1 AS RELAÇÕES ÉTNICO­RACIAIS NA EDUCAÇÃO INFANTIL Pollyana Cassiano Neves Acadêmica do Curso de graduação em Pedagogia ­ FACED/UFU [email protected] 1. INTRODUÇÃO A Lei Federal nº 10.639, de 09 de janeiro de 2003 altera a Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro­Brasileira”. Dessa forma, a aprovação da lei 10639/2003 torna obrigatória a inclusão de História e Cultura Afro­brasileira nos currículos escolares, o que vem mobilizando as escolas quanto à formação de professores e até mesmo na confecção de materiais didáticos. 2. DESENVOLVIMENTO 2.1 A LEI Nº 10.639/2003 A Constituição de 1988 expressa os direitos da criança, principalmente à educação, assim como o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/1996, porém estas práticas são muitas vezes escamoteadas pelas políticas educacionais e por outros diversos fatores. No contexto educacional, os profissionais da educação infantil devem sempre intervir de forma positiva em relação aos alunos, manter­se atualizados quanto às práticas educativas e promover a socialização das crianças com seus pares, além de serem sensibilizados diante da diversidade humana, das crianças provenientes de meios
2 familiares variados, assim como culturas, raças e etnias; a fim de que possam desconstruir principalmente, suas posições exclusivas, preconceituosas e racistas. A LDB nº 9.394/1996 propõe que os educadores proporcionem as crianças atividades que desenvolvam suas potencialidades nos aspectos cognitivo, afetivo, psicomotor e social; e com intuito de findar atitudes racistas e irracionais do cotidiano de milhões de crianças e jovens brasileiros, apresenta­se a Lei 10.639 de 09 de janeiro de 2003 que altera a LDB 9.394/96, a fim de incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura afro­brasileira”, o que já se torna um avanço educacional e também social. A demanda que a comunidade afro­brasileira vem exigindo há décadas, transforma­se com essa lei, haja vista que há exigência da valorização e respeito às pessoas negras, à sua descendência africana, à sua cultura e à sua história. 2.2 AS RELAÇÕES ETNICO RACIAIS NO CONTEXTO ESCOLAR: UM FOCO PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL Racismo e educação ressaltam a importância da função social da escola e da diversidade cultural. A escola é responsável pelo processo de socialização infantil no qual se estabelecem relações com crianças de diversificadas famílias, o que favorece a construção da identidade da criança. Esse contato poderá fazer da escola o primeiro espaço de vivência das tensões raciais. A relação estabelecida entre crianças brancas e negras numa sala de aula pode acontecer de modo tenso, ou seja, segregando, excluindo, possibilitando que a criança negra adote em alguns momentos uma postura introvertida, por medo de ser rejeitada ou ridicularizada pelo seu grupo social. A escola é o local das descobertas para a criança, e lá que ela aprenderá a conviver ou não com críticas, competições, perdas e realizações. Além disso, a escola é a instituição que ministra o conhecimento, o qual deve se basear em valores éticos e democráticos, pois a formação do cidadão consciente está em grande parte sob a responsabilidade da escola. Para algumas crianças negras a dificuldades de auto­aceitação decorre de um possível comprometimento de sua identidade com as atribuições negativas de seu grupo social. O que acontece, sobretudo com as crianças, que estão em processo de desenvolvimento emocional, cognitivo e social, é uma internalização do discurso alheio,
3 ou seja, é pelo olhar do outro que alguém se constitui como sujeito e é a qualidade desse olhar que contribui para o grau de auto­estima de qualquer indivíduo, seja ele branco ou negro. O âmbito escolar é onde a criança desenvolve a capacidade de questionar, ter consciência de sua identidade e a qual grupo pertence, pois é esta consciência que abrirá o caminho na busca da construção da identidade e provocará uma revolução no jeito de pensar do homem moderno. A escola precisa estar bem preparada para acolher a pluralidade étnica e cultura, pois “sabe­se que nossas escolas se norteiam pelos valores da classe média. O processo educativo pode ser uma via de acesso para a criança negra ao