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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO
DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
DOCÊNCIA DO ENSINO FUNDAMENTAL E MÉDIO
A EVASÃO ESCOLAR NO ENSINO FUNDAMENTAL NAS
ESCOLAS PÚBLICAS DO MUNICÍPIO DO RIO DE
JANEIRO: ASPECTOS ECONÔMICOS E SOCIAIS
ELAINE JANAINA SOUZA DOS SANTOS
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RIO DE JANEIRO, DEZEMBRO DE 2001.
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO
DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO lato sensu DOCÊNCIA DO ENSINO
FUNDAMENTAL E MÉDIO
A EVASÃO ESCOLAR NO ENSINO FUNDAMENTAL NAS
ESCOLAS PÚBLICAS DO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO:
ASPECTOS ECONÔMICOS E SOCIAIS
ELAINE JANAINA SOUZA DOS SANTOS
Monografia
apresentada
à
Diretoria de projetos especiais da
Universidade Candido Mendes
como requisito à obtenção do
título de docente de ensino
fundamental e médio, sob a
orientação da professora Maria
Ester Oliveira.
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RIO DE JANEIRO, DEZEMBRO DE 2001.
“ À meu esposo, Renato Pinto dos Santos,
que soube compreender e
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aceitar a minha completa falta de
tempo durante a realização desse
trabalho.”
RESUMO
A presente pesquisa pretende abordar o estudo da questão da evasão escolar
no ensino fundamental nas escolas da rede pública do município do Rio de Janeiro.
Os elevados índices da evasão escolar no Brasil continuam sendo uma grande preocupação
de estudiosos da área educacional. A exclusão de crianças e adolescentes da sala de aula é
o reflexo de uma grande crise, seja pela dificuldade econômica de manter-se na escola, seja
pela pressão para ingresso precoce no mercado de trabalho.Vários são os fatores que
interferem no fenômeno da evasão escolar, o que torna este tema bastante complexo e
difícil, no entanto não é possível levantar qualquer discussão em torno deste fenômeno,
sem abordar todos os aspectos envolventes. Pretende-se buscar uma maior compreensão
em relação às contradições existentes dentro do sistema educacional, buscando assim,
questionar quais as responsabilidades deste sistema diante desta situação, como também as
causas prováveis que levam ao aluno abandonar a escola, tais como: repetências, fatores
econômicos e sociais, formação inadequada do professor e falha da instituição. Para isso,
foram utilizados nesse estudo pesquisas bibliográficas, a fim de diagnosticar e enfocar as
responsabilidades e características de cada segmento envolvido em questão: aluno,
professor, instituição; também a política educacional das escolas da rede pública do
Município do Rio de Janeiro e os dados quantitativos que permeiam a questão da evasão
escolar nas escolas da rede. A importância e relevância deste problema por si só justificam
o estudo com vistas ao encontro de soluções definitivas.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................05
CAPÍTULOS
I – HISTÓRICO DA EVASÃO ESCOLAR NO BRASIL.................................................08
II – A EVASÃO ESCOLAR COMO AGENTE DE SELEÇÃO E EXCLUSÃO
DO PROCESSO EDUCACIONAL..............................................................................11
II.1 – A lei assegura que a escola existe para todos..........................................................11
II.2 – A realidade da escola desmente todas as suas promessas........................................12
II.3 – A repetência é o agravante.......................................................................................13
III – OS DIFERENTES SEGMENTOS ENVOLVIDOS EM QUESTÃO.........................18
III.1 – Aspectos relativos ao aluno...................................................................................18
III.2 – Aspectos relativos ao professor.............................................................................23
III.3 – Aspectos institucionais..........................................................................................27
IV – A POLÍTICA EDUCACIONAL DAS ESCOLAS DA REDE PÚBLICA DO
10
MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO............................................................................32
IV.1 – Dados quantitativos da evasão escolar das escolas da rede pública.....................36
V – TENDÊNCIAS RECENTES DA EDUCAÇÃO...........................................................39
CONCLUSÃO......................................................................................................................42
BIBLIOGRAFIA..................................................................................................................44
INTRODUÇÃO
A educação brasileira apresenta dificuldades em sanar seus problemas que
muitas vezes envelhecem buscando soluções plausíveis. A evasão escolar é uma das mais
sérias e antigas questões que merecem atenção e resolução urgentes, pois é um fator de
preocupação de toda a sociedade.
O questionamento e a busca de soluções sempre foi e sempre será uma
constante na área educacional. Inúmeros são os estudiosos que se dedicam arduamente a
diagnosticar problemas e apontar saídas. Essas indagações, porém, ocorrem em sua maioria
dentro do sistema, ficando para um grupo seleto de estudiosos a preocupação merecida
com uma parcela considerável da população infanto-juvenil que se encontra distante do seu
lugar de direito: a escola.
A distância entre a prática escolar e o universo cultural da criança é uma das
causas da evasão escolar nas Escolas do Município do Rio de Janeiro.
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Os estudos e pesquisas bem como a vivência da ação educativa, têm
demonstrado a ineficácia de um ensino baseado em padrões rígidos e inflexíveis que
ignoram as diferenças psicológicas, sociais e culturais de nossos alunos.
Os dados estatísticos sobre evasão e repetência abordados no presente estudo
demonstram a veracidade e legitimidade das questões evidenciadas no mesmo. Nas
publicações de tais dados as crianças são invariavelmente reduzidas a números
absolutamente frios, sem demonstrar os dramas urbanos que os mesmos escondem. A
desinformação acaba por nos fazer agir com conformidade e passividade diante de um
contingente significativo de repetentes e evadidos, todos excluídos da rede pública e do
ensino fundamental.
Desse modo está muito claro que se deve repensar a Escola Pública. É
necessário inferir nela para que a mesma se modifique e assuma o papel de agente de
transformações sociais.
O estudo da questão da evasão escolar não pode desconhecer a forma como
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a Escola trabalha com a clientela dominante em nossas Escolas Públicas. O
esforço de ampliação de vagas no nosso sistema não assegura uma política sólida de
intervenção no sentido de torná-lo eficiente para a aquisição de conhecimentos socialmente
valorizados.
Andrade (apud. Brandão, 1983), diz que, “o aluno imbuído de ideologia do
esforço culpa a si mesmo pela repetência”. (pag. 12)
A repetência é uma variável independente, mas constitui seguro preditor da
evasão escolar.
Assim, esta pesquisa pretende ter selecionado, com base no conhecimento
global da produção sobre o tema, o que efetivamente contribui para o avanço do
conhecimento sobre a questão da evasão.
O objetivo primeiro deste estudo é examinar os principais fatores que
contribuem para a não permanência dos alunos em sala de aula e, como o desenvolvimento
social pode modificá-los. Para isso, são considerados os resultados de algumas pesquisas
realizadas em âmbito nacional.
A hipótese principal é que existe uma relação entre a pobreza e desnutrição
com a repetência, ocasionando a evasão. Isto é, o aluno pobre muitas vezes abandona a
escola para ingressar no “mercado de trabalho”, em geral, são crianças desnutridas, que
apresentam grande dificuldade de aprendizagem e maior índice de repetência e que não
conseguem perceber um motivo sequer que justifique sua permanência na escola.
O presente trabalho tem como assunto a evasão escolar e como tema principal
a influência dos aspectos econômicos e sociais na evasão escolar das camadas populares,
indicando caminhos possíveis para a entrada e permanência dos alunos nas escolas, uma
vez que, inclusive, é garantido por lei. Neste sentido, pode auxiliar no planejamento
destinado a melhorar a situação dos indivíduos em idade escolar, integrando-os e suas
famílias a projetos de desenvolvimento social.
Tal iniciativa é decorrente da extrema gravidade do problema.
Para melhor compreensão desta pesquisa, este estudo foi dividido em cinco
capítulos.
No primeiro capítulo procuramos descrever, de forma sucinta, a evolução da
educação no Brasil, buscando reconstituir sua trajetória histórica. Este se fez necessário,
para melhor compreensão do processo de formação da estrutura educacional brasileira e
das diversas influências sofridas durante este período.
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No segundo capítulo, buscamos apresentar os direitos das crianças que são
assegurados por lei e, as dificuldades que ocasionam o não cumprimento de todos os
artigos da lei.
No terceiro capítulo, abordamos as peculiaridades e responsabilidades de cada
segmento envolvido: aluno, professor e instituição; na questão da evasão escolar.
No quarto capítulo, analisamos a política educacional das escolas da rede
pública do Município do Rio de Janeiro bem como dados quantitativos que permeiam a
questão da evasão escolar nas escolas da rede.
E por fim, no quinto capítulo realizamos uma análise das tendências mais
recentes de melhora da qualidade do ensino.
Todavia, esta pesquisa, não tem a pretensão, em hipótese alguma de concluir,
direcionar ou afirmar nada.Visa, tão somente, suscitar questionamentos e até mesmo
problematizar em torno desta temática.
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CAPÍTULO I
HISTÓRICO DA EVASÃO ESCOLAR NO BRASIL
A evasão escolar no Brasil sempre esteve entre as maiores preocupações de
educadores comprometidos com a melhoria da qualidade de ensino do país. É de
conhecimento desses educadores que existem fatores externos ao próprio sistema que
influenciam significativamente para a permanência ou não dos alunos na sala de aula.
O fraco desempenho na escola e o seu posterior abandono são conseqüências
diretamente associadas às características da sua clientela que em sua maioria é oriunda das
camadas populares, com condições concretas de vida e problemas sócio-culturais que
interferem no seu rendimento.
Esse lamentável quadro é resultado de uma história de permanente
desigualdade e exclusão.
O povo sempre enfrentou árduas lutas para ter acesso a educação e hoje luta
para conseguir manter-se no sistema.
Durante todo o século XIX quando, ampliava-se a cidadania e universalizavase a educação básica nos países desenvolvidos, o Brasil permanecia uma sociedade
escravocrata. Essa pesada herança tem conseqüências de longo prazo e influenciaram na
evolução do nosso sistema educacional, criando problemas específicos para a extensão do
acesso à escola. Era necessário implementar mudanças nas tradições, nos valores e nos
hábitos, numa população em que a escola não fazia parte da sua perspectiva normal de vida,
nem integrava sua tradição cultural e ao mesmo vencer a resistência das elites tradicionais
que se negavam a estender a cidadania a escravos e ex-escravos e, portanto, a dificuldade em
aceitar e promover o ideal da escolarização universal como fundamento das políticas
públicas.
