Lock
Easlake. Londres: John Murray, Albemarle Street, 1840.
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II Simpósio Nacional de Ensino de Ciência e Tecnologia
07 a 09 de outubro de 2010
Artigo número: 60
ISSN 2178-6135
Universidade Tecnológica Federal do Paraná - UTFPR
Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciência e Tecnologia - PPGECT
Charles Teruhiko Turuda: pesquisador da Universidade Federal Rural de Pernambuco.
[email protected]
Alexandro Cardoso Tenório: pesquisador e professor da Universidade Federal Rural de
Pernambuco. tenó[email protected]
II Simpósio Nacional de Ensino de Ciência e Tecnologia
07 a 09 de outubro de 2010
Artigo número: 60
ISSN 2178-6135
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