resgate de sua identidade, auto­estima e autonomia, pois a escola é o ponto de encontro e embate das diferenças étnicas, podendo ser instrumento eficaz para diminuir e prevenir o processo de exclusão social e incorporação do preconceito pelas crianças. Entretanto, a educação infantil é um espaço de relações sociais entre os sujeitos históricos e interativos que constroem em um currículo vivo, permeado de ações, atitudes, conceitos, linguagens e interesses. É crucial que a Instituição de Educação Infantil respeite e valorize a cultura das diferentes famílias envolvidas no processo educativo. A escola é o ambiente onde os grupos sociais estão em constante diálogo e conflito, sob o desafio do respeito à diversidade. O ambiente escolar para a criança negra pode ser o espaço para a disposição da sua identidade, cuja construção se inicia no seio familiar; ou ainda, pode vir a ser o palco onde a construção da identidade nega suas raízes étnicas, caso se confronte com relações de exclusão. A ausência do componente negro na escola priva as crianças negras de conhecerem a sua história, que vai muito além da escravidão, portanto, a escola necessita urgentemente reformular conteúdos e problematizar a questão do negro no contexto escolar. Dando a conhecer a diversidade cultural da criança negra e criando possibilidades de conhecimento da sua cultura. Certamente, a necessidade de aprofundar o estudo sobre a questão étnica no Brasil ficou mais subsidiada com a promulgação da Lei n° 10.639, de 09 de janeiro de 2003 que altera a Lei 9394/96 e torna obrigatória, nos currículos dos níveis fundamental e médio em estabelecimentos oficiais e particulares do país, a inclusão da temática “História e Cultura Afro­Brasileira”; porém, somente a lei não basta para ocorrer, de
4 fato, uma mudança curricular em nossas escolas, na formação e na prática dos profissionais da educação. Na medida em que não inclui a História da África e da cultura afro­brasileira nos currículos escolares do país, a política educacional brasileira não leva em conta a identidade dos negros, não respeita seu modo de ser e pensar o mundo e resiste ao considerar a imensa influência que a cultura africana sempre exerceu sobre o modo de ser do brasileiro, com seus mais de 40% da população negra e mestiça. O professor é um elemento básico do ato pedagógico e pode ser um aliado extremamente importante para romper os elos dessa cadeia da alienação referente ao tema. Possui, todavia, uma formação elitista e preconceituosa. Esse fato advém por desconhecimento do assunto e por falta de oportunidade em discutir essa temática, já que desde os cursos de formação de professores é quase nula a inclusão de alguma disciplina que trate da cultura afro­brasileira. A Lei 10.639 traz uma contribuição de fundamental importância nessa relação entre a formação e a atuação docente. O debate sobre ela já trouxe um grande benefício à sociedade: colocar o tema na agenda nacional e fazer todos reconhecerem que é preciso realizar algo para diminuir a desigualdade na educação de ricos e pobres ou de negros e brancos. Com essa lei, estabelecem­se o embate e as posições sobre o tema. Por meio de discussão, reflexão sobre os diversos eventos do cotidiano escolar, a organização e a participação efetiva em cursos e seminários, estaremos forçando o debate, ampliando o horizonte conceitual e difundindo práticas educativas. Diante do desafio de trabalhar a diversidade sócio­cultural e as desigualdades étnico­raciais no Brasil dentro da sala de aula, surgem diversos questionamentos quanto à maneira como a questão é tratada, em que medida os educadores têm contribuído para a afirmação ou negação das identidades étnico­raciais e concomitantemente para a superação ou legitimação dos preconceitos e discriminações, e por fim, se e como a Lei 10639/2003 é cumprida no cotidiano escolar. A escola enquanto ambiente sócio­histórico­cultural de promoção e reprodução sistemática e organizada da aprendizagem dos conhecimentos humanos acumulados historicamente, além de contribuir para a apropriação destes saberes, também promove a socialização e a interação entre os sujeitos, propiciando assim a construção do sentido de humanidade pelos mesmos. (BOCK, 2001).
