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GUSTAV MAHLER: UMA
GENIALIDADE
E
Viviana
Carola
Daniela Rosolen Galetti
RELAÇÃO HARMÔNICA
A
NEUROSE
Velasco
ENTRE A
OBSESSIVA
Martinez
GUSTAV MAHLER: UMA RELAÇÃO HARMÔNICA ENTRE A
GENIALIDADE E A NEUROSE OBSESSIVA.
Viviana Carola Velasco Martinez1
Daniela Rosolen Galetti2
RESUMO EXPANDIDO
Palavras chave: Neurose Obsessiva; Gustav Mahler; psicanálise e música; genialidade,
sofrimento psíquico.
Este trabalho teve como objetivo fazer uma leitura psicanalítica da vida e obra
de Gustav Mahler, de forma a propor uma relação entre a genialidade e o sofrimento
psíquico. Relação esta estabelecida há mais de dois milênios por Aristóteles quando se
interroga: “Por que razão todos os que foram homens de exceção no que concerne à ciência do
Estado, à poesia ou às artes, são manifestamente melancólicos (...)?” (Aristóteles, 1998, p.81).
É no
“Problema XXX,1: O Homem de Gênio e a Melancolia” (1998), que encontramos o
primeiro tratado sobre este estado de humor, o qual perdurou durante toda a
Antiguidade. E é neste mesmo sentido que propomos um recorte para a relação
apontada pelo filósofo e lançamos uma outra pergunta: Qual a relação que podemos
estabelecer entre a Neurose Obsessiva e personalidades de destaque?
Os critérios em torno da delimitação da pesquisa, Mahler e não outra
personagem célebre, justificou-se pelo acesso a material produzido dentro do discurso
psicanalítico. A começar pelo célebre encontro de Freud com o compositor, na cidade
de Leyden, Holanda, no começo de século XX. Duas vezes adiado o encontro, pela folie
de doute (loucura de dúvida) de Mahler, finalmente conheceram-se em agosto de 1910,
ocasião em que Freud se refere à neurose obsessiva do compositor e sua grande
1
Professora doutora da graduação e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia, da Universidade
Estadual de Maringá. Coordenadora do Laboratório de Estudos e Pesquisa em Psicanálise e Civilização.
2
Psicóloga pela Universidade Estadual de Maringá – UEM; Especialista em Psicologia Clínica
Psicanalítica pela Universidade Estadual de Londrina – UEL; Psicóloga Clínica da Prefeitura do
Município de Terra Boa.
2
capacidade em compreender o que “psicanaliticamente” lhe dizia nesse encontro e que
durou quatro horas.
O levantamento do material foi feito nas fontes de bases eletrônicas do PsycInfo,
banco de dados bibliográficos da Associação Americana de Psicologia (APA),
BIREME, da Sociedade Brasileira de Psicanálise, Biblioteca Virtual Latino-Americana
de Psicanálise, bem como nas revistas especializadas de psicanálise em vários idiomas.
Uma vez de posse desse material, entramos nos domínios da psicanálise “aplicada” ou
extra-muros, uma vez que não poderíamos ter Mahler como paciente para analisá-lo.
Assim, realizamos uma leitura-escuta flutuante desse material, na tentativa de seguir as
possíveis manifestações do inconsciente, o que nos convida à interpretação. Isso
significa que foi a nossa própria transferência com a obra de Mahler, sua vida, sua
doença relatada, interpretada por diversos autores, que nos permitiu, por um
entrelaçamento com aquilo que se liga ao nosso próprio inconsciente, interpretar essa
relação da neurose obsessiva com a genialidade de Mahler. Ou, como diria Green
(1994), trata-se de um trabalho de tradução daquilo que no inconsciente do artista,
plasmado na sua obra, se enlaça narcísicamente ao inconsciente do seu intérprete.
Gustav Mahler é considerado um dos maiores e mais talentosos regentes
austríacos. Nascido no dia 7 de julho de 1860, na Boêmia, foi o segundo dos quatorze
filhos do casal Marien Hermann e Bernhard Mahler. Desses quatorze filhos, entretanto,
oito morream ainda jovens.