Da perspectiva econômica, a abolição tardia da escravidão está associada a
manutenção de tecnologias primitivas e formas tradicionais de trabalho e dominação, assim
como a persistência de uma economia de subsistência em grande parte na
9
zona rural.
Para uma população que sobrevivia nessas condições, a escola não era vista
como instrumento para a melhoria da situação de vida.
Da mesma forma, nas regiões mais tradicionais do Brasil, a ausência de um
processo de industrialização determina que a escolarização não seja uma exigência para o
acesso ao mercado de trabalho urbano, nem instrumento de mobilidade social, a não ser para
as camadas privilegiadas da população.
Foi apenas na região sul que a migração européia consolidou uma outra
tradição, num contexto cultural diverso. Os imigrantes trouxeram consigo uma valorização
da atividade educacional que conseguiu preservar-se e prosperar numa sociedade baseada no
trabalho livre e na pequena propriedade. Mesmo no sul, entretanto, em regiões onde, pelo
isolamento, a economia evolui para uma agricultura de subsistência, o analfabetismo tendeu
a se generalizar. Apesar disso, o peso desta outra tradição explica as disparidades na
qualidade do sistema educacional que opõe o norte ao sul do país. Ainda hoje, é no norte e
no nordeste do Brasil que se concentram os grandes bolsões de analfabetos.
As dificuldades para universalizar a educação básica foram certamente
ampliadas pelo explosivo crescimento populacional que caracterizou o país até muito
recentemente. Tal fato, implicou a necessidade de uma expansão acelerada e permanente do
sistema escolar, não só para incorporar a população que antes não tivera acesso à educação
formal, como para absorver o número cada vez maior de crianças.
No Brasil, só nos anos 30 desse século e no período de 1940 até 1960 é que a
idéia da educação pública ganha corpo e expressão nacional.
Em 1950, apenas 36,2% das crianças de 7 a 14 anos tinha acesso à escola. Era
uma escola de elite para poucos. Nesse período, as crianças, em sua maioria oriundas de
famílias de classe média e alta, tiveram a oportunidade de estudar em excelentes escolas
estaduais ou federais. Os filhos das famílias mais pobres simplesmente não iam à escola e
não tinham escolas para onde ir. A qualidade foi assim conseguida com a simples exclusão
da população pobre do sistema educacional. A universalização do acesso teve seu início no
começo dos anos 60, entretanto, apenas 60% estavam na escola e ainda tinham 40% de
evadidos. ( GOLDEMBERG, 1993 ).
Uma pesquisa realizada por Parahyba ( 1981 ) demonstra que no Brasil, na
década de 60, de cada 1.000 crianças matriculadas, apenas 180 chegariam a concluir o 1º
grau. As taxas mais altas eram encontradas na passagem da 1ª para a 2ª série,
10
chegando a 50% de evasão. Confirmando o levantamento histórico anterior, as menores
taxas se situaram nos estados do sul e sudeste, enquanto as maiores se localizavam nos
estados do norte e nordeste. “De cada 1000 matriculados no Piauí na 1ª série, apenas 102
chegaram à 4ª série. No Sergipe, apenas 165, enquanto em São Paulo e Santa Catarina,
esses números sobem para 539 e 549, respectivamente.” ( BRANDÃO, BAETA, ROCHA,
1986, p.22 )
No início da década de 70, o Brasil viveu um período de intensas e profundas
reformas na educação nacional. A pressão social por melhores condições de acesso a uma
educação básica de qualidade levou à reforma de 1971, reforma esta que substituiu a escola
primária tradicional de 4 séries pela escola fundamental de 8 séries obrigatórias e gratuitas (
VELLOSO, 1999 ). Houve, então, um acelerado processo de escolarização das crianças das
classes populares, principalmente na década de 80, tornando-se praticamente a clientela
exclusiva da rede pública de ensino, uma vez que a classe média se inseriu na rede privada
de ensino. Nessa década, a evasão na faixa de 7 a 14 anos se aproximou a 76 milhões, o que
equivale a 33% do total, dos quais 2,8 milhões do meio urbano e 4,8 milhões no meio rural.
Em 1985, no nordeste haviam 30,75% dos alunos matriculados no 1º grau com mais de 14
anos de idade. Nesse mesmo ano haviam 1.832.295 crianças de 7 a 14 anos fora da escola. A
abandonaram após uma média de 6,7 anos dentro do sistema. ( MELLO, 1995 )
Esses dados demonstram que os problemas educacionais não foram
solucionados na década de 80, marcada por fortes denúncias de fracasso escolar,
manifestadas pelas altíssimas taxas de abandono escolar.
Quando falamos em evasão escolar na adolescência os índices saltam
absurdamente. Quase metade dos jovens da faixa dos 15 aos 17 anos está fora da escola.
Abandonam a escola com uma formação do ponto de vista cognitivo, de
domínio de conhecimentos e habilidades, de compreensão de idéias e valores à séculos de
distância das necessidades que a revolução tecnológica e o exercício da cidadania moderna
estão apresentando à educação.
Os estudiosos da época tinham sinceras esperanças que na próxima década
esse quadro seria revertido.
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CAPÍTULO II
A EVASÃO ESCOLAR COMO AGENTE DE SELEÇÃO E EXCLUSÃO DO
PROCESSO EDUCACIONAL
II.1- A Lei assegura que a escola existe para todos
A educação é imprescindível para o ser humano, no desenrolar de sua
existência. Esta questão é discutida em vários segmentos da sociedade civil, sendo citado na
Constituição Federativa do Brasil, na Declaração dos Direitos Humanos e no Concílio
Vaticano II, que priorizam a educação, citando-a como, segundo o artigo 205 da
Constituição brasileira, “...bem inalienável e universal do homem...”. Entretanto, os filhos
das classes menos favorecidas sentem-se excluídos do direito de participar em todas as
etapas do sistema educacional. Contudo, relatam o desejo de progredirem, reconhecem que
para atingirem seus objetivos terão que empreender esforços neste sentido. Suas condições
de pobreza, entretanto, não permitem que atinjam seus sonhos até o momento.
A lei diz que a escola deve ser democrática, isto é, ela deve estar aberta a
todos.
O artigo 176, § 3º, item 11/1979 da Constituição brasileira determina que
“...o ensino primário é obrigatório a todos, dos sete aos catorze anos, e gratuito nos
estabelecimentos oficiais...”. E a Lei 5.692/71 define que “...para efeito do que se dispõe os
artigos 176 e178 da Constituição, entenda-se por ensino primário a educação
correspondente ao ensino de 1º grau...”. (Vale a pena lembrar que esse ensino de 1º grau
corresponde, hoje ao ensino fundamental).
Isso nem sempre foi assim. Durante muito tempo a escola esteve reservada a
uma pequena minoria, aos filhos das pessoas que tinham posses, aos filhos dos doutores que
estudavam para se tornar, eles também, doutores. A grande maioria dos filhos de operários e
agricultores não tinha praticamente qualquer oportunidade de estudar e ficava condenada ao
analfabetismo.
12
Hoje em dia, pelo menos no papel, a lei diz claramente que o ensino
12
fundamental é obrigatório dos 7 aos 14 anos.
A grande esperança de todos os que lutaram pela escola obrigatória e gratuita é
que com um ponto de partida igual para todos e com um mesmo percurso a ser percorrido por
todos – esses 8 anos do ensino básico – ricos e pobres, gente da cidade e do campo, meninos e
meninas teriam agora oportunidades iguais de sucesso. O sucesso nos estudos passaria a
depender, exclusivamente, da inteligência, esforço e perseverança de cada um. Em outras
palavras, o degrau a que cada aluno chegaria na escada da escola não dependeria de privilégios
ou de dinheiro de sua família, mas sim de seus próprios talentos e méritos.
A escola seria realmente democrática porque estaria aberta a todos e todos nela
permaneceriam pelo menos 8 anos.
II.2- A realidade da escola desmente todas as suas promessas
Ora, na verdade, existe um abismo entre essas promessas e a realidade, entre as
intenções e os fatos, entre o que a escola deveria ser e o que ela, de fato, é.
Apesar de a lei dizer que a educação é um direito e um dever de todos, as portas
da escola estão fechadas para muitos.
Os dados estatísticos provam que, para o Brasil tomado como um todo, apenas 2
crianças em cada 3 têm realmente acesso à escola.
Essa dificuldade de acesso é ainda maior nas zonas rurais, onde apenas 1 criança
em cada 2 freqüenta a escola, e nas regiões mais pobres, como o Nordeste, onde apenas 1 em
cada 3 consegue estudar.
Em conseqüência, a escola, que devia atender a todos, na verdade atende mais e
melhor às crianças dos grandes centros urbanos e das regiões mais desenvolvidas do país, o que
só faz agravar as desigualdades entre regiões ricas e pobres.
O
sistema
educacional,
não
vem conseguindo manter seu alunado,
comprometendo desse modo o ideal da democratização escolar. Dados estatísticos corrobam
essa afirmação e deveriam servir de alerta a sociedade, pois os mesmos denotam uma grande
quantidade de alunos evadidos. Tais índices podem ser notados principalmente nas séries
iniciais de 1º grau repercutindo nas séries seguintes.
De acordo com a Síntese Retrospectiva SEEC/MEC 1974-1978. (apud. Brandão,
1983) “... de cada 1.000 crianças que iniciam a 1ª série do 1º grau apenas 438 chegam à 2ª
série, 352 a terceira série, 297 à quarta e apenas 294 à quinta. Poder-se-ia estimar que dessas
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1.000 crianças, apenas 180 chegariam a concluir o 1º grau...”
Segundo Brandão (1983) “...O ponto de estrangulamento do sistema é a
passagem da primeira para a segunda série, onde as taxas oscilam em torno de 30%...”
(pág.22).
Todo mundo espera que a escola cumpra seu papel que é o de fornecer
instrução, qualificação e diploma a todos. Na verdade, a escola produz muito mais fracassos
do que sucessos, trata uns melhor do que outros e convence os que fracassam de que
fracassam porque são inferiores. Ela só educa e instrui uma minoria. A grande maioria é
excluída e marginalizada.
Para os alunos a escola é um lugar no qual eles não se sentem bem à vontade.
Mesmo aqueles que, fora da escola, são faladores, espertos, curiosos e alegres, dentro da sala
de aula vão ficando calados, passivos e tristes.