5 A escola não atua apenas sobre o processo de ensino e aprendizagem de saberes necessários para a “sobrevivência” nas sociedades contemporâneas, mas também para a internalização dos valores universalmente aceitos e para a construção das identidades dos que dela participam. É também, espaço privilegiado de construção das identidades individuais, sociais e/ou culturais, a escola permanece no centro do debate sobre a questão étnico­racial, já que através dela, ao longo da história, foram preservadas e legitimadas as contradições e desigualdades que embasaram os discursos e práticas discriminatórias em nossa sociedade. Assim, numa análise da imagem do indivíduo negro ao longo da história registrada nos livros didáticos escolares, nos deparamos frequentemente com uma gama de estereótipos que se repetem e omitem aspectos relevantes da construção desta trajetória histórica e política que foi marcada por tantos conflitos, resistências e lutas que não estão presentes em suas páginas. 2.3 A LEI Nº 10.639/2003 NO CONTEXTO DISCRIMINAÇÃO/PRECONCEITO A aprovação e a efetivação da Lei 10.639/2003, que dimensiona o ensino de História da África e Cultura Afro­brasileira no currículo escolar, tornando­o obrigatório na educação básica; e do Parecer CNE/CP003 (BRASIL, 2004), tem iniciadas amplas discussões sobre a identidade da cultura afro­brasileira e quanto ao combate a discriminação racial no espaço escolar em seus variados níveis de ensino. A exclusão da diversidade étnica e cultural dos materiais e práticas escolares possui como pano a fábula das três raças, criada no início do século XIX e que permanece até os dias atuais. Este paradigma reafirma a crença de que o povo brasileiro é fruto da união pacífica, cordial e harmônica entre brancos, negros e índios, numa tentativa deliberada de encobrir, não somente as barbáries, mas as desigualdades raciais, através da deflagração do mito da democracia racial. (GONÇALVES, 1999). O discurso ideológico da democracia racial ao mesmo tempo em que legitimou a desigualdade racial também contribuiu para a manutenção dos preconceitos, propagação das visões deturpadas da constituição étnica e cultural da sociedade brasileira e constituição e deflagração da ideologia e do processo de branqueamento. Em meados dos anos 1990, a discussão sobre a questão da diversidade étnica e cultural no Brasil é difundida através dos movimentos sociais e chega ao sistema de
6 ensino por meio de pesquisas e linhas teóricas educacionais. As diferenciadas vertentes problematizam e reivindicam da escola e do Estado um posicionamento político que contribua para a construção de uma sociedade de fato democrática e justa. Neste sentido, diversos documentos foram criados tendo em vista atender as demandas da sociedade brasileira por uma educação que privilegie a diversidade etno­ cultural, como por exemplo, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s), em 1998, cujo projeto admite primeiramente a existência de diferentes etnias e culturas, assim como as desigualdades injustiças e discriminações, que encontram no ambiente escolar o espaço para a sua reprodução. No caso do ensino da História e Cultura Africana, cabe aqui citar que o educador se verá diante de diversos desafios. Os professores incumbidos da missão do ensino da matéria africana se verão obrigados a, durante longo tempo, demolir os estereótipos e preconceitos que povoam as abordagens sobre essa matéria. Também terá de defrontar com os novos desdobramentos da visão hegemônica mundial que se manifesta por meio das “novas” idéias que legitimam e sustentem os velhos preconceitos. O educador desempenha um papel social importante na (re)construção das identidades individuais de seus educandos, dentro desta perspectiva a sua atuação diante da diversidade étnica e cultural tanto pode contribuir para a preservação e legitimação dos preconceitos quanto para a sua reconstrução. As discussões em torno da diversidade sócio­cultural e das questões étnico­ raciais desenvolvidas ao longo do século XX pelos movimentos sociais, em especial o Movimento Negro, culminaram com a criação em janeiro de 2003 da Lei 10.639, que veio de encontro às demandas da comunidade afro­brasileira por políticas de reparação dos danos sofridos ao longo de séculos de exclusão, preconceito, discriminação e desigualdades, inclusive através de discursos, materiais e livros didáticos escolares. A lei 10.639 provocou um movimento em direção a ressignificação de práticas educacionais, no sentido de pautá­las na valorização da imagem da população negra e reafirmar as suas contribuições na formação nacional. A obrigatoriedade de inclusão de História e Cultura Afro­Brasileira e Africana nos currículos de Educação Básico configura­se com uma decisão política, com fortes repercussões pedagógicas, inclusive na formação de professores. Além de garantir vagas para negros nos bancos escolares, é preciso valorizar devidamente a história e cultura de seu povo, buscando reparar danos, que se repetem há cinco séculos, a sua identidade e a direitos seus.
