1 ANÁLISE DO PROCESSO DE ADOÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO1 Bruna Freitas Ducati2 RESUMO: O presente trabalho faz um exame do conceito e das modificações suportadas pelo instituto da família e, especificamente, da adoção, no ordenamento jurídico brasileiro, tendo como enfoque a burocracia na tramitação de seu processo, bem como a (in) eficácia de políticas públicas na área da infância e juventude. Busca analisar os procedimentos adotivos, com o fito de verificar seus problemas e efeitos, inclusive psicológicos, na vida dos envolvidos, procurando, ainda, compreendê-los e desmistificá-los. Palavras-chave: Adoção, legislação da adoção, processo de adoção, burocracia, eficácia, preconceito, afetividade. INTRODUÇÃO O instituto jurídico da adoção tem por objetivo a constituição de filiação civil, dando amparo material e moral à criança e/ou adolescente3 abandonado, visto que, dentre os direitos fundamentais destes, está à convivência familiar e comunitária, conforme prevê o artigo 19, da Lei n. 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente). Por essa razão, em meio à relevância da adoção no Brasil, seja pela preocupação que o abandono de menores nos causa, seja pelo desrespeito dispensado a estes frente aos seus direitos fundamentais, e pela necessidade de proporcionar a estas crianças e adolescentes uma vida digna, dentro de uma família, cabe ser examinada a razão para os numerosos problemas que giram em 1 Artigo extraído do Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, aprovado com grau máximo pela banca examinadora composta pela Profa. Dra. Orientadora Marise Soares Corrêa, Profa. Me. Marilise Kostelnaki Bau e Profa. Me. Telma Sirlei da S. F. Favaretto, em 26 de novembro de 2010. 2 Acadêmica do curso de Ciências Jurídicas e Sociais – Faculdade de Direito – PUCRS. Contato: [email protected] 3 No presente trabalho, utiliza-se a expressão criança e adolescente em consonância com o Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990, com o Código Civil Brasileiro de 2002 e com a Lei Nacional de Adoção de 2009. 2 torno dos processos de adoção, nos quais, em especial, os adotantes se deparam e que, por conseguinte, acabam por afetar os adotados. Nesse diapasão, de acordo com pesquisas, nota-se que os principais óbices encontrados por quem se sujeita ao procedimento da adoção são a lentidão do processo judicial no que tange a sua tramitação; a demora do processo de destituição do poder familiar; a falta de informações, por parte da população interessada, em relação aos procedimentos e requisitos; a burocratização e as dificuldades com as quais se deparam os interessados em realizar a adoção, entre outros. Observa-se, além disso, que os pais exigem que o adotado tenha um perfil identificado com suas famílias. Assim sendo, é mister se fazer uma análise crítica do desenvolvimento e andamento de tal processo, com o intuito de encontrar o foco destes entraves, tendo como principal objetivo a busca pela compreensão de algumas questões relevantes, tais como: por qual razão o procedimento para cadastrar-se, habilitarse e, por fim, efetivar a adoção, é tão lento e complicado? Essa demora acarreta em desistência por parte dos adotantes? O que poderia ser feito para acelerar e desburocratizar esse procedimento? Por qual motivo o número de pessoas que pretendem adotar é tão superior ao número de crianças aptas à adoção no Rio Grande do Sul (conforme pesquisas, são 4.319 pretendentes, para 798 crianças em condições de serem adotadas4)? Não há dúvidas da quantidade de crianças e adolescentes abandonados, sem família, vivendo em situação de miséria, tendo suprimido o exercício da cidadania, contrariando os princípios constitucionais fundamentais. De acordo com buscas feitas em sites da internet, têm-se os seguintes dados, a nível nacional: Estima-se que haja pelo menos 80 mil crianças distribuídas em 2,4 mil abrigos no País, de acordo com o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Destas, apenas 4,5 mil estão disponíveis para adoção, já que a maioria ainda possui algum vínculo jurídico com a família biológica.5 Diante disso, é plenamente justificável que se estude o processo de adoção, seus requisitos e particularidades, a forma como este tramita, examinando suas reais vantagens e desvantagens no que tange ao menor, visando ponderar a 4 5 CADASTRO unificado acelera processos de adoção. Portal Aprendiz, 22 abr. 2010. Disponível em: <http://aprendiz.uol.com.br/content/kipusposhe.mmp>. Acesso em: 13 de agosto de 2010. Idem. 3 eficácia do instituto no que concerne ao seu objetivo principal: dar um lar à criança ou adolescente, atendendo sempre aos seus interesses. O estudo do tema será desenvolvido através pesquisa doutrinária, legislação vigente, jurisprudência, dentre outras fontes. Para a comprovação da pesquisa feita, serão apresentados dados estatísticos, depoimentos e análise dos autos de um processo de adoção, a fim de entender a sua trajetória perante o Poder Judiciário. 1 CONCEITO E MUDANÇAS DA FAMÍLIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO Para nos situar no objeto do presente trabalho, é de suma importância que tracemos um paralelo a respeito da alteração que sofreu o Direito de Família ao longo do tempo, assim como se faz necessário um breve estudo acerca do conceito desta instituição. Conforme nos ensina Paulo Nader, ainda que a definição de família seja dotada de extrema complexidade frente à constante evolução da sociedade no que tange a mudanças de cultura e de hábitos no dia a dia das famílias, o referido Autor nos traz o seguinte conceito: Família é uma instituição social, composta por mais de uma pessoa física, que se irmanam no propósito de desenvolver, entre si, a solidariedade nos planos assistencial e da convivência ou simplesmente descendem uma da outra ou de um tronco comum.6 Nesse contexto, Ana Paula Corrêa Patiño afirma o seguinte: “não obstante a falta de um conceito único do termo família, ela pode ser compreendida como um grupo de pessoas ligadas por vínculos jurídicos e afetivos, decorrentes do casamento ou simplesmente do parentesco”.7 De outro lado, para que uma análise jurídica da família possa ser feita, há que se examinar os aspectos históricos da instituição. Nesse sentido, sabe-se que significativas transformações ocorreram desde os séculos passados, não só na realidade social da família propriamente dita, mas, também, no tocante às leis que regem tal instituição, principalmente com o advento da Constituição Federal de 6 7 NADER, Paulo. Curso de Direito Civil: direito de família. v. 5. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 3. PATIÑO, Ana Paula Corrêa. Direito Civil: direitos de família. São Paulo: Atlas, 2006, p. 1. 4 1988 e com a promulgação do Código Civil de 2002, legislações estas que inovaram, em alguns aspectos, inserindo diversos princípios constitucionais – os quais serão objeto de estudo nos capítulos seguintes – de extrema importância à sociedade. Buscam-se referências históricas para melhor explicar o tema, como nas palavras de Carlos Roberto Gonçalves, que diz que “no Direito Romano a família era organizada sob o princípio da autoridade. O pater famílias exercia sobre os filhos direito de vida e de morte”.8 Este era o chefe da família, tendo liberdade para aplicar penalidades a todos os membros de seu grupo, inclusive à sua mulher, de modo que esta era totalmente subordinada em relação a seu marido. 9 Entretanto, com o passar do tempo, o Direito Romano passou a conceber a família como entidade cristã, de sorte que a instituição familiar mudou, proporcionando maior autonomia à mulher e aos filhos, tornado-se as regras menos rigorosas.10 No ordenamento jurídico brasileiro, o casamento civil foi, durante muito tempo, a única forma reconhecida de se constituir família, sendo que este era indissolúvel, por princípio constitucional de nosso sistema jurídico. Na vigência do Código Civil de 1916, a mulher era considerada relativamente incapaz e encontrava-se em posição inferior ao homem, tendo papel de mera colaboradora no exercício dos encargos da família. Havia discriminação no tocante aos filhos, na época, divididos em filhos “legítimos” e “ilegítimos”. Contudo, inúmeras mudanças foram surgindo na família, por força das ações sociais,11 culminando com o texto constitucional que revoga os conceitos de família, restando a igualdade entre os cônjuges12 e entre os filhos, conforme os artigos 226, § 5º e 227, § 6°. Ademais, a partir da modernidade, surge a igualdade no plano prático em função da emancipação da mulher, sendo destacada a identidade de direitos e deveres entre marido e mulher, competindo a ambos a 8 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: direito de família. v. VI, 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 15. 9 OLIVEIRA LEITE, Eduardo de. Direito Civil Aplicado: Direito de Família. v. 5. São Paulo: RT, 2005, p. 23. 10 GONÇALVES, op. cit., p. 15. 11 CORRÊA, Marise Soares. A história e o Discurso da Lei: o discurso antecede à história. Porto Alegre: PUCRS, 2009. 464 f. Tese (Doutorado em História), Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2009. 12 CORRÊA, Marise Soares. O princípio constitucional da igualdade entre os cônjuges e os reflexos no Direito de Família. Porto Alegre: PUCRS, 1998. Dissertação (Mestrado em Direito), Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 1998. 5 direção da sociedade conjugal, sempre no interesse do casal e dos filhos13, em conformidade com o artigo 1.567, do Código Civil. Foi necessário que nosso Codex adequasse suas normas às novas disposições constitucionais vigentes, de maneira que, a partir de 2002, a legislação civil passou a priorizar, de fato, os vínculos de afeto que, nos séculos anteriores, eram deixados para trás. Por conseguinte, a não discriminação dos filhos passa a ser regulada, não se falando mais em filho legítimo ou ilegítimo, já que, independentemente de a concepção ter ocorrido dentro ou fora do casamento, todos os filhos, atualmente, são considerados iguais perante a lei. Nesse sentido, Marise Soares Corrêa enfatiza: “refletir a respeito da família e das rupturas com ela surgidas, é pensar nas mudanças estabelecidas em um período de tempo que circunscreve uma história em movimento, pertencente a uma cultura e a uma sociedade envoltas em profundas alterações”.14 Sendo assim, clara está a discrepância entre a legislação atual e a anteriormente vigente, podendo-se concluir que obtivemos várias vantagens se compararmos a situação da família antiga com a da família moderna, a qual preconiza a igualdade, o bem-estar e a dignidade da pessoa humana, frente às relações familiares. 