Universidade Federal do Rio de Janeiro Estudo sobre o polimorfismo da enzima álcool desidrogenase (gene ADH1C) e a dependência ao álcool em uma população da cidade do Rio de Janeiro André Soares Rebello Dissertação de Mestrado apresentada à coordenação do Curso de Pós-Graduação em Clínica Médica da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro Orientadora: Maria da Glória da Costa Carvalho Rio de Janeiro Fevereiro 2009 Rebello, André Soares. Estudo sobre o polimorfismo da enzima álcool desidrogenase (gene ADH1C) e a dependência ao álcool em uma população da cidade do Rio de Janeiro / André Soares Rebello – Rio de Janeiro: UFRJ / Faculdade de Medicina, 2009. xviii, 70 f. : il. ; 31 cm Orientador: Maria da Glória da Costa Carvalho. Dissertação (mestrado) -- UFRJ, Faculdade de Medicina, Programa de Pós-graduação em Clínica Médica, 2009. Referências bibliográficas: f. 54-58. 1. Polimorfismo genético. 2. Etanol - metabolismo. 3. Etanol farmacologia. 4. Álcool desidrogenase. 5. Alcoolismo - genética. 6. Predisposição genética para doença. 7. Reação em cadeia da polimerase - métodos. 8. Estudos de casos e controles. 9. Rio de Janeiro. 10. Clínica Médica - Tese. I. Carvalho, Maria da Glória da Costa Carvalho. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Medicina, Programa de Pós-graduação em Clínica Médica. III. Título. ii Estudo sobre o polimorfismo da enzima álcool desidrogenase (gene ADH1C) e a dependência ao álcool em uma população da cidade do Rio de Janeiro André Soares Rebello Orientadora: Maria da Glória da Costa Carvalho Dissertação de mestrado apresentada à coordenação do Curso de Pós-graduação em Clinica Medica da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Clínica Medica Aprovada em 12 de Fevereiro de 2009 Banca examinadora: ____________________________________________________________ Profa. Diana Maul de Carvalho ___________________________________________________ Profa. Nathalie Henriques Silva Canedo ______________________________________________________________ Profa. Celeste Carvalho Siqueira Elia Suplentes: ___________________________________________________ Prof. Januário Bispo Cabral Neto (suplente) ______________________________________________________ Profa. Patrícia Rieken Macedo Rocco (Suplente) Rio de Janeiro Fevereiro 2009 iii Este trabalho foi realizado no Laboratório de Controle da Expressão Gênica do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, sob a orientação da Profa. Dra. Maria da Glória da Costa Carvalho e na vigência de auxílio concedido pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). iv Dedico este trabalho aos meus pais e a todos os alcoólicos que ainda sofrem desta enfermidade v A realização desta tese somente foi possível graças à inestimável colaboração dos Alcoólicos Anônimos (AA) do Rio de janeiro que, prontamente, atenderam à nossa solicitação, além de prestigiar e reconhecer a importância médica da realização deste trabalho. Os meus sinceros e profundos agradecimentos. vi Agradecimentos No sexto dia Deus criou o homem à sua imagem e semelhança. Agora cabe a nós entender tudo isso. O certo, o errado e tudo que está no meio. Em cada um de nós está a capacidade de decidir o que move nossas ações. Então o que é isso que faz com que uns escolham a necessidade de se devotarem a algo maior? Há aqueles que veem suas descobertas como a prova obscura da ausência de Deus enquanto outros as veem como uma maravilhosa confirmação de que “há mais mistérios entre o céu e a terra do que sonha nossa vã filosofia”. Podemos esperar algum dia entender a força da alma? Mas no final o que escolhemos ver é sempre aquilo que precisávamos ver por pior que seja. E essa é a mais irônica das brincadeiras cósmicas. O verdadeiro presente que Deus nos deu. O livre arbítrio para fazer, não o que queremos, mas sim o que podemos. Sempre nos depararemos com questões difíceis. E o impulso que nos move em direção ao conhecimento, é aquele gosto que se sente ao juntar mais uma pequenina peça do grande quebra-cabeça da vida. Mesmo que permaneça mal encaixada e duvidosa. Na pesquisa médica podemos sentir um gosto que talvez venha com um algo a mais pois, ao juntarmos essa peça, estamos também dando mais um passo para alcançar recursos que ajudarão pessoas em seus sofrimentos, desde uma simples técnica nova de sutura até complexas estruturas moleculares envolvidas no mecanismo de doenças mortais. vii Este trabalho se iniciou com um sofrimento e a busca incansável pelo seu acalento. Agradeço, inicialmente, ao Poder Superior pela oportunidade de estar vivo, pela necessidade de lutar para me manter assim e por manter vivo dentro de mim o furor pela descoberta que é, em outras palavras, o furor por entrar em contato com a própria existência. Agradeço muito à minha orientadora Maria da Glória da Costa Carvalho por sua enorme compreensão com minhas dificuldades e o meu reconhecimento da sua competência extrema para a árdua carreira de pesquisadora, a qual desempenha de maneira exemplar. Agradeço aos meus pais por manterem seus braços abertos para mim não importando o que acontecesse, pelo seu apoio e companheirismo desde o momento do meu nascimento e por nunca desistirem de mim sempre me levantando e caminhando comigo mesmo que muletas fossem necessárias. Gostaria de agradecer, ainda ao Dr. Jorge Jaber e a toda a sua equipe por me ensinarem sobre a terrível vida de sofrimentos que leva um alcoólico e a milagrosa e fantástica benção de sua recuperação. Gostaria de deixar registrado os meus agradecimentos àqueles que contribuíram para a minha formação e realização deste trabalho tais como: o Prof. Francisco de Oliveira Carvalho e à Profa. Nathalie Henriques Silva Canedo; aos amigos Paulo Costa Carvalho, Juliana Fisher Carvalho e ao Marcelo Soares da Mota e Silva, sempre tão solícito em me ensinar as técnicas tão preciosas. Nossos agradecimentos se estendem também ao Laboratório de Virologia Molecular II do Instituto de Microbiologia Professor Paulo de Góes viii pelo apoio e amizade do Prof. Davis Fernandes Ferreira, do Marcelo Damião Menezes e do João Baltazar. Meu mais intenso desejo é que este trabalho ajude a trazer alguma luz à caverna escura do alcoolismo. ix Senhor. Conceda-nos a serenidade necessária para aceitar as coisas que não podemos modificar, a coragem para modificar aquelas que podemos e a sabedoria para distinguir uma das outras. Oração da Serenidade x Sumário Lista de Abreviatura.................................................................................... Resumo........................................................................................................ Abstract........................................................................................................ 1.0 Introdução.............................................................................................. xiii xv xvii 1 1.1 Histórico.......................................................................................... 1 1.2 Componentes da S.D.A.:................................................................ 2 1.3 Aspectos Farmacocinéticos do Etanol............................................ 3 1.4 Metabolismo do Etanol................................................................... 4 1.5 Aspectos Farmacodinâmicos do Etanol.......................................... 9 1.51 Efeitos sobre o sistema nervoso central....................................... 9 1.6 Genética e alcoolismo..................................................................... 12 1.61 Genes para os receptores do ácido gama-amino-butírico ........... 13 1.62 Genes para receptores de dopamina........................................... 13 1.63 Genes para o transportador de dopamina.................................... 14 1.64 Gene para o Neuropeptídio Y ...................................................... 14 1.65 Genes relacionados ao metabolismo do etanol........................... 14 1.65a Genes relacionados à Aldeído desidrogenase............... 15 1.65b Genes relacionados à Álcool Desidrogenase.................. 15 1.7 A Enzima Álcool Desidrogenase.................................................... 15 1.7a O gene ADH1C.................................................................. 22 2.0 Justificativa e Objetivos...................................................................... 24 2.1 Justificativa..................................................................................... 24 2.2 Objetivo geral................................................................................. 25 2.3 Objetivos secundários.................................................................... 25 xi 3.0 Material e Métodos ............................................................................. 26 3.1 Desenho do Estudo...................................................................... 26 3.2 Critérios de inclusão e exclusão no grupo de dependentes de álcool.................................................................................................. 26 3.3 Critérios de inclusão do grupo controle ...................................... 27 3.4 Aspectos éticos............................................................................. 27 3.5 Coleta do material......................................................................... 27 3.6 Extração do DNA.......................................................................... 28 3.7 Reação em cadeia pela polimerase (PCR).................................. 29 3.8 Análise do produto formado ........................................................ 