7 A Lei Nº.10.639/03 constitui­se em elemento essencial no processo de construção/reconstrução, conhecimento/reconhecimento e valorização de diferentes perspectivas e compreensões concernentes a formação e às configurações da sociedade brasileira contemporânea, no sentido de desconstruir as significações e representações preconceituosas e racistas que tem se configurado nos conteúdos didáticos e no espaço da escola. (Valetim e Backes , 2007, p.3) O cumprimento da lei aponta para a construção de caminhos possíveis de (re)construção de um lugar social de direito do sujeito negro na história, quando busca impulsionar práticas contextualizadas e conscientes quanto às desigualdades raciais e sociais existentes na realidade brasileira. Prática esta que supere a mera reprodução de discursos e/ou imobilidade e/ou negação e/ou omissão, mas que seja acompanhada de um posicionamento político frente a estas questões. Trazer a história do negro para dentro da sala de aula não significa redirecionar o foco etnocêntrico, mas trazer para o centro do debate as ideologias que colaboram e embasam a negação social das tensões e desigualdades étnico­raciais que se reproduzem também no ambiente escolar. Cabe à todos, inclusive os professores, discutir a necessidade de um posicionamento político frente às questões étnico­raciais dentro do ambiente escolar, onde os preconceito se discriminações se reproduzem muitas vezes de forma explícita, sem receber o tratamento devido. Uma educação que priorize a construção de relações étnico­raciais pautadas na igualdade e liberdade de condições de existência e participação incide não somente sobre a afirmação das identidades, como também sobre o imaginário social. A Lei 10639/03 surge no bojo do debate da implantação das políticas de ações afirmativas para a população negra que, embora reivindicadas pelo movimento social negro, compõem o discurso estratégico dos organismos internacionais que defendem a instituição de políticas sociais focalizadas para os mais pobres, entre quais, os negros. Compreendendo as desigualdades raciais como um dado importante da realidade brasileira e como um subproduto da dinâmica da sociedade capitalista, procura­se estabelecer relações entre a superação das desigualdades raciais e as desigualdades sociais, propondo, assim, na luta política, a aliança entre a luta racial e a luta de classes. Neste contexto, a Lei 10639/03 pode configurar­se como um instrumento de luta para o questionamento da ordem vigente, na medida em que coloca em xeque construções ideológicas de dominação, fundadoras da sociedade brasileira.
8 2.4 CONTEXTUALIZANDO O RECONHECIMENTO E A VALORIZAÇÃO DO NEGRO NAS INSTITUIÇÕES ESCOLARES E NA REALIDADE BRASILEIRA Mesmo existindo ainda, sérias barreiras à cultura afro­brasileira nas escolas, os avanços alcançados até hoje são importantíssimos, pois é na Educação Infantil que são formados os primeiros embriões dos valores humanos, costumes e princípios éticos, e é neste momento que as manifestações racistas e discriminatórias poderão ser combatidas com eficácia. É necessário trabalhar a discussão da diversidade já na infância. Se a criança não for preparada desde cedo, dificilmente romperá com os preconceitos possivelmente presentes em seu meio e tenderá a repetir os padrões de discriminação que aprender. A luta pela superação do racismo e da discriminação racial é, pois, tarefa de todo educador, independente do seu pertencimento étnico­racial, crença religiosa ou posição política. Em um país como o Brasil, que ainda conserva uma herança escravocrata enorme, as desigualdades enraizadas pelas políticas econômicas e públicas, principalmente na área social, revestem­se de uma importância que não podem ser desconsideradas. O Brasil, a partir da sua história de colonização, nunca obteve uma identidade autêntica, uma pluralidade de identidades construídas por diferentes grupos sociais em diferentes momentos históricos (ORTIZ, 2003). Na escola, é um desafio desenvolver novos espaços pedagógicos que propiciem a valorização das múltiplas identidades que integram a identidade do povo brasileiro. Atualmente, mesmo percebendo várias mudanças, ainda ocorre o preconceito, principalmente no que se refere à postura da escola em relação às etnias raciais, apesar de importância e diversidade dos trabalhos sobre relações étnicas raciais e educação; ainda faltam muitos aspectos a serem descobertos. Diante da complexidade da realidade brasileira e da forma pela qual o racismo se expressa na escola, a inclusão clara, transparente e global ainda continua distante da realidade. Como a educação das relações étnico­raciais tem por objetivo divulgar e produzir conhecimentos, atitudes, posturas e valores que enfatizem a pluralidade étnico­