1.1 MUDANÇAS NO CONCEITO E NO INSTITUTO DA ADOÇÃO NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO Ainda que as leis não apresentem uma definição para a adoção, Paulo Nader afirma que esta “consiste no parentesco civil, entre pais e filhos, estabelecido mediante negócio jurídico bilateral solene e complexo, formalizado perante a autoridade judiciária”.15 Trata-se de uma “ficção jurídica” fundamentada na vontade de pessoas em constituírem uma família baseada na afetividade, uma vez que tal modelo de filiação não apresenta qualquer relação biológica entre pais e filhos. 16 Logo, a 13 14 15 16 CORRÊA, op. cit., p. 64. doutorado. CORRÊA, Marise Soares, Reflexões sobre a violência familiar, em especial contra a mulher. Direito & Justiça, Porto Alegre: Edipucrs, v. 33, p. 64-79, jun. 2007, p. 73. NADER, op. cit. GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. A nova filiação: o biodireito e as relações parentais: o estabelecimento da parentalidade-filiação e os efeitos jurídicos da reprodução assistida heteróloga. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 497. 6 adoção é um instituto jurídico que imita a chamada filiação natural. É a forma pela qual alguém estabelece com outrem laços de parentesco civil por força de determinação legal, de modo que esta filiação advém de sentença judicial. Nas sábias palavras de Sílvio de Salvo Venosa: A adoção, na modernidade, preenche duas finalidades fundamentais: dar filhos àqueles que não os podem ter biologicamente e dar pais aos menores desamparados. A adoção que fugir desses parâmetros estará distorcendo a finalidade do ordenamento e levantará suspeita.17 Salienta-se que a adoção, além de sua natureza institucional, possui natureza contratual, à medida que se exige a vontade de ambas as partes para que possa ser concretizada, já que ninguém é obrigado de requerer a adoção de outrem, sendo considerada, assim, ato personalíssimo e exclusivo.18 Com relação ao conceito da adoção, é pertinente verificarmos as mudanças legislativas do mesmo que, segundo Artur Marques da Silva Filho, “na sua origem mais remota tinha sentido essencialmente religioso, na medida em que visava perpetuar o culto doméstico dos antepassados”.19 Sua sistematização iniciou-se pelos povos orientais.20 As Leis de Manu exigiam como requisito que o adotando conhecesse os rituais religiosos e preceituavam que aquele que não pudesse ter tido filhos, poderia adotar um para que as cerimônias fúnebres não cessassem.21 Entretanto, foi no Direito Romano onde mais se desenvolveu o instituto, que encontrou disciplina sistemática, com a principal finalidade de proporcionar prole civil àqueles que não possuíam filhos biológicos.22 Nos anos de 1728-1686 a.C., a família e, mais especificamente, a adoção, passaram a ser melhor sistematizadas com a instituição do Código de Hamurabi, que determinou regras expressas para que a adoção pudesse ser efetivada, tais como a idade mínima de sessenta anos do adotante; que este não tivesse filhos naturais e que fosse dezoito anos mais velho que o pretendente à adoção. 23 Ainda, 17 18 19 20 21 22 23 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: direito de família. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 306. GONÇALVES, op. cit., p. 383. SILVA FILHO, Artur Marques da. Adoção: regime jurídico, requisitos, inexistência, anulação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 20. Idem, p. 20. Idem, p. 21. RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 541. SURJUS, Elsie Pereira da Silva. A construção do apego na adoção tardia. Dissertação de Mestrado de Psicologia da PUCRS. Porto Alegre, 2002, p. 7-9. 7 tal legislação tinha especial preocupação com a possibilidade ou não de o filho adotado reclamar o retorno à sua família de origem.24 No que concerne ao direito brasileiro, até o advento do Código Civil de 1916, a adoção não era regulamentada, passando a ser disciplinada, pela primeira vez, a partir de sua promulgação. Porém, o instituto foi pouco utilizado, devido às dificuldades impostas pela lei para que a adoção fosse celebrada. Nesta época, eram algumas das características do instituto: a exigência de que o adotante contasse com, pelo menos, trinta anos de idade, sendo que deveria ser dezesseis anos mais velho que o adotando e, ainda, este deveria ter mais de dezoito anos; se o adotante fosse casado, tal matrimônio deveria ter duração de, no mínimo, cinco anos; a adoção somente seria efetivada com a averbação de escritura pública no registro civil;25 foram estabelecidas diferenças entre os filhos naturais e adotivos, sendo estes inferiorizados em relação àqueles, o que somente foi banido com o advento do Texto Constitucional. Entretanto, a redação do antigo Código Civil foi sendo modificada, conforme novas legislações foram surgindo. Nesse sentido, em 1957, a Lei 3.133 veio inserir alterações no que determinou Clóvis Beviláqua a respeito da adoção, reduzindo a idade mínima para adotar para trinta anos, sendo diminuída, ainda, a diferença de idade entre o adotante e o adotado para dezesseis anos. Posteriormente, em 1965, a Lei 4.655 instituiu a legitimação adotiva ao menor abandonado, fixando sua idade mínima em sete anos, sendo considerado um marco na Legislação Brasileira sobre adoção. A partir do surgimento da Legislação Menorista - Lei 6.697 -, em 1979, a finalidade da adoção passa a ser a proteção integral do menor, implantando duas formas de adoção: adoção simples, que se referia aos menores com idade não superior a dezoito anos, dependendo de autorização judicial e sendo exigido estágio de convivência com o adotando; e adoção plena, que atribuía a condição de filho ao adotado, desvinculando-o de seus pais e parentes, de modo que esta era irrevogável. Com relação à Constituição Federal de 1988, seus artigos 203, inciso II, e 227, parágrafos 5º e 6º, estabelecem que os filhos, havidos ou não da relação de casamento, têm igualdade de direitos, sendo vedadas quaisquer formas de 24 25 SILVA FILHO, op. cit., p. 22. VENOSA, op. cit., p. 323. 8 discriminação relativas à filiação. Em 1990, surge o Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069 – “trazendo em sua essência a proteção especial dos interesses desses sujeitos de direito”26, regulamentando a adoção de menores de até dezoito anos. Com o advento do indigitado Estatuto, alterações foram inseridas no âmbito da adoção no Brasil, podendo ser destacadas, entre elas, a impossibilidade da adoção por procuração; a condição de filho que o adotado passa a sustentar, inclusive no que tange à sucessão; a irrevogabilidade da medida; a irrelevância do estado civil da pessoa interessada em adotar, ressaltando-se que esta deve contar com, no mínimo, vinte e um anos de idade para fazer tal requerimento.27 Com relação ao Código Civil vigente, uma vez que no Estatuto da Criança e do Adolescente somente foi disciplinada a adoção de crianças, a adoção dos maiores de dezoito anos é regida pela Lei Civil de 2002, que teve seus artigos 1.620 a 1.629 revogados, através da promulgação da Lei 12.010 de 2009. Nesse diapasão, a Lei de Adoção, Lei 12.010 de 2009, altera as Leis 8.069 de 1990, 8.560 de 1992 e revoga dispositivos do Código Civil e da Consolidação das Leis do Trabalho, sendo aprovada, segundo Simone Franzoni Bochnia, “na ânsia de proteção à criança e ao adolescente e afirmando mais veemente a tentativa de controle das adoções”.28 Sendo assim, o artigo 1º, de tal legislação, dispõe, em sua redação, sobre o aperfeiçoamento da adoção, visando à garantia do direito à convivência familiar a todas as crianças e adolescentes, de modo que o Estado é o principal responsável pela orientação, apoio e promoção social da família natural – uma vez que a adoção deve ser utilizada somente em último caso29 – conforme preceitua o parágrafo 1º, do referido artigo. Portanto, no decorrer do presente capítulo, puderam-se perceber efetivas alterações, dentre elas, diversas melhorias, no instituto da adoção em nosso ordenamento jurídico, de maneira que esta medida, atualmente, tem o condão e o foco principal na garantia à criança e ao adolescente do direito constitucional de convivência familiar, visando, sobretudo, o interesse e o bem-estar do adotando. 26 27 28 29 BOCHNIA, Simone Franzoni. Da adoção: categorias, paradigmas e práticas do direito de família – Curitiba, Juruá, 2010, p. 44. Idem, p. 48. Idem, p. 234. FIGUEIRÊDO, Luiz Carlos de Barros. Comentários à nova lei nacional de adoção. Lei 12.010 de 2009. 1. ed. Curitiba: Juruá, 2010, p. 16. 9 1.2 OUTRAS FORMAS DE ADOÇÃO De acordo com a legislação vigente, a adoção é revelada em modalidades distintas quanto a sua realização e procedimentos, de modo que cabe fazermos rápida análise de algumas delas, senão vejamos: 1.2.1 Adoção Póstuma Sabe-se que a morte põe fim à personalidade jurídica da pessoa física. Destarte, teoricamente, falecendo o adotante, no curso do processo de adoção singular, este deveria ser extinto, uma vez que a adoção é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível. Entretanto, Arthur Marques da Silva Filho menciona que o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê a possibilidade de “adoção post mortem ao adotante que, após inequívoca manifestação de vontade, vier a falecer no curso do procedimento”.30 Ademais, a regra geral é que a sentença constitutiva de adoção somente passará a produzir seus efeitos após o trânsito em julgado. Ao contrário, no caso de adoção póstuma, os efeitos da sentença retroagem à data do óbito do adotante. Nesse sentido, decidiu o Superior Tribunal de Justiça: ADOÇÃO PÓSTUMA. Prova inequívoca. - O reconhecimento da filiação na certidão de batismo, a que se conjugam outros elementos de prova, demonstra a inequívoca intenção de adotar, o que pode ser declarado ainda que ao tempo da morte não tenha tido início o procedimento para a formalização da adoção. - Procedência da ação proposta pela mulher para que fosse decretada em nome dela e do marido pré-morto a adoção de menino criado pelo casal desde os primeiros dias de vida. - Interpretação extensiva do art. 42, § 5º, do ECA. - Recurso conhecido e provido. (Recurso Especial Nº 457.635, Relator: Ministro Ruy Rosado de Aguiar, Superior Tribunal de Justiça, Julgado em 19/11/2002) No caso em tela, fica evidente a possibilidade de ser deferido o pedido de adoção póstuma ao interessado, muito embora o adotante tenha falecido antes mesmo de iniciados os procedimentos para a adoção, caso em que, conforme referido, a sentença de procedência retroagirá à data de sua morte. Salienta-se 30 SILVA FILHO, op. cit., p. 120. 10 que o processo de adoção, à época do óbito, ainda não havia sido proposto, o que não foi empecilho para que a ação fosse julgada procedente, visto que, em vida, o pré-morto já havia demonstrado inequívoco desejo em adotar o menino. 