30 3.9 Coloração pela prata.................................................................... 30 3.10 Análise estatística...................................................................... 31 4.0 Resultados.......................................................................................... 32 5.0 Conclusões......................................................................................... 48 6.0 Discussão............................................................................................ 49 7.0 Referencias Bibliográficas................................................................. 53 8.0 Anexos................................................................................................. 58 8.1 Artigo publicado 8.2 Termo de consentimento livre e esclarecido 8.3 Questionário apresentado aos participantes do projeto 8.4 Seqüência e freqüência do gene ADH1C xii Lista de Abreviaturas, símbolos e unidades A – Adenina AA – Alcoólicos anônimos ADH – Álcool desidrogenase ALDH – Aldeído desidrogenase AMPA – Ácido alfa-amino-3-hidroxi-5-metiloxazol-4-propiônico °C – Grau Celsius dNTP –Dinucleotídeo trifosfato DRD2 – Receptor para Dopamina EDTA – Etilenodiaminotetracetato de sódio GABA – Ácido gama aminobutírico G - Guanina g – Grama 5-HT3 – 5-hidroxitriptamina-3 Ile – Isoleucina MEOS – Microssomal ethanol oxidizing system uL – Microlitro mM – Milimolar mg – Miligrama ml – Mililitro NAD – Nicotinamida adenina dinucleotídeo NADH - Nicotinamida adenina dinucleotídeo reduzido ng – Nanograma NMDA – n-metil-d-aspartato pb – Pares de Base PCR - Reação em cadeia pela polimerase PK – Proteinase K ROS – Reactive oxigen species rpm – Rotações por minuto SDS – Sódio dodecil sulfato SDA – Síndrome de dependência alcoólica TBE – Tampão tris-acidobórico-EDTA TEMED – Tetrametil-etilenodiamina xiii Tris – Tris-hidroximetil-aminometano Val - Valina xiv Resumo Estudo sobre o polimorfismo da enzima álcool desidrogenase (gene ADH1C) e a dependência ao álcool em uma população da cidade do Rio de Janeiro Introdução: O metabolismo do etanol ocorre, na sua maior parte no fígado e envolve inicialmente a sua oxidação para aldeído acético pela ação catalítica da enzima álcool desidrogenase (ADH) e posteriormente para acetato através da enzima aldeído desidrogenase(ALDH). Resultados mais recentes têm demonstrado uma estreita relação entre o polimorfismo do gene ADH (ADH tipos 1-7) e o consumo de álcool. Sabe-se também que estas variações alélicas causam alterações no metabolismo do etanol proporcionando proteção contra o alcoolismo provavelmente devido aos efeitos tóxicos decorrentes do acúmulo de aldeído acético na corrente circulatória. Outras variantes alélicas, por outro lado, estão relacionadas a uma maior tendência ao desenvolvimento do alcoolismo. O fenômeno varia com a população estudada. Dentre estes alelos que levam à dependência alcoólica está o polimorfismo do gene ADH1C denominado Ile349Val. Com o crescente progresso das técnicas de Biologia Molecular este assunto tem sido atualmente investigado com maior facilidade e seus resultados divulgados com bastante interesse na área acadêmica e na Clínica Psiquiátrica. Objetivo: Investigar o polimorfismo Ile349Val do gene ADH1C da enzima álcool desidrogenase e a dependência ao álcool em indivíduos freqüentadores dos Alcoólicos Anônimos. Metodologia: Um total de 120 pessoas residentes na cidade do Rio de Janeiro participou desse estudo. Os participantes foram divididos em dois grupos: o primeiro grupo foi formado por 54 pessoas que freqüentam sistematicamente as reuniões dos alcoólatras anônimos (grupo AA). O segundo grupo (66 pessoas) foi formado por indivíduos que assumiram não serem dependentes de álcool (grupo controle). Todos assinaram um questionário concordando em participar deste estudo. As amostras foram obtidas de células de mucosa oral.O DNA foi extraído dessas células utilizando-se a técnica do fenol clorofórmio e xv posteriormente amplificado pela reação em cadeia pela polimerase (PCR).Os produtos obtidos foram caracterizados por eletroforese em gel de poliacrilamida a 10% e corados pela prata. Os resultados foram analisados estatisticamente. Resultados: O polimorfismo da enzima álcool desidrogenase ADH1C, Ile349Val foi estudado em nossa amostra. Neste caso, o aminoácido isoleucina substitui, na posição 349 do gene, a valina que é o aminoácido ancestral. Os genótipos possíveis são Ile.Ile e Val.Val para os indivíduos homozigotos e Ile.Val para os heterozigotos.A metodologia por nós utilizada mostrou-se eficiente para este estudo. Nossos resultados não mostraram uma relação entre o genótipo dos indivíduos controle e aqueles dos alcoólicos anônimos (AA) Os indivíduos do grupo AA têm um número significativamente maior de parentes alcoólicos que o grupo controle. Curiosamente, a análise do polimorfismo dos indivíduos AA demonstrou uma relação entre o genótipo destes indivíduos e o histórico familiar de alcoolismo. Entre os indivíduos AA com parentes alcoólicos predomina o tipo Ile.Val.Esta diferença no polimorfismo se encontra mais acentuada nos indivíduos AA do sexo masculino.Não observamos este fenômeno no grupo controle. Conclusões: Em nossos resultados não encontramos diferenças quanto ao genótipo ADH1C em relação à amostra Controle e a dos Alcoólicos Anônimos. Os dados são sugestivos de que a variante genética Ile.Val do gene ADH1C possa estar associada ao histórico familiar de alcoolismo. Rio de Janeiro Fevereiro, 2009 xvi Abstract Study on Polimorphism of Alcohol Dehydrogenase enzime (gene ADH1C) and alcohol dependence in a population of Rio de Janeiro City Introduction: The metabolism of ethanol occurs almost entirely in liver and involves the oxidation to acetaldehyde by the catalytic activity of the enzyme alcohol dehydrogenase (ADH) and further to acetate, by acetaldehyde dehydrogenase (ALDH). Recent studies have shown a close correlation between the polymorphism of ADH gene (ADH types 1-7) and alcoholism. It is also described that this allelic variation results in modifications of ethanol metabolism and protection against the toxic effects of alcoholism. However, these allelic variants have influence over the risk for alcoholism. The phenomenon varies according to the population studied, and the presence of polymorphism in the gene ADH1C designated Ile349Val can influence the risk for alcoholism. With the increasing progress in molecular biology techniques this subject has been contributing more effectively to the academic and clinical psychiatry fields. Objective: The aim of this study is to investigate the polymorphism of the enzyme alcohol dehydrogenase ADH1C gene, Ile345Val and the alcohol dependence in individuals attending Alcoholics Anonymous. Methodology: A total of 120 subjects residing in Rio de Janeiro city participated in this study. Subjects were divided into two groups: a group consisting of 54 individuals from the Alcoholics Anonymous meeting (AA group) in Rio de Janeiro city and a control group (66) composed by individuals that declared not having any alcohol dependency. Samples were obtained from mouth epithelial xvii cells (or mouth mucosa cells). DNA was extracted from these cells by phenolchloroform method and further submitted to amplification by polymerase chain reaction (PCR). The PCR products were characterized by polyacrilamide gel electrophoresis and the results analyzed statistically. Results: The polymorphism of the alcohol dehydrogenase enzyme lle349Val was studied. The mutation consists of a substitution of the valine at the position 349 to isoleucine. The possible genotypes are lle.lle and Val.Val to homozygotic individuals and lle.Val for heterozygotic individuals. The methodology employed in this study was appropriate for our objectives. Our results did not show a correlation between the genotypes of control individuals and subjects attending the alcoholics anonymous (AA). However, we identified a significative correlation between the genotypes of the AA individuals and alcoholism history in their family. The individuals of the AA group had a significative larger number of family alcoholism than the control group. Also, the polymorphism analysis of the AA individuals showed a correlation between the genotype of these individuals and the existence or not of alcoholism in the family. In individuals with alcoholic relatives the genotype lle.Val predominates, mainly in males. Such phenomenon was not observed for the control group. Conclusions: Our results did not show any genotype difference on the ADH1C gene when control and AA genotypes are compared. Our data suggests that the allele variant lle.Val of the ADH1C gene could be associated to a family history of alcoholism. Rio de Janeiro February 2009 xviii 1 Introdução 1.1 Histórico O álcool sempre ocupou uma posição privilegiada na maioria das culturas e sociedades seja como elemento fundamental em rituais religiosos, momentos de comemorações e confraternizações, veículo de remédios, produtos químicos, fonte de água não contaminada, perfumes e até “poções mágicas.” O ato de consumir álcool é largamente aceito pelas sociedades atuais e, em muitos casos, até incentivado. As bebidas alcoólicas, porém, não são um produto comercial comum por apresentarem um caráter ambíguo. Se por um lado podem trazer euforia e confraternização, seu uso exagerado pode gerar um grave transtorno a nível individual ou em Saúde Pública. Com a crescente produção e comercialização de bebidas alcoólicas destiladas provenientes da revolução industrial, o conceito de alcoolismo finalmente surge no século XVIII. Thomas Trotter foi o primeiro autor a referirse ao alcoolismo como doença. 