XXXIX Congresso Nacional dos Procuradores de Estado
Sucessão empresarial em direito tributário – o ônus da prova à luz da
jurisprudência do STJ e do TJRS
Melissa Guimarães Castello
[email protected]
Porto Alegre, 31 de julho de 2013.
1
1. Introdução
O art. 133 do Código Tributário Nacional prevê um dos casos em que uma pessoa
pode suceder à outra na cobrança do crédito tributário1. Nos termos do referido artigo, há duas
hipóteses que facultam a alegação de sucessão empresarial por parte da Fazenda Pública:
quando uma pessoa adquire de outra fundo de comércio ou quando adquire estabelecimento
comercial, industrial ou profissional.
Nestes casos, o adquirente passa a ser responsável solidário pelo crédito tributário não
pago pelo alienante, na forma dos arts. 121, parágrafo único, II2, e 124, II3, ambos do CTN.
Caso o alienante continue a exploração da atividade empresarial, sua responsabilidade é
meramente subsidiária.
Central à alegação de sucessão empresarial, portanto, é a definição de fundo de
comércio e de estabelecimento. Estes conceitos serão analisados na seção 2 da presente tese.
Igualmente relevante, para a configuração de sucessão empresarial, é demonstrar que
houve a aquisição, por parte do sucessor, do fundo de comércio ou do estabelecimento. Esta é
a questão abordada na presente tese: qual deve ser a prova, por parte da Fazenda Pública, para
demonstrar a ocorrência da aquisição do fundo de comércio ou do estabelecimento
empresarial? A Fazenda Pública deve apresentar os contratos de compra e venda do
estabelecimento ou do fundo de comércio, ou elementos que configurem indícios da sucessão
são suficientes para seu reconhecimento judicial, facultando-se ao contribuinte provar a
inocorrência de sucessão?
1
Art. 133. A pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra, por qualquer título, fundo de
comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional, e continuar a respectiva exploração, sob a
mesma ou outra razão social ou sob firma ou nome individual, responde pelos tributos, relativos ao fundo ou
estabelecimento adquirido, devidos até à data do ato:
I - integralmente, se o alienante cessar a exploração do comércio, indústria ou atividade;
II - subsidiariamente com o alienante, se este prosseguir na exploração ou iniciar dentro de seis meses a contar
da data da alienação, nova atividade no mesmo ou em outro ramo de comércio, indústria ou profissão.
2
Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade
pecuniária.
Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se: […]
II - responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa
de lei.
3
Art. 124. São solidariamente obrigadas: […]
II - as pessoas expressamente designadas por lei.
2
Na seção 3 da presente tese, é feita uma análise da jurisprudência do Superior Tribunal
de Justiça e do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul acerca do tema4. Boa parte dos casos
submetidos ao STJ não foi conhecida, por demandar análise de matéria fático-probatória, que
não pode ser feita naquele Tribunal, por força da Súmula 7 do STJ5. O TJRS, por sua vez, tem
posicionamento extremamente rígido, demandando prova minuciosa da ocorrência de
sucessão empresarial.
Na seção 4, por fim, é proposta uma releitura do ônus da prova, sugerindo-se que a
Fazenda Pública tem o dever de apresentar indícios da sucessão empresarial, cabendo ao
sucessor, quando responsabilizado, provar que não adquiriu o fundo de comércio.
2. Os conceitos de fundo de comércio e de estabelecimento
Como mencionado, o art. 133 do CTN prevê a ocorrência de sucessão empresarial nos
casos em que houver a aquisição de fundo de comércio ou de estabelecimento comercial,
industrial ou profissional, quando o adquirente continuar a respectiva exploração, sob a
mesma ou outra razão social ou sob firma ou nome individual.
Deve ser ressaltado, de plano, que o referido artigo não determina a necessidade de
aquisição do imóvel em que estiver estabelecida a empresa. Para fins de sucessão empresarial,
portanto, é irrelevante a propriedade imobiliária.
2.1. O estabelecimento
Uma das hipóteses de sucessão empresarial ocorre quando se adquire o
estabelecimento comercial, industrial ou profissional6. O art. 1.142 do Código Civil define
que “[c]onsidera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da
empresa, por empresário, ou por sociedade empresária”.
4
Foram analisados os acórdãos publicados entre agosto de 2008 e junho de 2013, com critério de pesquisa “CTN
133 sucessão”.
5
“Súmula 7 – A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”.
6
Como bem ressalta Ives Gandra da Silva Martins, o art. 133 do CTN não inclui os estabelecimentos agrícolas,
que não estariam sujeitos à sucessão empresarial (Comentários ao Código Tributário Nacional, vol. 2, 3ª ed. São
Paulo: Saraiva, 2002. p. 256).
3
Segundo Fábio Ulhoa Coelho, o “estabelecimento empresarial é o conjunto de bens
reunidos pelo empresário para a exploração de sua atividade econômica”7. O autor leciona,
ainda, que:
Ao organizar o estabelecimento, o empresário agrega aos bens reunidos um
sobrevalor. Isto é, enquanto esses bens permanecem articulados em função da
empresa, o conjunto alcança, no mercado, um valor superior à simples soma de cada
um deles em separado8.
Existem diferenças sutis nas definições de estabelecimento, mas a maioria dos autores
parece concordar que este é o conjunto de elementos corpóreos e incorpóreos (ou materiais e
imateriais) empregados pelos comerciantes com a finalidade de atrair a freguesia. Rubens
Requião define estabelecimento comercial da seguinte forma:
O fundo de comércio ou estabelecimento comercial é o instrumento da atividade do
empresário. Com ele o empresário comercial aparelha-se para exercer sua atividade.