1.2.2 Adoção Intuitu Personae Há divergência na doutrina com relação à legalidade da adoção intuitu personae, já que esta consiste, conforme leciona Artur Marques da Silva Filho, em “um prévio acordo entre os pais do adotando e os adotantes, visando que estes adotem a criança”31, de forma que a mãe e/ou pai decidem para quem querem entregar seu filho, longe dos procedimentos obrigatórios do Judiciário. Porém, alguns casais, a fim de legalizar a situação da criança recebida, buscam a justiça, ao que descobrem que deverão efetuar o cadastro e aguardar na fila de pretendentes, enquanto aquela criança que, até então, era “sua”, agora ficará em alguma instituição, esperando ser acolhida por uma família a qual seguirá os trâmites legais para a efetivação de sua adoção. Sobre o tema, Eunice Ferreira Rodrigues Granato: Questiona-se se é justo àquele casal que ficou com o recémnascido e que eventualmente o manteve em sua companhia por vários meses, que a ele se afeiçoou, com ele criou vínculos e que, acreditando na justiça a procurou, subitamente o veja tomado de seus braços e talvez o perca para sempre, em nome de uma burocrática “fila”? Essa medida atenderá ao “superior interesse da criança”, uma vez que esse infante sofrerá a dor da separação da família que o acolheu?32 No Estatuto, o artigo 50, parágrafo 13, determina que somente seja possível a adoção, dispensado o cadastro, em se tratando de requerimento de adoção unilateral, quando o pedido for formulado por parente com o qual a criança ou adolescente mantenha vínculos de afinidade ou, ainda, quando for oriundo de quem detém a tutela ou guarda legal de criança maior de três anos de idade ou adolescente, desde que o lapso de tempo de convivência comprove a fixação de laços de afinidade e afetividade, afastando-se a má-fé. Assim sendo, aos pais não cabe escolher a família que entendem mais apropriada e que acreditam ter melhores condições de criar seu filho, de maneira 31 32 Idem, p. 137. GRANATO, Eunice Ferreira Rodrigues. Adoção: doutrina e prática – Curitiba: Juruá, 2010, p. 142. 11 que somente estarão aptas, ressalvados os casos previstos em lei e supracitados, as pessoas previamente habilitadas à adoção.33 1.2.3 Adoção “À Brasileira” A adoção “à brasileira”, como é chamada, é o ato pelo qual alguém registra filho de outrem como se fosse seu. Nessa esteira, esclarece Simone Franzoni Bochnia que “[...] recebem a criança de forma clandestina, com o consentimento da mãe biológica, fazendo constar indevidamente no assento de nascimento o nome da pessoa interessada, como se fosse a mãe biológica”.34 Tal procedimento é ilegal, uma vez que a adoção deverá ser realizada por meios judiciais.35 Acredita-se que o principal motivo para que os interessados realizem a adoção “à brasileira”, é a vontade de escapar de um processo judicial lento e burocrático e o medo de não lhe ser deferida a adoção da criança pretendida.36 No âmbito desta forma de adoção, colaciona-se jurisprudência obtida no site do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro: 1- AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE REGISTRO CIVIL C/C NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. 2- RECONHECIMENTO ESPONTÂNEO DE FILHA NÃO BIOLÓGICA. 3- OCORRÊNCIA DA DENOMINADA "ADOÇÃO À BRASILEIRA". 4REALIZADO ASSENTAMENTO VOLUNTARIAMENTE PELO APELANTE, OPEROUSE A ADOÇÃO QUE, NOS TERMOS DA LEGISLAÇÃO, POSSUI CARÁTER IRREVOGÁVEL. 5- RECURSO IMPROVIDO. (Apelação nº 0005346-71.2003.8.19.0211. Relator: Des. Mario dos Santos Paulo, Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Julgamento: 15/09/2010 - Quarta Câmara Cível). Nota-se, assim, o caráter irrevogável da adoção “à brasileira”, ainda que esta seja considerada ilegal, de sorte que se justifica tal irrevogabilidade através do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, já que, uma vez adequado em família substituta, o adotado não deverá ser retirado da mesma, sob pena de lhe causar enormes transtornos psicológicos e emocionais. 1.2.4 Adoção Internacional 33 34 35 36 DIAS, Maria Berenice. A adoção e a espera do amor. Disponível em: <http://www.mariaberenice.com.br/uploads/1_ _ado%E7%E3o_e_a_espera_do_amor.pdf>. Acesso em: 26 set. 2010. BOCHNIA, op. cit., p. 115. Idem. Idem. 12 Adoção internacional é o instituto que permite que uma criança ou adolescente seja adotada por estrangeiros, passando a residir no país dos adotantes, desde que obedecido o princípio do melhor interesse da criança e observado o artigo 31, da Lei 8.069/1990, o qual determina a colocação em família substituta estrangeira como sendo medida excepcional, somente sendo deferida depois de esgotados os meios para a adoção nacional37, conforme artigo 51, parágrafo 1º, inciso II, do mesmo diploma legal. Para Luiz Carlos de Barros Figuerêdo, “se a adoção já tem caráter excepcional, a adoção internacional materializa a exceção da exceção”.38 Ao adotante estrangeiro, residente fora do Brasil, há alguns requisitos a serem preenchidos, além daqueles previstos aos adotantes brasileiros, como, por exemplo, a necessidade de haver uma autorização por escrito do juiz, permitindo que o estágio de convivência possa ser realizado com o adotando. Sobre o tema, cola-se notícia extraída de site da internet, que mostra a realidade vivida no País: “adoção internacional diminui no Brasil. Dados divulgados pela Secretaria Especial de Direitos Humanos mostram que uma maior fiscalização e a prioridade para adoção por brasileiros causou esta queda. [...].39 Não obstante, com relação a esse entendimento e à diminuição da adoção internacional, o desembargador da Comissão Estadual Judiciária de Adoção, Thiago Ribas Filho, explica que os estrangeiros são menos exigentes que os brasileiros quanto ao perfil das crianças que pretendem adotar: "geralmente, eles não se preocupam com a cor, costumam adotar crianças mais velhas (com até dez anos de idade) e, também, aceitam mais facilmente grupos de irmãos".40 Eunice Ferreira Rodrigues Granato acredita que “com a nova lei, a adoção internacional, que já era bastante problemática, se tornou quase impossível” 41, partindo-se do princípio de que, para sua concretização, inúmeras exigências devem ser seguidas e uma série de requisitos preenchidos, sem contar que a 37 38 39 40 41 CURY, Munir (Coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado: comentários jurídicos e sociais. 9. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 149. FIGUEIRÊDO, op. cit., p. 60. ADOÇÃO internacional diminui no Brasil. Revista Crescer. Nov. 2008. Disponível em: <http://revistacrescer.globo.com/Revista/Crescer/0,,EMI8606-10514,00.html>. Acesso em: 20 set. de 2010. Idem. GRANATO, op. cit., p. 128. 13 medida somente será deferida depois de esgotadas todas as tentativas de manter a criança em seu país. 1.3 A QUESTÃO DO ABANDONO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES Infelizmente, nem toda criança nasce com a mesma sorte daquela que tem uma família que lhe proporciona afeto, estrutura e proteção e que, sob hipótese alguma, sequer cogitaria a ideia de abandonar um filho. Em uma realidade totalmente oposta a essa, há um número arrebatador de crianças e adolescentes vivendo o pesadelo do abandono, geralmente, esquecidos em abrigos. Nesse contexto, oportuno trazermos dados obtidos através de pesquisa realizada em 2004, pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA -, e referidas por Sávio Bittencourt: Os motivos de abrigamento da criança são a carência de recursos materiais da família (24,1%), o abandono pelos pais ou responsáveis (18,8%), a violência doméstica (11,6%), a dependência química dos pais ou responsáveis (11,3%), a vivência de rua (7%), a prisão dos pais ou responsáveis (3,5%) e o abuso sexual praticado pelos pais ou responsáveis (3,3%), pais ou responsáveis portadores de deficiência (2,1%), criança submetida a exploração no trabalho, tráfico ou mendicância (1,8%), dentre outros. A orfandade é causa de abrigamento de apenas 5,2% dos institucionalizados.42 Para melhor elucidar a manifestação do Autor, procurando dar maior visibilidade aos índices, estes serão apresentados com maior clareza no capítulo 3. Assim, pode-se observar que a pobreza, dentre tantas outras, é a principal motivadora dos abandonos sofridos pelas crianças que, vítimas do desespero e despreparo de seus pais, e, ainda, do abandono por parte do Estado43, passam anos e anos depositadas em instituições, tendo seu direito constitucional de convivência familiar suprimido. A esse respeito, tem-se outro dado chocante trazido por Sávio Bittencourt: “41,8% dos institucionalizados não têm qualquer contato com suas famílias de origem”.44 De acordo com o parágrafo único, do artigo 101, do Estatuto da Criança e do Adolescente, os abrigos devem ser medidas provisórias e excepcionais. Aliás, a 42 43 44 BITTENCOURT, op. cit., p. 10. BOCHNIA, op. cit., p. 205. BITTENCOURT, op. cit., p. 11. 14 Lei de Adoção implantou o caráter temporário aos abrigos, determinando, em seu artigo 19, parágrafo 2º, o limite máximo de dois anos para a permanência de crianças e adolescentes acolhidas. Ocorre, contudo, que nossa realidade é totalmente diversa, podendo-se verificar certa ineficácia da lei nesse sentido, uma vez que o tempo que estas crianças ficam dentro das instituições é indeterminado, sendo que, conforme levantamento feito pelo IPEA, quando da realização da pesquisa, em 2004, “52,6% deles encontrava-se há mais de dois anos no abrigo. Cerca de quase 20% da população infanto-juvenil institucionalizada está há mais de seis anos nos abrigos [...]”45. Ademais, outro ponto assustador é em relação ao número de abrigados no País: são mais de 80 mil crianças e adolescentes vivendo em instituições, sem a presença materna e/ou paterna, já que, de acordo com o que diz Simone Franzoni Bochnia, “[...] os órgãos públicos não dão a devida atenção às crianças institucionalizadas, desobedecendo ao princípio da prioridade absoluta”46. Princípio este convencionado pelo artigo 183, do Estatuto, o qual determina que o prazo máximo e improrrogável para o término de procedimento judicial, estando a criança ou adolescente internado, será de quarenta e cinco dias. Tais fatos nos chamam a atenção e elucidam o descaso suportado por estes jovens, a partir do momento em que constatamos que apenas 10% deles, à época da pesquisa, tinham o poder familiar destituído, estando em condições e prontos para serem adotados, enquanto que mais de 40% não apresentavam vínculo emocional algum47, mas não podiam ser adotados, pois ainda não havia ocorrido a destituição, de fato, do poder familiar de suas famílias de origem. Assim, Sávio Bittencourt conclui que “milhares de brasileiros inocentes padecem de abandono, sem que o Ministério Público ou a Magistratura tenham buscado garantir a possibilidade de adoção, nem de reintegração à família biológica”.48 Embora nosso País sustente uma legislação moderna no que diz respeito à proteção da criança e do adolescente, um enorme contingente destes é criado fora do âmbito familiar, em detrimento de sua formação psicológica e prejudicando suas vidas futuras,49 revelando a omissão do Estado no atinente ao 45 46 47 48 49 Idem. BOCHNIA, op. cit., p. 180. BITTENCOURT, op. cit., p. 11. Idem. Idem, p. 4. 