1 Jellinek foi outro importante autor que, na metade do século XX, trouxe uma grande contribuição para o conceito desta dependência ao considerar o alcoolismo como doença apenas quando o paciente apresenta tolerância, sintomas físicos e psíquicos desconfortáveis durante a abstinência e perda de controle do uso. Em 1976, Edwards Griffith e Milton Gross propuseram uma nova síndrome: a Síndrome da Dependência do Álcool (S.D.A.).2,3 Os problemas relacionados ao consumo de bebidas alcoólicas devem ser analisados sob uma perspectiva ampla já que existe uma grande diversidade de padrões no comportamento em relação ao uso trazendo, como 1 conseqüência, um amplo espectro de sinais e sintomas. Em virtude deste fato, torna-se muito difícil estabelecer um ponto de corte para caracterizar o alcoolismo baseado apenas na quantidade de uso. Atualmente prefere-se classificar os comportamentos problemáticos em relação ao uso de bebidas alcoólicas baseado no padrão de comportamento do paciente, de acordo com o seu consumo. Um padrão de comportamento se destaca nesta classificação: A Síndrome de Dependência Alcoólica (SDA). A S.D.A. é um processo de aprendizagem do modo de consumir a bebida influenciado por fatores biológicos e sócio-culturais. Neste processo, um dos fenômenos mais característicos é o surgimento de sintomas de abstinência frequentemente associados à ingestão de bebida para aliviar esses sintomas.4 1.2 Componentes da S.D.A.: • Estreitamento do repertório O paciente começa a beber com freqüência e em quantidades crescentes sem se importar com a adequação do seu comportamento, até o estágio onde o indivíduo consome de modo compulsivo e incontrolável para aliviar os sintomas de abstinência não se importando com as conseqüências negativas, psicológicas ou sociais. • Saliência do comportamento de busca pelo álcool O paciente prioriza o ato de beber em detrimento de qualquer outro valor como saúde, família e trabalho • Aumento da tolerância ao álcool O paciente tem necessidade de doses crescentes de álcool para obter o mesmo efeito e/ou capacidade de realizar atividades apesar de altas concentrações sanguíneas de álcool. 2 • Sintomas de abstinência Físicos: tremores, náuseas, sudorese, cefaléia, tontura, etc... Psicológicos: irritabilidade, ansiedade, fraqueza, inquietação e depressão. Senso-percepção: pesadelos, ilusões, alucinações. • Alívio ou evitação dos sintomas de abstinência pelo aumento da ingestão. O paciente admite que bebe pela manhã para sentir-se melhor • Percepção subjetiva da necessidade de beber ● Pressão psicológica para beber • Reinstalação rápida do quadro após período de abstinência Quando ocorre uma recaída, o indivíduo rapidamente restabelece o padrão antigo de comportamento.4 1.3 Aspectos Farmacocinéticos do Etanol O etanol é absorvido rapidamente por não apresentar cargas elétricas e ser altamente lipossolúvel. Uma grande quantidade é absorvida no estômago e o restante no intestino delgado. Uma fração do que acabou de ser ingerido já é removida do sangue da veia porta por metabolismo hepático de primeira passagem. Como a taxa de metabolização hepática do etanol satura com concentrações relativamente baixas da substância, a fração de etanol removida diminui à medida que a concentração aumenta. Assim, quando a absorção de etanol é rápida e a concentração na veia porta é elevada, a maior parte do etanol escapa para a circulação sistêmica. Por outro lado, quando a absorção é mais lenta, uma quantidade maior é removida pelo metabolismo de primeira 3 passagem. Esse é um dos motivos pelos quais a ingestão de etanol com o estômago vazio produz um efeito farmacológico muito maior.5 Cerca de 90% do etanol é metabolizado pelo fígado e 5 a 10% são excretados, sem modificações, pelo ar expirado e urina. Essa fração excretada pelos pulmões e pelos rins não é significativa em termos farmacocinéticos, mas, através dela, pode-se estimar a concentração sanguínea de etanol por dosagens, usando-se a respiração (“bafômetro”) ou urina. A concentração na urina é mais variável e fornece uma medida menos precisa da concentração sanguínea. 5 1.4 Metabolismo do Etanol O metabolismo do etanol ocorre quase totalmente no fígado (90%) enquanto os outros 10% seguem outras vias oxidativas. A principal via metabólica constitui-se de oxidações sucessivas, inicialmente em aldeído e, em seguida, em ácido acético. Estas reações são catalisadas pelas enzimas denominadas álcool desidrogenase (ADH) e aldeído desidrogenase (ALDH) (Fig. 1). 4 . Figura 1- Esquema de oxidações sucessivas do Etanol. A enzima álcool desidrogenase (ADH) catalisa a reação de oxidação do etanol na presença da nicotinamida adenina dinucleotídeo (NAD) que é reduzido à forma NADH gerando, como conseqüência, uma molécula de acetaldeído. Este, por sua vez, é oxidado na presença da enzima aldeído desidrogenase (ALDH) numa reação onde, novamente, NAD é reduzido a NADH dando origem à uma molécula de acido acético [Fig. 1]. No consumo moderado, quase todo o etanol ingerido é metabolizado pela ADH e ALDH. Porém, como o álcool muitas vezes é consumido em grandes quantidades (comparativamente à maioria das outras drogas em geral, como medicamentos, por exemplo), ele impõe uma carga substancial aos sistemas oxidativos hepáticos. O NADH participa de outras reações metabólicas passando o seu H+ a outros compostos logo, seu excesso pode ter efeitos deletérios na célula. Ocorre, também, uma competição entre o etanol e os demais substratos metabólicos pelas reservas disponíveis de NAD+. Isto pode contribuir para a lesão hepática induzida pelo etanol.6 5 O aldeído acético, em si, é uma molécula tóxica e altamente reativa. Quase todo aldeído acético produzido é convertido, no fígado, em acetato pela aldeído-desidrogenase (ALDH) (Fig.1). Normalmente, apenas uma pequena proporção de aldeído acético escapa do fígado resultando em uma concentração sanguínea deste composto de 20 a 50 μM por litro após uma dose de etanol suficiente para gerar intoxicação no homem. Figura 1- Esquema de oxidações sucessivas do Etanol. O ácido acético circulante em geral tem pouco ou nenhum efeito mas, em determinadas circunstâncias que levem a uma diminuição da atividade enzimática, suas concentrações podem aumentar muito e produzir efeitos tóxicos. Este primeiro passo do metabolismo do etanol é muito importante e poderia explicar, em parte,a menor ou maior tolerância ao álcool e assinala a diferença no comportamento do indivíduo frente a esta bebida devido à sua maior ou menor toxicidade. Essa maior ou menor tolerância é devida à constituição genética do indivíduo em relação a esse metabolismo como veremos detalhadamente adiante. Uma variante alélica da enzima ADH mais 6 rápida ou uma variante da ALDH mais lenta levaria ao acúmulo de aldeído acético no sangue.7 Isto ocorre, por exemplo, quando a aldeído desidrogenase é inibida por drogas como o Dissulfiram.5 Em presença de Dissulfiram, que não produz nenhum efeito acentuado quando administrado isoladamente, o consumo de etanol é acompanhado por uma grave reação, o “flushing”,8,9 caracterizada por rubor, taquicardia, hiperventilação, palpitações, náuseas, vômitos e um grau considerável de pânico e angústia, devido ao acúmulo excessivo de aldeído acético na corrente sanguínea. Essa reação é extremamente desagradável mas não é lesiva e o Dissulfiram pode ser utilizado como terapia de aversão para desestimular o consumo de álcool pelas pessoas.5 Em 50% dos asiáticos, expressa-se uma variante genética inativa de uma das isoformas da aldeído-desidrogenase (ALDH-1); esses indivíduos apresentam uma reação semelhante à do Dissulfiram após a ingestão de álcool, e a incidência de alcoolismo é extremamente baixa.8,9 É interessante observar que uma das ervas chinesas tradicionalmente utilizadas para curar os alcoólicos contém Daidzina, que, recentemente, mostrou corresponder a um inibidor específico da ALDH-1. Cobaias, mantidas em laboratório com um protocolo destinado a estimular o consumo do etanol, espontaneamente consomem grandes quantidades de álcool. Foi demonstrado que a Daidzina inibe acentuadamente o desta bebida.5 No sistema de oxidações sucessivas do etanol pelas enzimas ADH e ALDH, a oxidação só é permitida em taxas limitadas independentemente da concentração presente no fígado já que esta via metabólica é dependente da quantidade de NAD+ disponível. Por este motivo, o sistema microssomal de oxidação do etanol - MEOS (microssomal ethanol oxidising system) tem um 7 papel importante no metabolismo de pessoas que consomem etanol excessivamente. A reação ocorre nos microssomos do retículo endoplasmático. O principal componente do MEOS é a enzima citocromo P450 que, assim como a ADH, converte o etanol em aldeído acético. A reação depende de oxigênio e da nicotinamida adenina dinucleotídio fosfato reduzida (NADPH), resultando na formação de NADP e água. Como produtos dessas reações, radicais livres de oxigênio ou “reactive oxygen species” (ROS) são gerados e, por serem altamente reativos, podem contribuir para o dano hepático.6 A taxa de degradação do etanol pela ADH permanece relativamente a mesma. Contudo a atividade do MEOS cresce com o aumento do consumo de álcool e como o MEOS não metaboliza apenas o etanol, sua atividade aumentada pode alterar o metabolismo de certos medicamentos, alterando seus efeitos (Fig.2). 