Universidade Federal do Rio de Janeiro
Estudo sobre o polimorfismo da enzima álcool desidrogenase (gene ADH1C) e a
dependência ao álcool em uma população da cidade do Rio de Janeiro
André Soares Rebello
Dissertação de Mestrado apresentada à coordenação
do Curso de Pós-Graduação em Clínica Médica da
Faculdade de Medicina da Universidade Federal do
Rio de Janeiro
Orientadora:
Maria da Glória da Costa Carvalho
Rio de Janeiro
Fevereiro 2009
Rebello, André Soares.
Estudo sobre o polimorfismo da enzima álcool desidrogenase (gene
ADH1C) e a dependência ao álcool em uma população da cidade do Rio de
Janeiro / André Soares Rebello – Rio de Janeiro: UFRJ / Faculdade de
Medicina, 2009.
xviii, 70 f. : il. ; 31 cm
Orientador: Maria da Glória da Costa Carvalho.
Dissertação (mestrado) -- UFRJ, Faculdade de Medicina, Programa
de Pós-graduação em Clínica Médica, 2009.
Referências bibliográficas: f. 54-58.
1. Polimorfismo genético. 2. Etanol - metabolismo. 3. Etanol farmacologia. 4. Álcool desidrogenase. 5. Alcoolismo - genética.
6. Predisposição genética para doença. 7. Reação em cadeia da polimerase
- métodos. 8. Estudos de casos e controles. 9. Rio de Janeiro. 10. Clínica
Médica - Tese. I. Carvalho, Maria da Glória da Costa Carvalho.
II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Medicina,
Programa de Pós-graduação em Clínica Médica. III. Título.
ii
Estudo sobre o polimorfismo da enzima álcool desidrogenase (gene ADH1C) e a
dependência ao álcool em uma população da cidade do Rio de Janeiro
André Soares Rebello
Orientadora: Maria da Glória da Costa Carvalho
Dissertação de mestrado apresentada à coordenação do Curso de Pós-graduação em
Clinica Medica da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro
como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Clínica Medica
Aprovada em 12 de Fevereiro de 2009
Banca examinadora:
____________________________________________________________
Profa. Diana Maul de Carvalho
___________________________________________________
Profa. Nathalie Henriques Silva Canedo
______________________________________________________________
Profa. Celeste Carvalho Siqueira Elia
Suplentes:
___________________________________________________
Prof. Januário Bispo Cabral Neto (suplente)
______________________________________________________
Profa. Patrícia Rieken Macedo Rocco (Suplente)
Rio de Janeiro
Fevereiro 2009
iii
Este trabalho foi realizado no Laboratório de Controle da Expressão
Gênica do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, sob a orientação da Profa.
Dra. Maria da Glória da Costa Carvalho e na vigência de auxílio concedido pelo
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
iv
Dedico este trabalho aos meus pais e a todos
os alcoólicos que ainda sofrem desta
enfermidade
v
A realização desta tese somente foi possível graças à inestimável
colaboração dos Alcoólicos Anônimos (AA) do Rio de janeiro que, prontamente,
atenderam à nossa solicitação, além de prestigiar e reconhecer a importância
médica da realização deste trabalho.
Os meus sinceros e profundos agradecimentos.
vi
Agradecimentos
No sexto dia Deus criou o homem à sua imagem e semelhança. Agora
cabe a nós entender tudo isso. O certo, o errado e tudo que está no meio. Em
cada um de nós está a capacidade de decidir o que move nossas ações. Então
o que é isso que faz com que uns escolham a necessidade de se devotarem a
algo maior? Há aqueles que veem suas descobertas como a prova obscura da
ausência de Deus enquanto outros as veem como uma maravilhosa
confirmação de que “há mais mistérios entre o céu e a terra do que sonha
nossa vã filosofia”. Podemos esperar algum dia entender a força da alma?
Mas no final o que escolhemos ver é sempre aquilo que precisávamos
ver por pior que seja. E essa é a mais irônica das brincadeiras cósmicas. O
verdadeiro presente que Deus nos deu. O livre arbítrio para fazer, não o que
queremos, mas sim o que podemos.
Sempre nos depararemos com questões difíceis. E o impulso que nos
move em direção ao conhecimento, é aquele gosto que se sente ao juntar mais
uma pequenina peça do grande quebra-cabeça da vida. Mesmo que
permaneça mal encaixada e duvidosa. Na pesquisa médica podemos sentir um
gosto que talvez venha com um algo a mais pois, ao juntarmos essa peça,
estamos também dando mais um passo para alcançar recursos que ajudarão
pessoas em seus sofrimentos, desde uma simples técnica nova de sutura até
complexas estruturas moleculares envolvidas no mecanismo de doenças
mortais.
vii
Este trabalho se iniciou com um sofrimento e a busca incansável pelo
seu acalento.
Agradeço, inicialmente, ao Poder Superior pela oportunidade de estar
vivo, pela necessidade de lutar para me manter assim e por manter vivo dentro
de mim o furor pela descoberta que é, em outras palavras, o furor por entrar em
contato com a própria existência.
Agradeço muito à minha orientadora Maria da Glória da Costa Carvalho
por
sua
enorme
compreensão
com
minhas
dificuldades
e
o
meu
reconhecimento da sua competência extrema para a árdua carreira de
pesquisadora, a qual desempenha de maneira exemplar.
Agradeço aos meus pais por manterem seus braços abertos para mim
não importando o que acontecesse, pelo seu apoio e companheirismo desde o
momento do meu nascimento e por nunca desistirem de mim sempre me
levantando e caminhando comigo mesmo que muletas fossem necessárias.
Gostaria de agradecer, ainda ao Dr. Jorge Jaber e a toda a sua equipe
por me ensinarem sobre a terrível vida de sofrimentos que leva um alcoólico e
a milagrosa e fantástica benção de sua recuperação.
Gostaria de deixar registrado os meus agradecimentos àqueles que
contribuíram para a minha formação e realização deste trabalho tais como: o
Prof. Francisco de Oliveira Carvalho e à Profa. Nathalie Henriques Silva
Canedo; aos amigos Paulo Costa Carvalho, Juliana Fisher Carvalho e ao
Marcelo Soares da Mota e Silva, sempre tão solícito em me ensinar as técnicas
tão preciosas. Nossos agradecimentos se estendem também ao Laboratório de
Virologia Molecular II do Instituto de Microbiologia Professor Paulo de Góes
viii
pelo apoio e amizade do Prof. Davis Fernandes Ferreira, do Marcelo Damião
Menezes e do João Baltazar.
Meu mais intenso desejo é que este trabalho ajude a trazer alguma luz à
caverna escura do alcoolismo.
ix
Senhor. Conceda-nos a serenidade necessária para aceitar as coisas que não podemos modificar, a coragem
para modificar aquelas que podemos e a sabedoria para distinguir uma das outras.
Oração da Serenidade
x
Sumário
Lista de Abreviatura....................................................................................
Resumo........................................................................................................
Abstract........................................................................................................
1.0 Introdução..............................................................................................
xiii
xv
xvii
1
1.1 Histórico..........................................................................................
1
1.2 Componentes da S.D.A.:................................................................
2
1.3 Aspectos Farmacocinéticos do Etanol............................................ 3
1.4 Metabolismo do Etanol...................................................................
4
1.5 Aspectos Farmacodinâmicos do Etanol.......................................... 9
1.51 Efeitos sobre o sistema nervoso central.......................................
9
1.6 Genética e alcoolismo..................................................................... 12
1.61 Genes para os receptores do ácido gama-amino-butírico ........... 13
1.62 Genes para receptores de dopamina...........................................
13
1.63 Genes para o transportador de dopamina....................................
14
1.64 Gene para o Neuropeptídio Y ......................................................
14
1.65 Genes relacionados ao metabolismo do etanol...........................
14
1.65a Genes relacionados à Aldeído desidrogenase...............
15
1.65b Genes relacionados à Álcool Desidrogenase..................
15
1.7 A Enzima Álcool Desidrogenase....................................................
15
1.7a O gene ADH1C..................................................................
22
2.0 Justificativa e Objetivos......................................................................
24
2.1 Justificativa.....................................................................................
24
2.2 Objetivo geral.................................................................................
25
2.3 Objetivos secundários....................................................................
25
xi
3.0 Material e Métodos .............................................................................
26
3.1 Desenho do Estudo......................................................................
26
3.2 Critérios de inclusão e exclusão no grupo de dependentes de
álcool..................................................................................................