Mahler, que era filho de judeus, definiu certa vez sua situação da seguinte forma:
“Sou três vezes sem lar, como natural da Boêmia na Áustria, como austríaco na
alemanha e como judeu no mundo. Em toda parte um intruso, em nenhum lugar bemvindo.” (Mooney, W.1968, p.81-82). Podemos supor que também esteja se referindo,
em termos do inconsciente, à experiência de ser, como todo filho dos seus pais, o
terceiro excluído da relação, o que nos remete tanto ao complexo de Édipo, à cena
primária e ao desamparo e, nesses três fantasmas, a angústia.
Segundo Mooney (1968), Mahler recebeu um grande incentivo de seus pais, que
esperavam para o filho uma vida melhor que a deles. No entanto, o relacionamento do
casal, Marien e Bernhard, não era nada bom. Nas palavras de Mahler: “Meus pais se
davam como o fogo e a água. Ele era um teimoso, ela a própria candura. Sem essa
aliança, nem eu, nem minha Sinfonia nº3 existiríamos. Quando eu penso nisso, sempre
experimento uma estranha sensação” (Mooney, 1968, p. 72). Segundo Kennedy (1988),
a Terceira Sinfonia – Wunderhorn - é bastante polêmica, chegou até ser considerada
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um “crime” por um crítico vienense, que censurou Mahler dizendo que ele mereceria ser
preso por executá-la. O autor não só discorda dessa crítica veemente, mas considera
essa sinfonia um avanço na carreira de Mahler, resumindo-a como: “uma exultante
celebração da vida, física e espiritual, sensual e instintiva”(p.106). Kennedy (1988),
ainda, cita Mahler que diz: “Há passagens que parecem tão misteriosas, tão
sobrenaturais, que dificilmente posso reconhecê-las como obra minha” (p.106). Talvez
porque, como o próprio compositor afirma, essa Sinfonia se deva à aliança de seus pais.
Entre teimosia e
candura, água e fogo nasce Mahler e esses são os ingredientes
misteriosos que, por sua vez, darão a luz a sua obra.
Em 1902, depois de já ter composto algumas de suas sinfonias e canções
importantes, Mahler casa-se com a linda e jovem Alma Schindler. De acordo com
Mooney (1968) “Mahler se preocupava com dúvidas sobre sua potência e dizia a ela ‘Se
você só teve um amor de janela, então ficará tudo bem.’” (p.82)
Segundo Collins (1982), a primeira filha do casal, Maria, naceu em novembro de
1902, contudo, morreu cinco anos mais tarde, com difteria. A segunda filha, Ana,
nasceu no ano de 1904 e teve uma vida longa. Conta o autor que Mahler teve um
relacionamento muito mais afetuoso com a primira filha, Maria, que levava o mesmo
nome da mãe e o segundo nome de sua esposa.
Essa, porém, não foi a única perda sofrida por Mahler. Chamou-nos a atenção a
estreita relação do compositor com a morte, fantasiada ou não, e sua obra é um reflexo
dessa marca. Ainda quando criança, Mahler perdeu oito de seus quatorze irmãos, entre
eles Ernest, a quem ofereceu seus cuidados enquanto doente. Seu pai faleceu em
fevereiro de 1889, quatro meses após o falecimento de sua mãe. Segundo Feder (1978),
a irmã mais velha que assumiria a responsabilidade pela família havia morrido um mês
antes do pai, em decorrência de um tumor cerebral. Dessa forma, Mahler, com 29 anos,
trabalhando em Budapeste, se viu responsável pelo restante de sua família.
Para Feder (1978), o ano de 1907 foi o marco de mudanças na vida física e
psicológica de Mahler. “O espectro da morte, sempre latente, havia sido seu
companheiro até então e foi assustadoramente materializado na morte de sua filha.
Consequentemente, as preocupações de sua atividade mental se expressariam em forma
de composições” (p. 129). Logo após a morte de sua filha, Mahler descobre que sofre de
problemas cardíacos e começa a temer pela sua própria morte.
