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O QUE LEVA ESTUDANTES DE ESCOLAS PÚBLICAS A ALCANÇAREM BOM
DESEMPENHO NA OBMEP?
Ildenice Costa – Universidade de Brasília, UnB – [email protected]
Mateus Gianni Fonseca – Universidade de Brasília, UnB – [email protected]
Rovênia Amorin – Universidade de Brasília, UnB – [email protected]
Resumo
Este trabalho tem por objetivo verificar, a partir da percepção dos estudantes, como se
desenvolve o trabalho docente em duas escolas públicas do Distrito Federal (DF), que por sua
vez, apesar de possuírem realidades notoriamente distintas, vem nutrindo bons resultados nas
Olimpíadas Brasileiras de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP) ao longo dos últimos
anos. Busca-se portanto, analisar se mesmo em escolas detentoras de diferentes perfis sociais
e culturais, existem práticas similares que permeiam o processo de aprendizagem que implica
nos bons resultados alcançados. Para tanto, optou-se por fazer uso da técnica do grupo focal,
como instrumento de coleta de dados a partir da percepção que os estudantes possuem,
guiando a conversa por um roteiro semiestruturado com três questionamentos, obtendo-se por
resultados a informação de que aulas extras, com o intuito de se aprofundar conhecimentos e
que, portanto, cujo ensino se desenrola desatrelado de um currículo fixo, auxilia na motivação
dos alunos, tornando-os estimulados ao estudo para a vida, bem como para a participação de
competições de conhecimento.
Palavras-chaves: OBMEP, Aprendizagem, Matemática.
Justificativa
Aprender a ler, a escrever e a contar. A matemática é tão importante na educação
básica quanto o aprendizado da língua portuguesa. Porém, à medida que o aluno avança pelos
anos letivos, depara-se com problemas mais complexos e de resoluções mais desafiadoras. A
fama de disciplina difícil entre os alunos brasileiros é ratificada por pesquisas como o
Programa Internacional de Avaliação de Estudantes – Pisa, que mostram o Brasil em posição
de desconforto no ranking de desempenho em matemática1.
Diante dessa realidade da educação pública brasileira, torna-se inquietante a seguinte
questão: o que leva alunos de escolas públicas a terem bom desempenho nas Olimpíadas
Brasileiras de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP)? Essa temática levou-nos ao
objetivo desta pesquisa, que é identificar, em duas escolas públicas com realidades tão
diferentes, quais elementos ou aspectos facilitam o sucesso de estudantes nessa modalidade de
competição de conhecimento.
1
Segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em sua última
avaliação, o Brasil encontra-se na 38° posição entre os 44 países avaliados em resolução de problemas de
raciocínio e de lógica, relacionados à situações do cotidiano, ou seja, em Matemática. (Fonte:
<http://agenciabrasil.ebc.com.br/> - acesso em 02/04/2014)
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As duas escolas públicas escolhidas, além de participação bem sucedida na OBMEP,
apresentam destaque positivo em instrumentos utilizados pelo Ministério da Educação (MEC)
para aferir a qualidade da educação, como o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
(Ideb) e o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Optou-se por uma escola situada no
Plano Piloto, onde a maioria dos estudantes mora em Brasília e tem poder aquisitivo mais
elevado, e outra na Ceilândia, onde a situação socioeconômica dos estudantes é de maior
vulnerabilidade. Contudo, destaca-se: ambas carregam histórico de sucesso na referida
competição.
Objetivo
Identificar, em duas escolas públicas de realidades distintas, quais elementos ou
aspectos facilitam, na visão do estudante, o sucesso dos mesmos nessa modalidade de
competição de conhecimento.
Metodologia
Há que se registrar que se optou por trabalhar à luz da abordagem qualitativa tendo em
vista o foco ligado a respeito do bom rendimento de um grupo de alunos na Olimpíada
Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP) em duas escolas públicas do Distrito
Federal (DF). Entre as questões, a atuação do professor e o envolvimento da escola na
competição.
Foram convidados dez voluntários de cada escola, tendo comparecido sete na primeira
instituição (situada à Ceilândia) e nove na segunda (situada no Plano Piloto). Os dois grupos
focais foram então formados atentando-se ao previsto por Gondim (2003), a qual sugere ser
um grupo composto por número superior a quatro e inferior a dez de participantes, sendo
importante destacar ainda que os referidos grupos foram acolhidos em momentos diversos
originando, portanto, dois grupos focais distintos.