A escola não tem nada que ver com sua vida de todo dia. Dentro dela não há
lugar para seus problemas e preocupações.
A professora, na maioria das vezes, não é vista como uma pessoa amiga que
está ali para ajudar, mas sim como aquela pessoa que sabe o que eles não sabem, que fala
enquanto eles têm que ficar quietos, que fala bonito e diz que eles falam errado, que castiga
quando eles se comportam mal e que quando eles não conseguem aprender o que tem que ser
aprendido. Eles têm medo dela e, para se defender, se fecham em si mesmos ou tornam-se
agressivos e indisciplinados.
Tudo aquilo que eles sabem de experiência própria e bem vivida não é levado
em conta na escola. A professora corrige sua maneira de falar, seus modos, sua maneira de
vestir e, às vezes, diz abertamente que eles são incapazes de aprender e que não adianta perder
tempo porque, de qualquer jeito, eles vão ser reprovados.
Pouco a pouco, eles vão perdendo a motivação para continuar se esforçando,
vão se sentindo realmente incapazes de aprender e vão se resignando a um fracasso que vai
mudar o resto de suas vidas.
II.3- A repetência é o agravante.
Podemos perceber que a repetência é o mais possante instrumento da
seletividade educacional, constituindo um seguro preditor da evasão escolar. Mas, as questões
da evasão escolar extremamente discutidas acabara por obscurecer os graves problemas
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decorrentes da repetência, sejam eles do ponto de vista pedagógico, econômico e social.
Um grande número dos alunos que consegue matricular-se na 1ª série do
ensino fundamental é, no entanto, reprovado nos exames de fim de ano e é obrigado a
repetir o ano ou sair da escola.
De fato, 3 crianças em cada 5 das que freqüentam a 1ª série são reprovadas
ao fim do 1º ano escolar.
As reprovações e repetências continuam nas séries seguintes, só diminuindo
nos últimos anos da escolaridade obrigatória. Mas isso serve de pouco consolo: as
reprovações diminuem na medida mesma em que aumenta o número de alunos que pára de
estudar e abandona a escola. Este número é elevado consideravelmente a partir dos 10-11
anos de idade. É nessa idade que muitos têm que começar a trabalhar para sobreviver e
ajudar a família.
Mas como, na verdade, a escola é feita para aqueles que não precisam
trabalhar, ela faz de conta de que ninguém trabalha e coloca exigências que os que
trabalham não têm tempo nem condições de cumprir. Os resultados escolares dos alunos
que têm que combinar, estudo com trabalho vão piorando cada vez mais, as reprovações e
repetências vão se acumulando até que as crianças ou os próprios pais desistem.
Assim, apenas 12% – seja, praticamente apenas 1 em cada 10 – dos alunos
que freqüentaram o 1º ano conseguem terminar o 8º ano de escolaridade obrigatória.
Apenas 1 em cada 10, quando a lei assegurava a todos o direito de, no mínimo, poder
completar os 8 anos do ensino fundamental.
Essa pedagogia da repetência, traz embutido um outro efeito perversamente
devastador, pois destrói a auto-estima da criança, fazendo com que a mesma carregue
consigo o estigma do fracasso escolar pela vida afora; funcionando como agente punitivo e
selecionador. Mas o papel fundamental da escola não é o de selecionar mas sim o de
ensinar. Azanha, (1993), alerta.
“A repetência pois, não pode, por si só, significar um incentivo a quem
quer que seja. Ela, se vier a ocorrer, deveria significar a última
instância, dentro de um sistema administrativo escolar seriado e anual,
para indicar a um aluno que ele necessita de apropriar-se melhor do
conhecimento para prosseguir em seus estudos. Mas isto deveria ser a
exceção. E, aos poucos, a reprovação e a repetência estão se tornando
quase que normal. É preciso repensar isto, tanto do ponto de vista
político quanto do ponto de vista pedagógico.”(pág.110)
15
Além disso, a repetência representa um desperdício em termos econômicos
aumentando os custos da educação na medida em que limita a capacidade de absorção do
sistema e causa a defasagem série-idade.
Um aluno de sete anos que repita de série 3 vezes, chegará ao fim do 1º grau
com 17 anos de idade. Pode-se então concluir que a maioria dos repetentes serão eliminados
da escola, pois a grande parte dos alunos, da escola pública não possui condições de continuar
os estudos depois dos 14/15 anos de idade devido a dificuldades financeiras enfrentadas pela
maioria da população. Brandão (1983), afirma que “Depois de repetir a 1ª série com
freqüência mais de uma vez, a metade dos alunos abandona a escola”. (pág.9)
Nota-se, dessa maneira, no sistema escolar, uma distância muito grande dos
objetivos reais de um ensino adequado. O sistema caótico de avaliação interna, através de
vários níveis de primeira série e de avaliação externa arbitrária da primeira para a segunda
série se juntam à seletividade do sistema em relação aos alunos repetentes. E na verdade as
classes de repetentes nunca desenvolvem uma metodologia própria para ajudar o estudante
(quer seja pelo despreparo do professor, quer seja por falta de vontade político-pedagógica)
que ali permanece saturado e impotente. O retardo verificado pelo setor psico-pedagógico é
altamente questionado uma vez que muitos dos alunos com problemas de aprendizagem assim
o são por causa de um ensino inadequado às condições do aluno e não por questões de saúde
mental.
Dessa maneira o sistema escolar pouco tem de justo para com a criança carente
e peca na sua falta de qualidade pelo compromisso assumido, como afirma Brandão (1983)
“ O sistema escolar não ensina como devia. Ao invés de aproveitar a
disposição do aluno em aprender, o sistema de ensino cria uma
estagnação patológica que se traduz em taxas de repetência muito altas.
Isso sugere que a evasão escolar precoce, comumente percebida como
rejeição ou evasão da Escola, é, contrário, o resultado eventual da
fadiga experimentada após uma longa, porém frustrante experiência na
Escola...” (pág. 89)
Nossa escola atribui o fracasso das crianças menos favorecidas
economicamente as deficiências que as mesmas trazem de casa. Com esse argumento a
escola procura isentar-se da sua culpa, colocando-a nos ombros da família do aluno ou de
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seu nível sócio-econômico.
A questão sócio-econômica é amplamente conhecida e divulgada servindo, até
mesmo, como pano de fundo para grande parte das pesquisas, sendo considerada como
influenciadora no processo educacional.
Ora, a questão sócio-econômica influencia no sucesso ou fracasso escolar
quando se considera a Escola Pública e a situação sócio-econômica de sua clientela como um
todo, uma vez que é na Escola Pública onde ocorrem os maiores índices de reprovação e
evasão e não na Escola Privada, onde a clientela é basicamente de classe média.
Na verdade são em sua maioria as crianças pobres que fracassam, pois a Escola
os trata de igual maneira que as crianças de classe mais favorecidas, fazendo que o seu êxito
seja uma façanha quase impossível.
É o que afirma Brandão (1983), para ela “os alunos com nível sócio-econômico
e cultural mais baixo têm um menor índice de rendimento e de acordo com alguns autores,
são mais propensos a evasão.”(pág.68)
A explicação de que a expansão da rede pública escolar, provocada pelo
crescimento demasiado da população, seria um dos embustes para que houvesse a
impossibilidade de a Escola se tornar eficiente, tendo assim padrões mínimos de qualidade de
ensino, é falsa e equivocada. Na verdade a Escola Pública deformou-se com o crescimento,
substituindo uma educação de média ou razoável qualidade para poucos para uma péssima
educação para muitos. Tal fato pode ser atribuído não as dimensões da máquina educacional,
mas ao caráter deformado de seu crescimento. Pois, não houve preocupação em adaptar a
Escola ao seu novo alunado. Brandão (1983), alerta
“A democratização do acesso à Escola não é garantia de
democratização do ensino, ao esforço de ampliação de vagas, dentro do
sistema escolar não se seguiu uma política segura de intervenção, no
sentido de torna-lo competente para ensinar os que dependem
exclusivamente da Escola para aquisição dos conhecimentos e
habilidades socialmente valorizadas.” (pág.11)
É necessário, portanto que os educadores possam repensar a
sua prática escolar. Os índices de evasão / repetência são uma das faces mais significativas do
precário ensino da Escola brasileira.
17
Como reverter esse quadro caótico?
Que encaminhamentos deveriam ser dados no tratamento dessa questão tão
complexa?
As respostas para essas questões não se esgotam nas decisões de um só
segmento, mas talvez a participação de todos os envolvidos, a fim de traçar critérios,
prioridades e ações que caracterizassem a garantia da universalização da Escola Pública,
para além de projetos de impacto, medidas parciais ou soluções tecnocráticas, pudessem
minimizar os efeitos da repetência e conseqüentemente da evasão tão presente em nossos
bancos escolares.
18
CAPÍTULO III
OS DIFERENTES SEGUIMENTOS ENVOLVIDOS EM QUESTÃO
III.1- Aspectos relativos ao aluno
O Brasil apresenta de forma agravada algumas características próprias
de países em desenvolvimento, entre os quais uma enorme desigualdade
na distribuição de renda e imensas deficiências no sistema educacional.
(GOLDEMBERG, 1993, p.65)
Como ressalta Goldemberg, no Brasil existe uma estreita relação entre
desigualdade social e educação, maior até do que outras economias em similar estágio de
desenvolvimento.
O problema atual do ensino brasileiro não se situa apenas em termos de acesso,
mas, sobretudo quanto à fatores extra-escolares que dificultam a permanência na escola,
principalmente no ensino fundamental.
O fracasso escolar, gerador de um grande número de repetência e evasão é um
problema que perpassa por muitas questões, mas a maneira como a Escola trata a criança
pobre é um dos fundamentais entraves na resolução do problema.
O número de alunos que vão sendo reprovados e
expulsos da escola, ao longo dos anos, é assustador. No entanto,
essas reprovações e abandonos não atingem da mesma maneira
crianças de diferentes meios sócio-culturais.
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De fato, são sobretudo, as crianças provenientes das camadas populares e do
meio rural que fracassam na escola e são forçadas a interromper seus estudos. Evidentemente,
19
essas crianças constituem a grande maioria da população de
nosso país e são elas, justamente, as que mais precisam da escola
para poder melhorar de vida. São os pais das crianças que
fracassam os que fizeram mais sacrifícios para que seus filhos
pudessem estudar. Foram eles que passaram dificuldades para
comprar cadernos e uniforme. Foram eles que sofreram ao ver
seus filhos serem reprovados e obrigados a repetir o ano. E, no
entanto, todo esse esforço, todos esses sacrifícios, toda essa
esperança não serviu de nada.
