FATORES PSICOLÓGICOS ENVOLVIDOS NA INFERTILIDADE POR ENDOMETRIOSE: UM ESTUDO DE CASO. Questões Sociais, Culturais e Históricas da Infertilidade. A história ontológica do homem tem sido feita marcada por um divisor de águas: o nascimento de um filho. Da mesma maneira que gerar e conceber proporcionam transformações nas estruturas familiar e pessoal dos cônjuges, também o fato de não poder gerar filhos leva a uma reorganização da rede de significados. Se no desenrolar do caminho traçado como natural houver algum impedimento, o casal terá de se defrontar com a necessidade de dialogar com essa realidade tantas vezes frustrante e amedrontadora. Para desvendar como se dá esse enfrentamento, é preciso considerar as simbologias e crenças que se constroem em torno do filho biológico por parte do homem e da mulher. Estes, quando se defrontam com a Infertilidade, têm suas auto-imagens distorcidas, sendo necessário maleabilidade para reconstruí-las. Infertilidade e Endometriose A Infertilidade conjugal é uma dificuldade procriativa que atinge de 3 a 12% dos casais. Sua determinação se dá após dois anos de intercurso sexual dos cônjugues, sem o uso de métodos contraceptivos, sem ter havido neste período a concepção (ou esta ter chegado ao fim). Segundo a Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO, 1997) esta problemática pode ser classificada como primária se a mulher nunca concebeu, ou como secundária, se ela já concebeu anteriormente mas não volta a fazê-lo. A Endometriose é uma ginecopatia que acomete mulheres em idade reprodutiva, principalmente na quarta década de vida. Esta patologia, que afeta 15% da população feminina, sendo responsável por aproximadamente 35% dos casos de Infertilidade, é caracterizada pela formação, crescimento e estabelecimento de tecido endometrial fora da cavidade uterina. Com relação à atuação da Endometriose na etiopatogênese da Infertilidade, Navarro, Barcelos e Silva (2006) relatam que 20% a 50% das mulheres inférteis têm Endometriose, enquanto que 30% a 50% das mulheres com Endometriose são inférteis. Infertilidade e Psicologia A Infertilidade carrega fatores psicológicos que poderiam ser responsáveis pela sua constituição, forma de desenrolar e manutenção, ou então medrariam como suas seqüelas. Estas são questões obscuras que a Psicologia e a Medicina têm tentado desvendar. Frente a essa demanda existem duas correntes de pensamento: a que classifica a Infertilidade como geradora de dificuldades psicológicas; e a que caracteriza os problemas psicológicos como desencadeadores da Infertilidade – hipótese psicogênica. Basicamente, a primeira vertente apregoa que toda situação vivida em decorrência da Esterilidade, por ser acompanhada de uma forte carga de sentimentos, deixa impresso na psique dos indivíduos (casal) conflitos extenuantes que dificultam o êxito dos tratamentos médicos. A segunda proposição compreende os conflitos decorrentes de frustrações maternais experienciadas durante a infância por determinadas mulheres como agentes dinâmicos que, atuando no cenário psicológico, lançariam mão de todos os artifícios possíveis para que a concepção não fosse atingida. Os rechaços e resistências sofridas não permitiriam que a mulher identificasse em sua mãe a representação feminina à qual ela mesma mais tarde deveria ser arregimentada. Para Langer (1986) o maior empecilho para que a filha abrace a sua maternidade está na dificuldade que ela possui de se identificar com sua própria mãe em seu papel maternal. Desprovida da figura que a ajudaria abraçar sua feminilidade, esta é tomada como sendo nociva e, conseqüentemente, tudo ligado à ela – inclusive a maternidade – passa a ser evitado com vigor. Conscientemente a mulher não conseguiria consentir com essa situação e, assim, ela a reprime e passa a gerar artifícios para que a sua feminilidade não seja colocada em xeque; a Infertilidade seria um desses recursos. Então, “lesões”, que a princípio não eram anatômicas ou funcionais, passam a alterar o funcionamento orgânico da mulher. Moreira, Lima, Souza e Azevedo (2005) mostraram que casais inférteis são acometidos por altos níveis de stress; portanto a Infertilidade seria vivenciada como um evento estressor. De acordo com muitas pacientes que tiveram de enfrentar a Esterilidade e seu tratamento, a ansiedade, a raiva, o medo, a baixa auto-estima e a tristeza são constantes durante o desenrolar deles (Palácios & Aguirre, 2002). Somados estes elementos psicológicos, chega-se a um produto afetivo potencialmente devastador, capaz de afetar a função ovariana, dificultando ainda mais o êxito da concepção. O acompanhamento de mulheres