26
3.3 Critérios de inclusão do grupo controle ......................................
27
3.4 Aspectos éticos.............................................................................
27
3.5 Coleta do material.........................................................................
27
3.6 Extração do DNA..........................................................................
28
3.7 Reação em cadeia pela polimerase (PCR)..................................
29
3.8 Análise do produto formado ........................................................
30
3.9 Coloração pela prata....................................................................
30
3.10 Análise estatística......................................................................
31
4.0 Resultados..........................................................................................
32
5.0 Conclusões.........................................................................................
48
6.0 Discussão............................................................................................
49
7.0 Referencias Bibliográficas.................................................................
53
8.0 Anexos.................................................................................................
58
8.1 Artigo publicado
8.2 Termo de consentimento livre e esclarecido
8.3 Questionário apresentado aos participantes do projeto
8.4 Seqüência e freqüência do gene ADH1C
xii
Lista de Abreviaturas, símbolos e unidades
A – Adenina
AA – Alcoólicos anônimos
ADH – Álcool desidrogenase
ALDH – Aldeído desidrogenase
AMPA – Ácido alfa-amino-3-hidroxi-5-metiloxazol-4-propiônico
°C – Grau Celsius
dNTP –Dinucleotídeo trifosfato
DRD2 – Receptor para Dopamina
EDTA – Etilenodiaminotetracetato de sódio
GABA – Ácido gama aminobutírico
G - Guanina
g – Grama
5-HT3 – 5-hidroxitriptamina-3
Ile – Isoleucina
MEOS – Microssomal ethanol oxidizing system
uL – Microlitro
mM – Milimolar
mg – Miligrama
ml – Mililitro
NAD – Nicotinamida adenina dinucleotídeo
NADH - Nicotinamida adenina dinucleotídeo reduzido
ng – Nanograma
NMDA – n-metil-d-aspartato
pb – Pares de Base
PCR - Reação em cadeia pela polimerase
PK – Proteinase K
ROS – Reactive oxigen species
rpm – Rotações por minuto
SDS – Sódio dodecil sulfato
SDA – Síndrome de dependência alcoólica
TBE – Tampão tris-acidobórico-EDTA
TEMED – Tetrametil-etilenodiamina
xiii
Tris – Tris-hidroximetil-aminometano
Val - Valina
xiv
Resumo
Estudo sobre o polimorfismo da enzima álcool desidrogenase (gene ADH1C) e a
dependência ao álcool em uma população da cidade do Rio de Janeiro
Introdução: O metabolismo do etanol ocorre, na sua maior parte no fígado e
envolve inicialmente a sua oxidação para aldeído acético pela ação catalítica
da enzima álcool desidrogenase (ADH) e posteriormente para acetato através
da enzima aldeído desidrogenase(ALDH). Resultados mais recentes têm
demonstrado uma estreita relação entre o polimorfismo do gene ADH (ADH
tipos 1-7) e o consumo de álcool. Sabe-se também que estas variações alélicas
causam alterações no metabolismo do etanol proporcionando proteção contra o
alcoolismo provavelmente devido aos efeitos tóxicos decorrentes do acúmulo
de aldeído acético na corrente circulatória. Outras variantes alélicas, por outro
lado, estão relacionadas a uma maior tendência ao desenvolvimento do
alcoolismo. O fenômeno varia com a população estudada. Dentre estes alelos
que levam à dependência alcoólica está o polimorfismo do gene ADH1C
denominado Ile349Val. Com o crescente progresso das técnicas de Biologia
Molecular este assunto tem sido atualmente investigado com maior facilidade e
seus resultados divulgados com bastante interesse na área acadêmica e na
Clínica Psiquiátrica.
Objetivo: Investigar o polimorfismo Ile349Val do gene ADH1C da enzima
álcool desidrogenase e a dependência ao álcool em indivíduos freqüentadores
dos Alcoólicos Anônimos.
Metodologia: Um total de 120 pessoas residentes na cidade do Rio de Janeiro
participou desse estudo. Os participantes foram divididos em dois grupos: o
primeiro grupo foi formado por 54 pessoas que freqüentam sistematicamente
as reuniões dos alcoólatras anônimos (grupo AA). O segundo grupo (66
pessoas) foi formado por indivíduos que assumiram não serem dependentes de
álcool (grupo controle).
Todos assinaram um questionário concordando em participar deste
estudo. As amostras foram obtidas de células de mucosa oral.O DNA foi
extraído dessas células utilizando-se a técnica do fenol clorofórmio e
xv
posteriormente amplificado pela reação em cadeia pela polimerase (PCR).Os
produtos obtidos foram caracterizados por eletroforese em gel de poliacrilamida
a 10% e corados pela prata. Os resultados foram analisados estatisticamente.
Resultados: O polimorfismo da enzima álcool desidrogenase ADH1C,
Ile349Val foi estudado em nossa amostra. Neste caso, o aminoácido isoleucina
substitui, na posição 349 do gene, a valina que é o aminoácido ancestral. Os
genótipos possíveis são Ile.Ile e Val.Val para os indivíduos homozigotos e
Ile.Val para os heterozigotos.A metodologia por nós utilizada mostrou-se
eficiente para este estudo. Nossos resultados não mostraram uma relação
entre o genótipo dos indivíduos controle e aqueles dos alcoólicos anônimos
(AA) Os indivíduos do grupo AA têm um número significativamente maior de
parentes alcoólicos que o grupo controle. Curiosamente, a análise do
polimorfismo dos indivíduos AA demonstrou uma relação entre o genótipo
destes indivíduos e o histórico familiar de alcoolismo. Entre os indivíduos AA
com
parentes
alcoólicos
predomina
o
tipo
Ile.Val.Esta
diferença
no
polimorfismo se encontra mais acentuada nos indivíduos AA do sexo
masculino.Não observamos este fenômeno no grupo controle.
Conclusões: Em nossos resultados não encontramos diferenças quanto ao
genótipo ADH1C em relação à amostra Controle e a dos Alcoólicos Anônimos.
Os dados são sugestivos de que a variante genética Ile.Val do gene ADH1C
possa estar associada ao histórico familiar de alcoolismo.
Rio de Janeiro
Fevereiro, 2009
xvi
Abstract
Study on Polimorphism of Alcohol Dehydrogenase enzime (gene ADH1C) and
alcohol dependence in a population of Rio de Janeiro City
Introduction: The metabolism of ethanol occurs almost entirely in liver and
involves the oxidation to acetaldehyde by the catalytic activity of the enzyme
alcohol dehydrogenase (ADH) and further to acetate, by acetaldehyde
dehydrogenase (ALDH). Recent studies have shown a close correlation
between the polymorphism of ADH gene (ADH types 1-7) and alcoholism. It is
also described that this allelic variation results in modifications of ethanol
metabolism and protection against the toxic effects of alcoholism. However,
these allelic variants have influence over the risk for alcoholism. The
phenomenon varies according to the population studied, and the presence of
polymorphism in the gene ADH1C designated Ile349Val can influence the risk
for alcoholism. With the increasing progress in molecular biology techniques
this subject has been contributing more effectively to the academic and clinical
psychiatry fields.
Objective: The aim of this study is to investigate the polymorphism of the
enzyme alcohol dehydrogenase ADH1C gene, Ile345Val and the alcohol
dependence in individuals attending Alcoholics Anonymous.
Methodology: A total of 120 subjects residing in Rio de Janeiro city participated
in this study. Subjects were divided into two groups: a group consisting of 54
individuals from the Alcoholics Anonymous meeting (AA group) in Rio de
Janeiro city and a control group (66) composed by individuals that declared not
having any alcohol dependency. Samples were obtained from mouth epithelial
xvii
cells (or mouth mucosa cells). DNA was extracted from these cells by phenolchloroform method and further submitted to amplification by polymerase chain
reaction (PCR). The PCR products were characterized by polyacrilamide gel
electrophoresis and the results analyzed statistically.
Results: The polymorphism of the alcohol dehydrogenase enzyme lle349Val
was studied. The mutation consists of a substitution of the valine at the position
349 to isoleucine. The possible genotypes are lle.lle and Val.Val to homozygotic
individuals and lle.Val for heterozygotic individuals. The methodology employed
in this study was appropriate for our objectives. Our results did not show a
correlation between the genotypes of control individuals and subjects attending
the alcoholics anonymous (AA). However, we identified a significative
correlation between the genotypes of the AA individuals and alcoholism history
in their family. The individuals of the AA group had a significative larger number
of family alcoholism than the control group. Also, the polymorphism analysis of
the AA individuals showed a correlation between the genotype of these
individuals and the existence or not of alcoholism in the family. In individuals
with alcoholic relatives the genotype lle.Val predominates, mainly in males.
Such phenomenon was not observed for the control group.
Conclusions: Our results did not show any genotype difference on the ADH1C
gene when control and AA genotypes are compared. Our data suggests that the
allele variant lle.Val of the ADH1C gene could be associated to a family history
of alcoholism.
Rio de Janeiro
February 2009
xviii
1 Introdução
1.1 Histórico
O álcool sempre ocupou uma posição privilegiada na maioria das
culturas e sociedades seja como elemento fundamental em rituais religiosos,
momentos de comemorações e confraternizações, veículo de remédios,
produtos químicos, fonte de água não contaminada, perfumes e até “poções
mágicas.”
O ato de consumir álcool é largamente aceito pelas sociedades atuais e,
em muitos casos, até incentivado. As bebidas alcoólicas, porém, não são um
produto comercial comum por apresentarem um caráter ambíguo. Se por um
lado podem trazer euforia e confraternização, seu uso exagerado pode gerar
um grave transtorno a nível individual ou em Saúde Pública.
Com a crescente produção e comercialização de bebidas alcoólicas
destiladas provenientes da revolução industrial, o conceito de alcoolismo
finalmente surge no século XVIII. Thomas Trotter foi o primeiro autor a referirse ao alcoolismo como doença.
1
Jellinek foi outro importante autor que, na
metade do século XX, trouxe uma grande contribuição para o conceito desta
dependência ao considerar o alcoolismo como doença apenas quando o
paciente apresenta tolerância, sintomas físicos e psíquicos desconfortáveis
durante a abstinência e perda de controle do uso. Em 1976, Edwards Griffith e
Milton Gross propuseram uma nova síndrome: a Síndrome da Dependência do
Álcool (S.D.A.).2,3
Os problemas relacionados ao consumo de bebidas alcoólicas devem
ser analisados sob uma perspectiva ampla já que existe uma grande
diversidade de padrões no comportamento em relação ao uso trazendo, como
1
conseqüência, um amplo espectro de sinais e sintomas. Em virtude deste fato,
torna-se muito difícil estabelecer um ponto de corte para caracterizar o
alcoolismo baseado apenas na quantidade de uso.
Atualmente prefere-se classificar os comportamentos problemáticos em
relação ao uso de bebidas alcoólicas baseado no padrão de comportamento do
paciente, de acordo com o seu consumo. Um padrão de comportamento se
destaca nesta classificação: A Síndrome de Dependência Alcoólica (SDA).
A S.D.A. é um processo de aprendizagem do modo de consumir a
bebida influenciado por fatores biológicos e sócio-culturais. Neste processo, um
dos fenômenos mais característicos é o surgimento de sintomas de abstinência
frequentemente associados à ingestão de bebida para aliviar esses sintomas.4
1.2 Componentes da S.D.A.:
•
Estreitamento do repertório
O paciente começa a beber com freqüência e em quantidades crescentes
sem se importar com a adequação do seu comportamento, até o estágio
onde o indivíduo consome de modo compulsivo e incontrolável para aliviar
os sintomas de abstinência não se importando com as conseqüências
negativas, psicológicas ou sociais.