15 seu dever de garantia do bem-estar das crianças e adolescentes. 1.4 OS PRINCÍPIOS DA IGUALDADE DA FILIAÇÃO, DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA Tendo em vista as alterações do universo jurídico e as mudanças no contexto da família trazidas pela legislação atual, não é demasiado referir alguns dos princípios constitucionais orientadores das relações de família, sendo destacados, entre eles, principalmente pela relevância dentro do presente trabalho, o Princípio da Igualdade da Filiação, do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente e da Dignidade da Pessoa Humana. O primeiro trata da igualdade entre os filhos, havidos ou não da relação de casamento ou por adoção, de forma que restam proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação, conforme prevê o artigo 227, parágrafo 6º, da Constituição Federal. Entretanto, antes de entrar em vigor nossa Carta Magna, a visão que se tinha em relação aos filhos era totalmente oposta, de sorte que as formas de filiação recebiam tratamento diferenciado, havendo a filiação matrimonial e a extramatrimonial, sendo esta inferiorizada em relação àquela. Ocorria, ainda, a discriminação dos filhos adotivos perante os consanguíneos. Assim, de acordo com as palavras de Guilherme Calmon Nogueira da Gama, “[...] por mais que os adotados ganhassem a condição de filhos, o tratamento relativamente a eles era de segunda categoria comparativamente aos filhos naturais”.50 Atualmente, em função desse princípio, não mais se admite, segundo Carlos Roberto Gonçalves, “a distinção entre filhos legítimos, naturais e adotivos, quanto ao nome, poder familiar, alimentos e sucessão”51, de modo que não se pode mais utilizar as expressões pejorativas filho ilegítimo, adulterino, incestuoso, espúrio ou bastardo, visto serem discriminatórias e vedadas em lei. Insere-se, neste contexto, o segundo princípio supracitado, que diz respeito à proteção integral conferida ao menor, prevista na Lei 8.069 de 1990, restando expresso serem, crianças e adolescentes, conforme afirma Guilherme 50 51 GAMA, op. cit., p. 588-589. GONÇALVES, op. cit., p. 24. 16 Calmon Nogueira da Gama, “pessoas em desenvolvimento e, como tais, titulares de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, nos termos do artigo 3º, do ECA”52, que assegura-os, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e as facilidades, a fim de facultar-lhes o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. Todavia, até o advento da Constituição Federal de 1988 e do Estatuto da Criança e do Adolescente, prevalecia o Código de Menores, que os taxava como sendo objetos de direito, de forma que era o juiz quem decidia o que lhes era melhor ou mais adequado. Ao contrário do que estabelece a legislação vigente, tendo-se como exemplo de aplicação do princípio em estudo, o fato de que, sempre que possível, o menor deverá ser ouvido para que sua “opinião” possa ser levada em conta, mostrando clara preocupação com seu bem-estar. Para melhor ilustrarmos a aplicação de tal princípio na prática, importante citar algumas decisões do nosso Tribunal a esse respeito: ECA. DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR. A adoção da doutrina da proteção integral, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 1º da lei nº 8.069/90), fortaleceu o princípio do melhor interesse da criança, que deve ser observado em quaisquer circunstâncias, inclusive nas relações familiares. Inexistindo nos autos elementos a comprovar a violação dos deveres inerentes à filiação, por parte da genitora, descabe a destituição do poder familiar. Apelo desprovido. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Apelação Cível Nº 70008851214, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Berenice Dias, Julgado em 23/06/2004). AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADOÇÃO. GUARDA PROVISÓRIA. CASAL HABILITADO, MAS QUE NÃO ESTÁ EM PRIMEIRO NA LISTA. POSSIBILIDADE. O seguimento do agravo de instrumento, com o aporte de informações sobre a posição do casal na lista de habilitação para a adoção e a falta de interesse dos primeiros colocados, demonstra que o melhor interesse da criança é permanecer - ainda que provisoriamente sob a guarda provisória dos agravados. Caso em que se defere a guarda provisória da criança ao casal agravado, independente da posição do casal na lista de habilitação. NEGARAM PROVIMENTO. (Agravo de Instrumento Nº 70036292464, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 22/07/2010). Resta, de tal modo, evidente o emprego, nas decisões citadas, do princípio ora analisado, tendo em vista que, na primeira Ementa, o apelo foi desprovido frente à falta de provas de que a genitora teria violado direitos inerentes à filiação, devendo, portanto, no caso em apreço, ser descartada a hipótese de destituição do poder familiar, da mesma forma que, na segunda decisão colacionada, houve o deferimento de guarda provisória, ignorando-se a ordem da lista de habilitação 52 GAMA, op. cit., p. 585. 17 para a adoção, sendo ambas as decisões em função de atender a supremacia do interesse da criança e do adolescente. Por fim, relevante se faz analisarmos o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, estabelecido pelo constituinte, já no artigo 1°, inciso III, o qual fundamenta o Estado Democrático de Direito, passando a servir de base nas relações da família, consolidando a valorização do indivíduo, integrante da instituição familiar como ser em sua individualidade. Tal princípio não possui um conceito definitivo, mas, sim, um caráter de ampla proteção à pessoa humana como valor maior, visando, acima de tudo, proteger cada um dos membros de uma família, garantindo-lhes a dignidade que lhes é conferida pela Constituição Federal. A dignidade do ser humano é, então, tratada como fundamento principal em nossa Carta Magna, e, inserido no contexto do presente trabalho, tal princípio pode ser interpretado de forma que digno é viver em família. Assim, perante estes princípios, é possível concluirmos que todos eles visam proteger a criança e o adolescente, positivando seus direitos e garantias, ainda que, na prática, as coisas não funcionem exatamente como deveriam, uma vez que inúmeros jovens não vivem de maneira digna, em desconformidade com o texto constitucional. 2 O PROCESSO DE ADOÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES 2.1 REQUISITOS PARA A ADOÇÃO Para que a adoção possa ser efetivada, passando a gerar vínculo de parentalidade-filiação entre a pessoa do adotante e a pessoa do adotado, uma série de requisitos deve ser preenchida, por ambas as partes, sendo obrigatória, na forma do artigo 227, § 5º, da Constituição Federal, a assistência do Poder Público em tal procedimento. 2.1.1 Requisitos Quanto ao Adotante De acordo com o artigo 1.618, do Código Civil, o adotante deve contar com, no mínimo, dezoito anos de idade para realizar a adoção, já que, nessa 18 condição, o sujeito alcança a capacidade plena, possuindo, assim, legitimidade para tal procedimento. Entretanto, ressalta-se que os adotantes que sofrem restrições em relação à sua capacidade, não tendo, por exemplo, o necessário discernimento para a prática de determinados atos, estão impedidos de adotar.53 Importante destacar que, conforme reza o artigo 42, do Estatuto da Criança e do Adolescente, não deve haver qualquer discriminação no que tange ao estado civil do adotante, podendo adotar pessoas solteiras, casadas, viúvas, em união estável, separadas ou divorciadas.54 Ainda, no tocante à legitimidade do requerente para pleitear a adoção, nos termos do parágrafo 3º, do artigo supracitado, este deve ter, pelo menos, dezesseis anos de diferença do adotado. Eunice Ferreira Rodrigues Granato explica que “o fundamento dessa determinação pode ser encontrado no propósito de tornar a adoção em tudo semelhante à paternidade natural”.55 A adoção somente será deferida nos casos em que apresentar reais vantagens para o adotando, respeitando o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, conforme já estudado. Ainda, segundo o artigo 29, da Lei 8.069/1990, o adotante deve revelar compatibilidade com a natureza da medida e oferecer ambiente familiar adequado.56 Com relação às proibições quanto à adoção, a doutrina de Guilherme Calmon Nogueira da Gama salienta duas como sendo as principais relacionadas ao adotante, entre elas “a) o impedimento a que ascendentes e irmãos possam adotar o descendente ou irmão, respectivamente [...]; b) o impedimento temporário (ou relativo) do tutor ou curador em requerer a adoção enquanto não prestar contas de sua gestão [...]”.57 Para Artur Marques da Silva Filho, “a proibição nada mais faz do que manter a ordem parental derivada da própria natureza”.58 Assim, por exemplo, um avô que pretende adotar sua neta, não merece razão, partindo-se do princípio de que a adoção visa à constituição de um vínculo entre pessoas estranhas, motivo pelo qual a medida não estaria alcançando seu fim, uma vez que, por óbvio, já existe vínculo parental entre avô e neta. 53 54 55 56 57 58 SILVA FILHO, op. cit., p. 81. Idem, p. 80. GRANATO, op. cit., p. 79. CURY, op. cit., p. 144. GAMA, op. cit., p. 562. SILVA FILHO, op. cit., p 89. 