8 Figura 2- Resumo esquemático do metabolismo do Etanol. Ilustração modificada de página na internet.10 1.5 Aspectos Farmacodinâmicos do Etanol 1.5.1 Efeitos sobre o sistema nervoso central Os principais efeitos do etanol ocorrem no sistema nervoso central. Apesar do etanol, em concentrações farmacológicas efetivas, produzir um aumento significativo da fluidez das membranas lipídicas semelhante aos efeitos dos anestésicos voláteis, é provável que suas ações dependam mais de seus efeitos sobre os canais iônicos e os receptores de membrana. Na célula, o 9 efeito do etanol é puramente depressor, embora aumente a atividade dos impulsos – presumivelmente por desinibição – em algumas partes do sistema nervoso central, principalmente nos neurônios dopaminérgicos mesolímbicos, envolvidos nas vias de gratificação.5 O etanol potencializa a ação do ácido gama amino butírico (GABA) por atuar sobre os receptores GABAa de uma forma semelhante aos benzodiazepínicos. Seu efeito, embora semelhante ao destas substâncias é mais reduzido (Fig. 3).5 Figura 3- Ação do álcool no receptor para o GABA. Ilustração modificada de página na internet.11 10 Os efeitos excitadores do glutamato são inibidos pelo etanol em concentrações semelhantes àquelas que produzem efeitos no sistema nervoso central. A ativação do receptor para N-metil-d-aspartato (NMDA) é inibida por concentrações menores de etanol do que aquelas necessárias para afetar os receptores do ácido alfa-amino-3-hydroxi-5-metillisoxazol-4-propriônico (AMPA); esses efeitos possivelmente contribuem para as suas ações depressoras inclusive, talvez, para os distúrbios da memória pois os receptoras da NMDA desempenham um papel importante no tipo de plasticidade sináptica a longo prazo que se acredita constituir a base para a memória.5 Outros efeitos produzidos pelo etanol incluem uma potencialização dos efeitos excitantes gerados pela ativação dos receptores nicotínicos de acetilcolina e dos receptores para 5-hidroxitriptamina-3 (5-HT3). A importância desses vários eventos nos efeitos do etanol sobre a função do sistema nervoso central ainda não foi bem esclarecida.5 A dopamina atua na mediação das conseqüências prazerosas do álcool. Em modelos animais, o álcool aumenta a excitabilidade ou os disparos dos neurônios dopaminérgicos e a liberação de dopamina em neurônios de núcleos específicos. Foi proposto que a vulnerabilidade à dependência ao álcool se correlaciona com um sistema hipofuncional mesolímbico dopaminérgico.12 Os efeitos reforçadores e prazerosos do álcool são mediados, pelo menos em parte, pelo sistema opióide. Estes efeitos resultam da atuação principalmente nas vias de produção de beta endorfina.12 11 O neuropeptídeo Y é um neuromodulador inibitório ao qual vem se atribuindo a função de modular a noradrenalina, protegendo os circuitos neuronais contra excesso de estímulo. Este peptídeo apresenta um perfil ansiolítico em diversos modelos animais possuindo ação eletrofisiológica similar ao etanol e com provável envolvimento na mediação de seus efeitos.12 Os efeitos da intoxicação aguda pelo etanol no homem são bem conhecidos e incluem uma fala arrastada, incoordenação motora, aumento da auto-confiança e euforia. O efeito sobre o humor varia entre as pessoas e a maioria delas torna-se mais ruidosa e desembaraçada. Alguns, contudo, ficam mais morosos e contidos. Nos níveis mais elevados de intoxicação, o humor tende a tornar-se altamente lábil, com euforia e melancolia, agressão e submissão muitas vezes ocorrendo simultaneamente.5 1.6 Genética e alcoolismo Foi demonstrado que a transmissão da vulnerabilidade ao alcoolismo dos pais para os filhos é devida em grande parte ou totalmente a fatores genéticos.13 Estudos realizados com gêmeos mostram ainda que os genes influenciam até mesmo o padrão de uso como a freqüência, a quantidade e dimensões de efeito do álcool como o pico de concentração sanguínea e taxa de excreção.14,15,16 Ter um parente alcoólico é um fator de risco significativo para o desenvolvimento da doença. Filhos de alcoólicos têm uma chance cinco vezes maior de desenvolver problemas relacionados ao álcool do que filhos de 12 não alcoólicos.13 Na realidade 40 a 60% da variação na vulnerabilidade ao álcool teria uma base genética.15 Apesar das fortes evidências de componentes genéticos associados ao alcoolismo, a detecção de polimorfismo em genes específicos envolvidos nessa relação tem dado resultados ainda insatisfatórios. Muitos são os genes candidatos mas, devido à contribuição dos fatores ambientais na gênese do alcoolismo, tem sido difícil estabelecer, com segurança, quais os alelos que participariam desse processo. Estes genes provavelmente interagem com os fatores ambientais, porque os experimentos genéticos sugerem que o meio ambiente tanto pode exacerbar quanto diminuir a expressão genética de predisposição ao alcoolismo.17,18 Como relatado acima, diversos são os genes candidatos tanto relacionados ao metabolismo do etanol quanto a neurotransmissores e seus respectivos receptores que, de uma forma ou outra, estejam envolvidos com a ação do álcool no organismo. Até o momento, os únicos genes comprovadamente envolvidos com a susceptibilidade ou resistência ao alcoolismo têm sido aqueles relacionados com o metabolismo do etanol, mais especificamente, os genes codificadores da álcool desidrogenase (ADH) e da aldeído desidrogenase (ALDH). Outros genes, entretanto, têm sido bastante estudados. Procuraremos, inicialmente, fazer uma breve análise desses achados. 1.6.1 Genes para os receptores do ácido gama-amino-butírico (GABA) O Gaba é o neurotransmissor envolvido com os processos inibitórios do sistema nervoso central. São conhecidos atualmente três tipos de receptores 13 respectivamente GABAA, GABAB e GABAC. O receptor GABAA apresenta múltiplas subunidades que, por sua vez, são codificadas por diversos genes já identificados. Há trabalhos na literatura associando o alcoolismo a alterações em alguns desses genes. Estudos ainda são necessários, entretanto, para não só determinarmos todos os genes envolvidos como para compreendermos o mecanismo através do qual o GABA se relaciona com o alcoolismo.17,18,19 1.62 Genes para receptores de dopamina Há muito se suspeita do envolvimento da dopamina no alcoolismo porque se acredita que os efeitos de gratificação do álcool sejam mediados pelo sistema mesolímbico da dopamina. Há 5 receptores já descritos para este neurotransmissor. Diversos grupos descreveram uma associação entre o alcoolismo e alterações no gene do receptor para dopamina D2 (DRD2), responsável pela regulação da liberação e síntese da dopamina.20,21 Outros autores, entretanto, não conseguem reproduzir os mesmos resultados.22 Os resultados obtidos para outros genes dos receptores de dopamina também são inconsistentes.17,23,24 1.63 Genes para o transportador de dopamina Os dados descritos na literatura e o envolvimento desses genes são conflitantes e um maior número de experimentos são necessários. Alguns autores acham que o envolvimento de alterações nesses genes atuem, de certa forma, sobre o alcoolismo mas de modo indireto, através de outras funções exercidas pela dopamina no sistema nervoso central.17,23,24 1.64 Gene para o Neuropeptídio Y Também foi proposto o envolvimento do gene codificante para o neuropeptídeo Y sem resultados ainda conclusivos.25 14 1.6.5 Genes relacionados ao metabolismo do etanol Como já foi dito anteriormente, o metabolismo do etanol influencia fortemente a probabilidade de o indivíduo ser dependente ou mesmo desenvolver uma reação de aversão consumo do álcool. Seguramente, os genes envolvidos no metabolismo do etanol são os únicos comprovadamente associados ao alcoolismo. Aliás, devemos enfatizar que esses genes do metabolismo humano do etanol são um raro exemplo de como a variação alélica contribui para uma doença complexa, intervindo na fisiologia e no comportamento dos indivíduos.7 1.6.5a Genes relacionados à aldeído desidrogenase Com relação aos estudos genéticos sobre a enzima aldeído desidrogenase (ALDH), a literatura registra um menor número de dados. Sabese, entretanto, que a ALDH apresenta várias isoenzimas e os estudos genéticos têm focalizado principalmente a isoenzima ALDH∗2 que se encontra localizada no cromossomo 12, apresentando, também, grande variabilidade.17,18 O alelo ALDH2*2 não está presente em indivíduos brancos ou negros americanos porém é bastante comum em asiáticos como, por exemplo, em 43% de uma população japonesa analisada.7,9 Este gene tem sido indicado como um marcador de indivíduos com dependência alcoólica, e a sua deficiência pode ser interpretada como um fator protetor. Alguns trabalhos têm mostrado que o alelo ALDH*2 se encontra reduzido em indivíduos alcoólicos na população asiática. A presença deste alelo contribui em cerca de dez vezes a 15 redução do risco de dependência alcoólica quando comparado com outros genes do metabolismo do etanol.27 1.6.5b Genes relacionados à Álcool Desidrogenase (ADH) A relevância dos genes para esta enzima no processo do alcoolismo será abordada no tópico seguinte. 