•
Saliência do comportamento de busca pelo álcool
O paciente prioriza o ato de beber em detrimento de qualquer outro valor
como saúde, família e trabalho
•
Aumento da tolerância ao álcool
O paciente tem necessidade de doses crescentes de álcool para obter o
mesmo efeito e/ou capacidade de realizar atividades apesar de altas
concentrações sanguíneas de álcool.
2
•
Sintomas de abstinência
Físicos: tremores, náuseas, sudorese, cefaléia, tontura, etc...
Psicológicos: irritabilidade, ansiedade, fraqueza, inquietação e depressão.
Senso-percepção: pesadelos, ilusões, alucinações.
•
Alívio ou evitação dos sintomas de abstinência pelo aumento da
ingestão. O paciente admite que bebe pela manhã para sentir-se melhor
•
Percepção subjetiva da necessidade de beber
● Pressão psicológica para beber
•
Reinstalação rápida do quadro após período de abstinência
Quando ocorre uma recaída, o indivíduo rapidamente restabelece o padrão
antigo de comportamento.4
1.3 Aspectos Farmacocinéticos do Etanol
O etanol é absorvido rapidamente por não apresentar cargas elétricas e
ser altamente lipossolúvel.
Uma grande quantidade é absorvida no estômago e o restante no
intestino delgado. Uma fração do que acabou de ser ingerido já é removida do
sangue da veia porta por metabolismo hepático de primeira passagem. Como a
taxa de metabolização hepática do etanol satura com concentrações
relativamente baixas da substância, a fração de etanol removida diminui à
medida que a concentração aumenta. Assim, quando a absorção de etanol é
rápida e a concentração na veia porta é elevada, a maior parte do etanol
escapa para a circulação sistêmica. Por outro lado, quando a absorção é mais
lenta, uma quantidade maior é removida pelo metabolismo de primeira
3
passagem. Esse é um dos motivos pelos quais a ingestão de etanol com o
estômago vazio produz um efeito farmacológico muito maior.5
Cerca de 90% do etanol é metabolizado pelo fígado e 5 a 10% são
excretados, sem modificações, pelo ar expirado e urina. Essa fração excretada
pelos pulmões e pelos rins não é significativa em termos farmacocinéticos,
mas, através dela, pode-se estimar a concentração sanguínea de etanol por
dosagens, usando-se a respiração (“bafômetro”) ou urina. A concentração na
urina é mais variável e fornece uma medida menos precisa da concentração
sanguínea. 5
1.4 Metabolismo do Etanol
O metabolismo do etanol ocorre quase totalmente no fígado (90%)
enquanto os outros 10% seguem outras vias oxidativas.
A principal via metabólica constitui-se de oxidações sucessivas,
inicialmente em aldeído e, em seguida, em ácido acético. Estas reações são
catalisadas pelas enzimas denominadas álcool desidrogenase (ADH) e aldeído
desidrogenase (ALDH) (Fig. 1).
4
.
Figura 1- Esquema de oxidações sucessivas do Etanol.
A enzima álcool desidrogenase (ADH) catalisa a reação de oxidação do
etanol na presença da nicotinamida adenina dinucleotídeo (NAD) que é
reduzido à forma NADH gerando, como conseqüência, uma molécula de
acetaldeído. Este, por sua vez, é oxidado na presença da enzima aldeído
desidrogenase (ALDH) numa reação onde, novamente, NAD é reduzido a
NADH dando origem à uma molécula de acido acético [Fig. 1].
No consumo moderado, quase todo o etanol ingerido é metabolizado
pela ADH e ALDH. Porém, como o álcool muitas vezes é consumido em
grandes quantidades (comparativamente à maioria das outras drogas em geral,
como medicamentos, por exemplo), ele impõe uma carga substancial aos
sistemas oxidativos hepáticos. O NADH participa de outras reações
metabólicas passando o seu H+ a outros compostos logo, seu excesso pode
ter efeitos deletérios na célula. Ocorre, também, uma competição entre o etanol
e os demais substratos metabólicos pelas reservas disponíveis de NAD+. Isto
pode contribuir para a lesão hepática induzida pelo etanol.6
5
O aldeído acético, em si, é uma molécula tóxica e altamente reativa.
Quase todo aldeído acético produzido é convertido, no fígado, em acetato pela
aldeído-desidrogenase (ALDH) (Fig.1). Normalmente, apenas uma pequena
proporção de aldeído acético escapa do fígado resultando em uma
concentração sanguínea deste composto de 20 a 50 μM por litro após uma
dose de etanol suficiente para gerar intoxicação no homem.
Figura 1- Esquema de oxidações sucessivas do Etanol.
O ácido acético circulante em geral tem pouco ou nenhum efeito mas,
em determinadas circunstâncias que levem a uma diminuição da atividade
enzimática, suas concentrações podem aumentar muito e produzir efeitos
tóxicos. Este primeiro passo do metabolismo do etanol é muito importante e
poderia explicar, em parte,a menor ou maior tolerância ao álcool e assinala a
diferença no comportamento do indivíduo frente a esta bebida devido à sua
maior ou menor toxicidade. Essa maior ou menor tolerância é devida à
constituição genética do indivíduo em relação a esse metabolismo como
veremos detalhadamente adiante. Uma variante alélica da enzima ADH mais
6
rápida ou uma variante da ALDH mais lenta levaria ao acúmulo de aldeído
acético no sangue.7 Isto ocorre, por exemplo, quando a aldeído desidrogenase
é inibida por drogas como o Dissulfiram.5 Em presença de Dissulfiram, que não
produz nenhum efeito acentuado quando administrado isoladamente, o
consumo de etanol é acompanhado por uma grave reação, o “flushing”,8,9
caracterizada por rubor, taquicardia, hiperventilação, palpitações, náuseas,
vômitos e um grau considerável de pânico e angústia, devido ao acúmulo
excessivo de aldeído acético na corrente sanguínea. Essa reação é
extremamente desagradável mas não é lesiva e o Dissulfiram pode ser
utilizado como terapia de aversão para desestimular o consumo de álcool pelas
pessoas.5 Em 50% dos asiáticos, expressa-se uma variante genética inativa de
uma das isoformas da aldeído-desidrogenase (ALDH-1); esses indivíduos
apresentam uma reação semelhante à do Dissulfiram após a ingestão de
álcool, e a incidência de alcoolismo é extremamente baixa.8,9 É interessante
observar que uma das ervas chinesas tradicionalmente utilizadas para curar os
alcoólicos contém Daidzina, que, recentemente, mostrou corresponder a um
inibidor específico da ALDH-1. Cobaias, mantidas em laboratório com um
protocolo destinado a estimular o consumo do etanol, espontaneamente
consomem grandes quantidades de álcool. Foi demonstrado que a Daidzina
inibe acentuadamente o desta bebida.5
No sistema de oxidações sucessivas do etanol pelas enzimas ADH e
ALDH, a oxidação só é permitida em taxas limitadas independentemente da
concentração presente no fígado já que esta via metabólica é dependente da
quantidade de NAD+ disponível. Por este motivo, o sistema microssomal de
oxidação do etanol - MEOS (microssomal ethanol oxidising system) tem um
7
papel importante no metabolismo de pessoas que consomem etanol
excessivamente. A reação ocorre nos microssomos do retículo endoplasmático.
O principal componente do MEOS é a enzima citocromo P450 que, assim como
a ADH, converte o etanol em aldeído acético. A reação depende de oxigênio e
da nicotinamida adenina dinucleotídio fosfato reduzida (NADPH), resultando na
formação de NADP e água. Como produtos dessas reações, radicais livres de
oxigênio ou “reactive oxygen species” (ROS) são gerados e, por serem
altamente reativos, podem contribuir para o dano hepático.6
A taxa de degradação do etanol pela ADH permanece relativamente a
mesma. Contudo a atividade do MEOS cresce com o aumento do consumo de
álcool e como o MEOS não metaboliza apenas o etanol, sua atividade
aumentada pode alterar o metabolismo de certos medicamentos, alterando
seus efeitos (Fig.2).
8
Figura 2- Resumo esquemático do metabolismo do Etanol. Ilustração
modificada de página na internet.10
1.5 Aspectos Farmacodinâmicos do Etanol
1.5.1 Efeitos sobre o sistema nervoso central
Os principais efeitos do etanol ocorrem no sistema nervoso central. Apesar
do etanol, em concentrações farmacológicas efetivas, produzir um aumento
significativo da fluidez das membranas lipídicas semelhante aos efeitos dos
anestésicos voláteis, é provável que suas ações dependam mais de seus
efeitos sobre os canais iônicos e os receptores de membrana. Na célula, o
9
efeito do etanol é puramente depressor, embora aumente a atividade dos
impulsos – presumivelmente por desinibição – em algumas partes do sistema
nervoso central, principalmente nos neurônios dopaminérgicos mesolímbicos,
envolvidos nas vias de gratificação.5
O etanol potencializa a ação do ácido gama amino butírico (GABA) por
atuar
sobre
os
receptores
GABAa
de
uma
forma
semelhante
aos
benzodiazepínicos. Seu efeito, embora semelhante ao destas substâncias é
mais reduzido (Fig. 3).5
Figura 3- Ação do álcool no receptor para o GABA. Ilustração modificada de
página na internet.11
10
Os efeitos excitadores do glutamato são inibidos pelo etanol em
concentrações semelhantes àquelas que produzem efeitos no sistema nervoso
central. A ativação do receptor para N-metil-d-aspartato (NMDA) é inibida por
concentrações menores de etanol do que aquelas necessárias para afetar os
receptores
do
ácido
alfa-amino-3-hydroxi-5-metillisoxazol-4-propriônico
(AMPA); esses efeitos possivelmente contribuem para as suas ações
depressoras inclusive, talvez, para os distúrbios da memória pois os receptoras
da NMDA desempenham um papel importante no tipo de plasticidade sináptica
a longo prazo que se acredita constituir a base para a memória.5
Outros efeitos produzidos pelo etanol incluem uma potencialização dos
efeitos excitantes gerados pela ativação dos receptores nicotínicos de
acetilcolina e dos receptores para 5-hidroxitriptamina-3 (5-HT3). A importância
desses vários eventos nos efeitos do etanol sobre a função do sistema nervoso
central ainda não foi bem esclarecida.5
A dopamina atua na mediação das conseqüências prazerosas do álcool.