inférteis revelou um passado muito semelhante: presença de mães negligentes, frias, mantenedoras de um relacionamento mãe/filha distanciado; o nascimento de novos irmãos. Essas pacientes trazem consigo uma severa dificuldade para cingirem-se do seu papel maternal e de sua feminilidade. Em idade adulta elas podem, a princípio, demonstrar um desejo obsessivo de engravidar; porém, as carências infantis não supridas fazem com que a psique aja inconscientemente de modo a malograr qualquer tentativa de concepção. A infecundidade seria, então, resposta defensiva da mulher, que lhe concede a oportunidade de manter inalterada essa postura ambivalente frente à maternidade (Dominguez, 2002). Devido a essas considerações, os pesquisadores propõem um modelo psico-biológico integrado de abordagem da Infertilidade; atentando para os possíveis efeitos que o desejo não realizado da maternidade teria sobre o corpo, a rede de relacionamentos, e a própria psique, não só da mulher mas também de seu companheiro (Apfel & Keylor, 2002). Frente a essas premissas, o presente trabalho visa apresentar um estudo de caso de uma mulher infértil devido à Endometriose, em que foi investigada a sua imagem corporal e as características de personalidade, a fim de averiguar a presença de fatores psicológicos que, em conjunto, com os orgânicos, contribuiriam para a manutenção do quadro de Infertilidade ou dificultariam o seu tratamento. A paciente vem sendo atendida no Ambulatório de Ginecologia e Obstetrícia de um hospital público do interior do estado de São Paulo, e não há suspeita de etiologia masculina envolvida na Infertilidade do casal. A coleta de dados foi feita mediante a aplicação de uma entrevista semi-estruturada referente à história de vida das pacientes, e de dois testes psicológicos, um deles destinado à avaliação intelectual (Teste das Matrizes Progressivas de Raven – Escala Geral) corrigido de acordo com os preceitos expostos em seu manual (Raven, 1938) e o outro à imagem corporal (Procedimento do Desenho da Figura Humana), analisado segundo o método da livre inspeção, aliado às diretrizes interpretativas propostas por Buck (2003). Cada uma das entrevistas está sendo submetida a uma interpretação de base psicanalítica, sendo que ao final será realizada uma síntese de cada grupo, destacando as suas semelhanças e diferenças. Este estudo de caso é referente a uma mulher, tratada como V., de 27 anos, casada, diagnosticada como infértil em decorrência de um quadro de Endometriose. V. respondeu a uma entrevista semi-estruturada sendo que por meio da análise dos dados obtidos a partir deste instrumento verificou-se que a participante trata-se há mais de um ano e meio, vivenciado este processo de modo ambíguo, ora gerador de sofrimento psicológico, ora fonte de esperança; em determinados momentos V. se referiu ao tratamento médico que realiza como a grande oportunidade para que sua dificuldade procriativa fosse contornada e a tão sonhada maternidade se concretizasse. Contudo, a realização de tal tratamento também gera sentimentos de angústia, preocupação e tristeza uma vez que ele seria compreendido como a “prova concreta” de que V. apresenta uma séria ginecopatia; além disso, não há certezas quanto ao êxito de tal procedimento. Foi identificada uma infância e adolescência marcada por dificuldades econômicas, e escassez material-emocional, dado que as relações estabelecidas com as figuras paternais se configuraram como frustrantes, não supridoras das necessidades. A relação conjugal é trazida como positiva: o companheiro de V. acompanha-a em todo processo de tratamento e divide com ela o desejo, as angústias e sonhos em torno do “futuro herdeiro”. A vivência emocional manifestada por V. foi considerada superficial com forte recalcamento, de maneira que a sexualidade também se encontrava sob interdição de intensa moralidade superegóica. V. realizou o procedimento do Desenho da Figura Humana, sendo que os dados obtidos corroboram com a hipótese de dificuldades de integração afetiva, exacerbada ação superegóica com empobrecimento da capacidade simbólica com perdas no aspecto da pessoalidade e da expressão individual. Dessa feita, verificou-se a presença de comprometimentos na esfera afetiva de V., além de um embotamento interior que, aparentemente, coíbe expressões mais pessoais e autenticas das vivências emocionais e da própria imagem corporal. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS FEDERAÇÃO BRASILEIRA de GINECOLOGIA e OBSTETRÍCIA, 1997. NAVARRO, P. A. 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Desenho da Figura Humana - Escala Sisto (DFH-Escala Sisto).