Forma o fundo de comércio a base física da empresa, constituindo um instrumento
da atividade empresarial. O Código italiano o define como o complexo dos bens
organizados pelo empresário, para o exercício da empresa9.
Na legislação tributária, por outro lado, o conceito de estabelecimento parece estar
mais vinculado ao espaço físico da empresa do que na legislação empresarial. É o que se
denota, por exemplo, do art. 11, § 3º, da Lei Complementar 87/9610:
Art. 11 - § 3º Para efeito desta Lei Complementar, estabelecimento é o local, privado
ou público, edificado ou não, próprio ou de terceiro, onde pessoas físicas ou
jurídicas exerçam suas atividades em caráter temporário ou permanente, bem como
onde se encontrem armazenadas mercadorias, observado, ainda, o seguinte: …
Mas na legislação tributária o conceito de estabelecimento tampouco está atrelado à
propriedade do imóvel, havendo estabelecimento empresarial mesmo nos casos em que o
prédio é locado pela empresa, como claramente previsto no texto legal transcrito acima.
Quando o empresário vende seu estabelecimento, o adquirente recebe não só os bens
materiais (equipamentos, estoque, mobiliário, etc.) e imateriais (patentes e marcas, entre
outros) e o “ponto comercial”, como também o sobrevalor imaterial de que fala Fábio Ulhoa
Coelho, decorrente da organização do patrimônio dentro do estabelecimento. Esta parece ser a
justificativa para sua responsabilização pelo eventual passivo tributário: o adquirente recebe o
7
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial – Direito de Empresa, vol. 1, 13ª ed. São Paulo: Saraiva,
2009. p. 97.
8
Idem, p. 96.
9
REQUIÃO, Rubens apud FREITAS, Vladimir Passos de. Código Tributário Nacional Comentado, 4ª ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais. p. 637.
10
Definições semelhantes são encontradas no art. 518, III, do Regulamento do IPI (Decreto nº 4.544/02) e no art.
4º da Lei Complementar 116/03, que regulamenta o ISS.
4
“negócio pronto”, devendo se responsabilizar pelos débitos decorrentes desta atividade
empresarial.
Para encerrar este tópico, deve ser mencionado que o Código Civil estabelece, em seu
art. 1.144, que a transferência do estabelecimento deve ser registrada na Junta Comercial11.
Quando esta formalidade é obedecida pelos envolvidos na transação comercial, é fácil à
Fazenda Pública provar a sucessão empresarial, pois basta uma consulta aos atos arquivados
perante o órgão registral. As dificuldades em provar a sucessão ocorrem quando o
estabelecimento é transferido sem que sejam cumpridas as formalidades previstas em lei.
Nestes casos, a Fazenda Pública quase sempre se vê impossibilitada de cobrar o passivo
tributário do adquirente do estabelecimento comercial, pois é muito difícil provar sua
transferência.
2.2. O fundo de comércio
A outra hipótese de sucessão estaria configurada quando houvesse a aquisição do
fundo de comércio. Rubens Requião, no conceito transcrito acima, trata estabelecimento
comercial e fundo de comércio como sinônimos. Fábio Ulhoa Coelho distingue os dois
institutos, contudo, afirmando que fundo de comércio (ou fundo de empresa, como prefere o
autor) é um atributo do estabelecimento. Enquanto este é o conjunto de bens necessários à
realização da atividade empresarial, aquele é o valor agregado ao referido conjunto, em razão
desta atividade. Fundo de empresa seria o potencial de lucratividade da empresa12.
Segundo Georges Ripert, fundo de comércio é “o direito a uma clientela”13.
Ou seja, no momento em que uma pessoa adquire o direito de exploração da atividade
comercial desenvolvida por outra, prestando serviços ou fornecendo mercadorias para a
mesma clientela, ocorre, em tese, a aquisição do fundo de comércio.
Adotando-se este conceito de fundo de comércio, intimamente atrelado à transferência
da clientela de uma empresa para a outra, seria desnecessária a aquisição de bens materiais ou
do estabelecimento comercial pela sucessora, sendo possível o reconhecimento de sucessão
11
Art. 1.144. O contrato que tenha por objeto a alienação, o usufruto ou arrendamento do estabelecimento, só
produzirá efeitos quanto a terceiros depois de averbado à margem da inscrição do empresário, ou da sociedade
empresária, no Registro Público de Empresas Mercantis, e de publicado na imprensa oficial.
12
Op. cit., p.98 e 101.
13
RIPERT, Georges apud MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial, 25ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000.
p. 327. Nesse mesmo sentido entendem Planiol, Julliot de la Morandiere e Van Ryn (in MELO, José Eduardo
Soares de. Direito Tributário Empresarial. São Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 610).
5
empresarial nos casos em que restar demonstrado que a nova empresa desenvolve a mesma
atividade econômica da anterior, e tem substancialmente os mesmos clientes 14. Para a
Fazenda Pública, esta prova poderia ser feita através da comparação de notas fiscais emitidas
por ambas as empresas, por amostragem.
Independentemente do conceito de estabelecimento ou de fundo de comércio a ser
adotado, dentre os apresentados acima, certo é que ocorre a sucessão empresarial, nos termos
do art. 133 do CTN, quando uma pessoa adquire de outra, por qualquer título, o fundo de
comércio ou o estabelecimento. Os Tribunais têm uma leitura extremamente restritiva dos
referidos artigos legais, como se passa a expor.