19 2.1.2 Requisitos Quanto ao Adotado No que concerne ao adotado, o Estatuto da Criança e do Adolescente reza que o mesmo deverá ter, no máximo, dezoito anos ao ser requerida sua adoção. Com efeito, Eunice Ferreira Rodrigues Granato destaca que “[...] se o pedido for feito no dia imediato após completar o adotando dezoito anos, não mais poderá seguir as regras do Estatuto da Criança e do Adolescente, mas, sim, as do Código Civil”.59 Entretanto, a autora continua explicando que “excepciona, a segunda parte desse artigo, ao dispor que o pedido pode ser feito depois dessa idade, se o adotando já estiver sob a guarda ou tutela dos adotantes”.60 O Estatuto da Criança e do Adolescente, tampouco, o Código Civil, trouxeram em seu texto um limite mínimo de idade para que o adotando seja parte legítima no processo de adoção, restando, assim, aberta a discussão a respeito da possibilidade de adoção do nascituro, por exemplo, ainda que, na doutrina, não haja maior divergência, de modo que o entendimento comum é o de que basta a capacidade de direito para que a criança ou o adolescente possa ser adotado.61 2.2 REQUISITOS FORMAIS E PROCEDIMENTOS Além dos requisitos pessoais ora estudados, há diversos requisitos formais que devem ser seguidos para que se chegue ao fim colimado, qual seja, a colocação do menor em família substituta. Para isso, a intervenção judicial é procedimento obrigatório para efetivar a adoção, tendo em vista a importância do ato e de seus efeitos. Salienta-se que, conforme determina o Estatuto da Criança e do Adolescente, o procedimento é isento de custas e emolumentos, sendo competente para apreciar tais processos o juiz da Vara da Infância e Juventude, correndo em segredo de justiça. Destarte, tem início o procedimento através do pedido de habilitação dos interessados, por petição inicial, cujo objetivo é verificar as condições dos pretendentes à adoção. A esse respeito, prevê o artigo 50, parágrafo 3°, acrescentado ao Estatuto da Criança e do Adolescente pela Lei Nacional de 59 60 61 GRANATO, op. cit., p. 72. Idem, p. 72. SILVA FILHO, op. cit., p. 99-105. 20 Adoção, que a inscrição dos postulantes será precedida de uma preparação psicossocial e jurídica, realizada por equipe técnica interprofissional. Sendo assim, visando à segurança da adoção, o Juizado da Infância e Juventude propicia aos postulantes a participação que, frisa-se, é obrigatória, em programa preparatório à adoção, com o escopo de deixá-los prontos e cientes das novas situações que vivenciarão, inclusive, estimulando-os à adoção inter-racial, de crianças maiores ou de adolescentes, com necessidades específicas de saúde ou deficiências e de grupos de irmãos. Ao final dos procedimentos, o juiz prolatará, em cinco dias, sua decisão, sendo que esta determinará, em caso de procedência, o cadastramento do interessado, agora, habilitado, no Cadastro Nacional de Adoção. Artur Marques da Silva Filho explica: “trata-se de um cadastro que deverá existir em cada comarca ou foro regional, do qual constarão todas as crianças e adolescentes em condições de serem adotados, bem como das pessoas interessadas na adoção”.62 Buscando a celeridade do procedimento, o Conselho Nacional de Justiça criou, em abril de 2008, o mencionado cadastro, representando grande avanço no processo de adoção63. Sávio Bittencourt afirma que “estes cadastros são uma referência para a inclusão da criança na família, utilizando-se a ordem cronológica de inscrição para definir a prevalência de um inscrito sobre os demais, quando interessados num mesmo perfil de criança”.64 Porém, cabe mencionar que há exceções ao cadastro naqueles casos em que a família possui vínculo afetivo com a criança, por ter sua guarda – de fato ou de direito – há algum tempo, de modo que o afastamento da criança deste núcleo onde suas necessidades estão sendo atendidas, não seria viável. Enfatiza-se que somente poderão ser incluídas no cadastro aquelas crianças aptas à adoção, em outras palavras, que já tenham definida, por sentença judicial transitada em julgado, sua situação no que diz respeito à destituição do poder familiar. Nesse diapasão, talvez fosse de grande valia que o cadastro abrangesse não só as crianças em condições de serem adotadas, mas, também, aquelas em situação pendente, tendo em vista o exíguo número de crianças aptas 62 63 64 SILVA FILHO, op. cit., p. 146. CADASTRO Nacional de Adoção. Conselho Nacional de Justiça. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/index.php?option=com_content&view=article&id=7497&Itemid=896>. Acesso em: 12 out. 2010. BITTENCOURT, op. cit., p. 130. 21 à adoção, tornando baixo o número de jovens e crianças cadastrados.65 Assim, através de petição inicial assinada por advogado e seguindo o que determina o artigo 165, do Estatuto da Criança e do Adolescente, inicia-se o processo de adoção propriamente dito, já que a habilitação e o cadastro são meros atos preparatórios. De outro lado, para que haja a adoção, o Estatuto prevê, em seu artigo 45, a necessidade de haver consentimento dos pais ou representante legal do adotando, colhido em audiência de instrução e julgamento, com presença obrigatória do órgão do Ministério Público, de modo que, havendo expressa concordância, esta acarretará na destituição do poder familiar. Logo, a adoção poderá ser deferida em caso de consentimento dos pais ou responsáveis legais do adotando, quando os pais forem desconhecidos ou quando estes forem destituídos do poder familiar,66 caso em que o consentimento não será necessário para que se efetive a adoção. Acrescenta-se que, uma vez que a morte é causa de extinção do poder familiar, ocorrendo o falecimento dos pais, a adoção também poderá ser deferida.67 Com relação ao adotando, será necessário seu consentimento caso conte com mais de doze anos de idade, nos termos do artigo 45, parágrafo 2º, da Lei 8.069/1990. Carlos Eduardo Pachi destaca que “[...] havendo condições de a criança externar sua vontade, recomenda-se sua oitiva. Sendo adolescente, todavia, é ela obrigatória, e, ressalta-se, pessoal”.68 Encerrados os procedimentos legais, o magistrado irá analisar a conveniência da adoção no tocante ao adotando. Para tanto, ocorrerá o chamado estágio de convivência, que é obrigatório e tem como principal finalidade avaliar a adaptação do adotando à família substituta e, inclusive, o comportamento desta frente à adoção. Ressalta-se que a referida medida somente poderá ser dispensada nos casos em que o adotando já estiver sob a tutela ou guarda legal do adotante, durante tempo suficiente para que seja comprovada a conveniência da adoção.69 Nesse enredo, pode-se citar a hipótese de devolução das crianças pelos 65 Idem, p. 84. CURY, op. cit., p. 176. 67 Idem, p. 177. 68 Idem, p. 180. 69 GRANATO, op. cit., p. 88. 66 22 adotantes, atitude de extrema covardia, mas que, infelizmente, acontece. Como no caso abaixo transcrito, retirado de página da internet, em entrevista concedida pelo Magistrado Iasin Issa Ahmed, titular da Vara da Infância e Juventude de Santo Amaro, São Paulo. O Juiz relata o caso: Uma professora conheceu um menino de dez anos no abrigo. O garoto disse: “Você tem tudo para ser minha mãe”. Ela ficou encantada. Pediu a adoção. O juiz concedeu seis meses de guarda provisória, antes de dar a adoção definitiva. Um mês depois, a professora e seu marido reapareceram para devolver a criança. “Deu errado”, ela disse. “Foi muito rápido”.70 Portanto, não há dúvidas do tamanho da importância de se realizar o estágio de convivência entre as partes, pretendendo a garantia do sucesso da adoção, buscando-se evitar, ao máximo, problemas futuros. No pertinente às possibilidades de anulação judicial da adoção, o mestre Carlos Roberto Gonçalves discorre ressaltando que, em função da natureza benéfica do instituto, não há extremo rigor no exame das formalidades legais do mesmo. Assim, a adoção será passível de ser anulada se o adotante não tiver mais de dezoito anos e não for, pelo menos, dezesseis anos mais velho que o adotado; se duas pessoas, sem serem marido e mulher ou conviventes, adotarem a mesma pessoa; se o tutor ou o curador não tiver prestado contas de sua gestão ou, ainda, se houver vício resultante de simulação ou de fraude à lei.71 Por fim, Eunice Ferreira Rodrigues Granato conclui que, “transcorrido o prazo de convivência, ouvido o órgão do Ministério Público, havendo conclusão do estudo social e tendo o juiz formado o seu convencimento, irá proferir a sentença”, e continua, afirmando que o vínculo da adoção somente estará formado através de tal sentença, uma vez que, “a partir da Lei 8.069/90 não mais existe a possibilidade de adoção de criança ou de adolescente por escritura pública”.72 Tal sentença constitutiva de adoção poderá ser atacada através do recurso de apelação, com fulcro no artigo 199-A, trazido pela Lei 12.010 de 2009, assim, os interessados terão dez dias para, insatisfeitos com a sentença, interpor o recurso. 70 UMA tarde na Vara de Infância. Último Segundo. 08 dez. 2009. Disponível em: <http://ultimosegundo.ig.com.br/mauricio_stycer/2008/12/08/uma+tarde+na+vara+de+infancia+hi storias+de+criancas+adotadas+recusadas+devolvidas+e+obtidas+ilegalmente+3148962.html>. Acesso em: 11 out. 2010. 71 GONÇALVES, op. cit., p. 386. 72 GRANATO, op. cit., p. 109. 23 Vale referir que, nos termos do artigo 199-C, igualmente acrescentado ao Estatuto da Criança e do Adolescente pela Lei Nacional da Adoção, em se tratando de procedimentos adotivos (e destituição do poder familiar), os recursos serão julgados com prioridade absoluta e, para tanto, serão distribuídos de imediato e julgados sem revisão e com parecer urgente do Ministério Público. 2.3 EFEITOS DO INSTITUTO DA ADOÇÃO A adoção gera inúmeros efeitos às partes no processo, porém, esses efeitos passam a valer somente após o trânsito em julgado da sentença que constitui o vínculo adotivo entre as partes, dando condição de filho ao adotado e o consequente fim do poder familiar anterior. Ressalta-se que a essa regra há uma exceção, ou seja, caso o adotante venha a falecer antes da sentença transitada em julgado, os efeitos retroagirão à data do óbito.73 Sendo assim, os efeitos gerados a partir da sentença constitutiva da adoção podem ser divididos em efeitos de ordem pessoal, dos quais Eunice Ferreira Rodrigues Granato destaca “a constituição do vínculo de filiação, o estabelecimento de parentesco com a família do adotante e o direito ao uso do patronímico deste”74 e, ainda, efeitos de ordem patrimonial, quais sejam, “o direito sucessório, a obrigação alimentar e o usufruto e administração dos bens do adotado, pelo adotante”,75 os quais passam a ser analisados: 2.3.1 Efeitos Pessoais Sabe-se que o parentesco gerado pela adoção é de ordem civil, entretanto, o constituinte, de acordo com o artigo 227, parágrafo 6º, determinou que a filiação decorrente da adoção fosse equiparada à filiação natural. Tal determinação encontra-se inserida no texto do artigo 41, do Estatuto da Criança e do Adolescente, que é analisado por Carlos Eduardo Pachi, afirmando que “[...] ao contrário do que ocorria na sistemática anterior, o filho adotivo tem os mesmos direitos, garantias e deveres do filho biológico”.76 73 PATIÑO, op. cit., p. 122. GRANATO, op. cit., p. 96. 75 Idem. 76 CURY, op. cit., p. 166. 