Em modelos animais, o álcool aumenta a excitabilidade ou os disparos dos
neurônios dopaminérgicos e a liberação de dopamina em neurônios de núcleos
específicos. Foi proposto que a vulnerabilidade à dependência ao álcool se
correlaciona com um sistema hipofuncional mesolímbico dopaminérgico.12
Os efeitos reforçadores e prazerosos do álcool são mediados, pelo
menos em parte, pelo sistema opióide. Estes efeitos resultam da atuação
principalmente nas vias de produção de beta endorfina.12
11
O neuropeptídeo Y é um neuromodulador inibitório ao qual vem se
atribuindo a função de modular a noradrenalina, protegendo os circuitos
neuronais contra excesso de estímulo. Este peptídeo apresenta um perfil
ansiolítico em diversos modelos animais possuindo ação eletrofisiológica
similar ao etanol e com provável envolvimento na mediação de seus efeitos.12
Os efeitos da intoxicação aguda pelo etanol no homem são bem
conhecidos e incluem uma fala arrastada, incoordenação motora, aumento da
auto-confiança e euforia. O efeito sobre o humor varia entre as pessoas e a
maioria delas torna-se mais ruidosa e desembaraçada. Alguns, contudo, ficam
mais morosos e contidos. Nos níveis mais elevados de intoxicação, o humor
tende a tornar-se altamente lábil, com euforia e melancolia, agressão e
submissão muitas vezes ocorrendo simultaneamente.5
1.6 Genética e alcoolismo
Foi demonstrado que a transmissão da vulnerabilidade ao alcoolismo
dos pais para os filhos é devida em grande parte ou totalmente a fatores
genéticos.13 Estudos realizados com gêmeos mostram ainda que os genes
influenciam até mesmo o padrão de uso como a freqüência, a quantidade e
dimensões de efeito do álcool como o pico de concentração sanguínea e taxa
de excreção.14,15,16 Ter um parente alcoólico é um fator de risco significativo
para o desenvolvimento da doença. Filhos de alcoólicos têm uma chance cinco
vezes maior de desenvolver problemas relacionados ao álcool do que filhos de
12
não alcoólicos.13 Na realidade 40 a 60% da variação na vulnerabilidade ao
álcool teria uma base genética.15
Apesar das fortes evidências de componentes genéticos associados ao
alcoolismo, a detecção de polimorfismo em genes específicos envolvidos nessa
relação tem dado resultados ainda insatisfatórios. Muitos são os genes
candidatos mas, devido à contribuição dos fatores ambientais na gênese do
alcoolismo, tem sido difícil estabelecer, com segurança, quais os alelos que
participariam desse processo. Estes genes provavelmente interagem com os
fatores ambientais, porque os experimentos genéticos sugerem que o meio
ambiente tanto pode exacerbar quanto diminuir a expressão genética de
predisposição ao alcoolismo.17,18
Como relatado acima, diversos são os genes candidatos tanto
relacionados ao metabolismo do etanol quanto a neurotransmissores e seus
respectivos receptores que, de uma forma ou outra, estejam envolvidos com a
ação
do
álcool
no
organismo.
Até
o
momento,
os
únicos
genes
comprovadamente envolvidos com a susceptibilidade ou resistência ao
alcoolismo têm sido aqueles relacionados com o metabolismo do etanol, mais
especificamente, os genes codificadores da álcool desidrogenase (ADH) e da
aldeído desidrogenase (ALDH). Outros genes, entretanto, têm sido bastante
estudados. Procuraremos, inicialmente, fazer uma breve análise desses
achados.
1.6.1 Genes para os receptores do ácido gama-amino-butírico
(GABA)
O Gaba é o neurotransmissor envolvido com os processos inibitórios do
sistema nervoso central. São conhecidos atualmente três tipos de receptores
13
respectivamente GABAA, GABAB e GABAC. O receptor GABAA apresenta
múltiplas subunidades que, por sua vez, são codificadas por diversos genes já
identificados. Há trabalhos na literatura associando o alcoolismo a alterações
em alguns desses genes. Estudos ainda são necessários, entretanto, para não
só determinarmos todos os genes envolvidos como para compreendermos o
mecanismo através do qual o GABA se relaciona com o alcoolismo.17,18,19
1.62 Genes para receptores de dopamina
Há muito se suspeita do envolvimento da dopamina no alcoolismo
porque se acredita que os efeitos de gratificação do álcool sejam mediados
pelo sistema mesolímbico da dopamina. Há 5 receptores já descritos para este
neurotransmissor. Diversos grupos descreveram uma associação entre o
alcoolismo e alterações no gene do receptor para dopamina D2 (DRD2),
responsável pela regulação da liberação e síntese da dopamina.20,21 Outros
autores, entretanto, não conseguem reproduzir os mesmos resultados.22 Os
resultados obtidos para outros genes dos receptores de dopamina também são
inconsistentes.17,23,24
1.63 Genes para o transportador de dopamina
Os dados descritos na literatura e o envolvimento desses genes são
conflitantes e um maior número de experimentos são necessários. Alguns
autores acham que o envolvimento de alterações nesses genes atuem, de
certa forma, sobre o alcoolismo mas de modo indireto, através de outras
funções exercidas pela dopamina no sistema nervoso central.17,23,24
1.64 Gene para o Neuropeptídio Y
Também foi proposto o envolvimento do gene codificante para o
neuropeptídeo Y sem resultados ainda conclusivos.25
14
1.6.5 Genes relacionados ao metabolismo do etanol
Como já foi dito anteriormente, o metabolismo do etanol influencia
fortemente a probabilidade de o indivíduo ser dependente ou mesmo
desenvolver uma reação de aversão consumo do álcool.
Seguramente, os genes envolvidos no metabolismo do etanol são os
únicos comprovadamente associados ao alcoolismo. Aliás, devemos enfatizar
que esses genes do metabolismo humano do etanol são um raro exemplo de
como a variação alélica contribui para uma doença complexa, intervindo na
fisiologia e no comportamento dos indivíduos.7
1.6.5a Genes relacionados à aldeído desidrogenase
Com
relação
aos
estudos
genéticos
sobre
a
enzima
aldeído
desidrogenase (ALDH), a literatura registra um menor número de dados. Sabese, entretanto, que a ALDH apresenta várias isoenzimas e os estudos
genéticos têm focalizado principalmente a isoenzima ALDH∗2 que se encontra
localizada
no
cromossomo
12,
apresentando,
também,
grande
variabilidade.17,18
O alelo ALDH2*2 não está presente em indivíduos brancos ou negros
americanos porém é bastante comum em asiáticos como, por exemplo, em
43% de uma população japonesa analisada.7,9 Este gene tem sido indicado
como um marcador de indivíduos com dependência alcoólica, e a sua
deficiência pode ser interpretada como um fator protetor. Alguns trabalhos têm
mostrado que o alelo ALDH*2 se encontra reduzido em indivíduos alcoólicos na
população asiática. A presença deste alelo contribui em cerca de dez vezes a
15
redução do risco de dependência alcoólica quando comparado com outros
genes do metabolismo do etanol.27
1.6.5b Genes relacionados à Álcool Desidrogenase (ADH)
A relevância dos genes para esta enzima no processo do alcoolismo
será abordada no tópico seguinte.
1.7 A Enzima Álcool Desidrogenase
A álcool desidrogenase é uma enzima citoplasmática solúvel, restrita
principalmente aos hepatócitos, que oxida o etanol e, simultaneamente, reduz o
NAD+ em NADH. Mesmo após uma pequena ingestão de etanol, a
concentração plasmática é suficiente para saturar o sítio ativo da enzima de
forma que a taxa de eliminação do etanol praticamente independe da
concentração plasmática e corresponde, no homem, a cerca de 0,1 g/Kg de
peso corporal/hora (cerca de 10 ml/hora em média). Na prática, a taxa de
metabolização depende mais da disponibilidade de NAD+ do que da saturação
enzimática. A limitação imposta pela taxa restrita de regeneração do NAD+
sobre o metabolismo do etanol motivou tentativas de descobrir um agente da
“sobriedade” que atuasse pela regeneração de NAD+ a partir da NADH. Um
desses agentes é a frutose, a qual é reduzida por uma enzima que necessita
de NADH. Em altas doses, gera um aumento pequeno, porém mensurável, na
taxa de metabolização do etanol. Contudo o efeito não é suficientemente
intenso para gerar um aumento significativo na velocidade de retorno à
sobriedade.28
16
O conjunto de enzimas chamadas de álcool desidrogenase apresentam
uma grande complexidade genética e funcional. Estas enzimas variam bastante
em suas propriedades farmacocinéticas. As várias formas da enzima ADH são
divididas em cinco classes distintas de acordo com as suas subunidades,
composição de suas isoenzimas e em suas propriedades físico-químicas.29,30
As cinco classes de enzimas ADH são codificadas por sete diferentes genes,
todos localizados no braço longo do cromossomo quatro.
•
Classe I – Representada pelas isoenzimas codificadas pelos genes
ADH1, ADH2 e ADH3. As enzimas desta classe codificadas por estes
genes têm o papel principal no metabolismo do etanol.
•
Classe II – Representada pelas isoenzimas codificadas pelo gene
codificador ADH4
•
Classe III - Representada pelas isoenzimas codificadas pelo gene
codificador ADH5
•
Classe IV - Representada pelas isoenzimas codificadas pelo gene
codificador ADH7
•
Classe V - Representada pelas isoenzimas codificadas pelo gene
codificador ADH6 [22].
A figura 4 mostra os diferentes genes que codificam as diversas classes
de ADH e ainda os polimorfismos associados ao alcoolismo dos genes ADH1C
e ADH1B e a figura 5 a localização destes no cromossoma 4.