9 racial, capacitando as crianças para interagir no sentido de respeitar as diferenças e valorizar as identidades, fica evidente que todos os esforços devem ser feitos para viabilizar uma educação que de fato seja um marco no tratamento das questões da infância e das diversas variáveis étnico­raciais. Professores e demais profissionais educacionais que circundam a pré­escola, com o intuito de educar na diversidade, devem oferecer oportunidade para que as crianças façam sua interpretação do mundo. Por isso, as salas de pré­escola e classes iniciais devem ser de fato um ambiente prazeroso, onde são oferecidos e trabalhados todos os tipos de materiais para que, através da observação, comparação, classificação e reflexão, as crianças possam descobrir a importância da cultura, das manifestações artísticas, das crenças, rituais afro­brasileiras, procurando se apropriar delas, e assim, construir conhecimentos históricos importantes para a própria luta social. Tendo em vista, população brasileira e sua evidente pluralidade, não se pode mais permitir que tantas crianças e jovens neguem sua identidade porque não conhecem sua história. A escola brasileira precisa conhecer e vivenciar a diversidade de seus alunos, e principalmente permitir que a escola seja um instrumento de alfabetização, mas também um instrumento de crescimento cultural, de descoberta de experiências étnicas­ raciais. É primordial, entretanto, que na primeira etapa da educação básica, definida pela Lei de Diretrizes e Bases (LDB) que os educadores propiciem as crianças atividades que desenvolvam suas potencialidades no aspecto cognitivo, afetivo, psicomotor e social. O preconceito racial e a discriminação, infelizmente, se proliferam nas escolas, através de mecanismos ou funcionamento do ritual pedagógico entendido como a materialização da prática pedagógica, exclui dos currículos escolares a história de luta dos negros na sociedade brasileira. "É flagrante a ausência de um questionamento crítico por parte das profissionais da escola sobre a presença de crianças negras no cotidiano escolar. Esse fato, além de confirmar o despreparo das educadoras para relacionarem com os alunos negros evidencia, também, seu desinteresse em incluí­los positivamente na vida escolar. Interagem com eles diariamente, mas não se preocupam em conhecer suas especificidades e necessidades" (CAVALLEIRO, 2000, p. 35). As conseqüências destas atitudes racistas e irracionais nas vidas de milhões de crianças e jovens brasileiros são inegáveis e os problemas e deficiências podem ser
10 vistos, ainda nas questões curriculares. As escolas adotam um currículo que encobre e mascara os principais objetivos do ensino e aprendizagem, o currículo promove a transmissão de valores, de princípios de conduta e das normas de convívio, dos padrões sócio­culturais inerentes à vida comunitária, no entanto o faz de maneira informal e não explícita, permitindo sempre uma afirmação positiva da identidade de um determinado grupo social em detrimento de outros. É importante incorporar nos currículos da pré­escola, práticas e metodologias que possibilitem a construção de um sentimento de identificação, que regaste a história dos negros, sua herança africana e sua importância na formação do Brasil. É imprescindível que o padrão sócio­cultural dos alunos tenha relação visível com o currículo escolar. Por intermédio da matriz africana, jovens e crianças devem reproduzir e recriar, em sua experiência cotidiana, na vida familiar e nas celebrações grupais, os valores que são passados de geração para geração. As populações afro­brasileiras precisam de um currículo democrático que reconheça a importância de se incorporar valores da tradição afro­brasileira, principalmente na educação infantil, na criação de espaços para a participação, para cantar, dançar, partilhar. É possível por meio de narrativas, teatros, brincadeiras e afins, resgatar por exemplo, os mitos sobre orixás, falar dos heróis da comunidades, das festas, etc. Em se tratando da literatura infanto­juvenil, as imagens ilustradas também constroem enredos e cristalizam percepções. É importante perceber, como os negros são representados nas histórias infantis. É preciso ter orgulho de ser negro, e somente através de uma releitura dos elementos que compõem as culturas negras no Brasil é que se pode tentar um meio, um aprofundamento pedagógico, que encaminhe para uma pedagogia genuinamente brasileira, capaz de resgatar para todos os brasileiros uma cultura própria, considerada até agora marginal, mas que responde pela identidade cultural do país, estando presente em todos os setores da sociedade. O pleito por reparações visa a que o Estado e a sociedade adotem medidas para ressarcir os descendentes de africanos negros, dos danos psicológicos, materiais, sociais, políticos e educacionais sofridos sob o regime escravista, bem como em virtude das políticas explícitas ou tácitas de branqueamento da população, de manutenção de privilégios exclusivos para grupos com poder de governar e de estimular a formulação de políticas, no pós­abolição, e que estas medidas se concretizem em iniciativas de combate ao racismo e a toda sorte de discriminações.