74 24 Nesse diapasão, a partir da sentença constitutiva de adoção, o vínculo do adotado com sua família de origem é rompido, com uma exceção, a qual Eunice Ferreira Rodrigues Granato destaca: “se o cônjuge ou companheiro adota o filho do outro, este mantém os seus laços familiares com o adotado, figurando este como filho legítimo do casal”.77 Nesse caso, o adotando permanece ligado à sua família natural e, ainda, vincula-se à família adotiva.78 De tal modo, a partir do trânsito em julgado da sentença, o poder familiar anterior é extinto, pertencendo, então, à família adotiva. Frisa-se que a adoção é irrevogável e nem mesmo a morte do adotante restitui o poder aos pais biológicos. Com relação ao nome do adotado, a Lei 12.010/2009, determinou, em seus parágrafos 5º e 6º, do artigo 47, que o sobrenome dos pais adotantes é direito do filho adotado, sendo possível, ainda, a troca de seu prenome. Entendese que tal faculdade advém da ideia de que a adoção procura imitar, em tudo, a filiação natural, que permite que os pais escolham o nome de seus filhos. Porém, a regra é a imutabilidade do prenome e, além disso, deve-se observar o possível consentimento da criança ou adolescente em relação a tal modificação.79 2.3.2 Efeitos Patrimoniais Consoante dispõe o parágrafo 2º, do artigo 41, do Estatuto da Criança e do Adolescente, “é recíproco o direito sucessório entre o adotado, seus descendentes, o adotante, seus ascendentes, descendentes e colaterais até o 4º grau, observada a ordem de vocação hereditária”. Consequentemente, o filho adotado, assim como o consanguíneo, passa a ter os mesmos direitos à sucessão de seus parentes adotivos. No tocante aos alimentos, uma vez que a filiação adotiva é equiparada à biológica, há, do mesmo modo, a obrigação de alimentar entre adotante e adotado, reciprocamente, assim como pais e filhos naturais. Nesse assunto, Ana Paula Corrêa Patiño, observa que, “estando o adotado sujeito ao poder familiar do adotante, não se cogita em alimentos, mas em verdadeiro dever de sustento, que inclui, ainda, assistência moral e material devida dos pais aos filhos”.80 77 78 79 80 GRANATO, op. cit., p. 97. CURY, op. cit., p. 167. GONÇALVES, op. cit., p. 389. PATIÑO, op. cit., p. 123. 25 Finalmente, cabe fazer menção à regra contida no artigo 1.689, da atual legislação civil, que prevê que, assim como os pais de sangue, os pais adotivos, em equidade de condições, são os administradores legais dos bens dos filhos menores, enquanto exercerem o poder familiar, com ressalva às hipóteses elencadas no artigo 1.693 e seus incisos, da Lei Civil. 2.4 A BUROCRATIZAÇÃO E A IMPORTÂNCIA DO PROCESSO DE ADOÇÃO Conforme exaustivamente mencionado no presente trabalho, a criança e o adolescente têm direito, de acordo com o Texto Constitucional, à convivência familiar, a uma vida digna ao lado de um pai e uma mãe. Assim sendo, caso isso não seja possível em sua família biológica, este ser humano deverá ser encaminhado à família substituta, mediante uma série de procedimentos – com o fito de dar segurança ao processo – visando sua formação futura e a garantia de seus direitos.81 Sobre o tema, Maria Berenice Dias afirma que “a celeridade deste processo é o que garante a convivência familiar, direito constitucionalmente preservado com absoluta prioridade (CF 227)”.82 Não são poucos os entraves ou dificuldades colocados frente aos pretendentes à adoção. Todavia, ainda que os mesmos sejam relevantes, talvez pela forma que são aplicados, acarretam em transtorno e demora do processo. Serve de exemplo o procedimento de habilitação, o qual passou a ser um processo altamente dificultoso, inclusive sendo encaminhado através de petição inicial83; a falta de estrutura nas Varas da Infância e Juventude para atender a grande demanda de famílias interessadas; o próprio processo de destituição do poder familiar, que é extremamente lento, fazendo com que o número de crianças aptas à adoção seja infinitamente menor que o número de interessados em adotar, entre outros. Além do mais, considera-se este inacessível e burocrático, o que, por outro lado, não deixa de ser verdade, se levarmos em conta o retardamento dos procedimentos que se dá, segundo Simone Franzoni Bochnia, “porque os Juizados da Infância e Juventude têm que primeiro esgotar todas as possibilidades de 81 DIAS, op. cit. Idem. 83 DIAS, Maria Berenice. O lar que não chegou. Disponível em: <http://www.mariaberenice.com.br/uploads/3_-_o_lar_que_n%E3o_chegou.pdf.> Acesso em: 26 de setembro de 2010. 82 26 retorno da criança à família – em decorrência do direito à convivência familiar”.84 Todavia, o maior obstáculo que se pôde observar no decorrer da realização do presente trabalho, é o que os próprios pretendentes impõem, ou seja, as exigências que são feitas em relação às características das crianças a serem adotadas, como cor da pele, sexo e, especialmente, idade. Os adotantes querem meninas, de até três anos, brancas e com saúde perfeita, enquanto que a maior parte das crianças e adolescentes disponíveis à adoção, na cidade de Porto Alegre, conforme pesquisas realizadas, e dados atualizados até agosto de 2006, têm entre onze e quatorze anos de idade, são do sexo masculino, havendo um grande número de crianças negras, algumas com determinada doença 85, sem contar os grupos de irmãos, que sofrem com a dificuldade de serem adotados por uma mesma família. Sobre os problemas do processo da adoção, dados importantes podem ser mencionados: Dados do Cadastro Nacional de Adoção (CNA) confirmam que o principal obstáculo à adoção no País é o descompasso entre os candidatos à paternidade e o perfil das crianças e adolescentes que vivem nos abrigos. Cerca de 80% das pessoas dispostas a realizar uma adoção desejam uma criança com até três anos de idade, mas só 7% dos menores cadastrados estão nesta faixa etária. Apenas 1% das famílias aceita acolher uma criança com mais de dez anos.86 Frente a esses dados, impossível não nos fazermos a seguinte pergunta: o que acontece com as inúmeras crianças e adolescentes que não têm a sorte de serem colocados em uma família substituta? Vimos que estes seres abandonados, que não encontram pais adotivos, permanecem, por anos, depositados nos abrigos, não sendo cumprido o caráter temporário das instituições, de modo que, ao completarem dezoito anos, devem deixar a instituição em que se encontram, sem que tenham experiência alguma de vida para encararem o mundo sozinhos. Para tanto, é imprescindível que estes jovens contem com atividades preparatórias dentro dos abrigos, visando seu desenvolvimento. 84 BOCHNIA, op. cit., p. 205. JUSTIÇA da Infância e da Juventude do Estado do Rio Grande do Sul. Estatísticas. Crianças e Adolescentes aptos à adoção. Disponível em: <http://jij.tj.rs.gov.br/jij_site/jij_site.wwv_main.main? p_cornerid=856&p_currcornerid=1&p_language=ptb&p_edit=0&p_full=1&p_cornertype=item&p_isc ornerlink=1>. Acesso em: 26 de set. de 2010. 86 EXIGÊNCIAS de pais restringem possibilidades de adoção. SOS Criança e Adolescente. 17 jul. 2009. Disponível em: <http://www.soscriancaeadolescente.com.br/index_novo.php? pagina=noticia&id=1111111152> Acesso em: 12 out. 2010. 85 27 No atinente ao problema ora em debate, não nos restam dúvidas de que políticas públicas de inserção destes jovens no mercado de trabalho e nas universidades devem ser criadas, com o objetivo de lhes proporcionar um futuro decente, evitando, assim, que estes adolescentes venham a tomar rumos indesejáveis na formação de um cidadão. E é nessa esfera que podemos concluir que certas medidas podem ser tomadas com o intuito de minimizar as barreiras existentes no processo de adoção, tais como a realização de projetos e campanhas a fim de fornecer mais informações sobre o assunto à sociedade; o investimento na formação e capacitação de equipe interprofissional envolvida no processo, capaz de passar todos os elementos necessários aos adotantes, deixando-os certos de que desejam proceder à adoção; o incentivo a entidades e grupos de apoio à adoção para orientação, informação e troca de experiências; o estímulo à prática de adoções, mas, principalmente, para que estas se façam sem tantas restrições nas características dos adotandos. Questão que nos causa espécie é aquela que diz respeito aos números da adoção em nossa Capital. Nos últimos dez anos, entre 05 de outubro de 2000 e 05 de outubro de 2010, foram adotadas aproximadamente 1.755 crianças e adolescentes na cidade de Porto Alegre. É possível concluirmos que cerca de 170 adoções ocorreram, por ano, na Capital87. Há de se considerar um número relativamente pequeno, se pensarmos na quantidade de crianças institucionalizadas, em contraposição à quantidade de pessoas interessadas em obter um filho adotivo. Para uma melhor percepção dos índices ora destacados, estes, entre outros dados, serão apresentados em forma de gráficos no Capítulo 3. Destarte, podemos depreender que, a partir do momento que a Constituição Federal de 1988 positivou o direito de convivência familiar às crianças e adolescentes, o Estado tem a obrigação de garantir esse direito, proporcionando estrutura pública às famílias para que estas tenham condições de criar seus filhos no âmbito familiar ou que, na sua impossibilidade, garanta esse direito através da colocação em família substituta. Para isso, o Estado deve utilizar-se de campanhas e do poder que a mídia 87 JUSTIÇA da Infância e da Juventude do Estado do Rio Grande do Sul. Estatísticas. Registros de Adoção. Disponível em: <http://jij.tj.rs.gov.br/jij_site/jij_site.wwv_main.main? p_cornerid=856&p_currcornerid=1&p_language=ptb&p_edit=0&p_full=1&p_cornertype=item&p_i scornerlink=1>. Acesso em: 14 out. 2010. 28 exerce sobre as pessoas, buscando educar a sociedade no tocante à adoção, para que esta venha a se tornar um instituto sem preconceitos, onde qualquer criança possa ser adotada, independentemente de raça e idade, já que, quem quer um filho, deve estar disposto a amá-lo do jeito que ele for. A exemplo disso, há um movimento social bastante relevante em nosso País. São os Grupos de Apoio à Adoção, os chamados GAAs, que existem há mais de quatorze anos, com a estimativa de cerca de cem grupos em todo território nacional. Essas instituições atuam em questões sociais, tais como a busca pelo direito do convívio familiar, o combate à institucionalização dessas crianças e adolescentes, o auxílio a pais adotivos e, também, em questões relacionadas ao processo de adoção propriamente dito.88 Portanto, esses grupos de apoio são instrumentos de suma importância para uma sociedade como a nossa, que necessita de medidas assim, de incentivo àquelas pessoas que buscam informação e amparo a respeito da adoção e, principalmente, às crianças e adolescentes que precisam apenas de alguém que as queira, cuide e ame. 3 ESTUDO DE CASOS: DEPOIMENTOS, ESTATÍSTICAS E PROCESSO NÚMERO 015/5.09.0007010-9 3.1 APRESENTAÇÃO O presente capítulo tem como objetivo ilustrar a situação da adoção através da análise de estatísticas relativas à cidade de Porto Alegre, bem como mostrar a percepção dos brasileiros no que tange a esse instituto, revelando a ideia que têm sobre a adoção. Irá apresentar, ainda, relatos de pessoas que têm interesse em adotar, estão aguardando na “fila” para a adoção ou que já adotaram, para que nos mostrem como funciona, na prática, tal processo. Por fim, será estudado o processo de adoção tombado sob o número 015/5.09.0007010-9, para que tenhamos uma ideia das etapas enfrentadas no decorrer do feito, mas, principalmente, para que possamos verificar a real importância deste tipo de processo na vida das pessoas. 