Essas crianças nascem e crescem num ambiente que não lhes oferece
estímulos e condições necessárias para que obtenham sucesso na escola.
Portanto a influência da primeira socialização e dos hábitos culturais do
aluno (família) é determinante, provocando uma inibição da socialização secundária que
ele viverá na Escola.
Pois, a escola cerceia as manifestações mais espontâneas da criança na
medida em que, não leva em conta o currículo oculto dos alunos, tornando invencível a
distância entre a cultura de sala de aula e a cultura da criança. Brandão (1983), alerta que
“o fator mais importante para compreender os determinantes do rendimento escolar é a
família do aluno, pois nela se manifestam todas as características que diferenciam o
aluno.” (pág. 68)
Depois de 3 ou 4 anos de reprovação da criança é muito comum que a
Escola busque no desempenho individual do aluno, os motivos para o fracasso escolar.
Geralmente a criança é rotulada como portadora de problemas mentais, por
isso não possui capacidade de aprender ou é distraída ou desinteressada. O procedimento
adotado pela Escola é o de colocar tais crianças nas famosas classes especiais.
Tal procedimento possui caráter discriminatório, uma vez que o julgamento
é feito sem base criteriosa e científica, e o rótulo ao ser colocado acompanha o aluno na
sua vida escolar e até fora dela. Brandão (1983), destaca que “Gatti desmistifica
deficiências biológicas e físicas dos alunos como causa de reprovação.” (pág. 68)
As crianças pobres são, em sua imensa maioria, excluídas da
20
escola, sem qualquer qualificação ou diploma, sem ter aprendido nada de útil para sua vida e
seu trabalho. Praticamente a única lição que os anos de escola ensinam é a se considerarem a
si mesmos como inferiores aos outros, aos que tiveram sucesso.
As crianças saem da escola, mas levam consigo a marca e a
humilhação do fracasso: saem convencidas de que fracassaram porque são menos bem
dotadas, menos inteligentes e capazes do que os outros.
20
Há poucas alternativas para os atingidos pela exclusão da escola. O destino
da grande maioria é aceitar os trabalhos mais duros, de remuneração mais baixa e com
maior risco de desemprego na hora da crise.
Mas será mesmo que as coisas são assim tão simples como parecem: os filhos
dos patrões, do pessoal de classe média, das famílias mais privilegiadas têm bons resultados e
passam aos níveis superiores de ensino, enquanto que os filhos dos operários, do pessoal que
vive ou veio do campo vão de reprovação em repetência até serem obrigados a abandonar a
escola? Será que essa imensa maioria de crianças pobres são menos aptas e capazes do que as
crianças dos meios sociais mais favorecidos? Será que a escola é realmente igual para todos e
que o fracasso ou sucesso só depende dos talentos e méritos de cada um? Será que o problema
do fracasso ou do sucesso está exclusivamente na própria criança ou em suas condições de
vida?
A reação mais comum para explicar o fracasso escolar das crianças pobres é
pôr a culpa na vítima: a culpa dos maus resultados escolares seria da própria criança que
fracassa ou então de sua família.
Muita gente, sobretudo professores, continua a ver o fracasso escolar como um
fato psicológico, como a conseqüência de um problema individual próprio à criança que
fracassa.
A criança não consegue aprender porque está cheia de problemas: coitadinha,
ela é afetivamente desajustada, vive problemas emocionais complicados, etc. Ou então,
pobrezinha, ela é distraída e sem memória, não consegue se concentrar, fala tudo errado, não
entende o que a professora diz, é preguiçosa e rebelde.
Em suma, a culpa é dela mesma se infelizmente, ela não consegue aprender
aquilo que a escola ensina tão bem e que outros aprendem sem dificuldade.
Mas a verdade é que essa desculpa do fracasso escolar como um problema
individual não conseguia explicar por que isso só acontecia com as crianças pobres. Será que
só elas é que têm problemas afetivos e emocionais?
Então, pouco a pouco, foi ganhando corpo uma outra interpretação do fracasso
que não seria tanto culpa de cada criança tomada isoladamente mas sim culpa de sua família,
de seu meio social e de suas condições de vida.
A nova desculpa passou a ser a seguinte: se é a criança pobre que fracassa, a
culpa deve ser da situação de pobreza em que ela vive.
Muitos professores, por exemplo, tinham pena das crianças pobres, tinham dó
21
dessas coitadinhas, dessas crianças mal alimentadas, molengas, que ficavam o tempo todo
doentes. Eles pensavam assim: vivendo do jeito que essas pobrezinhas vivem, no meio da
sujeira e da miséria, numa família que não ajuda, só podia dar nisso mesmo.
Sem dúvida, a pobreza e a miséria influem muito nos resultados escolares.
Porém, dito assim, parece que o único culpado de tudo é a própria família do aluno,
culpada de sua própria pobreza e que, por causa dela, não seria capaz de dar à criança as
condições mínimas para que ela pudesse ter sucesso nos estudos.
Para o pessoal que pensa assim, a culpa continua caindo toda num lado só,
no lado mais fraco, nas costas da vítima. Se a culpa é da pobreza, a escola e os professores
ficam livres de qualquer responsabilidade.
Até mesmo a necessidade que muitas crianças têm de trabalhar é vista como
um defeito que atrapalha o rendimento escolar e explica o seu fracasso.
A face mais cruel desse processo é que o trabalho afasta a criança e o jovem
da escola, local onde deveriam estar obtendo a formação necessária para compreender seus
direitos e assim, serem capazes de reverter a situação de extrema desigualdade em que
vivem. Para essas famílias qualquer contribuição para o orçamento familiar é significativa,
é normal levar seus filhos, num determinado momento, a conciliar o estudo com o trabalho
e, posteriormente pelo cansaço das duas jornadas a optar pelo trabalho e engrossar a
estatística de evadidos do sistema escolar.
Para a parte da população realmente pobre a educação não é a prioridade
fundamental, mas o são a alimentação, a moradia, a saúde. Para essas famílias não basta o
ensino ser gratuito – é preciso que a freqüência à escola não represente um gasto adicional
em termos de transporte e material didático.
O trabalho infanto-juvenil visto como alternativa para melhorar a situação
da família cumpre de forma perversa, a função de perpetuar a pobreza da família e o atraso
do país.
Imposto às crianças das classes menos favorecidas mais ou menos em torno
dos 7 anos, o ingresso no mercado de trabalho é encarado como uma contribuição natural
para a mobilidade social e como um agente de proteção da marginalidade e da violência
em geral. É ainda a possibilidade de conquista de itens de consumo prioritários numa
situação de carência econômica juntamente com a imposição muito forte de símbolos
juvenis: tênis, jeans,...
Ora, todo mundo sabe que é muito difícil trabalhar e estudar ao mesmo
22
tempo. Mas, então, como é que ficam as crianças que, por razão
de sobrevivência, não podem estudar sem trabalhar? Como as
condições de vida da grande maioria da população pioraram
muito, as crianças têm sido obrigadas a começar a trabalhar
cada vez mais cedo. Mas como elas podem trabalhar e continuar
a estudar se a escola está organizada pensando só nos que não
trabalham?
O trabalho prejudica o rendimento escolar e o aluno acaba de reprovação em
reprovação abandonando a escola. Mas sem estudo, sem qualificação, sem diploma, como é
que ele vai poder arranjar um emprego melhor, mais bem qualificado e remunerado?
De novo, a culpa volta a cair nas costas da criança, de sua família, de suas
condições de vida que não lhe permitem estudar como devia. A criança fracassa porque não
consegue corresponder ao que a escola exige.
Velloso (1999), quando trata do seminário sobre educação, força de trabalho e
competitividade, ocorrido em agosto de 1997, destaca um trecho relevante do expositor
representante da Confederação Nacional dos Metalúrgicos, Henriberto Navarro:
No que diz respeito ao problema da baixa escolaridade da força de
trabalho, considero que o país precisa ter propostas diferentes e mais
eficazes para a educação das crianças que são os futuros trabalhadores.
A título de exemplo da gravidade da questão, cito os 4,5 milhões de
crianças brasileiras que trabalham e deveriam estar na escola. Com
isso, não só estaria se preparando para o futuro como ainda abririam
alguns milhões de postos de trabalho para adultos.
O sindicalista aponta para uma questão relevante. Não seria viável, nos nossos
dias, aumentar substancialmente a renda média de adultos sem instrução, nem conseguir
educar adequadamente crianças cujas famílias vivem à beira da miséria. Pobreza e ausência
de escolarização são deficiências que somente poderão ser superadas se enfrentadas
simultaneamente cada um no seu lugar próprio.
Darcy Ribeiro (1986) vai além, quando afirma que “um fator importante do
23
nosso baixo rendimento escolar reside na exigüidade de tempo de atendimento que damos
a criança.” (pág. 13)
A problemática da avaliação dos alunos contribui significativamente na
evasão escolar.
23
A avaliação do aluno á geralmente feita de maneira arbitrária, pois as
escolas possuem critérios diferenciados dependendo da professora ou da supervisora.
A avaliação geralmente é subjetiva e marcada por determinadas situações além
de critérios pessoais. Desse modo a ineficiência do sistema de avaliação tende a prejudicar o
aluno e não a beneficiá-lo. Darcy Ribeiro (1986), afirma que “A ilusão principal de nossa
Escola é a idéia de que ela seleciona e promove os melhores alunos, através de
procedimentos pedagógicos objetivos.” (pág. 34)
Muitas de nossas políticas educacionais não estão alicerçadas em uma clara
consciência dos obstáculos econômicos, políticos e culturais que precisam ser enfrentados
para a construção de um sistema educacional abrangente e de boa qualidade: “Verificou-se
através de estudos quantitativos que o nível sócio-econômico e cultural é preditor do baixo
rendimento escolar”. (BRANDÃO, BALTA, ROCHA, 1996)
Podemos admitir que as crianças pobres, morando nas favelas ou nas periferias
urbanas, cujos pais não são escolarizados, em cujas casas não há material de leitura e muito
menos um lugar para estudar, tenham dificuldades em se adaptar à uma escola, um currículo e
uma metodologia de ensino que pressupõe todas essas condições, inclusive informações que
as crianças pobres não possuem: “É fundamental criar todo tipo de incentivo e retirar todo o
tipo de obstáculo para que os jovens permaneçam no sistema educacional.” (BERCOVICH,
MADEIRA, TORRES, 1992)
Os autores acima citados sabiamente apontam para um ponto fundamental na
tentativa de amenizar essa lamentável situação vivenciada por uma grande parte de nossas
crianças: incentivo, eis a palavra-chave para esta questão.