1.7 A Enzima Álcool Desidrogenase A álcool desidrogenase é uma enzima citoplasmática solúvel, restrita principalmente aos hepatócitos, que oxida o etanol e, simultaneamente, reduz o NAD+ em NADH. Mesmo após uma pequena ingestão de etanol, a concentração plasmática é suficiente para saturar o sítio ativo da enzima de forma que a taxa de eliminação do etanol praticamente independe da concentração plasmática e corresponde, no homem, a cerca de 0,1 g/Kg de peso corporal/hora (cerca de 10 ml/hora em média). Na prática, a taxa de metabolização depende mais da disponibilidade de NAD+ do que da saturação enzimática. A limitação imposta pela taxa restrita de regeneração do NAD+ sobre o metabolismo do etanol motivou tentativas de descobrir um agente da “sobriedade” que atuasse pela regeneração de NAD+ a partir da NADH. Um desses agentes é a frutose, a qual é reduzida por uma enzima que necessita de NADH. Em altas doses, gera um aumento pequeno, porém mensurável, na taxa de metabolização do etanol. Contudo o efeito não é suficientemente intenso para gerar um aumento significativo na velocidade de retorno à sobriedade.28 16 O conjunto de enzimas chamadas de álcool desidrogenase apresentam uma grande complexidade genética e funcional. Estas enzimas variam bastante em suas propriedades farmacocinéticas. As várias formas da enzima ADH são divididas em cinco classes distintas de acordo com as suas subunidades, composição de suas isoenzimas e em suas propriedades físico-químicas.29,30 As cinco classes de enzimas ADH são codificadas por sete diferentes genes, todos localizados no braço longo do cromossomo quatro. • Classe I – Representada pelas isoenzimas codificadas pelos genes ADH1, ADH2 e ADH3. As enzimas desta classe codificadas por estes genes têm o papel principal no metabolismo do etanol. • Classe II – Representada pelas isoenzimas codificadas pelo gene codificador ADH4 • Classe III - Representada pelas isoenzimas codificadas pelo gene codificador ADH5 • Classe IV - Representada pelas isoenzimas codificadas pelo gene codificador ADH7 • Classe V - Representada pelas isoenzimas codificadas pelo gene codificador ADH6 [22]. A figura 4 mostra os diferentes genes que codificam as diversas classes de ADH e ainda os polimorfismos associados ao alcoolismo dos genes ADH1C e ADH1B e a figura 5 a localização destes no cromossoma 4. 17 Figura 4- localização cromossomal dos genes para ADH Figura 5- Localização dos genes para ADH no cromossoma 4 Ilustração retirada de página na internet.31 O quadro1 expressa a nomenclatura utilizada para os genes ADH humanos. Neste trabalho utilizaremos apenas a nomenclatura mais recente. 18 Quadro 1- Nomenclatura para genes ADH humanos Classe Gene Alelos Nomenclatura antiga Alelos Nomenclatura recente I ADH1 ADH1*1 ADH1A ADH2 ADH2*1 ADH1B*1 ADH*2 ADH1B*2 ADH2*3 ADH1B*3 ADH3*1 ADH1C*1 ADH3*2 ADH1C*2 ADH3 II ADH4 ADH4 Mantida III ADH5 ADH5 Mantida IV ADH7 ADH7 Mantida V ADH6 ADH6 Mantida O quadro 2 expressa as características destas classes de enzimas quanto ao gene que as codifica, subunidade codificada, isoenzimas e localização no cromossomo. 19 Quadro 2- Características das classes de ADH# Classe Gen Subunidade Isoenzimas Diméricas codificada Localização no Cromossomo Classe I ADH ADH 1 ADH1A α αα, αβ1, αβ2, αγ1, 4q22 ADH2 ADH21B*1 β1 αγ2 4q22 ADH1B*2 β2 β1β1, β1β2, β1γ1, ADH1B*3 β3 β1γ2 γ1 β2β2, β2γ1, β2γ2 δ3 β3β3 ADH3 ADH1C*1 ADH1C*2 4q22 γ1γ1, γ1γ2 γ2γ2, γ1γ2 Classe II ADH ADH4 ADH4 π ππ 4q21-25 ADH5 χ χχ 4q21-25 ADH7 Σ Σ 4q23-24 ADH6 ?* ?* 4q21-25 Classe III ADH ADH5 Classe IV ADH ADH7 Classe V ADH ADH6 *Composição da subunidade desconhecida Tabela retirada e modificada de D P Agarwal.32 O quadro 3 apresenta um sumário dos polimorfismos encontrados nos vários alelos da ADH 20 Quadro 3- Polimorfismos dos genes ADH Alelo Subunidade Mudança de Codificada nucleotídeo Efeito na proteína Exon ADH1A*1 α Forma selvagem ADH1B*1 β1 Forma selvagem ADH1B*2 β2 47G>A Arg>His 3 ADH1B*3 β3 369C>T Arg>Cis 9 ADH1C*1 γ1 ADH1C*2 γ2 349G>A Ile>Val 8 ADH4 π -192; -159; -75 Atividade reduzida Promotora ADH5 χ Forma selvagem ADH6 ?* ?* ADH7 Σ Forma selvagem Forma selvagem (estudado neste trabalho) ?* * = Desconhecido Quadro retirado e modificado de D P Agarwal.32 O grupo de genes mais estudados até o momento correspondem àqueles que codificam as enzimas ADH da classe I. Os estudos genéticos indicam que os alelos ADH1B*2, ADH1B*3 E ADH1C*1 codificam para a sub-unidade das proteínas que, por sua vez, apresentam grande atividade enzimática. Indivíduos que possuem esses alelos apresentam uma maior facilidade na conversão de etanol em ácido acético.30 O alelo ADH1B*2 não foi encontrado em população negra e é raro (menor que 5%) entre indivíduos brancos. Entretanto este alelo é encontrado com predominância na população asiática. O alelo ADH1B*3 está presente em cerca de 15-20% entre os descendentes de africanos e índios americanos24. 21 Recentemente, um estudo mostrou que os genótipos ADH5 e os diplótipos de ADH1A, ADH1B, ADH7 e ADH2 estão associados à dependência alcoólica em americanos tanto de origem européia quanto africana. A multiplicidade dos efeitos dos genes observada confirma que a dependência alcoólica é uma desordem multigênica. É importante salientar que existem estreitas associações positivas ou negativas entre as enzimas ADH e ALDH. Sendo assim, para uma apreciação dos efeitos dessas enzimas faz-se necessário não só o conhecimento dos polimorfismos da ADH como também da ALDH.29 O quadro 4 apresenta uma síntese da relação entre os polimorfismos das diferentes ADH, sua expressão e as populações aonde foram encontradas. Observe-se que, entre estas, há pouco ou nenhum estudo na América Latina e no Brasil. 22 Quadro 4- Relação entre o polimorfismo e a dependência alcoólica nas diferentes populações. Gene ou Alelo Achado positivo População SNP16*Arg - ADH1B*1 Aumenta o risco para Japoneses, Chineses dependência alcoólica SNP16*His - ADH1B*2 Protege contra dependência Nativos Tailandeses Atayal, ou alcoólica Chineses, Europeus, Judeus, SNP14*Cis - ADH1B*3 SNP17*Ile - ADH1C*1 Afroamericanos Protege contra dependência Chineses, Europeus alcoólica SNP17*Val – ADH1C*2 ADH5 Aumenta o risco para Chineses, Americanos dependência alcoólica mexicanos, Nativos americanos Dois marcadores relacionados com dependência alcoólica ADH4 Várias variantes associadas com Asiáticos orientais dependência alcoólica ADH7 Papel epistático na proteção Asiáticos contra dependência alcoólica (SNP = “Small Nucleotide Polimorphism”) Quadro retirado e modificado de Xingguang Luo et al.33 1.7a O gene ADH1C Como pode ser visto na Tabela 3,o gene ADH1C apresenta duas isoformas: a γ1 e a γ2. A γ1 tem isoleucina e a γ2 apresenta valina e glutamina. A forma γ1(Ile.Ile) codifica uma enzima que apresenta uma velocidade de metabolização do álcool duas vezes e meia maior que a forma γ2 (Val.Val).Isto implica em um acúmulo de aldeído acético que é capaz de gerar o quadro de “flushing” já descrito, dando lugar a uma aversão ao álcool, diminuindo, consequentemente o risco de seu consumo.Por outro lado, indivíduos com 23 metabolização mais lenta ( forma γ2 Val.Val) tenderiam a consumir mais álcool desde que não apresentariam o “flushing” após uma ingestão do mesmo e tenderiam a prolongar por mais tempo o etanol no sangue. 8,34 Ainda com relação ao alelo ADH1C*1, a sua freqüência é de 55-60% na população descendente de europeus e de 90% na população chinesa.31,35 A distribuição mundial do polimorfismo Ile349Val do alelo ADH1C está mostrado na figura 6 Legenda: Amarelo=Isoleucina Azul=Valina (aminoácido ancestral) Figura 6- Distribuição mundial do polimorfismo Ile349Val do gene ADH1C Amarelo= Isoleucina Azul=Valina Observam-se poucas diferenças entre as regiões estudadas. Em quase todas as populações encontramos tanto isoleucina quanto valina sendo que há 24 predominância de isoleucina em quase todas as regiões apesar de a valina ser o aminoácido ancestral. Na América do Sul, esta distribuição foi avaliada somente em algumas populações indígenas da região amazônica. Estas populações correspondem às etnias: Quéchua (Peru),Surui ( Brasil - fronteira entre o Mato Grosso e Rondônia), Ticuna (Brasil – fronteira com a Colômbia e o Peru) e Karitiana (Brasil – Rondônia).31Pode-se observar também que essas etnias são semelhantes geneticamente com predomínio de isoleucina. No Brasil existem poucos trabalhos publicados sobre a variante da álcool desidrogenase e a população brasileira. O gene ADH1C foi estudado apenas nas populações indígenas citadas, na região amazônica. Nishimoto e cols. estudaram o polimorfismo ILE349Val, mas não em trabalho relacionado com alcoolismo e sim como um fator de risco de câncer no trato aerodigestivo, pois este polimorfismo teria relação, segundo a literatura, com câncer de cabeça e pescoço36. 2 Justificativa e Objetivos 2.1 Justificativa Diversos dados obtidos nos últimos anos sugerem que a atividade das enzimas ADH e ALDH é de extrema importância no estabelecimento da dependência alcoólica. A expressão do gene ADH1C tem sido indicada como um fator importante neste processo. Estudos sobre genética populacional revelaram uma grande variação (polimorfismo) na presença desse gene entre brancos, negros, asiáticos, índios americanos e descendentes de africanos. No nosso país diversos estudos têm sido realizados sobre a dependência alcoólica, abordando aspectos clínicos e epidemiológicos. Poucos são os estudos sobre os aspectos genéticos na população brasileira.38 Também 25 desconhecemos estudos correlacionando polimorfismos do gene da álcool desidrogenase e o histórico familiar dos indivíduos. Além disso, como relatado, a expressão desses genes varia com a população. Dada à grande miscigenação existente no Brasil, tal fato torna nosso país um excelente modelo para análise de incidência de polimorfismo. 