17
Figura 4- localização cromossomal dos genes para ADH
Figura 5- Localização dos genes para ADH no cromossoma 4 Ilustração
retirada de página na internet.31
O quadro1 expressa a nomenclatura utilizada para os genes ADH
humanos. Neste trabalho utilizaremos apenas a nomenclatura mais recente.
18
Quadro 1- Nomenclatura para genes ADH humanos
Classe
Gene
Alelos Nomenclatura antiga
Alelos Nomenclatura recente
I
ADH1
ADH1*1
ADH1A
ADH2
ADH2*1
ADH1B*1
ADH*2
ADH1B*2
ADH2*3
ADH1B*3
ADH3*1
ADH1C*1
ADH3*2
ADH1C*2
ADH3
II
ADH4
ADH4
Mantida
III
ADH5
ADH5
Mantida
IV
ADH7
ADH7
Mantida
V
ADH6
ADH6
Mantida
O quadro 2 expressa as características destas classes de enzimas
quanto ao gene que as codifica, subunidade codificada, isoenzimas e
localização no cromossomo.
19
Quadro 2- Características das classes de ADH#
Classe
Gen
Subunidade
Isoenzimas Diméricas
codificada
Localização no
Cromossomo
Classe I ADH
ADH 1
ADH1A
α
αα, αβ1, αβ2, αγ1,
4q22
ADH2
ADH21B*1
β1
αγ2
4q22
ADH1B*2
β2
β1β1, β1β2, β1γ1,
ADH1B*3
β3
β1γ2
γ1
β2β2, β2γ1, β2γ2
δ3
β3β3
ADH3
ADH1C*1
ADH1C*2
4q22
γ1γ1, γ1γ2
γ2γ2, γ1γ2
Classe II ADH
ADH4
ADH4
π
ππ
4q21-25
ADH5
χ
χχ
4q21-25
ADH7
Σ
Σ
4q23-24
ADH6
?*
?*
4q21-25
Classe III ADH
ADH5
Classe IV ADH
ADH7
Classe V ADH
ADH6
*Composição da subunidade desconhecida
Tabela retirada e modificada de D P Agarwal.32
O quadro 3 apresenta um sumário dos polimorfismos encontrados nos
vários alelos da ADH
20
Quadro 3- Polimorfismos dos genes ADH
Alelo
Subunidade
Mudança de
Codificada
nucleotídeo
Efeito na proteína
Exon
ADH1A*1
α
Forma selvagem
ADH1B*1
β1
Forma selvagem
ADH1B*2
β2
47G>A
Arg>His
3
ADH1B*3
β3
369C>T
Arg>Cis
9
ADH1C*1
γ1
ADH1C*2
γ2
349G>A
Ile>Val
8
ADH4
π
-192; -159; -75
Atividade reduzida
Promotora
ADH5
χ
Forma selvagem
ADH6
?*
?*
ADH7
Σ
Forma selvagem
Forma selvagem
(estudado neste
trabalho)
?*
* = Desconhecido
Quadro retirado e modificado de D P Agarwal.32
O grupo de genes mais estudados até o momento correspondem
àqueles que codificam as enzimas ADH da classe I.
Os estudos genéticos indicam que os alelos ADH1B*2, ADH1B*3 E ADH1C*1
codificam para a sub-unidade das proteínas que, por sua vez, apresentam
grande atividade enzimática. Indivíduos que possuem esses alelos apresentam
uma maior facilidade na conversão de etanol em ácido acético.30 O alelo
ADH1B*2 não foi encontrado em população negra e é raro (menor que 5%)
entre
indivíduos
brancos.
Entretanto
este
alelo
é
encontrado
com
predominância na população asiática. O alelo ADH1B*3 está presente em
cerca de 15-20% entre os descendentes de africanos e índios americanos24.
21
Recentemente, um estudo mostrou que os genótipos ADH5 e os diplótipos de
ADH1A, ADH1B, ADH7 e ADH2 estão associados à dependência alcoólica em
americanos tanto de origem européia quanto africana. A multiplicidade dos
efeitos dos genes observada confirma que a dependência alcoólica é uma
desordem
multigênica.
É
importante
salientar
que
existem
estreitas
associações positivas ou negativas entre as enzimas ADH e ALDH. Sendo
assim, para uma apreciação dos efeitos dessas enzimas faz-se necessário não
só o conhecimento dos polimorfismos da ADH como também da ALDH.29
O quadro 4 apresenta uma síntese da relação entre os polimorfismos das
diferentes ADH, sua expressão e as populações aonde foram encontradas.
Observe-se que, entre estas, há pouco ou nenhum estudo na América Latina e
no Brasil.
22
Quadro 4- Relação entre o polimorfismo e a dependência alcoólica nas
diferentes populações.
Gene ou Alelo
Achado positivo
População
SNP16*Arg - ADH1B*1
Aumenta o risco para
Japoneses, Chineses
dependência alcoólica
SNP16*His - ADH1B*2
Protege contra dependência
Nativos Tailandeses Atayal,
ou
alcoólica
Chineses, Europeus, Judeus,
SNP14*Cis - ADH1B*3
SNP17*Ile - ADH1C*1
Afroamericanos
Protege contra dependência
Chineses, Europeus
alcoólica
SNP17*Val – ADH1C*2
ADH5
Aumenta o risco para
Chineses, Americanos
dependência alcoólica
mexicanos, Nativos americanos
Dois marcadores relacionados
com dependência alcoólica
ADH4
Várias variantes associadas com
Asiáticos orientais
dependência alcoólica
ADH7
Papel epistático na proteção
Asiáticos
contra dependência alcoólica
(SNP = “Small Nucleotide Polimorphism”)
Quadro retirado e modificado de Xingguang Luo et al.33
1.7a O gene ADH1C
Como pode ser visto na Tabela 3,o gene ADH1C apresenta duas
isoformas: a γ1 e a γ2. A γ1 tem isoleucina e a γ2 apresenta valina e glutamina. A
forma γ1(Ile.Ile) codifica uma enzima que apresenta uma velocidade de
metabolização do álcool duas vezes e meia maior que a forma γ2 (Val.Val).Isto
implica em um acúmulo de aldeído acético que é capaz de gerar o quadro de
“flushing” já descrito, dando lugar a uma aversão ao álcool, diminuindo,
consequentemente o risco de seu consumo.Por outro lado, indivíduos com
23
metabolização mais lenta ( forma γ2 Val.Val) tenderiam a consumir mais álcool
desde que não apresentariam o “flushing” após uma ingestão do mesmo e
tenderiam a prolongar por mais tempo o etanol no sangue. 8,34
Ainda com relação ao alelo ADH1C*1, a sua freqüência é de 55-60% na
população descendente de europeus e de 90% na população chinesa.31,35
A distribuição mundial do polimorfismo Ile349Val do alelo ADH1C está
mostrado na figura 6
Legenda:
Amarelo=Isoleucina
Azul=Valina (aminoácido ancestral)
Figura 6- Distribuição mundial do polimorfismo Ile349Val do gene ADH1C
Amarelo= Isoleucina
Azul=Valina
Observam-se poucas diferenças entre as regiões estudadas. Em quase
todas as populações encontramos tanto isoleucina quanto valina sendo que há
24
predominância de isoleucina em quase todas as regiões apesar de a valina ser
o aminoácido ancestral. Na América do Sul, esta distribuição foi avaliada
somente em algumas populações indígenas da região amazônica. Estas
populações correspondem às etnias: Quéchua (Peru),Surui ( Brasil - fronteira
entre o Mato Grosso e Rondônia), Ticuna (Brasil – fronteira com a Colômbia e
o Peru) e Karitiana (Brasil – Rondônia).31Pode-se observar também que essas
etnias são semelhantes geneticamente com predomínio de isoleucina. No
Brasil existem poucos trabalhos publicados sobre a variante da álcool
desidrogenase e a população brasileira. O gene ADH1C foi estudado apenas
nas populações indígenas citadas, na região amazônica. Nishimoto e cols.
estudaram o polimorfismo ILE349Val, mas não em trabalho relacionado com
alcoolismo e sim como um fator de risco de câncer no trato aerodigestivo, pois
este polimorfismo teria relação, segundo a literatura, com câncer de cabeça e
pescoço36.
2 Justificativa e Objetivos
2.1 Justificativa
Diversos dados obtidos nos últimos anos sugerem que a atividade das
enzimas ADH e ALDH é de extrema importância no estabelecimento da
dependência alcoólica. A expressão do gene ADH1C tem sido indicada como
um fator importante neste processo. Estudos sobre genética populacional
revelaram uma grande variação (polimorfismo) na presença desse gene entre
brancos, negros, asiáticos, índios americanos e descendentes de africanos. No
nosso país diversos estudos têm sido realizados sobre a dependência
alcoólica, abordando aspectos clínicos e epidemiológicos. Poucos são os
estudos sobre os aspectos genéticos na população brasileira.38 Também
25
desconhecemos estudos correlacionando polimorfismos do gene da álcool
desidrogenase e o histórico familiar dos indivíduos. Além disso, como relatado,
a expressão desses genes varia com a população. Dada à grande
miscigenação existente no Brasil, tal fato torna nosso país um excelente
modelo para análise de incidência de polimorfismo.
2.2 Objetivo geral
Estudar se existe relação entre a dependência alcoólica e a presença de
polimorfismo do gene da álcool desidrogenase ADH1C, mais especificamente o
polimorfismo Ile349Val em indivíduos freqüentadores de reuniões coordenadas
pelo grupo denominado de Alcoólicos Anônimos que relatam serem
dependentes de álcool comparado a um grupo controle de amostra de
conveniência. Paralelamente analisar a relação entre este polimorfismo em
relação ao histórico familiar de alcoolismo de nossas amostras.
2.3 Objetivos secundários
1- Verificar se há alguma diferença significativa na distribuição do
polimorfismo em nossa amostra se dividirmos os grupos por sexo dos
indivíduos.
2- Correlacionar a distribuição do polimorfismo Ile349Val e o histórico
familiar de alcoolismo dos indivíduos da amostra tanto no grupo controle
quanto no grupo dos alcoólicos, considerando o sexo dos indivíduos.