Podemos concluir que enquanto a Escola Pública não se mostrar capaz de
interagir o conhecimento escolar e as condições sociais das crianças das classes populares,
trabalhando os conteúdos, a partir das próprias desvantagens que a criança traz de forma que a
mesma possa se apropriar dos conteúdos socialmente valorizados, não haverá o oferecimento
de um nível de escolarização bem sucedida.
III.2- Aspectos relativos ao professor
Alguns pais e mães de alunos acham que a responsabilidade da professora é
muito grande nos bons ou maus resultados escolares de seus filhos. Acreditam que ela seria
capaz de milagres se fosse dedicada, interessada e não faltasse nunca à aula.
24
As mães se queixam muito de que as reclamações sobre a falta de preparo
da professora nunca chegam até ela. Na verdade, os pais se sentem intimidados e
humilhados diante da professora que tem de fato um grande poder sobre o destino de seus
filhos e que, muitas vezes, não leva em conta todas as dificuldades e sacrifícios que eles
enfrentam para que os filhos estudem.
Além disso, a deficiência observada na formação de professores seja no
domínio dos conteúdos seja no domínio de métodos de ensino e didática, levam sem
dúvida a propagação de um ensino de qualidade aquém do desejado.
Na verdade a relação pedagógica está centrada na forma de garantir o
andamento da aula. O professor preocupa-se muito mais em manter a disciplina e a ordem
que em compreender como seus alunos aprendem.
Desse modo fica claro que há falta de competência e habilidade, pois os
professores não levam em consideração as condições sócio-culturais e psicológicas dos
alunos. Nesse sentido Brandão (1983), conclui que “ Para manter a ordem e a disciplina
(silêncio e ordenação em filas) o professor utiliza sobretudo ameaças, castigos, punições,
havendo também o recurso da recompensa.” (pág. 69)
Nota-se uma falta de crença por parte dos professores de que se possa fazer
algo para se mudar o status quo.
Assim a baixa freqüência dos alunos às aulas e a falta de atenção e
desinteresse pelas atividades escolares apesar de serem fatores que podem independer da
escola, também em muitas instâncias não deixam de sofrerem sua influência. É a questão
de inadequação do currículo, da falta de atuação e interesse por parte do professor, da
distância da escola, que podem também influenciar os alunos a freqüentarem e estarem
motivados pelas aulas. É o que afirma Brandão (1983), para ela “Há necessidade de rever
os programas das escolas face ao excesso de conteúdo com relações as poucas horas
diárias que os alunos permanecem na escola.” (pág. 76)
Em se tratando de classes numerosas, pode-se afirmar ser este um fator
essencial para o desempenho do professor em sala de aula.
Nas classes numerosas, o professor, mesmo qualificado, não consegue
atingir todos os alunos, uma vez que a dispersão é muito grande, sendo necessária uma
série de recursos didáticos para despertar sua atenção.
Muitos alunos principalmente os tímidos, deixam de ser atendidos e ficam
marginalizados na própria sala de aula. É difícil também controlar a disciplina e o barulho,
25
tornando-se um ambiente desagradável e não próprio para a
aprendizagem.
Também o fato de professores menos experientes e menos habilitados serem
designados para as turmas de alfabetização, a rotatividade do professor durante o ano letivo,
além da diminuição da jornada escolar, pela multiplicação de turnos, tendo quase sempre
como objetivo a ampliação do sistema escolar, são aspectos referentes ao professor cuja
origem se situa nas práticas institucionais e que acabam por refletir no rendimento deficitário
dos alunos. Para Brandão (1983) “ A experiência do professor é mais importante nas séries
iniciais e menos nos últimos anos do secundário.” (pág. 65)
Também para esta autora o “menor número de turnos, maior duração da
jornada escolar (...) séries não superlotadas e menor rotatividade dos professores, melhora o
rendimento de grupos de nível sócio-econômico baixo.” (pág. 78)
A expectativa do professor em relação ao aluno, é um fato marcante na prática
do corpo docente, a chamada profecia auto-realizável leva o professor a prever com
antecedência o fracasso dos alunos o que acaba, quase sempre, se confirmando.
Geralmente, o professor tende a emitir juízo de valor favoráveis a crianças que
lhe são mais próximas em termos culturais e, a depreciar o desempenho dos alunos carentes
que, geralmente, tendem a apresentar déficit no rendimento da aprendizagem.
No entanto tal fato não ocorreria certamente, se tais alunos se sentissem
motivados e realmente valorizados e participantes no processo de construção de seu
conhecimento. Nesse sentido Brandão (1983), afirma que “As expectativas negativas em
relação aos alunos refletem-se no desempenho do aluno.” (pág. 72)
Os professores também costumam manter com os alunos mais carentes um
relacionamento preconceituoso, com a atribuição de rótulos os mais diversos: imaturo,
perdidos, carentes, desinteressados.
Procurando achar justificativas para o baixo rendimento dos alunos na origem
da família dos mesmos, com as quais costumam manter um relacionamento com uma postura
distante e repleto de criaticidade.
Desse modo podemos concluir que tais alunos acabam por ficar marginalizados
dentro do processo normal de aprendizagem, pois segundo Brandão (1983) “é notada uma
preocupação em protagonizar os alunos. As famílias também são encarregadas de modo
depreciativo.” (pág. 72)
26
Podemos concluir que a Escola e os professores têm sido incapazes de
interferir na escolarização bem sucedida das crianças dos setores populares por não darem
26
conta de interagir o conhecimento escolar e as condições de
origem social das crianças.
Conforme alguns autores, os professores também acreditam que para
solucionar o problema da evasão escolar é necessário resolver a questão sócio-econômicocultural do país. Infelizmente, quanto ao futuro de nossa educação, nossos educadores têm
uma visão um tanto pessimista, afirmando que a mesma permanecerá ainda por muito tempo
seletiva e excludente. PAVIANI alerta,
“O acondicionamento social, a regra suprema, o padrão único da
educação, constituem um erro. A essência da educação, efetivamente,
não consiste em adaptar um futuro cidadão às condições e interações da
vida social, mas primeiramente em formar um homem – por aí, prepara
um cidadão. Opor educação para pessoa e educação para a comunidade
não é somente vão e superficial; na verdade, a educação para
comunidade implica e requer, antes de tudo, a educação para pessoa.
Em compensação, esta é praticamente impossível sem aquela, pois não
se forma um homem se não no seio de uma vida de comunidade onde a
compreensão cívica e virtudes sociais já começam a despertar”.
Na verdade o professor necessita estar consciente de sua tarefa, de atentar e
refletir criticamente sobre sua prática e a realidade de sua turma e de adquirir o devido
embasamento teórico para ser o sujeito de seu trabalho.
O educador deve sempre estar aberto dentro ou fora da sala de aula, a
indagações, a curiosidades e a questionamentos por parte de seus alunos ou qualquer pessoa
que deseje saber algo. Pois sua tarefa é de ser crítico, inquieto, ensinar e não de transferir
conhecimentos. Acima de tudo, deve ser humilde para o exercício desta e de outras tarefas
importantes que têm a desempenhar, não deve jamais se achar o dono da verdade, mas um ser
em busca do aprendizado.
O progresso da escola só será obtido com o melhoramento do preparo do
professor, com a riqueza dos métodos adequados e com melhores recursos didáticos
oferecidos e a valorização do profissional de ensino. Visto que a função política da educação
é torna-la mais libertadora, investidora da criação e inovadora dos conteúdos.
Somente desse modo será possível a construção de uma
Escola mais digna e igualitária.
27
27
III.3- Aspectos institucionais
A partir de dados apresentados até o presente momento tanto aluno quanto
professores forneceram elementos expressivos para encontrarmos em grande parte, nos
aspectos institucionais a origem das causas que leva o aluno à repetência e conseqüentemente
a evasão.
A forma ineficiente de evasão escolar, é reflexo da fragilidade da política
educacional, pois os objetivos a serem atingidos pelas Escolas mudam de Governo para
Governo, não havendo desse modo uma escala contínua de aplicação dos planos e programas
educacionais.
Por isso a qualidade dos serviços educacionais fica prejudicada face aos
déficits de gestão administrativa.
Não se tem conseguido da Escola Pública uma equivalência entre quantidade e
qualidade. A expansão da rede escolar não corresponde uma organização eficiente das
condições em que se dá o seu serviço de ensino. Desse modo a fragilidade do sistema de
ensino tem sido embasada nas práticas tipo: aumento do número de turnos, as classes
numerosas, baixos salários pagos aos professores, que acabam por faze-los duplicar o seu
tempo de trabalho, levando-os a ministrar um ensino de baixa qualidade.
As condições em que se dão essas práticas são agravadas, também pelo não
cumprimento efetivo do total de dias letivos devido a feriados, greves, falta de aulas nas
escolas devido à obras que são feitas durante o ano letivo, à suspensão de aulas devido a
reuniões e desculpas encontradas nos mais variados motivos.
O aluno, como produto, fica relegado ao segundo plano, uma vez que o sistema
passa a se manter em função dos meios. Darcy Ribeiro (1986), afirma que
“Não se consegue nem cumprir o ano letivo de 180 dias, que é dos mais
curtos do mundo porque se apela a todo tipo de pretextos, a fim de abonar
faltas e dispensar aulas.
O absurdo maior, porém, é a jornada de duas horas e meia ou três horas de
aula que efetivamente se dá a criança desde que foi adotado o terceiro
turno diário.” (pág. 77)
2
28
A escola na verdade não deve encontrar nessas vertentes a explicação para
sua ineficiência.
A ampliação de vagas é dever do Estado e o seu controle na qualidade dos
serviços deve ser exeqüível. Garantindo a todos a melhor educação possível dando
subsídios à melhoria de condições sociais para a criança.
No entanto o que ocorreu foi o oferecimento de uma Escola igual para uma
clientela desigual.
Muita gente continua a pensar que a escola é
democrática quando trata todo mundo do mesmo jeito. Ora, na
verdade, as crianças já chegam à escola numa situação desigual.