A obra que mais evidencia a relação de Mahler com a morte é o ciclo
Kindertotenlieder (canções para crianças mortas), inspirado nos poemas do escritor
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alemão Friedrich Rückert, escritos após a morte de dois de seus filhos. De acordo com
Kennedy (1988), quando musicou os poemas, Mahler ainda não era casado e, portanto
não tinha filhos. O que fez com que o compositor se comovesse com esses poemas, foi
o fato de um dos filhos de Rückert, ter se chamado Ernest, assim como o seu irmão mais
novo, falecido em 1874. A perda desse irmão havia sido, até então, uma das
experiências mais dolorosas vivida por Mahler. Sobre Kindertotenlieder, Kennedy
(1988) diz que, apesar de sombrias no tom, as canções não são marcadas por
sentimentalismo mórbido, como poderia supor o tema. Para o autor: “Se isso foi uma
deliberada tentativa de exorcizar um fantasma, deve ter sido bem-sucedida, fora de
dúvida, porquanto se transcende a tragédia e a música atinge um nível de serena
aceitação” (p.114).
Essa atração/medo pela morte, as questões edípicas revividas por Mahler e Alma
em seu casamento, que foram apontadas por Freud em seu encontro com o compositor,
a “loucura da dúvida” em torno da decisão de solicitar ou não esse encontro, além da
repetição manifestada em suas composições, e mais o diagnóstico de Freud nos leva à
neurose obsessiva. Segundo Codato (2009), “ao longo da obra freudiana aprendemos
que a etiologia da neurose obsessiva fundamenta-se principalmente na fixação anal, na
resolução do Complexo de Édipo, na formação do supereu e na expressão da pulsão de
morte.” (p.15).
O estudo realizado sobre Mahler, a partir de sua obra, não nos deixam dúvidas
acerca da importência da música dentro da psicanálise, uma vez que, percebemos
estampado nas músicas de Mahler, aspéctos de seu inconciente, se isso acontece, essa
música é passível de interpretação assim como são os sonhos. O inconsciente é revelado
porque a música apareceu para Mahler como uma solução para a constante luta entre
suas pulsões e o meio externo. No entanto, essa solução não é definitiva. Se sua criação
for definida como sublimação, podemos pensar que esse mecanismo falha, já que
Mahler sentia a necessidade de compor constantemente. A música, a criação, estaria
associada inevitavelmente ao movimento pulsional, como uma espécie de sintoma,
talvez.
Foi Freud quem primeiro atentou para o possível caráter obsessivo de Mahler,
logo após encontrá-lo em Leyden. Em um primeiro momento temos a questão edípica,
revivida em diferentes momentos da vida de Mahler. O sentimento de rejeição, como o
de um terceiro na relação entre o pai e a mãe, aparece também quando ele diz ser três
vezes apátrida, um estranho no mundo. Além disso, temos a relação entre Mahler e sua
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esposa Alma – relação duplamente edípica – que tinha como segundo nome, Marie, o
mesmo nome que a mãe de Mahler e mais tarde, o de sua filha mais velha. Mahler, por
sua vez, traduzido para o Alemão significa pintor, profissão do pai de Alma, como
atentou Freud.
Além disso, a morte é uma constante na vida de Mahler e essa relação é
característica em neuróticos obsessivos. Através da repetição constante do tema, Mahler
encontrou em suas composições, um meio para lidar, ou melhor, tentar lidar com ele. A
repetição e tradução em palavras, mesmo que musicalizadas, da situação de desprazer
serve como limite para a tensão gerada por ela, como observou Freud. No entanto,
devido ao caráter obsessivo de Mahler, o “alívio” proporcionado por suas composições
precisava ser sempre renovado, repetido, daí sua grande produção, mas em compaso ao
seu sofrimento, porque aí tembém encontrava uma fonte de prazer,pois deseja-se a
morte dos outros e como pena a própria morte também. È assim que o obsessivo
precisará estar sempre em íntima relação com a morte para poder viver!
Referências
Aristóteles (1998). O homem de gênio e a melancolia: problema XXX, 1. Tradução:
Alexei Bueno. Rio de Janeiro: Lacerda Editores.
Codato, V. A. S. (2009). Crime e Castigo: o fracasso da função paterna na neurose
obsessiva.. Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual de Maringá.
Maringá.
Collins, D. (1982). Gustav Mahler's Summer of 1910, Bulletin of the Menninger Clinic,
46, 1982.
Feder, S. (1978). Gustav Mahler, Dying. The International Review of Psycho-analysis,
5,1978.
Green, A. (1994). O duplo e o ausente. O desligamento. Rio de Janeiro: Imago.
Kennedy, M. (1988). Mahler. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.
Mooney, W.E. (1968). Gustav Mahler: A Note on Life and Death in Music,
Psychoanalytic Quarterly, 37, 1968.
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