26
3 Material e Métodos
3.1 Desenho do Estudo
Este estudo é de caráter transversal tipo caso-controle e constou de um
grupo de 120 indivíduos divididos em dois grupos: um grupo de 54 indivíduos
freqüentadores dos Alcoólicos Anônimos e um grupo de uma amostra de
conveniência considerado controle. As amostras foram obtidas de voluntários
participantes do grupo de AA com a permissão do Coordenador das reuniões.
Aos participantes foi apresentado um questionário indagando sobre a
nacionalidade, cor, sexo, idade, consumo de tabaco ou outras drogas e
histórico familiar de alcoolismo. O cálculo do tamanho amostral foi feito
baseado na freqüência para genótipos AA, AG e GG do gene ADH1C descrito
em banco de dados na internet.38 (anexo 1.).
3.2 Critérios de inclusão e exclusão no grupo de dependentes
de álcool
Inclusão:
Indivíduos que freqüentavam grupos de Alcoólicos Anônimos na cidade
do Rio de Janeiro, brasileiros, filhos de pais brasileiros, maiores de 18 anos e
que se declaravam como dependentes químicos e cuja droga de escolha era o
álcool.
Exclusão:
Indivíduos não brasileiros ou filhos de não brasileiros, menores de 18
anos, que não se declaravam como dependentes químicos ou cuja droga de
escolha não era o álcool ou associavam o consumo de álcool a outras drogas.
27
3.3 Critérios de inclusão do grupo controle
Indivíduos brasileiros e filhos de brasileiros com idade acima de 50 anos,
que relatavam que nunca freqüentaram os Alcoólicos Anônimos e que
negavam ter ou ter tido problemas com álcool ou qualquer outra droga. A
escolha para o critério de idade acima de 50 anos é baseada no fato de a
doença geralmente se iniciar entre os 20 e os 50 anos. Desta forma,
minimizamos o risco de estudarmos um individuo incluso no grupo controle que
desenvolverá a doença mais tarde.
3.4 Aspectos éticos
Trata-se de um estudo de genética molecular, onde todos os indivíduos
convidados a participar do estudo foram informados através de termo de
consentimento, livre e esclarecido, no qual foi explicado o objetivo da pesquisa
assim como o procedimento de coleta da amostra. (Termo de consentimento
em anexo). Estivemos, ainda, em reunião com os dirigentes dos Alcoólicos
Anônimos do Rio de Janeiro onde ficou decidido que esta pesquisa não entra
em conflito com as tradições da irmandade.
O desenvolvimento experimental deste trabalho foi aprovado pelo
Comitê de Ética da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ). Protocolo de Pesquisa n° 069/07 – CEP emitido em
16/06/2007.
3.5 Coleta do material
Foi coletado escovado de células provenientes da mucosa oral através
de fricção, durante 30 segundos, na parte interna da bochecha (superior e
inferior), sempre girando a escova. O processo foi repetido com uma segunda
escova no outro lado da bochecha. Após a coleta, a escova foi guardada em
28
um tubo e transportada para o laboratório, à temperatura ambiente. Este
procedimento é indolor e sem risco para o indivíduo.
3.6 Extração do DNA
A escova contendo o material biológico foi mergulhada em tubo
eppendorf de 1,5 mL contendo 500 uL de tampão de lise (Tris-HCl 10 mM, pH
7.5; EDTA, 10 mM; NaCl 10 mM; SDS a 2 %) e contendo 15 uL de proteinase
K, 10mg/mL. Movimentos circulares foram feitos para retirar o material da
escova.A proteinase K (PK) foi diluída em tampão Tris-HCl pH7.5 10mM, NaCl
100mM, glicerol 10%e estocada a -20°C (concentração final em 500 μL,
0,3mg/mL)
O material foi incubado por 2 horas a 56 oC. Foram adicionados 500 uL de
fenol:clorofórmio:álcool-isoamílico (1:1) e, logo em seguida,o tubo foi agitado
por cerca de 1 minuto, centrifugado a 8000 rpm por 5 minutos, com posterior
retirada da fase aquosa com”tip” de barreira que foi transferida para outro tubo
previamente marcado. Foram adicionados 15 uL de NaCl 5M e 1000 uL de
etanol a 95% e misturados por inversão. Em seguida, o material foi Incubado a
200C, no mínimo por 1 hora, com posterior centrifugação durante 20 min. a
8000rpm. O sobrenadante foi retirado por sucção e o precipitado contendo o
DNA foi secado.
Finalmente o DNA foi ressuspendido em 26 uL de água e estocado a 20°C.
29
3.7 Reação em cadeia pela polimerase (PCR)
O DNA foi processado através da PCR conforme descrito no quadro 5.
A PCR foi feita usando-se 2μl de DNA, 100ng de cada iniciador, dNTP 200 μM,
MgCl2 2.0mM, KCl 50mM, Tris HCl 10mM (pH 8,4), e 0,5 U de “amplitaq DNA
polimerase” em um volume total de 25μl. Iniciadores: A3FXNFOR1 (5’-TTG
TTT ATC TGT GAT TTT TTT TGT-3’) ; A3FXNREV3 (5’-CGT TAC TGT AGA
ATA CAA AGC -3’). 39
Todos os protocolos de ciclagem foram feitos conforme descrito no
quadro 5 com uma ciclagem inicial de 95°C, por 5 min, e uma final de 72°C, por
10 min
Os produtos da PCR foram digeridos com 5U da enzima de restrição
Sspl, com o uso do tampão recomendado pelo fabricante New England
corporation.30
Quadro 5- Condições de ciclagem da Reação em cadeia pela polimerase
Sítio
Iniciadores Direto e Reverso
Condições
polimórfico
de Enzima
Ciclagem
Tamanho
do
Fragmento
(pb)
ADH1C
A3FXNFOR1
(5’-TTG
TTT 95°C (5min), SspI
Ile 349Val
ATC TGT GAT TTT TTT TGT- 95°C(15s)
3’)
A3FXNREV3
(5’-CGT
+
51°C
(15s)+
TAC 72°C
(75s)x
TGT AGA ATA CAA AGC-3’)
Sítio
Sitio
ausente
presente
378
274+
104
40 ciclos
72°C (10min)
*Quadro adaptado de técnica descrita na página da internet do Kidd Labs.39
30
3.8 Análise do produto formado
A análise do produto formado foi realizada através da técnica de
eletroforese em gel de poliacrilamida a 10%.
O gel foi obtido pela mistura de acrilamida-bisacrilamida (30:8) 3,32ml;
tampão TBE 5x concentrado 2 ml;persulfato de amôneo 10%, 240μl; TEMED
2,66μl e água destilada 4,44 ml.
O tampão TBE 10x concentrado continha Tris-base 60,5g, ácido bórico
30,85g, EDTA 3,72g, diluídos em água destilada para 1l.
O gel foi corrido em cuba apropriada para eletroforese contendo tampão
TBE 1x concentrado. A voltagem utilizada foi de 80 volts.
3.9 Coloração pela prata
Em seguida o produto do gel foi evidenciado pela coloração pela prata e
obedeceu às seguintes etapas:
1-O gel foi colocado em solução fixadora formada pela mistura de 5ml de
etanol, 0,37 ml de ácido acético e água destilada para 50ml. O período de
fixação foi de 15 minutos, com agitação leve.
2- A solução fixadora foi retirada e, em seguida, o gel foi corado pela
prata. Para tanto o gel foi imerso em uma solução contendo 0,1g de nitrato de
prata em água destilada para 50 mL de volume final e deixado durante 10
minutos com agitação leve.
3- Após a coloração, o gel foi lavado rapidamente com 50ml de água
destilada e colocado em solução reveladora que continha 1,5g de NaOH, 0,4ml
31
de formaldeído e água destilada para 50ml de volume final.Após a coloração
satisfatória das bandas, o gel foi incubado em 50 ml de solução fixadora, por 10
minutos, seguido de documentação fotográfica.
3.10 Análise estatística
Para a análise estatística dos dados encontrados, os grupos foram
comparados não só através do percentual entre os diferentes dados assim
como, utilizando-se o teste do Qui-Quadrado ou o teste de Fisher, quando
indicado, usando-se o programa Epi Info. Os valores de p calculados foram
considerados significativos quando menores que 0,05 ou seja, o nível de
significância foi de 5%.
32
4 Resultados
Com o objetivo de verificar a viabilidade do método utilizado para obtenção
do DNA através de escovado da mucosa oral, realizamos a coleta e extração
de DNA de doadores voluntários, conforme descrito em MATERIAIS e
MÉTODOS.
Posteriormente o DNA foi amplificado pela reação em cadeia pela
polimerase (PCR) utilizando-se o iniciador para a região do gene ADH1C
(Ile349Val). Conforme mostra o resultado da Figura 7, os produtos de
amplificação obtidos após tratamento com a enzima de restrição SspI são
compatíveis com os esperados e descritos por OSIER et al,2002.30 Observa-se,
no canal 2, um produto amplificado de 378 pares de base (pb). Um produto
com este peso molecular indica que este gene não foi sensível ao tratamento
com a enzima de restrição SspI. Já no canal 3 vemos o produto de
amplificação do gene ADH1C apresentando 2 fragmentos respectivamente de
104 e 278pb, demonstrando que este alelo é sensível à enzima de restrição
SspI.
33
1
2
3
Figura 7- Produto amplificado do gene ADH1C. Canal 1- escala de pares
de base 100pb; Canal 2- produto amplificado de 378 pb não sensível à ação da
enzima SspI; Canal 3- produto amplificado sensível à SspI onde se notam os
produtos de 274 e104 pb
Na Figura 8 ilustramos as diferenças entre os indivíduos homozigóticos e
heterozigóticos. Para tanto, DNA de três voluntários diferentes foi extraído,
amplificado por PCR e posteriormente tratados com enzima de restrição SspI e
o produto submetido à analise em gel de poliacrilamida e corado pela prata
conforme descrito. No canal 2 vemos a presença de apenas 2 fragmentos de
104 e 278 pb, respectivamente. Este dado indica que este gene é sensível à
enzima de restrição como referido na Figura 7. Conclui-se, também, que o
indivíduo é do tipo homozigótico já que os dois alelos apresentaram o mesmo
34
comportamento. No canal 3, temos outro exemplo de individuo homozigótico.