3. A jurisprudência do STJ e do TJRS sobre sucessão empresarial
Há poucas decisões do Superior Tribunal de Justiça sobre a configuração de sucessão
empresarial. Utilizando-se o critério de pesquisa proposto (vide nota de rodapé 4), foram
localizados 29 acórdãos com os termos pesquisados. Destes, 13 abordavam aspectos da
sucessão empresarial alheios ao presente trabalho15; 13 não foram conhecidos, por demandar
análise de matéria fático-probatória16; e somente 03 julgaram o mérito propriamente dito17.
Nas três decisões em que o STJ analisou a aplicabilidade do art. 133 do CTN, o Tribunal
entendeu pela inocorrência da sucessão, seja porque fora celebrado contrato de locação entre
sucessor e sucedido, seja porque a “mera utilização do imóvel” não configuraria sucessão.
No Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, por outro lado, foram
localizados 61 acórdãos, sendo que 16 julgados tratavam de assuntos diversos. Nos 45
acórdãos restantes, a jurisprudência pode ser dividida em três orientações principais: a) em 14
decisões, reconhece a ocorrência de sucessão empresarial nos casos em que há elementos de
transferência fraudulenta do ponto comercial – identidade de sócios, por exemplo; b) em 17
casos, não reconhece a sucessão empresarial, por falta de prova robusta; e c) nos outros 14
14
Em sentido contrário, Maria Rita Ferragut entende que a mera aquisição do fundo de comércio não é fato
jurídico suficiente para ensejar a sucessão, pois o fundo de comércio é um elemento do estabelecimento, não
podendo ser alienado de forma separada deste último (vide: Responsabilidade tributária na sucessão empresarial:
aquisição de estabelecimento, arrendamento, locação e venda segregada de ativos. In Revista do Advogado, ano
XXXII, nº 118, fl. 93-4, dezembro de 2012).
15
Como exigibilidade da multa por parte da sucessora, por exemplo (REsp 1085071 / SP e REsp 959389 / RS).
16
REsp 864604 / RJ, REsp 876078 / RJ, REsp 1042893 / RS, AgRg no REsp 1167262 / RS, REsp 1220651 /
GO, AgRg no AREsp 33223 / RJ, AgRg no AREsp 64301 / RS, AgRg no REsp 1238324 / AM, AgRg no AREsp
135361 / RJ, AgRg no AREsp 7373 / SE, AgRg no AREsp 90300 / MG, AgRg no AREsp 211259 / RS e EDcl
no AREsp 36078 / SP.
17
REsp 1293144 / RS, AgRg no Ag 1321679 / RJ e REsp 1140655 / PR.
6
casos, reconhece a ocorrência de sucessão empresarial, tendo em vista as provas apresentadas
pelas partes.
3.1. Da transferência fraudulenta
A jurisprudência é uniforme, ao reconhecer a responsabilidade da sucessora quando a
fiscalização tributária comprova a ocorrência de transferência fraudulenta do estabelecimento
comercial. Nestes casos, uma empresa encerra as suas atividades, e outra abre no mesmo
local, se dedicando ao mesmo ramo do comércio, e tendo algum vínculo familiar em comum.
Geralmente, a nova empresa é aberta em nome dos filhos ou da esposa do proprietário da
empresa dissolvida, como ocorreu no seguinte processo:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRIBUTÁRIO. ICMS. EXECUÇÃO FISCAL.
REDIRECIONAMENTO POR DISSOLUÇÃO IRREGULAR E POR SUCESSÃO
TRIBUTÁRIA INTEGRAL. VOTO VENCIDO DO PRIMEIRO VOGAL. 1. Se a
sucessora tributária integral da executada (instalou-se no mesmo endereço, com o
mesmo objeto, tendo como sócios familiares dos sócios da sucedida), dissolveu-se
irregularmente, há responsabilidade pessoal dos administradores, o que autoriza o
redirecionamento (STJ, Súm. 435). 2. Se no mesmo local e com o mesmo objeto
genericamente considerado, instalou-se outra sociedade, no qual inclusive trabalha
ex-sócio da primeira sucedida, por sua vez esposo de sócia da nova sociedade
tem-se, em princípio, caracterizada nova sucessão tributária integral, o que autoriza
o redirecionamento (CTN, art. 133, I). 3. Por maioria, recurso provido. (Agravo de
Instrumento Nº 70052342540, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,
Relator: Irineu Mariani, Julgado em 24/04/2013 – grifamos)18
Nestes casos, fica claro o planejamento tributário fraudulento, que tem por único
objetivo burlar os cofres públicos. Isso porque o negócio jurídico de transferência do ponto
comercial é simulado, meramente formal. Na prática, a empresa permanece sendo
administrada pelos antigos proprietários, que dissolveram a pessoa jurídica com débitos, para
se furtar à tributação.
Segundo Humberto Ávila, nos casos em que a sucessão empresarial é utilizada de
modo doloso, na tentativa de suprimir a responsabilidade tributária, a responsabilização do
sucessor não decorre dos arts. 132 ou 133 do CTN, mas dos arts. 134 e 137 do mesmo
Código, que responsabilizam pessoalmente o administrador, por violação à lei; e o agente, por
atos praticados com dolo específico, respectivamente19.
18
Vide também: 70047535117, 70051788933, 70045973260, 70050277391, 70050185552, 70049558026,
70038064671, 70042482539, 70042607887, 70036348316, 70034232116, 70053543864 e 70030654636.
19
ÁVILA, Humberto. Parecer: Responsabilidade por Sucessão Empresarial. Responsabilidade da Empresa
Sucessora por Penalidades Decorrentes de Faltas Cometidas pela Empresa Sucedida. Exame da Abrangência do
artigo 132 do Código Tributário Nacional. In Revista Dialética de Direito Tributário, nº 187, p. 128-9, abril –
2011.