Importante destacar que, embora haja a preferência por se trabalhar com sujeitos
distintos entre si, Gondim (2003, p.154) ainda esclarece que “a opção por grupos conhecidos
ou desconhecidos merece igual atenção” - os grupos foram então compostos por integrantes
com algum grau de empatia entre si, tendo em vista o objetivo do grupo focal, de serem os
alunos participantes da olimpíada de matemática em cenário igualmente particular, ou seja,
escolas com destaque na competição.
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Para a realização dos dois grupos focais optou-se pelos mesmos critérios de
participação, condição sine qua non para interpretação comparativa dos dados coletados. Para
isso, os integrantes do grupo deveriam ser alunos da própria escola e participantes das
Olimpíadas Brasileiras de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP) até o ano de 2013
(última edição) e, preferencialmente, ganhadores de medalhas ou menções honrosas.
Para guiar o andamento dos dois grupos focais foi elaborado um roteiro
semiestruturado com três perguntas, citadas a seguir:
1) O que vocês acham que os professores de vocês fazem que os ajudam a entender mais
facilmente matemática?
2) A didática dos professores, a forma como eles ensinam, implica no bom desempenho
de vocês nas olimpíadas?
3) O que a escola ou os professores podem fazer a mais para melhorar ainda mais o
aprendizado em matemática de vocês?
Discussão
Para a análise de dados dos dois grupos focais realizados, começaremos pelo grupo
focal da Escola A, de Ceilândia/DF. A respeito da primeira pergunta, os alunos apontaram a
existência de dois docentes diferentes: nas aulas do turno regular; e, nas aulas extras, à noite,
para os participantes do projeto com foco em competições de matemática. A diferenciação é
clara na fala do seguinte participante:
! “Há muita diferença entre o professor da escola regular e o do projeto.
No
ensino regular, o professor busca cumprir currículo. Antes do projeto,
eu
não
conseguia passar para a segunda fase porque não havia preparação. A
gente ia para a
olimpíada sem saber o conteúdo”.
Nessas aulas do contraturno, eles destacam a ludicidade no ensinar e a confiança dos
professores no sucesso deles, como pode ser reforçado nas seguintes falas:
!
“As aulas do projeto são lúdicas e nada monótonas”;
!
“Ensina-se matemática para uso no dia a dia, aproximando teoria com prática”;
!
“Eles (professores) acreditam em nós”;
!
“Na sala de aula se estuda para aprovação; no projeto, para aprender”;
Em relação à segunda pergunta, os alunos da Escola A passam a referir à didática dos
professores que participam do projeto de forma positiva e a do turno regular, como restritiva à
função curricular. A forma lúdica e prazerosa de ensinar tem motivado alunos a pensarem na
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carreira do magistério, havendo exemplos inclusive de ex-alunos que voltam para trabalhar,
de graça, como monitores. Diz uma participante do grupo, que é monitora: “Na universidade
tem gente falando demais e fazendo de menos. É muita teoria sem prática. E isso é
desestimulante. Queremos ser professores educadores.” Abaixo, demais falas que sintetizam a
opinião do grupo:
!
“O ensino regular busca cumprir o currículo; anteriormente, por exemplo, iam à
olimpíada sem se preparar adequadamente”;
!
“No projeto, buscam abordar, além da prática, o que vai cair na prova”;
!
“A paixão pela educação é transmitida aos alunos pelos professores que demonstram
ser apaixonados pela profissão”.
Em relação ao terceiro questionamento, os alunos voltam a referir-se aos professores
da escola regular. Falam que os professores deveriam ser mais criativos nas aulas e citam a
violência como externalidade que impacta negativamente no aprendizado, assim como a
qualidade deficitária da educação fundamental, conforme observa um participante do grupo:
!
“A questão da matemática é muita séria. Muitos alunos chegam ao ensino médio sem
a base, de tampar o sol com a peneira. Como ensinar no ensino médio se o professor
tem que voltar tudo, lá para trás no ensino fundamental? Às vezes, vejo que o ensino
fundamental é um desperdício”.
Outras respostas que valem ser destacadas:
!
“Os professores deveriam incentivar mais”;
!
“As aulas deveriam ser mais descontraídas e lúdicas”;
!