Uns aprenderam a falar em casa a língua bonita e
correta que a escola exige; outros falam de um jeito que a escola
considera feio e errado. Uns estão bem alimentados e bem
vestidos; outros vêm para a escola com fome e com frio. Uns
têm tranqüilidade para estudar em casa e contam com o auxílio
dos pais; outros têm que estudar e trabalhar ao mesmo tempo.
Uns entendem e se adaptam aos regulamentos da escola; outros
se sentem mal, reagem e são punidos. Uns já aprenderam em
casa uma série de coisas que a escola valoriza; outros só sabem
coisas que a escola despreza.
É por isso que querer tratar da mesma maneira
alunos que se encontram em situação desigual, fingindo que
todos têm a mesma possibilidade de aprender o que a escola
ensina, significa não apenas manter a desigualdade, mas até
aumentá-la
29
É preciso que fique bem claro que se as crianças
pobres fracassam, isso não é culpa delas, nem é uma coisa
inevitável. Os maus resultados das crianças pobres é
conseqüência de uma série de coisas que podem e devem ser
mudadas.
Para acabar com o fracasso em massa das crianças mais pobres é preciso,
antes de mais nada, ver e compreender como a escola está organizada por dentro. É preciso
saber o que acontece com as crianças dentro da escola. É preciso conhecer os mecanismos
e o modo de funcionamento dessa engrenagem que faz com que uns poucos tenham
sucesso e que a grande maioria fracasse. Só assim será possível agir para mudar a escola.
A educação escolar deve expressar os interesses das classes e grupos sociais
de uma sociedade, somente desse modo poderá extrair do antagonismo de interesses das
classes subalternas, as possibilidades de colocar-se a serviço desta última.
E garantir de fato a possibilidade de elaboração pela
população de baixa renda de um conhecimento crítico capaz de
promover sua participação no processo social
29
global de transformação das relações sociais.
Os regulamentos e exigências escolares também são
vistos como a causa de muitos dos problemas que as crianças e os
pais têm que enfrentar. A localização da escola é um deles; muitas
vezes as mães não conseguem vaga na escola mais próxima de sua
casa. As crianças são obrigadas a fazer todo o dia longos trajetos
de ida e volta à escola.
Depois vem o problema das despesas com as coisas que
a escola exige. A escola, em princípio, é gratuita. Mas, de fato, não
é. Os pais têm que pagar o material escolar, o uniforme, etc. E,
para as famílias pobres, já com dificuldades de comer, isso nem
sempre é possível.
Todas as exigências não criam nenhum problema para as crianças cujos pais
têm um bom emprego e um bom salário. Mas, para as famílias pobres, cada exigência
representa um drama e uma dificuldade.
A constatação das diferenças existentes entre a Escola e a cultura das crianças
carentes é colocada principalmente na questão da linguagem da criança.
Nota-se que há uma preocupação pela mudança drástica da linguagem através
da ação da Escola de 1º grau sem se levar em conta as experiências da criança. Não se percebe
a necessidade da transição, na qual os conhecimentos trazidos pela criança devem ser
valorizados constituindo-se a partir daí os novos conhecimentos por ela incorporados. Darcy
Ribeiro (1986), afirma que “Reconhecendo e valorizando a vivência e a experiência da
criança pobre, a Escola deve servir de ponte entre o reconhecimento prático que ela já
adquiriu e o conhecimento formal que é exigido pela sociedade letrada.” (pág. 33)
As crianças vindas dos lares mais pobres se sentem ainda mais perdidas diante
desta falta de sentido e de utilidade das coisas que são ensinadas. Elas se sentem mais
confusas diante da artificialidade das situações vividas na sala de aula.
Isto porque as crianças de classe média, quando não entendem, têm os pais
para ajuda-las em casa a entender o que a professora disse.
30
Os livros, filmes e programas de televisão fazem parte do seu ambiente
familiar e são vistos como fontes de prazer e de informação. Essas crianças se sentem assim,
naturalmente, à vontade na escola: mesma linguagem, mesma presença do livro e dos textos
escritos e mesmas normas de comportamento que as de sua casa.
Leituras, viagens, cinemas, tudo isso vai constituindo uma bagagem cultural
que ajuda o aluno de classe média a se sentir à vontade e ter sucesso na escola. Já as crianças
mais pobres não trazem consigo esta bagagem cultural e, a bagagem que elas trazem não é
30
aceita nem valorizada pela escola.
As crianças que moram na periferia das grandes cidades e nas zonas rurais
têm que aprender a se virar sozinhas mais cedo do que as crianças de classe média que
vivem num ambiente muito mais protegido.
Como não têm quem se ocupe delas, as crianças pobres aprendem a cuidar
de si mesmas e a resolver sozinhas os problemas que forem aparecendo. Elas inventam
brinquedos e jogos com muita imaginação e poucos recursos. Aprendem a sobreviver na
rua e começam desde pequenas a fazer pequenos “bicos” para ganhar a vida. Em suma,
elas vivem situações e enfrentam problemas que as crianças de classe média não
conhecem.
O resultado de tudo isso é que, organizada como ela está, a escola acaba
tratando muito melhor a criança da classe média do que a criança pobre.
Na verdade a Escola não busca um aproveitamento das experiências e das
habilidades desenvolvidas pela criança no seu contexto social. Taxam-na de diferente,
desse modo fica provado que a Escola não tem compromisso com o destino da criança.
Todas essas explicações contêm uma pequena parte
de verdade. As crianças pobres, sem dúvida, têm uma
dificuldade muito maior de aprender o que a escola ensina. Seus
pais não têm como lhes oferecer boas condições de estudo.
Trabalhar e estudar ao mesmo tempo é quase impossível. Os
professores não estão preparados para ajudar as crianças
pobres a superar suas dificuldades. Os regulamentos escolares
transformam-se, muitas vezes, em obstáculos que muitos não
conseguem ultrapassar.
Mas não é justo continuar a pôr a culpa do fracasso das crianças mais pobres
inteiramente na pobreza e absolver a escola de qualquer responsabilidade.
Na verdade, muitos dos problemas apontados acima
poderiam ser resolvidos se a escola tivesse uma outra atitude
face à pobreza. Até hoje a escola tratou a pobreza como se ela
31
fosse culpa dos pobres, um defeito de nascença que só vem
atrapalhar o trabalho na escola. E, de fato, atrapalha porque a
escola não foi pensada para os pobres. A escola foi pensada para
uma criança ideal, uma criança que não trabalha, uma criança
que fala “bonito”, uma criança que pode estudar com calma,
etc. Em suma, a escola não foi pensada para a maioria, mas sim
para os filhos de uma elite que, por definição, são muito poucos.
Quando os pobres, as crianças da periferia e das
zonas rurais entram para a escola, eles ficam deslocados, não
conseguem aprender e passam a constituir um problema.
31
Então, a solução mais fácil é acusar a pobreza pelo fracasso dos
pobres. Não aprendem porque estão com fome, não aprendem
porque têm problemas em casa, não aprendem porque falam
“errado”, etc, e etc.
Outro fator importante observado nesta pesquisa, é à
distância do trinômio na relação professor/aluno/pais, isto é, cada
um atua em seu lugar. Não há interação e ou troca de
experiências, ficando difícil saber como lidar com a realidade do
aluno. O relacionamento professor/aluno/pais é bastante tênue.
FURTER afirma que“a educação não pode ser entendida como um
ponto final, mas como um ponto de partida em que também o
passado e liga dialeticamente ao futuro no diálogo frutífero das
gerações”.
A evasão escolar na verdade é um reflexo da prática da
escola brasileira que vem falhando no desempenho de seu papel.
Porém, para sanar essa questão, será preciso que os órgãos
competentes tenham uma visão global desta problemática, pois
enquanto isso não ocorrer, a escola continuará a reproduzir as
desigualdades sociais e não é isto que o público escolar espera da
mesma. Também se faz necessário um desempenho mais
profissional por parte dos educadores. E de uma participação
consciente e ativa dos segmentos envolvidos na busca de soluções
para a questão.
A escola, como qualquer instituição social, não pode ser
pensada como se existisse e agisse autônoma e independente. A
32
reprodução social se dá na medida em que a escola prepara
técnica e subjetivamente as diferentes classes sociais para
ocuparem seus devidos lugares.
A maioria dos professores e das autoridades de ensino não procuram saber se a
escola poderia se organizar de outra maneira, levando em conta a pobreza e trabalhando no
sentido de diminuir e compensar seus efeitos. Não se procura adaptar a escola às necessidades
dos pobres, o que seria perfeitamente possível, mas ao contrário, pede-se aos que se adaptem
a uma escola que não foi feita para eles, o que é praticamente impossível. E, como eles não
conseguem fazer esse milagre, vão sendo pouco a pouco eliminados, o que faz “desaparecer”
o problema.
Parece, pois, que há uma perda de perspectiva, pois o produto que sai da
Escola, o aluno, não é a própria finalidade do sistema educacional.
32
CAPÍTULO IV
A POLÍTICA EDUCACIONAL DAS ESCOLAS DA REDE PÚBLICA DO
MUNICÍPIO DO RIO DE JANeiro
Nos últimos 10 anos, o perfil educacional dos brasileiros teve uma leve
melhora. Registraram-se reduções na taxa de analfabetos e um aumento significativo no
número de matrículas, porém o quadro no geral não atingiu as expectativas dos estudiosos
da década anterior, apresentando um resultado insatisfatório, principalmente se comparada
à dados de outros países, como Venezuela, Peru e Chile. Neste sentido, o Brasil ainda
convive com percentuais elevados de crianças fora da escola. ( DRAIBE, COSTA, SILVA,
1999 )
Considerando-se os dados do Censo de 1991 realizado pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística ( IBGE ) verifica-se entre 1980 e 1991 uma sensível
diminuição no número absoluto de evadidos na faixa de 7 a 14 anos, baixando de 7,8
milhões em 1980, para 5,7 milhões em 1991. Os grupos de 5 a 6 anos e de 15 a 17 anos
mantiveram as taxas de evasão praticamente no mesmo nível, apresentando uma redução
muito pequena: de 4,7 milhões para 4,3 milhões no grupo de 5 a 6 anos e de cerca 4,3
milhões para cerca de 4,1 milhões no grupo de 15 a 17 anos. ( FERRARRO, 1999 )
Os menores ganhos – menores reduções na taxa de evasão – se
concentraram nos extremos: de um lado, aos 5 anos, e, de outro aos 17 anos.