7
A prova da transferência fraudulenta é geralmente acessível à fiscalização tributária,
pois a análise dos contratos sociais de ambas as empresas costuma demonstrar o vínculo
familiar. Em alguns casos, a administradora da nova empresa chega a outorgar procuração
pública ao titular da empresa dissolvida, com amplos poderes de administração. Este
documento também pode ser obtido pela administração. De posse destes documentos, e
sabendo-se que a nova empresa está estabelecida no local onde operava a empresa dissolvida,
dedicando-se à mesma atividade, mostra-se viável a responsabilização da sucessora, com base
nos artigos indicados acima.
Não obstante, ainda que pareça evidente a continuidade da atividade empresarial nos
casos de transferência fraudulenta do ponto comercial, há decisões que, mesmo diante da
prova contundente de vínculo familiar entre as duas empresas, afastam a ocorrência de
sucessão. É o que se lê no seguinte acórdão:
AGRAVO.
POSSIBILIDADE
DE
JULGAMENTO
NA
FORMA
MONOCRÁTICA, FORTE NO ART. 557 DO CPC. Tratando-se de recurso
manifestamente improcedente, autorizado estava o Relator ao julgamento singular,
pois configurada hipótese prevista no art. 557, "caput", do CPC. Precedente do STJ.
AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO TRIBUTÁRIO.
EXECUÇÃO FISCAL. SUCESSÃO DE EMPRESAS NÃO EVIDENCIADA.
IDENTIDADE DE RAMO DE ATIVIDADES DA EXECUTADA E RELAÇÕES
FAMILIARES. INSUFICIÊNCIA. ART. 133 DO CTN. FALTA DE
COMPROVAÇÃO DE ESGOTAMENTO DE LOCALIZAÇÃO DE BENS DO
DEVEDOR. A responsabilidade tributária por sucessão regula-se pelo art. 133 do
CTN. Hipótese em que não há demonstração da continuidade das atividades da
empresa executada, mas simples indícios, não comprovada a sucessão por
meras relações familiares. Falta de comprovação de esgotamento de localização de
bens do devedor. Agravo desprovido. (Agravo Nº 70053485199, Vigésima Segunda
Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Eduardo Zietlow Duro,
Julgado em 21/03/2013 – grifamos)20
A orientação no sentido de que não há sucessão empresarial quando há vínculo
familiar entre os sócios das duas empresas é minoritária. Não obstante, nestes casos, ao
pleitear a responsabilização da sucessora, a fiscalização tributária, como forma de assegurar a
satisfação do crédito público, deve reforçar as provas sobre a ocorrência de fraude, pedindo,
de imediato, a responsabilização pessoal dos agentes envolvidos.
Como exposto, nos casos de transferência simulada do estabelecimento comercial, fica
evidenciada a má-fé das partes envolvidas, não sendo casos típicos de incidência do art. 133
do CTN. Isso porque o art. 133 do CTN não pressupõe a má-fé, sendo aplicável também para
os casos em que o adquirente do fundo de comércio ou do estabelecimento empresarial estava
de boa-fé, com a real intenção de iniciar nova empresa, mas se beneficiando do fundo de
20
No mesmo sentido: 70047026547 e 70029412426.
8
comércio da pessoa jurídica dissolvida. Não obstante, nestes casos os Tribunais vêm exigindo
da administração pública provas que estão praticamente inviabilizando o reconhecimento de
sucessão empresarial, conforme segue.
3.2. Da prova exigida para o reconhecimento da sucessão empresarial
Como já mencionado, o TJRS exige “prova robusta” da ocorrência de aquisição do
fundo de comércio ou do estabelecimento comercial, quase sempre demandando que a
fiscalização tributária apresente documentos que não têm publicidade, sendo instrumentos
particulares entre as partes envolvidas. Nesse sentido, veja-se a seguinte decisão:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. SUCESSÃO TRIBUTÁRIA. AQUISIÇÃO DE
PATRIMÔNIO
NÃO
COMPROVADA.
RESPONSABILIDADE
NÃO
PRESUMIDA. Somente quando a pessoa jurídica ou física, por ato negocial, adquire
de outra a universalidade de seu patrimônio compreendendo o fundo de comércio ou
o estabelecimento (comercial, industrial ou profissional) e continua a respectiva
exploração, é que há falar em responsabilidade por sucessão (art. 133 do CTN). Tal
responsabilidade não é presumida pela identidade de objeto negocial ou de sede
das empresas, que só por si não sugerem continuidade entre pessoas jurídicas.
Agravo provido. Unânime. (Agravo de Instrumento Nº 70045602604, Vigésima
Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Genaro José Baroni
Borges, Julgado em 21/03/2012 – grifamos)21
Maria Rita Ferragut tem entendimento semelhante. Em seu artigo, elenca treze
espécies de provas que podem ser produzidas pela administração pública para configurar a
sucessão empresarial, mas destaca que a mera ocupação das mesmas instalações, a
simultaneidade entre o início das atividades de uma empresa e o encerramento da outra e a
contratação dos mesmos fornecedores são elementos que têm fraca força probatória, conforme
segue:
Os fatos a seguir, em nosso entender, constituem-se em relevantes indícios da
aquisição do estabelecimento que se pretendeu ocultar: alguns com fraca força
probatória, se analisados isoladamente (itens i, v, ix); outros quase que suficientes
para provocar o convencimento (itens iii, iv, x). […]
De qualquer forma, vejamos as provas a serem produzidas a fim de demonstrar a
aquisição do estabelecimento:
i)
ocupação das mesmas instalações;
ii) utilização dos mesmos equipamentos e utensílios para o exercício da atividade
econômica;
iii) mesmo controle acionário;
iv) mesma força de trabalho;
v) coincidência de um grande número de prestadores de serviços e fornecedores;
vi) mesmo sistema de informática, sobretudo se for algo específico ao negócio e
contiver programação não encontrável em softwares “de prateleira”;
21
Vide também 70053730289, 70052482924, 70053485199, 70050260488, 70047026547, 70029412426,
70042513622, 70035331388, 70038412151, 70033892068, 70030351381, 70033961889, 70032892556 e
70032302101.