Pode-se observar a presença de apenas 1 fragmento de 378 pb o que indica
não só que o gene deste indivíduo não é sensível à SspI como também que os
seus alelos se comportaram da mesma forma, demonstrando a homozigose. Já
no canal 4, verificamos a presença de três bandas de peso molecular 104, 278
e 378 pb, respectivamente. Este fato demonstra a heterozigose deste indivíduo
já que um alelo se mostrou sensível à enzima SspI (originando 2 fragmentos de
104 e 278 conforme descrito anteriormente) e o outro não sensível (um
fragmento apenas de 378pb).
O gene que apresenta a ausência de sitio de restrição para a enzima
SspI corresponde ao genótipo Guanina Guanina (GG) significando que vai
formar uma proteína com a composição Val349Val, (Val corresponde ao
aminoácido valina) situada no exon 8. Esta é a forma ancestral do gene. Este
genótipo, como descrito, indica predisposição ao alcoolismo. Já o DNA sensível
à enzima de restrição corresponde ao tipo Adenina Adenina (AA) o que gera na
posição 349 o tipo portador de isoleucina ou seja Ile349Ile o que sugere
proteção ao alcoolismo pelos dados da literatura.33 O genótipo tipo AA que
produz a enzima Ile349Ile corresponde à enzima de alta atividade.30,33 O tipo
heterozigótico, obviamente, apresenta o genótipo A/G que gera a enzima do
tipo Ile 349Val.
35
1
2
3
4
FIgura 8- Canal 1- escala de pares de bases ( 100 bp); canal 2- corresponde
ao DNA de indivíduo homozigóto, apresentando dois fragmentos de 104 e 278
bp correspondendo ao tipo AA, ou Ile.Ile. Canal 3- corresponde a outro DNA
de individuo homozigótico, apresentando ausência de sítio de restrição para
enzima SspI , o que corrresponde ao genótipo GG ou Val/Val. Canal 4corresponde ao DNA de indivíduo heterozigótico sendo um alelo com ausência
do si´tio de restrição para enzima SspI com genótipo G
e aminoácido na
proteína Val, e o outro alelo com a presença do sítio de restrição com genótipo
A e aminácido Ile. Gerando 3 fragmentos no mapa de restrição de 378bp, 274 e
104 respectivamente, correpondente um indivíduo com genótipo Ile.Val
Uma vez confirmada a eficácia do método, fomos então analisar as
nossas amostras.
36
O DNA de 120 indivíduos sendo 66 controles (C) não alcoólicos e 54
pertencentes aos Alcoólicos Anônimos (AA) foram analisados. O DNA foi
amplificado pela PCR e, após tratamento com a enzima de restrição Sspl, o
produto foi analisado em gel de poliacrilamida para identificação do
polimorfismo Ile349Val do gene ADH1C conforme descrito em Materiais e
Métodos.
Todos os controles eram indivíduos com idade igual ou superior a
50 anos. Este critério, como já explicado, foi uma tentativa de minimizar o risco
de se colocar no grupo controle um indivíduo mais jovem que poderá vir a
desenvolver um quadro de dependência alcoólica mais tarde. A utilização de
indivíduos do grupo de Alcoólicos Anônimos nos dá um bom grau de certeza de
que todos os indivíduos analisados eram dependentes químicos de álcool. Por
outro lado, como sabemos, os AA constituem um grupo heterogêneo onde não
é feita a distinção entre classes sócio-econômicas, cor, grau de escolaridade,
etc, fato que torna a nossa amostragem mais significativa.
A análise dos questionários (anexo 2.) distribuídos a cada participante
da pesquisa, conforme referido em MM, nos permitiu distribuir os indivíduos da
maneira como pode ser vista na tabela 1e figuras 9 a, b e c.
37
Tabela 1-Distribuição dos indivíduos analisados de acordo com sexo, raça e
história familiar de alcoolismo.
Controles(n=66)
( %)
AA(n=54)
Sexo
N
N
( %)
Homens
31 (46,97)
42 (77,78)
p=0.00058
Mulheres
35 (53,03)
12 (22,22)
OR=0.25
RR=0.57
Quiquadrado=11.83
Cor
Caucasianos
51 (77,27)
43 (79,63)
p=0.755
Negros
15 (22,73)
11 (20,37)
OR=0.87
RR=0.94
Quiquadrado=0.1
Parentes
alcoólicos*
Sim
18 (27,27)
41 (78,85)
p=0.000000
Não
48 (72,73)
11 (21,15)
OR=0.1
RR=0.38
Quiquadrado=30.94
*Entre os indivíduos AA, dois não souberam responder sobre a existência ou
não de parentes alcoólicos.
Para o cálculo foi utilizado o teste de qui-quadrado
38
Figura 9a - Representa o número de indivíduos de cada grupo segundo o sexo
Figura 9b - Representa o número de indivíduos de cada grupo segundo a
etnia.
39
Figura 9c - Representa o número de indivíduos de cada grupo segundo o
histórico familiar de alcoolismo.
A análise desta tabela e da figura 9c é compatível com o caráter
genético deste distúrbio de comportamento pois os indivíduos AA apresentam
um percentual de parentes com história de alcoolismo significativamente
superior aos controles p<0,001.
Convém salientar a proporção de indivíduos fumantes em nossa
amostra. Consideramos esses dados à parte e os resultados estão mostrados
nas figuras 9a e 9b onde se nota uma acentuada proporção de indivíduos
fumantes entre os alcoólicos. Salientamos este fato por ser um evento que
ocorre em pacientes dependentes químicos.12
40
75%
80%
60%
40%
25%
20%
0%
Fumantes
Não fumantes
Figura 10a - Proporção de indivíduos fumantes e não fumantes no grupo
controle
60%
60%
40%
40%
20%
0%
Fumantes
Não fumantes
Figura 10b - Proporção de indivíduos fumantes e não fumantes no
grupo AA
Em seguida, caracterizamos a distribuição do genótipo desses
indivíduos com relação ao polimorfismo Ile349Val do gene ADH1C.( tabela 2 e
figura 11)
41
Tabela 2-Distribuição do gene ADH1C em relação ao polimorfismo Ile349Val
em amostra da população da cidade do Rio de Janeiro
Genótipo
Controle N=66
AA
N
N
(%)
(%)
N=54
Ile.Ile
29
(43,94)
27
(50,00)
P=0,802
Ile.Val
30
(45,45)
22
(40,74)
Quiquadrado=0,44
Val.Val
7
(10,6)
5
(9,26)
Genotipagem
40
30
Controle N=66
20
AA
10
N=54
0
Ile.Ile
Ile.Val Val.Val
Figura 11 - Distribuição do gene ADH1C em relação ao polimorfismo Ile349Val
em amostra da população da cidade do Rio de Janeiro
Por esses dados podemos observar que não foram encontradas
diferenças estatisticamente significativas (p=0,80) na distribuição dos genótipos
entre os grupos controle e AA. Podemos concluir portanto que, em relação ao
42
gene ADH1C não encontramos diferenças entre o genótipo dos indivíduos
controle comparado ao grupo dos alcoólicos anônimos. Nota-se, também,
nesta distribuição um percentual menor de indivíduos com genótipo do tipo
Val.Val em ambos os grupos o que sugere, talvez, uma característica da
população do Rio de Janeiro embora mais dados sejam necessários para esta
observação.
Investigamos a seguir se havia diferença significativa quanto ao sexo e o
genótipo para o gene ADH1C. Os resultados da tabela 3 mostram que o
percentual de homens do grupo AA com genótipo Ile Ile é 2 vezes maior que o
resultado para mulheres. Apesar desta observação o dado não parece ser
estatisticamente significativo já que encontramos um p>0,05. Podemos concluir
que não há, aparentemente, diferenças significativas entre os genótipos
controle e AA quando consideramos as populações masculinas e femininas.
Tabela 3-Distribuição do gene ADH1C em relação ao polimorfismo Ile349Val
em amostra da população da cidade do Rio de Janeiro dividida por sexo dos
indivíduos
Controles
AA
Genótipo
Homens
Mulheres
p
Homens
Mulheres
p
Ile Ile
15 (48%)
14 (40%)
0,79
24 (57%)
3 (25%)
0,041
Ile Val
13 (42%)
17 (48%)
16 (38%)
6 (50%)
Val Val
3 (9,6%)
4 (11%)
2 (5%)
3 (25%)
Total
31
35
42
12
X2=0,47
X2=6.38
43
Figura 12a - Distribuição do gene ADH1C em relação ao polimorfismo
Ile349Val em amostra da população da cidade do Rio de Janeiro dividida por
sexo dos indivíduos controles.
Figura 12b - Distribuição do gene ADH1C em relação ao polimorfismo
Ile349Val em amostra da população da cidade do Rio de Janeiro dividida por
sexo dos indivíduos AA.
44
Devido à grande diferença encontrada no histórico familiar de alcoolismo
entre os grupos controle e AA, como já mostrado na tabela 1, resolvemos
analisar, com maiores detalhes, estes nossos dados. Inicialmente verificamos a
relação entre parentes alcoólicos e não alcoólicos em nossa amostra dividindo
os indivíduos por sexo. Os resultados estão mostrados na tabela 4 e figuras
13a e 13b.
Tabela 4-História familiar de alcoolismo segundo o sexo dos indivíduos
Controles n=66
Com parentes
AA n=54
Homens
Mulheres
estatística
Homens
Mulheres
estatística
5(16,13)
13(37,14)
p=0,0557
31(77,5)
10(83,33)
p= 0,71
OR=0.08<OR<1,12
OR=0.69
RR=0,23<RR<1,13
RR=0.92
Quiquadrado=3.66
Sem parentes
26(83,87)
22(62,86)
9(22,5)
2(16,66)
Controles
30
25
20
15
10
5
0
Com parentes
Sem parentes
Homens
Mulheres
Figura 13a - Histórico familiar de alcoolismo nos indivíduos controle
45
Caso
40
30
Com parentes
20
Sem parentes
10
0
Homens
Mulheres
Figura 13b-Histórico familiar de alcoolismo nos indivíduos AA.