No grupo de 7 a 14 anos, a taxa mínima de não-freqüência era de 25,9% aos
11 anos em 1980, baixou para 15,1% aos 10 anos em 1991. Já as taxas máximas de nãofreqüência nesse grupo, verificadas sempre nos extremos dessa faixa etária, baixaram, no
mesmo período, de 47,4% para 29,1% aos 7 anos e de 38,2% para 28,8% aos 14 anos.
Ferraro também fornece o resultado do Censo de 1996, que demonstram
entre 1991 e1996 uma redução muito significativa dos níveis de abandono escolar em
todas as idades aqui estudadas, mais precisamente dos 5 aos 17 anos.
Em termos absolutos, na faixa de 7 a 14 anos a não-freqüência ficou
33
reduzida em 1996 a 3,2 milhões, bem abaixo dos 5,7 milhões de 1991.
33
Na faixa de 9 a 11 anos, as taxas de não-freqüência baixaram para níveis
entre 6,6% e 7,1%. No entanto, os níveis de abandono permanecem relativamente
elevados, Principalmente nos grupos de 7 a 14 anos: observando os extremos – 10,8% aos
anos e 16,9% aos 14 anos. (FERRARO, 1999, p.32)
Desde 1996, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas educacionais
(INEP) registra avanços nas chances de um aluno concluir a educação básica. Apesar
disso, as grandes disparidades regionais dificultam esse processo. A projeção do Inep
afirma que São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais tem índices de conclusão acima da
média. Já o Pará, o pior estado em termos de perspectiva de conclusão, só 22 em cada 100
estudantes obtêm o certificado de 2º grau. Para se fazer uma breve comparação, em São
Paulo esse número sobe para 58. As regiões Norte e Nordeste continuam apresentando
taxas de escolarização bem abaixo do esperado. Nestas duas regiões se concentram cerca
de 60% das crianças de 7 a 14 anos que permanecem fora da escola. Considerando-se toda
a população de 5 a 17 anos, em 1996 continuavam não freqüentando a escola cerca de 8,7
milhões de crianças.
Segundo dados do Ministério da Educação (MEC), a taxa de evasão escolar
caiu de 6 % em 1990 para 4 % em 1997. A proporção de jovens de 7 a 14 anos
matriculados em escolas públicas e particulares passou de 86,1% em 1991, para 95,4% em
1999. (BRASIL.MEC,1999)
A realidade parece mais dura. Hoje é estimado que cerca de pelo menos 1
milhão de crianças de 7 a 14 anos não estão ocupando seu lugar de direito: a escola.
Reconheço que as iniciativas governamentais para favorecer o acesso a
escolarização desde 1998 visam ampliar as possibilidades de acesso à escola, mas os
índices atuais demonstram que o nosso maior desafio não se limita a universalização do
ensino e sim em como assegurar condições reais de permanência no sistema: “ Apesar da
quase universalização do acesso à escola que se logrou atingir, uma porcentagem
demasiadamente pequena dos alunos consegue completar os 8 anos de ensino
obrigatório” (GOLDEMBERG, 1999)
Essa realidade se faz presente, porque a escola não é uma instituição
isolada, onipotente, trata-se de um segmento da sociedade e como tal reflete todas as
transformações que nela ocorrem.
Todos os fatores, principalmente os econômicos, influenciam diretamente
na vida da população como um todo, inclusive determinando precocemente a permanência
34
ou o abandono escolar de uma determinada camada da
sociedade.
Ao analisarmos as diversas causas da evasão escolar nas Escolas Municipais
do Rio de Janeiro, almejando a sua eliminação, acabando assim com a fuga prematura do
educando do meio escolar, pode-se apurar o quão complexo é o problema e o quão difícil é
a resolução do mesmo.
O problema da evasão escolar no Brasil já é crônico.
Há muitas décadas já se vem observando que este problema se avoluma em
nosso país. O Brasil, no entanto, ainda não foi capaz de resolvê-lo.
De um modo geral, nos gabinetes onde se tomam decisões sobre educação,
não se tem uma visão contextualizada e global dos problemas escolares, daí os insucessos
quando se tentam resolvê-los.
Apesar, de algumas iniciativas governamentais já estarem apontando neste
sentido, como o programa bolsa-escola federal que atende população menos favorecida,
oferecendo R$15,00 por criança, para que as famílias mantenham seus filhos na escola,
ainda é muito pouco.
Programas como este demonstram claramente o reconhecimento por parte
dos nossos governantes da situação de miséria em que vivem grande parte da população do
nosso país e que este é sem dúvida um agravante, senão o determinante direto das
altíssimas taxas de abandono escolar.
No Município do Rio de Janeiro o que podemos observar é justamente a
falta de compromisso político.
A cada quatro anos, quando a prefeitura é governada por novos prefeitos,
novas filosofias de trabalho são propostas sendo retomadas discussões que se arrastam pela
Câmara de Vereadores, pelas CREs e por outras instâncias administrativas, na tentativa de
modificar e manipular toda a engrenagem do processo educacional a serviço próprio.
Os profissionais de educação, vítimas da formação desqualificada e dos
baixos salários recebidos, assistem atônitos a todo esse mecanismo que serve de base a
manutenção dos interesses da classe dominante em nosso Estado.
Mais recentemente, seguindo a prática do começar tudo de novo, foi lançada
pela prefeitura a proposta do Núcleo Curricular Básico – MULTIEDUCAÇÃO. Que conta
com o apoio de programas de TV periódicos, abordando temas concernentes a uma nova
35
proposta de avaliação dos alunos da rede pública, foi implantada a Resolução 606 de 15/03
de 1996 (publicada no DOMRJ). Com o argumento de que tal proposta foi amplamente
35
discutida por todos os segmentos durante 3 anos e aprovada pelos mesmos. Tal afirmação
foi contestada por muitos profissionais de educação que afirmaram ter repudiado a
proposta.
A Resolução 606 modifica a representação dos conceitos A,B,C,D como
medidas qualitativas obtidas a partir de dados quantitativos apurados na avaliação global
do aluno.
“Art. 2º - Serão utilizados no processo de avaliação dos alunos os
seguintes conceitos:
a) PS – Plenamente Satisfatório
b) S – Satisfatório
c) EP – Em processo
Art 3º - Os conceitos determinados no artigo anterior serão atribuídos a
partir dos seguintes critérios:
a) PS – (plenamente satisfatório) quando o aluno realizar de
maneira independente, no mínimo, 70% dos núcleos
conceituais trabalhados e atingir no mínimo 70% dos
objetivos previstos;
b) S – (satisfatório) quando o aluno realizar parte do
trabalho escolar de maneira independente, numa faixa
compreendida entre 40% e 69% do que lhe for proposto;
compreender entre 40% e 69% dos núcleos conceituais
trabalhados e atingir entre 40% e 69% dos objetivos
previstos, necessitando, em algumas situações, da ajuda
do professor, da colaboração de colegas e de consulta a
diferentes tipos de material de apoio pedagógico;
c) EP – (em processo) quando o aluno necessitar da ajuda
direta do professor ou de colegas mais experientes para
realizar no máximo 39% dos objetivos propostos para
formar conceitos essenciais à série ou disciplina.(pág.
14)
Devido a futura eleição para cargos a serem preenchidos na Prefeitura do
Município do Rio de Janeiro, a Resolução 606 e a Proposta de Núcleo Curricular Básico
MULTIEDUCAÇÃO correm o risco de extinção devido a prática de depreciação política
do trabalho de quem compartilha os mesmos interesses partidários. Sem que ao menos se
saiba se as tais medidas teriam efeito no processo educativo ou não.
Tais procedimentos deixam que a Educação fique sem uma filosofia sólida
norteadora de um trabalho digno e de qualidade.
36
Resta aos educadores sensatos a luta individual em prol da dignificação de
seu trabalho, acreditando que é através dele que se dará a construção de uma sociedade
mais justa.
IV.1 – Dados quantitativos da evasão escolar das Escolas da Rede Pública
A Secretaria Municipal de Educação não desenvolve junto as Escolas da
Rede Pública um projeto único e específico que tenha como ponto de partida a solução da
questão da evasão nas Escolas Públicas e as causas e conseqüências do problema.
No entanto, cada Coordenadoria-Regional de Educação (CRE) e também
cada unidade escolar, possui autonomia para desenvolver de acordo com sua conveniência
e necessidade, projetos que solucionem a questão.
As exclusões são apenas diagnosticadas e selecionadas em códigos de 10 a
19 anotadas em: planilhas realidade da unidade escolar, a cada COC. A cada número são
atribuídas justificativas para cada exclusão diagnosticada.
Tal procedimento não tem como objetivo a solução do problema, mas
apenas a sua apuração quantitativa.
“Exclusões.
Código 10 – Transferidos para a própria rede;
Código 11 – Transferidos para outras redes públicas, que poderão ser:
municipais (de outros Municípios) Exemplo: Cordeiro, Nova Iguaçu,
Petrópolis, Duque de Caxias, etc..., estadual e federal (neste caso,
independente das Escolas se localizem dentro ou fora dos limites do
Município do Rio de Janeiro);
Código 12 – Transferidos para a rede de ensino particular (neste caso,
independente das Escolas localizada fora ou dentro dos limites do
Município do Rio de Janeiro);
Código 13 – Falecimento;
Código 14 – Necessidade de trabalhar;
Código 15 – Doença ou anomalia grave;
Código 16 – Duplicidade de matrícula. Esta situação, por sua
característica, deve ser identificada logo no início do ano letivo, sendo
utilizado somente no 1º COC;
Código 17 – Reclassificados (CA, 1ª e 2ª séries) – só usado no 1º Bimestre
no 1º COC (não deverão aparecer);
Código 18 – Remanejados – situação para determinar encaminhamentos
coletivos, de uma Unidade Escolar para outra;
Código 19 – Outras situações – colocar neste código as situações não
37
previstas nos códigos anteriores. Essas exclusões deverão ser justificadas
por memorando, enviados a E/CRE.”
Como já podemos observar falta a nossa estrutura educacional um ensino de
qualidade a nossas crianças, o papel maior da educação que é o de formar cidadãos que de
algum modo poderiam inferir nas decisões coletivas do seu país ou de sua comunidade não
vem sendo cumprido.