9
vii) similaridade do nome comercial, fantasia, logotipo e marcas;
viii) atendimento da mesma carteira de clientes;
ix) simultaneidade entre o início da exploração da atividade econômica pelo
adquirente dos ativos e sua interrupção pelo alienante;
x) variação da receita, com aumento da sociedade sucessora e proporcional
diminuição da sociedade sucedida;
xi) assunção de dívidas, pelo adquirente, junto a fornecedores do alienante;
xii) existência de compromisso de não concorrência ou de colaboração; e
xiii) celebração de contratos de prestação de serviços envolvendo a transferência de
know-how entre as pessoas envolvidas.22
Os fatos que, no entender de Maria Rita, têm forte força probatória (iii, iv, x), por
outro lado, são, de alguma forma, relacionados à transferência fraudulenta do
estabelecimento. Dessa forma, facultariam a responsabilização pessoal dos agentes, como já
exposto acima.
Em relação às demais formas de prova da sucessão sugeridas pela autora, deve ser dito
que várias provas são, na prática, inacessíveis à fiscalização tributária. A Fazenda Pública só
conseguirá provar a utilização dos mesmos equipamentos (item ii) quando estes estiverem
adequadamente contabilizados pelas duas empresas; ou quando houver fiscalização in loco,
tanto antes, quanto depois, da sucessão. A prova de que o adquirente assumiu dívidas do
alienante, de que há compromisso de não concorrência, ou de que há transferência de knowhow (itens xi, xii, xiii) por outro lado, é ainda mais difícil, pois estes contratos podem ser
feitos inter partes, sem publicidade.
Na prática, percebe-se que a Fazenda Pública encontra grandes dificuldades para
formar a prova exigida pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que é
semelhante à sugerida por Maria Rita Ferragut. Estes elementos de prova poderiam ser
produzidos em uma situação ideal, em que tudo é contabilizado e os contratos são levados a
registro, para ter eficácia perante terceiros. Mas não é esta a situação da maioria dos casos de
transferência de estabelecimento comercial ou fundo de comércio.
Na maior parte dos casos, a transferência é feita por contrato particular, ou até mesmo
sem nenhum instrumento formal, em clara violação ao art. 1.144 do Código Civil. Por este
motivo, os Tribunais deveriam repensar o ônus de prova que estão impondo à fiscalização
tributária.
Ademais, há casos em que a transferência do estabelecimento ocorre através de
locação do imóvel ou até mesmo locação do maquinário. Como já mencionado, o conceito de
estabelecimento não abrange, necessariamente, a propriedade imobiliária, de modo que seria
22
Op. cit., p. 95-6.
10
possível a ocorrência de sucessão empresarial quando uma empresa encerra suas atividades, e
outra loca o imóvel, dando continuidade à atividade empresarial ali estabelecida. Contudo, a
jurisprudência é uniforme, ao afastar a responsabilidade da sucessora nestes casos, porque não
teria ocorrido a aquisição do estabelecimento, mas simples locação deste. Para ilustrar a
situação, transcreve-se um julgado do STJ e um do TJRS:
TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. RESPONSABILIDADE POR
SUCESSÃO. ART. 133 DO CTN. CONTRATO DE LOCAÇÃO. SUBSUNÇÃO À
HIPÓTESE LEGAL. NÃO OCORRÊNCIA.
1. "A responsabilidade do art. 133 do CTN ocorre pela aquisição do fundo de
comércio ou estabelecimento, ou seja, pressupõe a aquisição da propriedade com
todos os poderes inerentes ao domínio, o que não se caracteriza pela celebração de
contrato de locação, ainda que mantida a mesma atividade exercida pelo locador"
(REsp 1.140.655/PR, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em
17/12/2009, DJe 19/2/2010).
2. Recurso especial provido. (REsp 1293144/RS, Rel. Ministro CASTRO MEIRA,
SEGUNDA TURMA, julgado em 16/04/2013, DJe 26/04/2013)
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA.
AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DO LOCATÁRIO PELO PAGAMENTO
DO DÉBITO TRIBUTÁRIO DO LOCADOR. SENTENÇA MANTIDA. A
responsabilidade tributária por sucessão empresarial exige a aquisição do
estabelecimento ou do fundo de comércio e a exploração da mesma atividade
econômica. Inteligência do art. 133 do CTN. Não é o caso dos autos. No caso sub
judice, a impetrante locou o imóvel para o exercício de suas atividades empresariais
de abate, industrialização e comércio de carnes, não restando comprovado nos autos
a efetiva aquisição do estabelecimento a ensejar a responsabilidade tributária por
sucessão. As pessoas jurídicas de direito público são isentas do pagamento de custas
processuais nos termos da Lei 13.471, de 23.06.2010 que alterou o art. 11 do
Regimento das Custas (Lei 8.121/85). Excluídas as despesas judiciais, por força da
ADI n.º 70038755864. Sentença explicitada no ponto. APELAÇÃO
DESPROVIDA. SENTENÇA EXPLICITADA. (Apelação Cível Nº 70032054710,
Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Niwton
Carpes da Silva, Julgado em 09/11/2011)23
Curiosamente, há um precedente do TJRS que reconhece a sucessão empresarial em
um caso em que houve contrato de locação de imóvel e também contrato de locação do
maquinário da empresa sucedida. Neste caso a responsabilidade por sucessão foi configurada
porque, nos termos do voto da Desembargadora Relatora, “[o]ra, se atuar no mesmo local,
sem outros vínculos, não basta para caracterizar a sucessão, imperioso admitir com MARCO
AURÉLIO GRECO que „o mesmo local, mesmas instalações e mesmo objeto, bem como o
mesmo local aliado à clientela e aos empregados configuram a hipótese legal‟.”24 Deve ser
destacado, contudo, que esta posição é isolada.