2.2 Objetivo geral Estudar se existe relação entre a dependência alcoólica e a presença de polimorfismo do gene da álcool desidrogenase ADH1C, mais especificamente o polimorfismo Ile349Val em indivíduos freqüentadores de reuniões coordenadas pelo grupo denominado de Alcoólicos Anônimos que relatam serem dependentes de álcool comparado a um grupo controle de amostra de conveniência. Paralelamente analisar a relação entre este polimorfismo em relação ao histórico familiar de alcoolismo de nossas amostras. 2.3 Objetivos secundários 1- Verificar se há alguma diferença significativa na distribuição do polimorfismo em nossa amostra se dividirmos os grupos por sexo dos indivíduos. 2- Correlacionar a distribuição do polimorfismo Ile349Val e o histórico familiar de alcoolismo dos indivíduos da amostra tanto no grupo controle quanto no grupo dos alcoólicos, considerando o sexo dos indivíduos. 26 3 Material e Métodos 3.1 Desenho do Estudo Este estudo é de caráter transversal tipo caso-controle e constou de um grupo de 120 indivíduos divididos em dois grupos: um grupo de 54 indivíduos freqüentadores dos Alcoólicos Anônimos e um grupo de uma amostra de conveniência considerado controle. As amostras foram obtidas de voluntários participantes do grupo de AA com a permissão do Coordenador das reuniões. Aos participantes foi apresentado um questionário indagando sobre a nacionalidade, cor, sexo, idade, consumo de tabaco ou outras drogas e histórico familiar de alcoolismo. O cálculo do tamanho amostral foi feito baseado na freqüência para genótipos AA, AG e GG do gene ADH1C descrito em banco de dados na internet.38 (anexo 1.). 3.2 Critérios de inclusão e exclusão no grupo de dependentes de álcool Inclusão: Indivíduos que freqüentavam grupos de Alcoólicos Anônimos na cidade do Rio de Janeiro, brasileiros, filhos de pais brasileiros, maiores de 18 anos e que se declaravam como dependentes químicos e cuja droga de escolha era o álcool. Exclusão: Indivíduos não brasileiros ou filhos de não brasileiros, menores de 18 anos, que não se declaravam como dependentes químicos ou cuja droga de escolha não era o álcool ou associavam o consumo de álcool a outras drogas. 27 3.3 Critérios de inclusão do grupo controle Indivíduos brasileiros e filhos de brasileiros com idade acima de 50 anos, que relatavam que nunca freqüentaram os Alcoólicos Anônimos e que negavam ter ou ter tido problemas com álcool ou qualquer outra droga. A escolha para o critério de idade acima de 50 anos é baseada no fato de a doença geralmente se iniciar entre os 20 e os 50 anos. Desta forma, minimizamos o risco de estudarmos um individuo incluso no grupo controle que desenvolverá a doença mais tarde. 3.4 Aspectos éticos Trata-se de um estudo de genética molecular, onde todos os indivíduos convidados a participar do estudo foram informados através de termo de consentimento, livre e esclarecido, no qual foi explicado o objetivo da pesquisa assim como o procedimento de coleta da amostra. (Termo de consentimento em anexo). Estivemos, ainda, em reunião com os dirigentes dos Alcoólicos Anônimos do Rio de Janeiro onde ficou decidido que esta pesquisa não entra em conflito com as tradições da irmandade. O desenvolvimento experimental deste trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Protocolo de Pesquisa n° 069/07 – CEP emitido em 16/06/2007. 3.5 Coleta do material Foi coletado escovado de células provenientes da mucosa oral através de fricção, durante 30 segundos, na parte interna da bochecha (superior e inferior), sempre girando a escova. O processo foi repetido com uma segunda escova no outro lado da bochecha. Após a coleta, a escova foi guardada em 28 um tubo e transportada para o laboratório, à temperatura ambiente. Este procedimento é indolor e sem risco para o indivíduo. 3.6 Extração do DNA A escova contendo o material biológico foi mergulhada em tubo eppendorf de 1,5 mL contendo 500 uL de tampão de lise (Tris-HCl 10 mM, pH 7.5; EDTA, 10 mM; NaCl 10 mM; SDS a 2 %) e contendo 15 uL de proteinase K, 10mg/mL. Movimentos circulares foram feitos para retirar o material da escova.A proteinase K (PK) foi diluída em tampão Tris-HCl pH7.5 10mM, NaCl 100mM, glicerol 10%e estocada a -20°C (concentração final em 500 μL, 0,3mg/mL) O material foi incubado por 2 horas a 56 oC. Foram adicionados 500 uL de fenol:clorofórmio:álcool-isoamílico (1:1) e, logo em seguida,o tubo foi agitado por cerca de 1 minuto, centrifugado a 8000 rpm por 5 minutos, com posterior retirada da fase aquosa com”tip” de barreira que foi transferida para outro tubo previamente marcado. Foram adicionados 15 uL de NaCl 5M e 1000 uL de etanol a 95% e misturados por inversão. Em seguida, o material foi Incubado a 200C, no mínimo por 1 hora, com posterior centrifugação durante 20 min. a 8000rpm. O sobrenadante foi retirado por sucção e o precipitado contendo o DNA foi secado. Finalmente o DNA foi ressuspendido em 26 uL de água e estocado a 20°C. 29 3.7 Reação em cadeia pela polimerase (PCR) O DNA foi processado através da PCR conforme descrito no quadro 5. A PCR foi feita usando-se 2μl de DNA, 100ng de cada iniciador, dNTP 200 μM, MgCl2 2.0mM, KCl 50mM, Tris HCl 10mM (pH 8,4), e 0,5 U de “amplitaq DNA polimerase” em um volume total de 25μl. Iniciadores: A3FXNFOR1 (5’-TTG TTT ATC TGT GAT TTT TTT TGT-3’) ; A3FXNREV3 (5’-CGT TAC TGT AGA ATA CAA AGC -3’). 39 Todos os protocolos de ciclagem foram feitos conforme descrito no quadro 5 com uma ciclagem inicial de 95°C, por 5 min, e uma final de 72°C, por 10 min Os produtos da PCR foram digeridos com 5U da enzima de restrição Sspl, com o uso do tampão recomendado pelo fabricante New England corporation.30 Quadro 5- Condições de ciclagem da Reação em cadeia pela polimerase Sítio Iniciadores Direto e Reverso Condições polimórfico de Enzima Ciclagem Tamanho do Fragmento (pb) ADH1C A3FXNFOR1 (5’-TTG TTT 95°C (5min), SspI Ile 349Val ATC TGT GAT TTT TTT TGT- 95°C(15s) 3’) A3FXNREV3 (5’-CGT + 51°C (15s)+ TAC 72°C (75s)x TGT AGA ATA CAA AGC-3’) Sítio Sitio ausente presente 378 274+ 104 40 ciclos 72°C (10min) *Quadro adaptado de técnica descrita na página da internet do Kidd Labs.39 30 3.8 Análise do produto formado A análise do produto formado foi realizada através da técnica de eletroforese em gel de poliacrilamida a 10%. O gel foi obtido pela mistura de acrilamida-bisacrilamida (30:8) 3,32ml; tampão TBE 5x concentrado 2 ml;persulfato de amôneo 10%, 240μl; TEMED 2,66μl e água destilada 4,44 ml. O tampão TBE 10x concentrado continha Tris-base 60,5g, ácido bórico 30,85g, EDTA 3,72g, diluídos em água destilada para 1l. O gel foi corrido em cuba apropriada para eletroforese contendo tampão TBE 1x concentrado. A voltagem utilizada foi de 80 volts. 3.9 Coloração pela prata Em seguida o produto do gel foi evidenciado pela coloração pela prata e obedeceu às seguintes etapas: 1-O gel foi colocado em solução fixadora formada pela mistura de 5ml de etanol, 0,37 ml de ácido acético e água destilada para 50ml. O período de fixação foi de 15 minutos, com agitação leve. 2- A solução fixadora foi retirada e, em seguida, o gel foi corado pela prata. Para tanto o gel foi imerso em uma solução contendo 0,1g de nitrato de prata em água destilada para 50 mL de volume final e deixado durante 10 minutos com agitação leve. 3- Após a coloração, o gel foi lavado rapidamente com 50ml de água destilada e colocado em solução reveladora que continha 1,5g de NaOH, 0,4ml 31 de formaldeído e água destilada para 50ml de volume final.Após a coloração satisfatória das bandas, o gel foi incubado em 50 ml de solução fixadora, por 10 minutos, seguido de documentação fotográfica. 3.10 Análise estatística Para a análise estatística dos dados encontrados, os grupos foram comparados não só através do percentual entre os diferentes dados assim como, utilizando-se o teste do Qui-Quadrado ou o teste de Fisher, quando indicado, usando-se o programa Epi Info. Os valores de p calculados foram considerados significativos quando menores que 0,05 ou seja, o nível de significância foi de 5%. 32 4 Resultados Com o objetivo de verificar a viabilidade do método utilizado para obtenção do DNA através de escovado da mucosa oral, realizamos a coleta e extração de DNA de doadores voluntários, conforme descrito em MATERIAIS e MÉTODOS. Posteriormente o DNA foi amplificado pela reação em cadeia pela polimerase (PCR) utilizando-se o iniciador para a região do gene ADH1C (Ile349Val). Conforme mostra o resultado da Figura 7, os produtos de amplificação obtidos após tratamento com a enzima de restrição SspI são compatíveis com os esperados e descritos por OSIER et al,2002.30 Observa-se, no canal 2, um produto amplificado de 378 pares de base (pb). Um produto com este peso molecular indica que este gene não foi sensível ao tratamento com a enzima de restrição SspI. Já no canal 3 vemos o produto de amplificação do gene ADH1C apresentando 2 fragmentos respectivamente de 104 e 278pb, demonstrando que este alelo é sensível à enzima de restrição SspI. 33 1 2 3 Figura 7- Produto amplificado do gene ADH1C. Canal 1- escala de pares de base 100pb; Canal 2- produto amplificado de 378 pb não sensível à ação da enzima SspI; Canal 3- produto amplificado sensível à SspI onde se notam os produtos de 274 e104 pb Na Figura 8 ilustramos as diferenças entre os indivíduos homozigóticos e heterozigóticos. Para tanto, DNA de três voluntários diferentes foi extraído, amplificado por PCR e posteriormente tratados com enzima de restrição SspI e o produto submetido à analise em gel de poliacrilamida e corado pela prata conforme descrito. No canal 2 vemos a presença de apenas 2 fragmentos de 104 e 278 pb, respectivamente. Este dado indica que este gene