A evasão escolar na verdade é um reflexo da prática da Escola brasileira,
que vem falhando no desempenho de seu papel.
Nas Escolas de 1º grau da rede pública do Município do Rio de Janeiro,
podemos observar que as taxas de evasão oscilam, mas são sempre significativas.
A construção e a modernização de novas Escolas e dos caríssimos CIEPs; e
o oferecimento de uma educação paternalista e casuística não se mostraram instrumentos
eficazes na solução do problema.
De acordo com dados fornecidos pelo E/DGED/CPEs órgão subsidiado pelo
próprio Município, em 1976 a taxa de evasão era de 0,69%, em 1980 de 2,40, e em 1986 a
evasão bateu o recorde do período coberto pela pesquisa, com o percentual de 9,38%.
Evasão na rede oficial do Município do Rio de Janeiro de 1976 a 1994.
Matrícula
Alunos
Evadidos
Ano
inicial
Nº Absoluto
%
1976
724.295
5.028
0,69
1977
706.574
23.733
3,36
1978
688.686
18.123
2,63
1979
615.511
13.556
2,20
1980
585.255
14.054
2,40
1981
575.808
14.054
2,40
1982
542.489
10.145
1,87
1983
524.996
12.230
2,33
1984
550.656
17.329
3,15
1985
540.739
12.108
2,24
1986
563.548
52.836
9,38
38
1987
620.832
31.483
5,07
FONTE:E/DGED/CPEs – Obs.:do JI ao PEJ
ANO
MATRÍCULA
MATRÍCULA
EVADIDOS
INICIAL
FINAL
%
1988
617.709
583.320
5,6
1989
589.136
551.428
6,4
1990
589.653
554.082
6,0
1991
604.085
562.262
6,7
1992
648.853
603.808
6,9
1993
673.590
625.301
7,2
1994
689.179
629.477
8,7
FONTE: E/DGED/CPEs – Obs.: do JI ao PEJ
Portanto, para sanar a questão da evasão escolar nas Escolas da rede pública
do Município, seria preciso que os órgãos competentes tivessem uma visão global da
questão, pois enquanto isso não ocorrer a Escola continuará a reproduzir as desigualdades
sociais e não é isto que a clientela da Escola Pública espera da Escola.
Além disso, talvez, um desempenho mais profissional por partes dos
professores e de uma participação consciente e ativa dos segmentos envolvidos na busca de
soluções para a questão seja um dos caminhos conducentes à resolução do problema.
39
CAPÍTULO V
TENDÊNCIAS RECENTES DA EDUCAÇÃO
Percebe-se, que o acesso e permanência do educando no sistema
educacional brasileiro depende da classe social, no qual o aluno está inserido e isso se
ressalta no Brasil, a massa de estudantes que deles saem nos diferentes níveis têm a
oportunidade de experimentar relações sociais também diferentes, de acordo com a sua
classe social.
Tanto a escola como os educadores, têm sido incapazes de interferir na
escolarização bem sucedida dos educandos das classes populares por não darem conta de
interagir o conhecimento escolar e as condições de origem social das crianças.
Segundo Freire, não existe uma educação neutra e que para entender melhor
o processo educacional, se faz necessário compreender o homem como um ser no mundo.
Por ser o homem um ser em construção, deve a educação vê-lo como pessoa,
transformadora da realidade em que vive, onde os métodos e os objetivos passam a ter um
caráter libertador, a fim de prepará-lo para viver na sociedade. Assim, quanto mais inserido
nesta sociedade, for o homem, torna-se sujeito ativo e humanizador, analisando de forma
crítica as condições de sua realidade, buscando modificá-las, a fim de melhorar a vida de
toda comunidade.
Prosseguindo o autor, faz uma crítica e ao mesmo tempo um alerta em
relação à questão da importação das pedagogias estrangeiras e ou da cultura burguesa,
onde um profissional preparado se deixa influenciar, não percebendo que há várias formas
de se lecionar conteúdos.
Sabemos que no Brasil a educação é padronizada de acordo com as
necessidades da classe dominante, sua cultura e linguagem, servindo como alienação e
domesticação da classe popular. Não se valoriza a própria cultura e sua realidade. Assim,
Freire salienta que não existe uma forma padrão de se educar, porém como já foi dito,
deve-se utilizar a realidade dos alunos e tudo que trazem para aplicar os conteúdos, a fim
40
de construir no indivíduo um sentimento de cidadania, participante da sociedade.
A escola desempenha um papel importante de orientar o indivíduo nessa
busca no mundo, tornando-se assim um ato de conhecimento e não de memorização. O
indivíduo vai conhecer a realidade e descobrir a possibilidade de modificá-la para melhor,
e não apenas memorizar conteúdos e fatos, adaptando-se sem buscar transformar sua
realidade.
A função política da educação é de torná-la mais libertadora, investidora da
criação e inovação dos conteúdos. Freire se baseia numa pedagogia libertadora, onde
aprender faz parte do ato de se libertar, de se humanizar.
Assim, o papel do educador é o de contribuir na formação do indivíduo
visando à reinvenção do mundo. A educação é prática indispensável a todas as pessoas.
É imprescindível que haja entre o educador e o educando uma relação de
convivência afetiva, devendo haver uma postura aberta e curiosa que desperta ao educador
assumir-se enquanto sujeito sócio-histórico-cultural que represente no ato de conhecer.
Embora vivamos num momento de desvalorização do profissional de
educação, Paulo Freire, em seus diversos livros nos incentiva, apresentando elementos
constitutivos da compreensão da prática docente, enquanto dimensão social da formação
humana.
Todavia, contribui advertindo-nos sobre a necessidade de assumirmos uma
postura atenta contra todas as formas de desumanização. Denuncia desta forma, o mal que
a política de mercado neo-liberal incentiva, que é a individualidade e o egoísmo, cada vez
mais presentes na nossa sociedade, fazendo com que os ricos se tornem cada vez mais ricos
e os pobres cada vez mais pobres.
Para se fazer uma boa avaliação, é necessário que se tenha bom senso. Pois,
leva assim, ao respeito, a autonomia, a dignidade e a identidade do educando e, na prática
procurar a coerência com este saber, levando à criação de algumas virtudes que sem os
quais aquele saber vira falso, vazio.
No entanto, de que adianta falar em democracia e liberdade, quando se
impõe ao educando a vontade autoritária do professor.
A escola não pode estar alheia as condições sociais, culturais, econômicas
de seus alunos, de suas famílias, etc.
É necessário que o professor e o aluno saibam que a sua postura deve ser
dialógica, aberta, curiosa e ativa enquanto fala ou escrita. Neste sentido, o bom professor é
42
aquele que consegue trazer o aluno até a intimidade do movimento de seu pensamento.
Podemos observar que na escola atual, muitos educam de forma autoritária,
impondo que os educandos decorem conteúdos e desprezem o que eles trazem em sua
história de vida.
O atual sistema de mercado de trabalho neoliberal, a favor da globalização,
exige cada vez uma maior especialização de quem deseja entrar no mercado de trabalho,
restringindo assim o acesso à escola que é um direito de todo homem. Porém, o educador
não pode deixar-se levar por isso e esquecer-se da sua missão e responsabilidade
fundamental: ensinar, construir cidadãos participativos dentro da sociedade.
43
CONCLUSÃO
Após os dados apresentados nesse breve estudo pode-se concluir que a
evasão escolar nas Escolas Públicas de ensino fundamental do Município do Rio de Janeiro
pode ser evitada ou diminuída desde que haja a tomada de consciência e de decisões
técnico-políticas com competência e seriedade.
A partir do conhecimento das causas apontadas na pesquisa podemos
afirmar que para que a Escola resgate seu papel de agente de transformações e se ao seu
alunado faz-se necessário o estabelecimento de uma série de reflexões sobre o papel de
cada profissional da Escola Pública (professores, diretores, orientadores, supervisores),
pois só através de uma prática de um trabalho sistematizado é que poderão ocorrer de fato
as mudanças.
Partir das experiências concretas da clientela, inseridos num momento
histórico, onde há dificuldades na manutenção de condições mínimas de sobrevivência,
onde há negligência por parte das autoridades em desempenhar o seu papel sócio-político,
onde há a consciência da péssima formação do profissional que vem se arrastando ao longo
dos anos, é que a Escola poderá repensar sua prática e planejar o que ensinar, porque assim
estará sabendo a quem ensinar.
Isso, porém, não significa baixar o nível de ensino para a população carente,
já que as mesmas chegam em condições desiguais desde a sua expressão oral aos seus
hábitos e comportamentos.
Ao professor cabe através de sua prática docente mediar e encaminhar sua
competência técnico-didática, valorizando as experiências vividas pelo aluno em seu grupo
familiar e social. E a partir de seus próprios interesses criar e recriar uma concepção de
mundo mais articulada em que pese todas as suas deficiências e inadequações.
Se a Escola continuar a tratar a todos da mesma maneira estará
reproduzindo a desigualdade em termos de justiça social, pois estará funcionando como
agente seletivo e discriminador.
A Escola, na verdade, deve servir de palco às contradições sociais e
44
políticas, e é somente por meio delas que as modificações ocorrerão.
Pois, a luta pela democratização da Escola Pública pelo domínio de
conteúdos escolares e por um ensino de qualidade é uma luta em prol dos interesses que
asseiam toda a população.
Por isso um padrão de qualidade significativo deve ser oferecido para a
população, partindo do nível sócio-cultural em que se encontram para que possam defender
seus interesses conquistando sua emancipação, a partir de instrumentos intelectuais
produzidos socialmente. As condições sócio-econômicas, culturais, ou psicológicas das
crianças não devem ser lastimadas, mas tomadas como ponto de partida pelo professor para
que aprendam a lutar contra elas com o apoio dado pelo saber sistematizado.
Desse modo a Escola Pública poderá organizar-se para proporcionar a
manutenção da criança na Escola ao longo do processo de escolarização.
Os fatores apontados como a causa e a conseqüência da evasão escolar nesta
pesquisa, não são suficientes para se avaliar esta problemática. Todavia, este estudo não
tem a pretensão de concluir, afirmar ou direcionar nada, ao contrário, visa tão somente,
suscitar questionamentos e até mesmo problematizar em torno desta temática.
Finalmente, é necessária a afirmação que esta pesquisa abre perspectivas
para um estudo posterior, mais aprofundado com uma área maior de abrangência.
45
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