23
Vide também: 70029525474.
TJRS, Apelação Cível nº 70014103790, 22ª Câmara Cível, Relator: Mara Larsen Chechi, Julgado em
29/04/2010.
24
11
Pelo exposto, fica claro que não basta, para o Tribunal de Justiça do Estado do Rio
Grande do Sul, indícios de aquisição do estabelecimento ou do fundo de comércio, como
ocorreria nos casos em que o novo inquilino dá continuidade à atividade empresarial; ou
quando reste demonstrado que uma empresa encerrou as atividades e, concomitantemente,
outra assumiu o ponto comercial. O Tribunal exige uma prova mais forte, exige o contrato de
compra e venda de estabelecimento empresarial de que fala o art. 1.144 do Código Civil.
Ocorre que este contrato é raramente celebrado entre pequenos e médios empresários,
dificultando o reconhecimento da sucessão empresarial.
3.3. Casos em que foi reconhecida a sucessão empresarial
Dentre os 14 acórdãos em que o TJRS reconheceu a ocorrência de sucessão
empresarial sem que houvesse elementos de transferência fraudulenta da propriedade, há caso
em que o Estado logrou provar, de forma contundente, a aquisição do fundo de comércio ou
do estabelecimento empresarial. Em outros casos, trouxe meros elementos indiciários, e o
Tribunal entendeu que estes seriam suficientes ao reconhecimento da sucessão, facultando-se
à empresa responsabilizada provar que não sucedeu à pessoa jurídica dissolvida. Tratando-se
de matéria de prova, esses casos demandam uma análise mais atenta, conforme segue.
O processo 7003868444525 traz o caso perfeito de transferência de estabelecimento
empresarial: a própria sucessora trouxe aos autos o documento de aquisição do
estabelecimento, motivo pelo qual a sucessão empresarial foi reconhecida. Em outro caso
semelhante, a sucessora assumiu, perante a Receita Estadual, a responsabilidade tributária.
Tentou desconstituir esta assunção de dívida através de ação ordinária, que foi julgada
improcedente26. Nesses dois casos a sucessão foi reconhecida porque não havia margem para
se afastar dos ditames do art. 133 do CTN.
Já no processo nº 7003517709627 a sucessão empresarial foi reconhecida porque o
Estado apresentou as notas fiscais através das quais a sucessora comprou móveis e utensílios
da sucedida. Ou seja, o Estado conseguiu atender aos rígidos parâmetros de prova exigidos
pelo Tribunal de Justiça.
25
TJRS, 21ª Câmara Cível, Relator: Genaro José Baroni Borges, Julgado em 11/05/2011.
TJRS, Apelação Cível Nº 70026778217, 2ª Câmara Cível, Relator: Sandra Brisolara Medeiros, Julgado em
26/05/2010.
27
TJRS, 22ª Câmara Cível, Relator: Niwton Carpes da Silva, Julgado em 09/11/2011.
26
12
Os processos 7003893546628 e 7003785121929 trazem situações semelhantes: no
primeiro foi apresentado o contrato particular de compra e venda de móveis e estoque, e no
segundo o contrato de cessão de direitos e ações sobre contratos de fornecimento de refeições
coletivas30. Diante destes elementos de prova, o Tribunal reconheceu a sucessão.
A leitura do inteiro teor da Apelação Cível nº 7005082746831 revela que ali a sucessão
empresarial foi reconhecida porque os funcionários que prestavam serviços para a empresa
sucedida continuaram trabalhando para a sucessora. Esta prova foi feita através de
averiguação por oficial de justiça.
Em todos os processos analisados até este ponto, a jurisprudência mostrou-se pouco
favorável aos interesses da Fazenda Pública, seja por indeferir a responsabilização quando há
elementos que demonstravam a sucessão empresarial, seja por exigir provas que dificilmente
seriam acessíveis ao Poder Público, porque são, em regra, feitas por instrumento particular.
Nas próximas decisões, por outro lado, a orientação do TJRS foi plenamente favorável aos
interesses da Fazenda.
Em quatro dos 14 casos em que o TJRS reconheceu a sucessão empresarial, os
elementos de prova foram bem menos rígidos do que os expostos anteriormente. Na seguinte
decisão, por exemplo, a identidade de endereço e de objeto social foi suficiente para que fosse
reconhecida a sucessão empresarial:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. SE O EMPRESÁRIO
INDIVIDUAL SE AUSENTOU SEM DEIXAR ENDEREÇO, INSTALANDO-SE
NO MESMO ENDEREÇO OUTRA EMPRESA, AGORA SOCIEDADE, NO
MESMO RAMO DE COMÉRCIO, TEM-SE ELEMENTOS OBJETIVOS
SUFICIENTES PARA CONCLUIR QUE, EM PRINCÍPIO, OCORREU
SUCESSÃO TRIBUTÁRIA (CTN, ART. 133). RECURSO PROVIDO. (Agravo de
Instrumento Nº 70050320910, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,
Relator: Irineu Mariani, Julgado em 12/03/2013)32
As provas de identidade de endereço e de objeto social são acessíveis à Fazenda
Pública: basta analisar os contratos sociais de ambas as empresas, para verificar estes dados.