11 Políticas de reparações voltadas para a educação dos negros devem oferecer garantias a essa população de ingresso, permanência e sucesso na educação escolar, de valorização do patrimônio histórico­cultural afro­brasileiro, de aquisição das competências e dos conhecimentos tidos como indispensáveis para continuidade nos estudos, de condições para alcançar todos os requisitos tendo em vista a conclusão de cada um dos níveis de ensino, bem como para atuar como cidadãos responsáveis e participantes, além de desempenharem com qualificação uma profissão. O reconhecimento do negro implica justiça e iguais direitos sociais, civis, culturais e econômicos, bem como valorização da diversidade daquilo que distingue os negros dos outros grupos que compõem a população brasileira. E isto requer mudança nos discursos, raciocínios, lógicas, gestos, posturas, modo de tratar as pessoas negras. Requer também que se conheça a sua história e cultura apresentadas, explicadas, buscando­se especificamente desconstruir o mito da democracia racial na sociedade brasileira; mito este que difunde a crença de que, se os negros não atingem os mesmos patamares que os não negros, deve­se a falta de competência ou de interesse, desconsiderando as desigualdades seculares que a estrutura social hierárquica criou com prejuízos para os negros. Reconhecimento requer a adoção de políticas educacionais e de estratégias pedagógicas de valorização da diversidade, a fim de superar a desigualdade étnico­racial presente na educação escolar brasileira, nos diferentes níveis de ensino. Exige que se questionem relações étnico­raciais baseadas em preconceitos que desqualificam os negros e salientam estereótipos depreciativos, palavras e atitudes que, velada ou explicitamente violentas, expressam sentimentos de superioridade em relação aos negros, próprios de uma sociedade hierárquica e desigual. É necessário ter consciência da valorização e respeito às pessoas negras, à sua descendência africana, sua cultura e história. Significa buscar, compreender seus valores e lutas, ser sensível ao sofrimento causado por tantas formas de desqualificação: apelidos depreciativos, brincadeiras, piadas de mau gosto sugerindo incapacidade, ridicularizando seus traços físicos, a textura de seus cabelos, fazendo pouco das religiões de raiz africana. Implica criar condições para que os estudantes negros não sejam rejeitados em virtude da cor da sua pele, menosprezados em virtude de seus antepassados terem sido explorados como escravos, não sejam desencorajados de prosseguir estudos, de estudar questões que dizem respeito à comunidade negra.