O percentual de pacientes alcoólicos com parentes com história de
alcoolismo é significativamente superior aos dos indivíduos controles tanto em
homens como em mulheres. Este percentual é de 16% nos homens controle
contra 77% nos alcoólicos. O mesmo pode ser visto para as mulheres onde
vemos 37% nos controles e 83% nos AA. Vale salientar que as mulheres do
grupo considerado controle referiram proporcionalmente um maior número de
parentes (13/22- 37%) do que os homens (5/26-16,1%). Já no grupo AA, não
existe uma diferença significativa entre homens e mulheres em relação ao
histórico familiar de alcoolismo. Resumidamente, o risco de um indivíduo
alcoólico apresentar parentes alcoólicos é elevado e este risco independe do
sexo considerado.
Fomos avaliar, então, se haveria alguma associação entre história
familiar de alcoolismo comparando independentemente o grupo de homens e o
grupo de mulheres em relação a cada genótipo.( tabela 6 e figuras 14a e 14b).
46
Tabela 6- Distribuição genotípica do ADH1C em indivíduos controle e AA do
sexo masculino em relação ao histórico familiar
Homens
Genótipo
Ile ile
Controle
Sem
AA
N (%)
N (%)
11(73%)
6(25%)
Mulheres
p
Controle
AA
N (%)
0,0069
p
N (%)
10(71%)
2(67%)
4 (29%)
1(33%)
10(59%)
0
1,0
parente
Com
4 (27%)
18(75%)
12(92%)
3 (20%)
1 (8%)
12(80%)
7(41%)
6(100%)
3(100%)
0
2(50%)
0
0
1(100%)
2(50%)
3(100%)
parente
Ile val
Sem
0,00016
0,0191
parente
Com
parente
Val Val
Sem
parente
Com
parente
Foi utilizado o teste de Fisher onde a amostra era menor que 5.
47
Figura 14a- Distribuição genotípica do ADH1C em indivíduos controle e
AA do sexo masculino em relação ao histórico familiar
Mulheres
Figura 14b-Distribuição genotípica do ADH1C em indivíduos controle e
AA do sexo feminino em relação ao histórico familiar
A tabela 6 mostra que o genótipo Ile.Val está, de forma estatisticamente
significativa, associado ao histórico familiar de alcoolismo.
48
5 Discussão
O alcoolismo é uma doença complexa. Sua etiologia é extremamente
diversificada e ainda muito desconhecida pela ciência. Os fatores que
influenciam no desencadear e na evolução da doença variam desde aspectos
socioculturais do ambiente ao contexto no qual o indivíduo está inserido em
seu grupo social. Aspectos psicológicos da personalidade de cada doente,
comorbidades psiquiátricas e até fatores orgânicos hereditários também estão
presentes. Entre esses últimos que, por sua vez, se incluem desde
características morfológicas e funcionais de moléculas receptoras e enzimas
metabólicas assim como o complexo funcionamento da fisiologia neurocomportamental.12,40
Todos estes aspectos tornam o estudo do alcoolismo muito difícil, tendo
em vista que é um desafio grande isolar e estudar aspectos únicos que
possivelmente influenciam na gênese da doença. Este trabalho, portanto, se
propõe a isolar um aspecto singular que participa neste processo (o
polimorfismo Ile349Val do gene ADH1C) para lançar um olhar a um aspecto
mais amplo da etiologia do alcoolismo, a hereditariedade.
No presente trabalho, a variação alélica do gene ADH1C Ile349Val foi
estudada em uma amostra da população da cidade do Rio de Janeiro em
relação à dependência do álcool. Foi igualmente estudada a distribuição deste
genótipo na amostra e o histórico familiar dos indivíduos estudados.
Em doenças complexas se assume normalmente que os marcadores
individuais genéticos têm uma distribuição pequena porém relativamente
uniforme através das populações humanas. Neste caso, entretanto, os dados
49
da literatura sugerem que a distribuição é população-específica o que torna
mais difícil a detecção de resultados do que se pensava anteriormente.6,15
O genótipo Ile349Val foi escolhido porque, além de ser um dos menos
estudados na literatura,particularmente na América do Sul, como referido na
Introdução, tais estudos se restringem às tribos indígenas da região amazônica
Quechua, Suruí e Ticuna.31
Quanto à distribuição mundial com relação ao ADH1C*1 (Ile.Ile) a sua
freqüência é de 55 a 60% na população descendente de europeus e 90% na
população chinesa.10,16 Entre as tribos indígenas citadas são encontrados tanto
valina quanto isoleucina havendo, também, predominância de isoleucina.
Embora a valina seja o aminoácido ancestral, como se pode ver, a
predominância é de isoleucina na população mundial.31 Em nossos estudos
também encontramos predominância de isoleucina. Pode ser observado o
reduzido número de indivíduos Val.Val. Este fato está de acordo com os
estudos de Nishimoto e cols. em amostra da população da cidade de São
Paulo.36 Os autores, como já citado, estudaram a incidência de câncer de trato
aerodigestivo superior desde que o gene ADH1C está relacionando com câncer
de cabeça e pescoço. Neste trabalho os autores não estudam a distribuição
dos genótipos nem qualquer relação com alcoolismo fugindo, portanto, à
temática deste nosso trabalho.
Quando comparamos os grupos controle e AA quanto à distribuição do
polimorfismo não verificamos nenhuma diferença entre os dois grupos. O tipo
Ile.Ile ocorre em 44 e 50% respectivamente para controle e AA.O tipo Ile349Val
se apresenta em aproximadamente 45% para ambos os grupos. Não
encontramos, portanto, nenhuma diferença estatisticamente significativa.A
50
população Val.Val, para ambos os grupos é muito pequena como salientado
acima. Quando dividimos as amostras por sexo também não encontramos
diferenças genotípicas. Resumindo, em nosso trabalho não encontramos
relação entre o polimorfismo Ile 349Val e alcoolismo. Este resultado não nos
surpreende já que, como salientado, essas relações estão na dependência da
população estudada e a população brasileira é miscigenada. Francès e cols,12
estudando a população mediterrânea espanhola, também não encontraram
diferenças entre o genótipo e o consumo de álcool. Quando esses
autores,entretanto, dividiram a população por sexo, verificaram que, apenas
entre as mulheres, o tipo Val.Val apresentava tendência acentuadamente maior
ao consumo de etanol.
Quando analisamos as nossas amostras divididas por sexo e
correlacionamos ao histórico familiar, encontramos resultados interessantes.A
própria tabela 1 já nos mostra que pacientes alcoólicos têm número
significativamente maior de antecedentes familiares com história de alcoolismo
sugerindo o caráter hereditário da doença. Esse fato apenas confirma os dados
da literatura.1,2
Encontramos ainda evidências da associação do alcoolismo com o uso
de tabaco. Esta relação é bem conhecida tanto na pratica empírica dos
profissionais de saúde mental quanto em publicações científicas.12 Há estudos
que mostram que pacientes alcoólicos tabagistas apresentam maior chance de
morte (em caso de morte natural) pelas conseqüências do tabagismo do que
pelas conseqüências do próprio alcoolismo.12,41
Se analisamos a relação entre o histórico familiar de indivíduos controle
e alcoólicos divididos por sexo, observamos que, tanto entre os indivíduos do
51
grupo masculino quanto do feminino, ocorre uma predominância significativa do
genótipo Ile.Val nos indivíduos com parentes alcoólicos. Este fato talvez esteja
ligado à presença do aminoácido valina desde que sabemos que o tipo Val.Val
contribui para uma maior tendência ao alcoolismo16.Foi impossível, entretanto,
analisarmos, de forma satisfatória, o genótipo Val. Val em nossa amostra
devido ao número muito reduzido de casos. Somos, portanto, cautelosos com
esta interpretação.
Analisando a literatura, cremos que é a primeira vez que se faz um
estudo utilizando indivíduos dos Alcoólicos Anônimos com o objetivo de estudar
a genotipagem. A obtenção dessas amostras foi muito difícil porque, um grande
número de indivíduos, embora dispostos a cooperar, sentiam seu anonimato
ameaçado e se recusavam a se identificar por causa da assinatura exigida pelo
Termo de Consentimento. Apesar de não termos críticas ao Comitê de Ética, a
atitude desses indivíduos nos parece bastante compreensível dado o caráter
anônimo desta Associação. Este, sem dúvida, é um aspecto e mesmo um
desafio para o Comitê de Ética no sentido de facilitar as suas normas para
melhor execução dos trabalhos futuros envolvendo esse Grupo, tendo em vista
que o termo de consentimento, criado por nós, com o propósito de proteger o
indivíduo, neste caso, lhe causava constrangimento.
Gostaríamos, também, de salientar que, ao tanto que seja do nosso
conhecimento, é a primeira vez que é estudada uma relação entre genótipo e
histórico familiar nos moldes do nosso trabalho. Dado ao fato, porém, de que
nossa amostragem é restrita à cidade do Rio de Janeiro, pretendemos ampliar
esses achados não só em larga escala isto é, aumentando o número de
52
amostras, como utilizarmos os grupos de populações de diferentes regiões do
país devido à heterogeneidade da população brasileira.
6 Conclusões
1. Em nossos resultados não encontramos diferenças quanto ao genótipo
ADH1C em relação à amostra Controle e a dos Alcoólicos Anônimos.
2. Tanto homens quanto mulheres do grupo de AA apresentam resultado
estatisticamente significativo em relação à presença de histórico familiar
para alcoolismo em relação ao grupo controle
3. O genótipo Ile Val no grupo masculino é extremamente significativo
estatisticamente ao ser associado ao histórico de parentes com
alcoolismo p<0001. Em mulheres ocorre também o mesmo fenômeno
embora, neste caso, em proporção menor (p=0,019).
4. Estes resultados sugerem que a variante genética Ile.Val do gene
ADH1C possa estar associada ao alcoolismo na população estudada.
53
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