Ademais, a prova da continuidade das atividades por parte da sucessora, que costuma ser
exigida até mesmo nas decisões em que os parâmetros de prova não são tão rígidos, pode ser
feita cotejando-se as declarações tributárias das duas empresas. No caso de ICMS, por
28
TJRS, 2ª Câmara Cível, Relator: Denise Oliveira Cezar, Julgado em 13/04/2011.
TJRS, 22ª Câmara Cível, Relator: Maria Isabel de Azevedo Souza, Julgado em 30/09/2010.
30
É interessante referir que neste último acórdão considerou-se que o “fundo de comércio”, no caso concreto, era
representado pela clientela, que foi transferida de uma empresa para a outra.
31
TJRS, 1ª Câmara Cível, Relator: Luiz Felipe Silveira Difini, Julgado em 21/11/2012.
32
No mesmo sentido: 70028465094, 70025471558 e 70024540288.
29
13
exemplo, a análise das guias informativas de tributo da sucedida demonstrará o encerramento
ou a diminuição das atividades, ao passo que as guias da sucessora demonstrarão quando esta
passou a ter atividade comercial.
Por fim, o seguinte Agravo de Instrumento traz caso em que foi liminarmente acolhido
o pedido de responsabilização da sucessora, facultando-se à empresa, após ampla dilação
probatória, demonstrar que não houve a sucessão:
TRIBUTÁRIO. DISSOLUÇÃO IRREGULAR. REDIRECIONAMENTO DA
EXECUÇÃO. SUCESSÃO TRIBUTÁRIA. ART. 133, CTN. Havendo nos autos
veementes indícios da sucessão de empresas, não se pode inibir o pleito do
exequente, quanto ao redirecionamento da execução, notadamente quando a decisão
é baseada em juízo de verossimilhança, sem produção de coisa julgada,
oportunizando-se, no mais, a defesa da novel executada. (Agravo de Instrumento Nº
70034755256, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator:
Armínio José Abreu Lima da Rosa, Julgado em 26/05/2010)33
Este caso é paradigmático para a presente tese, pois apresenta uma releitura do ônus da
prova, como será demonstrado a seguir.
4. Em busca de uma releitura do ônus da prova
Como exposto ao longo desta tese, o STJ raramente julga o mérito dos pedidos de
sucessão empresarial com base no art. 133 do CTN, pois esta matéria implicaria na análise de
provas, o que é vedado àquele Tribunal. Dentro da pesquisa realizada, nos três casos em que
chegou a analisar o mérito, opinou pela inviabilidade da sucessão, porque não fora
comprovada a aquisição do estabelecimento comercial ou do fundo de comércio.
Da mesma forma, o TJRS tem mais decisões afastando a sucessão, por falta de provas
(tópico 3.2.) do que lhe reconhecendo (tópico 3.3.). Ademais, mesmo quando reconhece a
sucessão, costuma exigir provas que, em regra, não estão acessíveis à Fazenda Pública.
Excepcionalmente, reconhece a sucessão quando há identidade de objeto social e endereço,
conjugadas com a continuidade das atividades empresariais (vide nota de rodapé 32).
Em três casos, reconheceu o pleito de responsabilização por sucessão empresarial
apenas com base em elementos indiciários da aquisição do fundo de comércio ou do
estabelecimento (vide nota de rodapé 33). Ditos elementos indiciários são a prova de
identidade de objeto social e de endereço. No entender destes julgados, essas provas
33
Vide também: 70034062661 e 70035806462.
14
facultariam a abertura de amplo debate acerca da ocorrência de sucessão, cabendo ao sucessor
trazer as provas de que não é responsável pelo crédito tributário.
Note-se que esta orientação do TJRS é muito mais favorável à Fazenda Pública do que
a orientação majoritária. Segundo o entendimento majoritário, caso a fiscalização não lograsse
demonstrar cabalmente a ocorrência de aquisição do fundo de comércio ou do
estabelecimento, seu pedido era indeferido, de plano.
Ocorre que esta prova cabal da aquisição do fundo de comércio é impraticável à
Fazenda Pública, pois são poucos os casos em que referida aquisição se dá por documento
formal dotado de publicidade, como bem coloca Philipe Salomão Araújo:
Como já demonstrado, o conceito de fundo de comércio atinge os bens corpóreos e
incorpóreos que viabilizam a atividade empresarial, assim, se mostra praticamente
impossível que a Fazenda Pública comprove efetivamente a aquisição do fundo de
comércio. Na verdade, o que se deve observar é a continuidade da exploração da
atividade, e, havendo indícios fortes da aquisição de fundo de comércio, esta não
necessita ser formalizada, podendo ocorrer a inclusão do adquirente, que veio a
continuar a exploração da atividade como responsável tributário.34
Deve ser ressaltado, ainda, que a alienação do estabelecimento empresarial sem a
correspondente comunicação à Junta Comercial viola o art. 1.144 do Código Civil. Referido
artigo se destina exatamente a proteger o interesse de terceiros. Dessa forma, ao prescindir do
registro na Junta Comercial, o adquirente de certa forma assume os riscos da sucessão.