88 BITTENCOURT, op. cit., p. 19-20. 29 3.2 DEPOIMENTOS DE ADOTANTES PARA UM ESTUDO DA ADOÇÃO 3.2.1 Introdução Acreditamos ser de extrema importância a análise de alguns depoimentos obtidos através de pesquisas na internet, disponibilizados por pessoas que já adotaram ou que estão cadastradas, aguardando a conclusão de seu processo, para que possamos perceber os motivos que levam alguém a adotar; os medos e dificuldades que estas pessoas enfrentam; como foi, na prática, o andamento da ação, até que conseguissem efetivá-la; o que pensam sobre a medida; e como foi ou está sendo encarada, pelos adotantes, a questão da burocracia processual da adoção. Passemos, destarte, à apreciação dos testemunhos. 3.2.2 Depoimentos e Comentários Trazemos, então, neste capítulo, alguns trechos de depoimentos divulgados por adotantes no site “Adoção Brasil”89 e do Grupo de Apoio à Adoção, “Gerando Amor”90 que, se analisados, nos passam uma ideia a respeito da situação da adoção e dos próprios adotantes em nosso País. Parte-se do depoimento de P. e M.L., concedido no dia 14 de julho de 2010: [...] A princípio, queríamos uma menina recém-nascida, porque a ideia de adotar um bebê parecia mais fácil. Já no primeiro mês começamos a participar dos encontros mensais do Grupo Gerando Amor. Com o passar do tempo e a convivência com as pessoas no Grupo, o nosso conceito começou a mudar e alteramos o perfil, poderia ser uma menina de até um ano. Continuamos esperando, sendo que neste meio tempo casais que fizeram o cadastro depois de nós já haviam adotado, alguns porque adotaram meninos, outros crianças maiores ou grupo de irmãos. Vendo que estas adoções davam certo resolvemos mudar novamente o nosso cadastro, podendo ser uma menina de até 3 anos. [...] Compreendemos, finalmente, que teríamos amor o suficiente não só para uma, mas para duas crianças. Uma semana depois de alterarmos o perfil para irmãos, estávamos com nossos filhos nos braços [...] (grifo nosso).91 89 90 91 ADOÇÃO Brasil. Disponível em: <http://www.adocaobrasil.com.br/depoimentos.asp>. Acesso em: 12 out. 2010. GERANDO AMOR. Grupo de Estudos e Apoio à Adoção de São Bento do Sul/SC. Disponível em: <http://www.gerandoamor.org.br/site/?cat=5>. Acesso em: 12 out. 2010 Idem. 30 No mesmo sentido, foi a declaração de K.R., no dia 05 de outubro de 2010: [...] chamou minha atenção a quantidade de críticas à demora demasiada do processo de adoção, bem como comentários sobre a celeridade de tais processos quando os adotantes são famosos. Não sou famosa, meu marido também não, e o processo de adoção do meu filho caçula, desde o pedido de guarda até a sentença final levou cinco meses e quatro dias. O que teria sido o diferencial do meu caso para outros? Não exigimos nem escolhemos nada. Nem sexo, nem idade, nem saúde física ou mental. [...] Meu filho estava abrigado desde os oito meses de idade. Nós o encontramos aos 6 anos e nove meses. Não havia ninguém que houvesse manifestado interesse em adotá-lo inscrito no Cadastro de Adoção. [...] Num país como o nosso, onde há inúmeras crianças abandonadas, não se justifica que pessoas que se dizem desesperadas para adotar, façam exigências fúteis e inúteis para realizar aquilo que chamam de sonho. Sou mãe de dois filhos biológicos (homens); não escolhi o sexo deles, a cor dos olhos, o nível de inteligência, nem tampouco a personalidade ou saúde física. Por qual razão teria para com o filho do coração tais exigências? [...] (grifo nosso).92 Assim, evidente está que, não só o Judiciário é o responsável pela burocracia do processo de adoção, mas, também, os adotantes, tendo em vista que, consoante depoimentos citados acima, aqueles pais que não fizeram exigências sobre o perfil de seus filhos, de fato, obtiveram ótimos resultados em seus processos. A seguir, nota-se que, realmente, para aqueles que procuram um filho com características pré-determinadas, tornam seu processo mais lento, conforme depoimento de I. e M., em 23 de julho de 2008: “[...] Participamos de dois encontros de preparação para a chegada do filho, que no nosso caso demorou quase três anos. Isso porque optamos por um bebê. [...]” (grifo nosso).93 Outro fator que pôde ser observado é o que diz respeito à possibilidade assumida pelos adotantes de poder realizar a adoção fora dos trâmites legais, ou seja, a adoção “à brasileira”, como é conhecida. Nesse respeitante, destacamos a declaração de C., no dia 28 de julho de 2010, que revelou: “[...] Tivemos chances de conseguir um filho no chamado jeitinho brasileiro. Mas [...] preferimos seguir os procedimentos legais. [...] o processo está parado há mais de 4 meses por pura falta de eficiência do Poder Judiciário [...]”. (grifo nosso).94 Além do mais, imperioso ressaltar que, através do estudo de diversos depoimentos95, pôde-se perceber que alguns adotantes chegam a pensar em desistir do processo de adoção, em vista da lentidão do mesmo, como é o caso de 92 93 94 ADOÇÃO Brasil, op. cit. GERANDO AMOR, op. cit. Idem. 31 L., que, em depoimento prestado no dia 27 de maio de 2010, mostra desânimo com o andamento de seu processo: “hoje está completando cinco anos que estou na fila de adoção, confesso que durante todos estes anos já pensei em desistir devido a demora [...].” (grifo nosso).96 Assim sendo, através da leitura destes testemunhos, uma questão, em especial, vem à tona: todos os depoentes que declararam ter passado por um processo adotivo rápido, foram unânimes ao afirmar que tal celeridade se deu em função de não terem feito exigências sobre as crianças em sua ficha cadastral, ao passo que aqueles que reclamam da demora e da longa espera pela concretização da medida, revelam que aguardam por filhos adotivos de menos de três anos de idade e, sobretudo, do sexo feminino. Logo, a explicação citada durante o trabalho de que, apesar de o processo de adoção ser, de fato, bastante complicado, a maior limitação do procedimento é a exigência quanto ao perfil dos adotandos, pôde ser comprovada. 3.3 ESTATÍSTICAS RELATIVAS À SITUAÇÃO DA ADOÇÃO Para uma melhor visualização de tudo que foi dito e pesquisado neste trabalho, imperiosa a análise de algumas estatísticas referentes ao número de crianças e adolescentes abandonados em todo o País; da quantidade destes que se encontra abrigado; dos motivos para tal abrigamento e do número aproximado de instituições existentes em Porto Alegre; de quantas crianças estão aptas à adoção; da quantidade de adoções realizadas na Capital, nos últimos dez anos e, por fim, de dados relativos à imagem da medida entre os brasileiros em geral. Consoante os índices que serão apresentados, é possível observarmos uma realidade bastante preocupante no que concerne à situação em que se encontram as crianças e os adolescentes e o instituto da adoção no País, em especial, em Porto Alegre. Ilustramos esta pesquisa com dados obtidos no site da Justiça da Infância e da Juventude do Estado do Rio Grande do Sul, que, embora estejam atualizados até 2006, nos trazem uma ideia da situação dos abrigos em nossa Capital: contamos com cerca de 97 abrigos em Porto Alegre, os quais 95 96 Lemos inúmeros depoimentos em sites relacionados ao tema da adoção e iremos nos basear em todos eles para concluirmos este capítulo, muito embora tenhamos ilustrado o trabalho com somente alguns deles. ADOÇÃO Brasil, op. cit. 32 oferecem aproximadamente 1.629 vagas às crianças e adolescentes abandonados, sendo que, destas, 1.814 vagas estão ocupadas.97 Ademais, não é novidade o fato de que o principal motivo para o abrigamento destes infantes se dá em função da pobreza que aflige as famílias, já que os pais, em não tendo condições de sustentarem seus filhos, os abandonam. Porém, além da falta de recursos materiais, um número que vem crescendo bastante é o de casos de acolhimento de crianças em decorrência da violência doméstica e dependência química dos responsáveis, como se pode notar nos dados abaixo98, atualizados até 2004: Carência de recursos materiais: 2,1% 1,8% Abandono dos pais ou responsáveis: 3,3% Violência doméstica: 3,5% 5,2% 24,1% Dependência química dos pais ou responsáveis: Vivência de rua: 7% Orfandade: Prisão dos pais ou responsáveis: 11,3% 18,8% 11,6% Abuso sexual praticado pelos pais ou responsáveis: Pais ou responsáveis portadores de deficiência: Exploração no trabalho, tráfico ou mendicância: Gráfico 01: Motivos de abrigamento de crianças e adolescentes Fonte: Elaborado pela autora Entretanto, inquietante sabermos que, de acordo com levantamento feito em 2008, pela Associação dos Magistrados Brasileiros99, a realidade é desconhecida por muitos em nosso País, tendo em vista que 30,9% das pessoas entrevistadas alegaram não conhecer a situação de abandono das crianças, e que, 97 98 99 ESTATÍSTICAS de abrigos em Porto Alegre. Justiça da Infância e da Juventude do Estado do Rio Grande do Sul. Disponível em: <http://jij.tj.rs.gov.br/jij_site/jij_site.wwv_main.main? p_cornerid=856&p_currcornerid=1&p_language=ptb&p_edit=0&p_full=1&p_cornertype=item&p_is cornerlink=1>. Acesso em: 05 out. 2010. BITTENCOURT, op. cit., p. 10. PERCEPÇÃO da população brasileira sobre a adoção. Maio de 2008. Disponível em: <http://www.amb.com.br/portal/docs/noticias/2008/pesquisa_adocao.pdf>. Acesso em: 10 out. 2010. 33 ao serem questionadas sobre a forma a qual pensam ser a mais apropriada para ajudar, apenas 15,5% responderam a adoção como solução. 