é sensível à enzima de restrição como referido na Figura 7. Conclui-se, também, que o indivíduo é do tipo homozigótico já que os dois alelos apresentaram o mesmo 34 comportamento. No canal 3, temos outro exemplo de individuo homozigótico. Pode-se observar a presença de apenas 1 fragmento de 378 pb o que indica não só que o gene deste indivíduo não é sensível à SspI como também que os seus alelos se comportaram da mesma forma, demonstrando a homozigose. Já no canal 4, verificamos a presença de três bandas de peso molecular 104, 278 e 378 pb, respectivamente. Este fato demonstra a heterozigose deste indivíduo já que um alelo se mostrou sensível à enzima SspI (originando 2 fragmentos de 104 e 278 conforme descrito anteriormente) e o outro não sensível (um fragmento apenas de 378pb). O gene que apresenta a ausência de sitio de restrição para a enzima SspI corresponde ao genótipo Guanina Guanina (GG) significando que vai formar uma proteína com a composição Val349Val, (Val corresponde ao aminoácido valina) situada no exon 8. Esta é a forma ancestral do gene. Este genótipo, como descrito, indica predisposição ao alcoolismo. Já o DNA sensível à enzima de restrição corresponde ao tipo Adenina Adenina (AA) o que gera na posição 349 o tipo portador de isoleucina ou seja Ile349Ile o que sugere proteção ao alcoolismo pelos dados da literatura.33 O genótipo tipo AA que produz a enzima Ile349Ile corresponde à enzima de alta atividade.30,33 O tipo heterozigótico, obviamente, apresenta o genótipo A/G que gera a enzima do tipo Ile 349Val. 35 1 2 3 4 FIgura 8- Canal 1- escala de pares de bases ( 100 bp); canal 2- corresponde ao DNA de indivíduo homozigóto, apresentando dois fragmentos de 104 e 278 bp correspondendo ao tipo AA, ou Ile.Ile. Canal 3- corresponde a outro DNA de individuo homozigótico, apresentando ausência de sítio de restrição para enzima SspI , o que corrresponde ao genótipo GG ou Val/Val. Canal 4corresponde ao DNA de indivíduo heterozigótico sendo um alelo com ausência do si´tio de restrição para enzima SspI com genótipo G e aminoácido na proteína Val, e o outro alelo com a presença do sítio de restrição com genótipo A e aminácido Ile. Gerando 3 fragmentos no mapa de restrição de 378bp, 274 e 104 respectivamente, correpondente um indivíduo com genótipo Ile.Val Uma vez confirmada a eficácia do método, fomos então analisar as nossas amostras. 36 O DNA de 120 indivíduos sendo 66 controles (C) não alcoólicos e 54 pertencentes aos Alcoólicos Anônimos (AA) foram analisados. O DNA foi amplificado pela PCR e, após tratamento com a enzima de restrição Sspl, o produto foi analisado em gel de poliacrilamida para identificação do polimorfismo Ile349Val do gene ADH1C conforme descrito em Materiais e Métodos. Todos os controles eram indivíduos com idade igual ou superior a 50 anos. Este critério, como já explicado, foi uma tentativa de minimizar o risco de se colocar no grupo controle um indivíduo mais jovem que poderá vir a desenvolver um quadro de dependência alcoólica mais tarde. A utilização de indivíduos do grupo de Alcoólicos Anônimos nos dá um bom grau de certeza de que todos os indivíduos analisados eram dependentes químicos de álcool. Por outro lado, como sabemos, os AA constituem um grupo heterogêneo onde não é feita a distinção entre classes sócio-econômicas, cor, grau de escolaridade, etc, fato que torna a nossa amostragem mais significativa. A análise dos questionários (anexo 2.) distribuídos a cada participante da pesquisa, conforme referido em MM, nos permitiu distribuir os indivíduos da maneira como pode ser vista na tabela 1e figuras 9 a, b e c. 37 Tabela 1-Distribuição dos indivíduos analisados de acordo com sexo, raça e história familiar de alcoolismo. Controles(n=66) ( %) AA(n=54) Sexo N N ( %) Homens 31 (46,97) 42 (77,78) p=0.00058 Mulheres 35 (53,03) 12 (22,22) OR=0.25 RR=0.57 Quiquadrado=11.83 Cor Caucasianos 51 (77,27) 43 (79,63) p=0.755 Negros 15 (22,73) 11 (20,37) OR=0.87 RR=0.94 Quiquadrado=0.1 Parentes alcoólicos* Sim 18 (27,27) 41 (78,85) p=0.000000 Não 48 (72,73) 11 (21,15) OR=0.1 RR=0.38 Quiquadrado=30.94 *Entre os indivíduos AA, dois não souberam responder sobre a existência ou não de parentes alcoólicos. Para o cálculo foi utilizado o teste de qui-quadrado 38 Figura 9a - Representa o número de indivíduos de cada grupo segundo o sexo Figura 9b - Representa o número de indivíduos de cada grupo segundo a etnia. 39 Figura 9c - Representa o número de indivíduos de cada grupo segundo o histórico familiar de alcoolismo. A análise desta tabela e da figura 9c é compatível com o caráter genético deste distúrbio de comportamento pois os indivíduos AA apresentam um percentual de parentes com história de alcoolismo significativamente superior aos controles p<0,001. Convém salientar a proporção de indivíduos fumantes em nossa amostra. Consideramos esses dados à parte e os resultados estão mostrados nas figuras 9a e 9b onde se nota uma acentuada proporção de indivíduos fumantes entre os alcoólicos. Salientamos este fato por ser um evento que ocorre em pacientes dependentes químicos.12 40 75% 80% 60% 40% 25% 20% 0% Fumantes Não fumantes Figura 10a - Proporção de indivíduos fumantes e não fumantes no grupo controle 60% 60% 40% 40% 20% 0% Fumantes Não fumantes Figura 10b - Proporção de indivíduos fumantes e não fumantes no grupo AA Em seguida, caracterizamos a distribuição do genótipo desses indivíduos com relação ao polimorfismo Ile349Val do gene ADH1C.( tabela 2 e figura 11) 41 Tabela 2-Distribuição do gene ADH1C em relação ao polimorfismo Ile349Val em amostra da população da cidade do Rio de Janeiro Genótipo Controle N=66 AA N N (%) (%) N=54 Ile.Ile 29 (43,94) 27 (50,00) P=0,802 Ile.Val 30 (45,45) 22 (40,74) Quiquadrado=0,44 Val.Val 7 (10,6) 5 (9,26) Genotipagem 40 30 Controle N=66 20 AA 10 N=54 0 Ile.Ile Ile.Val Val.Val Figura 11 - Distribuição do gene ADH1C em relação ao polimorfismo Ile349Val em amostra da população da cidade do Rio de Janeiro Por esses dados podemos observar que não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas (p=0,80) na distribuição dos genótipos entre os grupos controle e AA. Podemos concluir portanto que, em relação ao 42 gene ADH1C não encontramos diferenças entre o genótipo dos indivíduos controle comparado ao grupo dos alcoólicos anônimos. Nota-se, também, nesta distribuição um percentual menor de indivíduos com genótipo do tipo Val.Val em ambos os grupos o que sugere, talvez, uma característica da população do Rio de Janeiro embora mais dados sejam necessários para esta observação. Investigamos a seguir se havia diferença significativa quanto ao sexo e o genótipo para o gene ADH1C. Os resultados da tabela 3 mostram que o percentual de homens do grupo AA com genótipo Ile Ile é 2 vezes maior que o resultado para mulheres. Apesar desta observação o dado não parece ser estatisticamente significativo já que encontramos um p>0,05. Podemos concluir que não há, aparentemente, diferenças significativas entre os genótipos controle e AA quando consideramos as populações masculinas e femininas. Tabela 3-Distribuição do gene ADH1C em relação ao polimorfismo Ile349Val em amostra da população da cidade do Rio de Janeiro dividida por sexo dos indivíduos Controles AA Genótipo Homens Mulheres p Homens Mulheres p Ile Ile 15 (48%) 14 (40%) 0,79 24 (57%) 3 (25%) 0,041 Ile Val 13 (42%) 17 (48%) 16 (38%) 6 (50%) Val Val 3 (9,6%) 4 (11%) 2 (5%) 3 (25%) Total 31 35 42 12 X2=0,47 X2=6.38 43 Figura 12a - Distribuição do gene ADH1C em relação ao polimorfismo Ile349Val em amostra da população da cidade do Rio de Janeiro dividida por sexo dos indivíduos controles. Figura 12b - Distribuição do gene ADH1C em relação ao polimorfismo Ile349Val em amostra da população da cidade do Rio de Janeiro dividida por sexo dos indivíduos AA. 44 Devido à grande diferença encontrada no histórico familiar de alcoolismo entre os grupos controle e AA, como já mostrado na tabela 1, resolvemos analisar, com maiores detalhes, estes nossos dados. Inicialmente verificamos a relação entre parentes alcoólicos e não alcoólicos em nossa amostra dividindo os indivíduos por sexo. Os resultados estão mostrados na tabela 4 e figuras 13a e 13b. Tabela 4-História familiar de alcoolismo segundo o sexo dos indivíduos Controles n=66 Com parentes AA n=54 Homens Mulheres estatística Homens Mulheres estatística 5(16,13) 13(37,14) p=0,0557 31(77,5) 10(83,33) p= 0,71 OR=0.08<OR<1,12 OR=0.69 RR=0,23<RR<1,13 RR=0.92 Quiquadrado=3.66 Sem parentes 26(83,87) 22(62,86) 9(22,5) 2(16,66) Controles 30 25 20 15 10 5 0 Com parentes Sem parentes Homens Mulheres Figura 13a - Histórico familiar de alcoolismo nos indivíduos controle 45 Caso 40 30 Com parentes 20 Sem parentes 10 0 Homens Mulheres Figura 13b-Histórico familiar de alcoolismo nos indivíduos AA. O percentual de pacientes alcoólicos com parentes com história de alcoolismo é significativamente superior aos dos indivíduos controles tanto em homens como em mulheres. Este percentual é de 16% nos homens controle contra 77% nos alcoólicos. O mesmo pode ser visto para as mulheres onde vemos 37% nos controles e 83% nos AA. Vale salientar que as mulheres do grupo considerado controle referiram proporcionalmente um maior número de parentes (13/22- 37%) do que os homens (5/26-16,1%). Já no grupo AA, não existe uma diferença significativa entre homens e mulheres em relação ao histórico familiar de alcoolismo. Resumidamente, o risco de um indivíduo alcoólico apresentar parentes alcoólicos é elevado e este risco independe do sexo considerado. Fomos avaliar, então, se haveria alguma associação entre história familiar de alcoolismo comparando independentemente o grupo de homens e o grupo de mulheres em relação a cada genótipo.