É por este motivo, aliás, que Sacha Calmon Navarro Coêlho fala em presunção de
sucessão, conforme segue:
Importa gizar que a sucessão não precisa sempre ser formalizada, admitindo a
jurisprudência a sua presunção desde que existentes indícios e provas convincentes
(matéria de fato, caso a caso).35
Frente à presunção de sucessão empresarial, é razoável exigir da Fazenda um início de
prova, através de indícios de aquisição do fundo de comércio, que possam ser eventualmente
refutados em defesa efetuada por parte da sucessora. Efetivamente, a sucessora dispõe de
todos os elementos de prova, podendo demonstrar a que título obteve o ponto comercial, se
comprou maquinário novo ou recebeu o antigo da empresa anterior, a data em que iniciou
34
A responsabilidade tributária por aquisição de fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou
profissional (art. 133, CTN). Disponível em http://jus.com.br/revista/texto/22566/a-responsabilidade-tributariapor-aquisicao-de-fundo-de-comercio-ou-estabelecimento-comercial-industrial-ou-profissional-art-133-ctn,
acesso em 29/07/2013.
35
COÊLHO. Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense,
2001. p. 624.
15
suas atividades, entre outros. Esta parece ser a orientação mais adequada, dando-se plena
eficácia ao art. 133 do CTN.
Nesse sentido, é pertinente a colocação de Fábio Ulhoa Coelho, que entende que basta,
para fins de sucessão tributária, a identidade de endereço e ramo de atividade, podendo o
sucessor, em embargos à execução, afastar sua responsabilidade:
Assim, se o empresário é executado por dívida fiscal do antigo titular do seu
estabelecimento, sendo iguais os ramos de atividades ali exploradas por ele e pelo
antecessor, terá de realizar a prova, em embargos à execução, de que o alienante
ainda explora alguma atividade econômica.36
Por todo o exposto, parece claro que a jurisprudência do STJ e do TJRS precisa ser
revista, para o fim de reconhecer que compete à fiscalização tributária apresentar indícios de
aquisição do fundo de comércio ou do estabelecimento empresarial para ser reconhecida a
sucessão empresarial prevista no art. 133 do CTN.
5. Conclusões
Acerca do ônus de provar a ocorrência de sucessão empresarial, chega-se às seguintes
conclusões:

A sucessão empresarial, prevista no art. 133 do CTN, ocorre quando há aquisição de
estabelecimento empresarial ou fundo de comércio.

O estabelecimento empresarial é o conjunto de bens materiais ou imateriais
organizados para o exercício da empresa.

O fundo de comércio é um atributo do estabelecimento, consubstanciado no valor
agregado ao conjunto de bens de uma empresa, em virtude da organização destes.

Analisando-se as decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça sobre sucessão
empresarial ao longo dos últimos cinco anos, conclui-se que apenas três analisaram o mérito
da aquisição do estabelecimento ou fundo de comércio. Em todas elas, o STJ entendeu que
não ocorreu a sucessão.

No mesmo período, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul se
posicionou, majoritariamente, pela necessidade de provas contundentes da aquisição do fundo
de comércio ou do estabelecimento, por parte da Fazenda Pública, para que se reconheça a
sucessão empresarial.
36
Op. cit., p. 121, grifamos.
16

Por outro lado, o TJRS reconheceu, em regra, a ocorrência de sucessão quando há
indícios de transferência simulada da propriedade, como nos casos de abertura de empresa em
nome dos filhos no local em que operava a empresa dos pais.

Em alguns casos, ainda, entendeu que basta demonstrar a existência de nova empresa
com objeto social idêntico, operando no mesmo local da empresa encerrada, para que se
configure a sucessão empresarial. Nestes casos, a empresa sucessora poderia provar que não
comprou o estabelecimento ou o fundo de comércio.

Esta orientação minoritária do TJRS deveria ser a majoritária, na medida em que é
impraticável ao Poder Público apresentar provas robustas da aquisição do fundo de comércio
ou do estabelecimento comercial, de modo em que são reduzidas as hipótese em que se
reconhece a sucessão empresarial, com base no art. 133 do CTN, ainda que a prática de
aquisição do ponto comercial seja corriqueira no meio empresarial.
6. Referências bibliográficas
ARAÚJO, Philipe Salomão. A responsabilidade tributária por aquisição de fundo de comércio ou
estabelecimento comercial, industrial ou profissional (art. 133, CTN). Disponível em
http://jus.com.br/revista/texto/22566/a-responsabilidade-tributaria-por-aquisicao-de-fundo-decomercio-ou-estabelecimento-comercial-industrial-ou-profissional-art-133-ctn, acesso em 29/07/2013.
ÁVILA, Humberto. Parecer: Responsabilidade por Sucessão Empresarial. Responsabilidade da
Empresa Sucessora por Penalidades Decorrentes de Faltas Cometidas pela Empresa Sucedida. Exame
da Abrangência do artigo 132 do Código Tributário Nacional. In Revista Dialética de Direito
Tributário, nº 187, p. 1119-131, abril – 2011.
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial – Direito de Empresa, vol. 1, 13ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2009.
COÊLHO. Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 6ª ed. Rio de Janeiro:
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FERRAGUT, Maria Rita. Responsabilidade tributária na sucessão empresarial: aquisição de
estabelecimento, arrendamento, locação e venda segregada de ativos. In Revista do Advogado, ano
XXXII, nº 118, fl. 91-100, dezembro de 2012.
FREITAS, Vladimir Passos de. Código Tributário Nacional Comentado, 4ª ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais.
MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial, 25ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000.
MARTINS, Ives Gandra da Silva. Comentários ao Código Tributário Nacional, vol. 2, 3ª ed. São
Paulo: Saraiva, 2002.
MELO, José Eduardo Soares de. Direito Tributário Empresarial. São Paulo: Quartier Latin, 2009.
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