12 O sucesso das políticas públicas de Estado, institucionais e pedagógicas, visando a reparações, reconhecimento e valorização da identidade, da cultura e da história dos negros brasileiros depende na maioria das vezes de condições físicas, materiais, intelectuais e afetivas favoráveis para o ensino e para aprendizagens; ou seja, todos os alunos negros e não negros, inclusive seus professores, precisam sentir­se valorizados e apoiados. Depende também, de maneira decisiva, da reeducação das relações entre negros e brancos, o que aqui estamos designando como relações étnico­raciais; e do trabalho conjunto, de articulação entre processos educativos escolares, políticas públicas, movimentos sociais, visto que as mudanças éticas, culturais, pedagógicas e políticas nas relações étnico­raciais não se limitam à escola. Combater o racismo, trabalhar pelo fim da desigualdade social e racial, empreender reeducação das relações étnico­raciais não são tarefas exclusivas da escola. As formas de discriminação de qualquer natureza não têm o seu nascedouro na escola, porém o racismo, as desigualdades e discriminações correntes na sociedade perpassam por ali. Para que as instituições de ensino desempenhem a contento o papel de educar, é necessário que se constituam em espaço democrático de produção e divulgação de conhecimentos e de posturas que visam a uma sociedade justa. A escola tem papel preponderante para eliminação das discriminações e para emancipação dos grupos discriminados, ao proporcionar acesso aos conhecimentos científicos, a registros culturais diferenciados, à conquista de racionalidade que rege as relações sociais e raciais, a conhecimentos avançados, indispensáveis para consolidação e concerto das nações como espaços democráticos e igualitários. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante da realidade escolar brasileira e de sua dinâmica, é inevitável perceber os vestígios do racismo que vigora na sociedade brasileira nas formas como os docentes lidam com os conceitos discriminatórios, sendo possível assim afirmar que as políticas públicas ainda são principiantes institucionalmente. Há a necessidade de se formar educadores preparados para lidar com a diversidade cultural em sala de aula, mas acima de tudo, preparados para criticar o currículo e suas práticas. Os profissionais que trabalham com a pré­escola devem se conscientizar que o seu trabalho não é só preparar estas crianças para as séries iniciais
13 do ensino fundamental, mas para o resto da vida, pois é no período de zero a seis anos que são lançadas as bases para todas as aprendizagens futuras. Não se trata de educar todos como iguais, mas sim educar na diferença, ressaltando as especificidades. Não se trata apenas de respeitar a consciência negra, mas de resgatar as demais etnias de uma educação envenenada pelos preconceitos. As memórias que vieram da África, e que hoje se encontram intimamente entrelaçadas em várias dimensões do simbolismo brasileiro, pertencem a todos, sejam brancos ou negros. Para obter êxito na prática da Lei 10.369/2003, a escola e seus professores não podem improvisar. Têm que desfazer­se da mentalidade racista e discriminadora secular, superando o etnocentrismo europeu, reestruturando relações étnico­raciais e sociais, desalienando processos pedagógicos. Isto não pode ficar reduzido a palavras e a raciocínios desvinculados da experiência de ser inferiorizados, vivida pelos negros, tampouco das baixas classificações que lhe são atribuídas nas escalas de desigualdades sociais, econômicas, educativas e políticas. 4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto/secretaria de Educação Fundamental. Par âmetros Cur r icular es Nacionais. Brasília: MEC/SEF, 1998. CAVALHEIRO, Eliane. Do silêncio do lar ao silêncio escolar: Educação e Poder ; racismo, preconceito e discriminação na Educação Infantil. São Paulo, Summus, 2000. MOURA, Glória. O Dir eito à Diferença. In. Super ando o Racismo na escola. 2º edição revisada. ORTIZ, Renato. Cultura Brasileir a e Identidade Nacional. São Paulo, Brasiliense, 2003. PEREIRA, Amauri Mendes. Escola ­ espaço pr ivilegiado para a construção da cultur a de consciência negra. In: ROMÃO, Jeruse (Org.) História da Educação do Negro e outras histórias. Brasília: MEC/SEC, 2005. COSTA, J. F. " Da cor ao cor po a violência do racismo" In: Violência e Psicanálise. Rio de Janeiro: Graal FERREIRA, R.F. Afro­descendente, identidade em construção. São Paulo: EDUC Rio de Janeiro: Pallas, 2000.
14 BERGER, Peter L. Per spectivas Sociológicas: uma visão humanística. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 1986, p.78­136. DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA A EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO­RACIAIS E PARA O ENSINO DE HISTÓRIA E CULTURA AFRO­BRASILEIRA E AFRICANA. Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. MEC, Brasília, DF, Outubro/2004. ROCHA, Luiz Carlos Paixão da. Políticas Afirmativas E Educação: A Lei 10639/03 No Contexto Das Políticas Educacionais No Brasil Contemporâneo. Curitiba. 2006. VALENTIM, Rute Martins; BACKES José Licínio. A Lei 10.639/03 e a Educação Étnico­Cultural /Racial: Reflexões Sobr e Novos Sentidos Na Escola. 2006. WEDDERBURN, Carlos Moore. Novas Bases Para o Ensino da Histór ia da Áfr ica no Brasil. In: Educação anti­racista: caminhos aber tos pela Lei Feder al nº. 10.639/03. Brasília: MEC/SECAD, 2005.
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CP02 - O Estado e as Politicas Educacionais no Tempo Presente