“A violência dos alunos intimida os professores”;
!
“Aluno chega defasado do ensino fundamental”.
No que se refere à Escola B, situada em Brasília/DF, quanto ao primeiro
questionamento, os alunos afirmam que os professores dos turnos regulares são capacitados e
estão sempre disponíveis para tirar as dúvidas dos alunos. Porém, a questão principal
relacionada ao sucesso da Instituição na OBMEP parece estar na “cultura” do colégio de
incentivar as olimpíadas de conhecimento e nas aulas extras, do contraturno. É nessa
oportunidade que os docentes aprofundam os conteúdos aprendidos em sala de aula. Segundo
os alunos, as aulas regulares não garantiriam o bom desempenho:
!
“Não só a capacitação dos professores, mas as aulas extras que eles oferecem em
preparação para a Olimpíada de Matemática”;
!
“O fato do colégio participar das Olimpíadas em comparação com outros colégios.
5
Meus irmãos estudavam em outros colégios e eles não sabiam que tinham
olimpíadas”;
! “Eu acho que tem muito professor bom aqui no colégio, mas só as aulas tradicionais
não são suficiente para quem quer fazer a olimpíada. Eu acho muito fraco,
principalmente a matéria de matemática. Então, acho que o que salva mesmo são as
aulas extras, focadas na olimpíada”.
Na opinião do grupo, em relação à segunda pergunta, por sua vez, a forma como os
professores ensinam ofertam uma ótima base para a realização das provas da OBMEP. O
aprofundamento nos exercícios é obtido nas aulas extras, mas eles destacam a importância do
interesse e da motivação pessoal. Eles acabam por estabelecer um contraponto com as aulas
convencionais, nas quais o professor quer apenas que o aluno “passe de ano”, ou seja,
indicando que a metodologia normal parece não ensinar o aluno a pensar:
!
“A forma como os professores ensinam, eles te dão a base que você vai precisar”;
!
“Aqui no colégio é bem comum achar professores que estão há muitos anos dando
aulas para a olimpíada na escola, então eles sabem muito bem como incentivar o
aluno, como mostrar os pontos principais que o pessoal tem mais dificuldade”;
! “Nas aulas extras, eu acho que o professor ajuda sim com as olimpíadas, mas nas
aulas normais do colégio, eu sinto como os professores, a maioria dos professores, se
preocupasse muito mais em fazer com o aluno com um nível de conhecimento menor
passe de ano do que incentivar o aluno com um nível de conhecimento maior a
explorar mais a matemática, se aprofundar mais. Eu acho que isso, às vezes, prejudica
um pouco, mas a gente tem as aulas extras para corrigir essa ‘falha’ do currículo
normal”.
Para finalizar, percebe-se em relação à terceira indagação que a principal convergência
das falas nesse momento é para a necessidade de modificar as bases do ensino fundamental
para que os alunos não cheguem tão defasados no ensino médio - “O essencial é mudar a base
[ensino fundamental] para quando chegarem ao ensino médio entenderem aquela matéria com
propriedade”, diz um aluno:
!
“Acho interessante que os professores tragam coisas novas para incentivar a todos
procurarem mais”;
!
“Eu acho que já foi deixado claro aqui que o nível do colégio caiu bastante. O negócio
seria elevar o nível. O aluno correr atrás da matéria e não o professor correr atrás do
aluno para que o aluno aprenda o mínimo para melhorar”;
! “Eu acho importante mesmo é que desde o começo, você ensinar o aluno a realmente
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aprender a matéria, a pensar, a descobrir até por conta própria como aquilo funciona”;
Resultados parciais
Embora localizadas em realidades distintas, com perfis claramente diferenciados, as
duas escolas públicas parecem conseguir alcançar bom desempenho na OBMEP por duas
razões: o reforço e o aprofundamento do conteúdo de matemática em aulas extras no
contraturno e pelo interesse de um grupo de estudantes em estudar para a competição.
Referencial teórico
AQUINO, Yara. Resultado do Pisa Reflete Problemas Estruturais do Ensino, Diz Especialista.
< http://agenciabrasil.ebc.com.br/ > - Acesso em 02/04/2014.
GONDIM, Sônia Maria Guedes. Grupos focais como técnica de investigação qualitativa:
desafios metodológicos. Paidéia, v. 12, n. 24, 2003. p. 149-161.
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