( tabela 6 e figuras 14a e 14b). 46 Tabela 6- Distribuição genotípica do ADH1C em indivíduos controle e AA do sexo masculino em relação ao histórico familiar Homens Genótipo Ile ile Controle Sem AA N (%) N (%) 11(73%) 6(25%) Mulheres p Controle AA N (%) 0,0069 p N (%) 10(71%) 2(67%) 4 (29%) 1(33%) 10(59%) 0 1,0 parente Com 4 (27%) 18(75%) 12(92%) 3 (20%) 1 (8%) 12(80%) 7(41%) 6(100%) 3(100%) 0 2(50%) 0 0 1(100%) 2(50%) 3(100%) parente Ile val Sem 0,00016 0,0191 parente Com parente Val Val Sem parente Com parente Foi utilizado o teste de Fisher onde a amostra era menor que 5. 47 Figura 14a- Distribuição genotípica do ADH1C em indivíduos controle e AA do sexo masculino em relação ao histórico familiar Mulheres Figura 14b-Distribuição genotípica do ADH1C em indivíduos controle e AA do sexo feminino em relação ao histórico familiar A tabela 6 mostra que o genótipo Ile.Val está, de forma estatisticamente significativa, associado ao histórico familiar de alcoolismo. 48 5 Discussão O alcoolismo é uma doença complexa. Sua etiologia é extremamente diversificada e ainda muito desconhecida pela ciência. Os fatores que influenciam no desencadear e na evolução da doença variam desde aspectos socioculturais do ambiente ao contexto no qual o indivíduo está inserido em seu grupo social. Aspectos psicológicos da personalidade de cada doente, comorbidades psiquiátricas e até fatores orgânicos hereditários também estão presentes. Entre esses últimos que, por sua vez, se incluem desde características morfológicas e funcionais de moléculas receptoras e enzimas metabólicas assim como o complexo funcionamento da fisiologia neurocomportamental.12,40 Todos estes aspectos tornam o estudo do alcoolismo muito difícil, tendo em vista que é um desafio grande isolar e estudar aspectos únicos que possivelmente influenciam na gênese da doença. Este trabalho, portanto, se propõe a isolar um aspecto singular que participa neste processo (o polimorfismo Ile349Val do gene ADH1C) para lançar um olhar a um aspecto mais amplo da etiologia do alcoolismo, a hereditariedade. No presente trabalho, a variação alélica do gene ADH1C Ile349Val foi estudada em uma amostra da população da cidade do Rio de Janeiro em relação à dependência do álcool. Foi igualmente estudada a distribuição deste genótipo na amostra e o histórico familiar dos indivíduos estudados. Em doenças complexas se assume normalmente que os marcadores individuais genéticos têm uma distribuição pequena porém relativamente uniforme através das populações humanas. Neste caso, entretanto, os dados 49 da literatura sugerem que a distribuição é população-específica o que torna mais difícil a detecção de resultados do que se pensava anteriormente.6,15 O genótipo Ile349Val foi escolhido porque, além de ser um dos menos estudados na literatura,particularmente na América do Sul, como referido na Introdução, tais estudos se restringem às tribos indígenas da região amazônica Quechua, Suruí e Ticuna.31 Quanto à distribuição mundial com relação ao ADH1C*1 (Ile.Ile) a sua freqüência é de 55 a 60% na população descendente de europeus e 90% na população chinesa.10,16 Entre as tribos indígenas citadas são encontrados tanto valina quanto isoleucina havendo, também, predominância de isoleucina. Embora a valina seja o aminoácido ancestral, como se pode ver, a predominância é de isoleucina na população mundial.31 Em nossos estudos também encontramos predominância de isoleucina. Pode ser observado o reduzido número de indivíduos Val.Val. Este fato está de acordo com os estudos de Nishimoto e cols. em amostra da população da cidade de São Paulo.36 Os autores, como já citado, estudaram a incidência de câncer de trato aerodigestivo superior desde que o gene ADH1C está relacionando com câncer de cabeça e pescoço. Neste trabalho os autores não estudam a distribuição dos genótipos nem qualquer relação com alcoolismo fugindo, portanto, à temática deste nosso trabalho. Quando comparamos os grupos controle e AA quanto à distribuição do polimorfismo não verificamos nenhuma diferença entre os dois grupos. O tipo Ile.Ile ocorre em 44 e 50% respectivamente para controle e AA.O tipo Ile349Val se apresenta em aproximadamente 45% para ambos os grupos. Não encontramos, portanto, nenhuma diferença estatisticamente significativa.A 50 população Val.Val, para ambos os grupos é muito pequena como salientado acima. Quando dividimos as amostras por sexo também não encontramos diferenças genotípicas. Resumindo, em nosso trabalho não encontramos relação entre o polimorfismo Ile 349Val e alcoolismo. Este resultado não nos surpreende já que, como salientado, essas relações estão na dependência da população estudada e a população brasileira é miscigenada. Francès e cols,12 estudando a população mediterrânea espanhola, também não encontraram diferenças entre o genótipo e o consumo de álcool. Quando esses autores,entretanto, dividiram a população por sexo, verificaram que, apenas entre as mulheres, o tipo Val.Val apresentava tendência acentuadamente maior ao consumo de etanol. Quando analisamos as nossas amostras divididas por sexo e correlacionamos ao histórico familiar, encontramos resultados interessantes.A própria tabela 1 já nos mostra que pacientes alcoólicos têm número significativamente maior de antecedentes familiares com história de alcoolismo sugerindo o caráter hereditário da doença. Esse fato apenas confirma os dados da literatura.1,2 Encontramos ainda evidências da associação do alcoolismo com o uso de tabaco. Esta relação é bem conhecida tanto na pratica empírica dos profissionais de saúde mental quanto em publicações científicas.12 Há estudos que mostram que pacientes alcoólicos tabagistas apresentam maior chance de morte (em caso de morte natural) pelas conseqüências do tabagismo do que pelas conseqüências do próprio alcoolismo.12,41 Se analisamos a relação entre o histórico familiar de indivíduos controle e alcoólicos divididos por sexo, observamos que, tanto entre os indivíduos do 51 grupo masculino quanto do feminino, ocorre uma predominância significativa do genótipo Ile.Val nos indivíduos com parentes alcoólicos. Este fato talvez esteja ligado à presença do aminoácido valina desde que sabemos que o tipo Val.Val contribui para uma maior tendência ao alcoolismo16.Foi impossível, entretanto, analisarmos, de forma satisfatória, o genótipo Val. Val em nossa amostra devido ao número muito reduzido de casos. Somos, portanto, cautelosos com esta interpretação. Analisando a literatura, cremos que é a primeira vez que se faz um estudo utilizando indivíduos dos Alcoólicos Anônimos com o objetivo de estudar a genotipagem. A obtenção dessas amostras foi muito difícil porque, um grande número de indivíduos, embora dispostos a cooperar, sentiam seu anonimato ameaçado e se recusavam a se identificar por causa da assinatura exigida pelo Termo de Consentimento. Apesar de não termos críticas ao Comitê de Ética, a atitude desses indivíduos nos parece bastante compreensível dado o caráter anônimo desta Associação. Este, sem dúvida, é um aspecto e mesmo um desafio para o Comitê de Ética no sentido de facilitar as suas normas para melhor execução dos trabalhos futuros envolvendo esse Grupo, tendo em vista que o termo de consentimento, criado por nós, com o propósito de proteger o indivíduo, neste caso, lhe causava constrangimento. Gostaríamos, também, de salientar que, ao tanto que seja do nosso conhecimento, é a primeira vez que é estudada uma relação entre genótipo e histórico familiar nos moldes do nosso trabalho. Dado ao fato, porém, de que nossa amostragem é restrita à cidade do Rio de Janeiro, pretendemos ampliar esses achados não só em larga escala isto é, aumentando o número de 52 amostras, como utilizarmos os grupos de populações de diferentes regiões do país devido à heterogeneidade da população brasileira. 6 Conclusões 1. Em nossos resultados não encontramos diferenças quanto ao genótipo ADH1C em relação à amostra Controle e a dos Alcoólicos Anônimos. 2. Tanto homens quanto mulheres do grupo de AA apresentam resultado estatisticamente significativo em relação à presença de histórico familiar para alcoolismo em relação ao grupo controle 3. O genótipo Ile Val no grupo masculino é extremamente significativo estatisticamente ao ser associado ao histórico de parentes com alcoolismo p<0001. Em mulheres ocorre também o mesmo fenômeno embora, neste caso, em proporção menor (p=0,019). 4. Estes resultados sugerem que a variante genética Ile.Val do gene ADH1C possa estar associada ao alcoolismo na população estudada. 53 7 Bibliografia 1) Laranjeira R, Nicastri S. Abuso e dependência de álcool e drogas. In: Almeida O, Drsctu L, Laranjeira R, Manual de psiquiatria. Rio de Janeiro: Ghuanabara Koogan; 1996. p. 84-9. 2)Grant GF, Dawson DA. Alcohol and drug use, abuse and dependence: classification, prevalence and comorbidity. In: McCrady BS, Epstein EE, editors. Auditions – a comprehensive guidebook. London: Oxford university press; 1999 p. 10. 3)Edwards G, Gross M. Alcohol dependence: Provisional description of a clinical sindrome. British Medical Journal. 1976; 1:1058-61. 4)Gigliotti A, Bessa M C. Síndrome de dependência do álcool: critérios diagnósticos. Revista Brasileira de Psiquiatria.2004;26(1):11-13. 5)Rang HP, Dale MM, Ritter JM. Dependêcia e uso abusivo de drogas. 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