42,3% das pessoas responderam que, caso optassem por ajudar estas crianças e adolescentes acolhidos em instituições, o fariam através de auxílio financeiro 100, o que, na verdade, nem sempre acontece, se verificarmos a enorme quantidade de menores institucionalizados, sem que nenhuma assistência lhes seja dada: 13,2% 42,3% 15,4% Auxílio Financeiro Não estaria disposto a ajudar Adotando uma criança Divulgação sobre adoção Trabalho voluntário 15,5% 34,8% Gráfico 03: Se o(a) Sr(a). fosse ajudar, qual forma de apoio ou ajuda escolheria? Fonte: Elaborado pela autora Outro fato que nos causa espécie, é aquele que mostra que 37,4% dos entrevistados, se intentassem a adoção, procurariam uma criança em hospitais e maternidades, ao contrário do que prescrevem os procedimentos legais, que orientam os candidatos a fazê-lo na Vara da Infância e da Juventude, para evitar adoções irregulares. Ainda que o número de pessoas que buscaria o judiciário para proceder à adoção (35%) não seja tão pequeno e discrepante em relação àquele ora citado, tais dados expõem a falta de informação que circunda grande parte da sociedade brasileira no que diz respeito aos procedimentos adotivos, motivo pelo qual, talvez, não haja tantos interessados em ajudar através da adoção, conforme índices já analisados.101 100 101 Idem. Idem. 34 Surpreendente, ainda, os números que dizem respeito ao perfil dos entrevistados – aqueles que alegaram dar preferência à adoção como forma de diminuir as crianças abandonadas (15,5%) –, que elucidam uma maior quantidade de mulheres que realizariam a adoção e uma esmagadora maioria de interessados casados e com filhos102 (78,2%), indicando que a maior parte daqueles os quais adotaria uma criança ou adolescente, são aqueles que já têm uma família estruturada, com base solidificada, podendo-se concluir que, muitas vezes, não pensam em adotar simplesmente para aumentar a família, mas, sim, para dar uma a quem não tem, provando o caráter solidário da adoção. Seguem os índices103: 3,2% 6,00% 4,00% 5,7% Casado Solteiro Divorciado Viúvo 23,90% 62,50% União Estável Recusa Informar Gráfico 06: Estado civil dos entrevistados Fonte: Elaborado pela autora Deixando de lado o perfil dos adotantes, passamos a analisar o perfil idealizado por estes, caso fossem adotar alguém. Aquilo que vinha sendo falado no decorrer deste trabalho, a partir das estatísticas, somente veio a ser confirmado: a imensa maioria dos brasileiros, se realizasse uma adoção, a faria exigindo uma criança de até três anos de idade, fato este que preocupa a todos nós, pois vemos as esperanças destes jovens de um dia encontrarem uma família, ficando cada vez menores, à medida que o tempo passa e estes vão crescendo dentro de abrigos, 102 103 Idem. Idem. 35 tendo cada vez menos chances de serem colocados em família substituta. Ilustrase, então, os referidos dados104: 19% 1% 32% 3% De qualquer idade Acima de 12 anos De 9 a 12 anos 3% De 6 a 9 anos De 3 a 6 anos De 6 meses a 3 anos 14% Entre 0 e 6 meses 28% Gráfico 08: Idade da criança ou adolescente Fonte: Elaborado pela autora Agora, um dado estarrecedor: de acordo com informações obtidas no site do Conselho Nacional de Justiça, até a data de 14 de outubro de 2010, existiam somente 255 crianças aptas a serem adotadas na comarca de Porto Alegre. Número absurdo, se pensarmos na enormidade de jovens acolhidos em instituições, fazendo com que estas sejam suas residências. No entanto, ressaltase que destas 255, a grande maioria é composta por meninos, com idade entre dez e quinze anos, perfil que não se encaixa nas exigências dos pretendentes a adoção, conforme os respectivos índices que seguem105: 104 105 Idem. CADASTRO Nacional de Adoção. op. cit. 36 7 50 64 0 a 5 anos 5 a 10 anos 10 a 15 anos acima de 15 anos 134 Gráfico 10: Idade das crianças disponíveis à adoção através do Cadastro Nacional de Adoção Fonte: elaborado pela autora Há de se notar que entre 255 crianças, apenas 7 têm de zero a cinco anos de idade, dado que demonstra que, efetivamente, aqueles que exigem bebês em seu cadastro, prolongarão seus processos, em função da pouca quantidade de crianças que preenchem o perfil escolhido. Finalmente, passamos a observar o número de adoções realizadas no período de 05 de outubro de 2000 a 05 de outubro de 2010, também em Porto Alegre, e nos deparamos com as seguintes estatísticas: foram adotadas, nos últimos dez anos, cerca de 1.755 crianças, sendo que destas adoções, apenas 146 ocorreram através do Cadastro Nacional de Adoção106; 1.351 adotantes eram casais; 239 adotados tinham menos de um ano de idade e 203 tinham até um ano; 903 eram meninas e apenas 46 eram negras, sendo que, de todas as crianças adotadas, 499 eram brancas, informações que revelam as efetivas preferências dos candidatos à adoção. 106 Considerando-se que o Cadastro existe desde abril de 2008, de acordo com informações do Conselho Nacional de Justiça. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/index.php? option=com_content&view=article&id=7497&Itemid=896>. Acesso em: 12 out. 2010. 37 13 27 12 36 69 Casal 70 Mulheres Solteiras Mulheres Separadas 177 Homens Solteiros Companheiro de mãe biológica Mulheres Viúvas Companheira do pai biológico Homens Separados 1351 Gráfico 12: Estado civil dos adotantes Fonte: Elaborado pela autora 123 239 Menos de um ano 1 ano 178 2 anos 3 anos 52 203 4 anos 5 anos 67 6 anos 7 anos 76 8 anos 165 87 9 anos 10 anos Entre 11 e 14 anos 89 131 101 136 Gráfico 13: Idade dos adotados Fonte: Elaborado pela autora Entre 15 e 18 anos 38 35 Negra Branca 499 37 1 Morena Clara Morena Escura Amarela 46 Gráfico 15: Cor da cútis dos adotados Fonte: Elaborado pela autora Em síntese, o que se pode concluir é que a adoção em nosso País, apesar de recentemente ter recebido legislação atualizada, ainda tem muito que evoluir. Entretanto, acreditamos que o que mais precisa mudar é a ideia daqueles que desejam adotar, tão somente pelo fato de que grande parte destes não têm encarado essa medida de acordo com sua real finalidade, qual seja, o bem-estar da criança e do adolescente, visando a garantia de seus direitos. 3.4 ANÁLISE DO PROCESSO DE ADOÇÃO NÚMERO 015/5.09.0007010-9 Passa-se a analisar, por fim, o processo de adoção tombado sob o número 015/5.09.0007010-9, que foi proposto no ano de 2005 e tramitou na Vara da Infância e Juventude da Comarca de Gravataí-RS, no qual, juntamente com o pedido de adoção, requereu-se a destituição do poder familiar do adotando. Assim sendo, passa-se a um resumo dos fatos e procedimentos ocorridos ao longo do referido processo, com o intuito de melhor compreendermos o caso. 3.4.1 Síntese do Processo Trata-se de ação de adoção de menor, na época, com dois meses de 39 idade, combinada com pedido de destituição de poder familiar, proposta no dia 21 de dezembro de 2005, pelo casal de adotantes, juntamente com a avó materna do adotando. Narrou-se, na inicial, que a requerida, mãe biológica do menino, encontrava-se detida no Presídio Madre Pelitier (entretanto, no decorrer do feito, pôde-se observar que a mesma encontrava-se em lugar incerto), uma vez que respondia pela morte do companheiro, pai do seu filho. Por esta razão, a terceira requerente, avó da criança, recebeu seu neto por intermédio do Conselho Tutelar. Ocorre que a avó da criança, em decorrência da ausência da mãe, já estava criando outras duas netas, também filhas da requerida e, em razão de ser pobre e doente, não poderia criar mais um neto, de modo que o entregou a seus vizinhos, ora requerentes. Estes, nos termos da exordial, vivem em união estável, sem filhos, e comprovam, nos autos, plenas condições de criar a criança. Com relação à mãe do adotando, além de responder pela morte do companheiro, pai da criança, de acordo com o que foi dito nos autos, sempre teve vida irregular, usava seus filhos para a mendicância, razão pela qual não teria condições de criá-lo. Logo, uma vez que o casal de requerentes já estava, de fato, responsável pelo menor, requereu a guarda provisória do mesmo, a destituição do pátrio poder, por abandono material e afetivo da mãe biológica e a adoção do infante. Um estudo social foi realizado com o casal, três meses após o requerimento do Ministério Público, de modo que a criança já contava com cinco meses de idade. Durante a visita, foi dito que o casal, ela com vinte e cinco anos e ele com vinte e oito, estava junto há dois anos e que moravam sozinhos. A moradia, de propriedade do casal, apresentava boas condições e afirmaram que sua renda mensal total era de cerca de R$ 3.650,00. Além disso, apesar de o casal, a princípio, ter condições de ter filhos, nunca contou nunca ter descartado a ideia de adotar uma criança. Informaram que o bebê sofreu maus tratos de seu pai, que o batia e, certa vez, o jogou na parede, lhe causando traumatismo craniano e fratura no braço. Disseram, também, que sabiam que a mãe do menor era uma pessoa com problemas de alcoolismo e usuária de drogas e que tinha quatorze filhos, sendo que alguns estariam presos. Relataram, por fim, que a avó da criança havia afirmou que a genitora teria concordado em entregar seu filho ao casal para que o adotassem. 40 Destarte, concluiu-se que o casal teria condições financeiras e psicológicas de criar a criança, que o menor encontrava-se bem de saúde, devido aos cuidados que os requerentes despenderam a ele, ao que opinaram favoravelmente pela guarda com vistas à adoção do menor. Para tanto, a Magistrada deferiu a guarda provisória da criança, pelo prazo de um ano, condicionada a avaliação em quatro meses, sendo que esta foi realizada em dezembro de 2007, através de novo estudo social, restando comprovado que o casal mantinha as mesmas condições inicialmente apresentadas, de sorte que opinaram pela manutenção da guarda (a guarda provisória da criança, que seria até 2007, foi renovada no decorrer do processo, permanecendo até 2010). Em seguida, foi designada audiência para oitiva da avó materna da criança, também requerente, que afirmou anuir com a adoção de seu neto pelo casal, este que, por sua vez, ratificou o interesse na adoção do menino, informando o novo nome ao qual este passaria a se chamar, em caso de deferimento do pedido. Sobreveio parecer do Ministério Público, que opinou pela procedência da ação, uma vez que foram observadas plenas condições dos requerentes em permanecer com o menor, tendo em vista, ainda, que o casal dedicava-se à educação e ao sustento do menor há mais de quatro anos, sendo que este estava totalmente adaptado à família, com todas suas necessidades supridas, restando demonstrado o efetivo benefício da adoção para o adotando. Em sua decisão, a Juíza julgou procedente a ação, destituindo o poder familiar da mãe biológica do infante e deferindo a adoção do menor ao casal requerente, ordenando o cancelamento do registro original, abrindo-se um novo, constando como pais da criança os adotantes e os ascendentes como avós, alterando-se o nome do menor, conforme requerido. 3.4.2 Visão Geral e Entendimentos a Respeito do Processo Com a análise do presente caso, restou evidente a morosidade do processo de adoção, tendo em vista que a criança, da distribuição do processo, em 2005, tinha apenas dois meses, e, ao ser prolatada a sentença, em 2010, o menor contava com cinco anos de idade. 41 Nesse sentido, há de se cogitar a hipótese de, por um infortúnio, tal ação ter sido julgada improcedente, imaginando-se o tamanho do transtorno que essa decisão causaria na vida deste casal e desta criança, já que ambos viviam como uma família há quase cinco anos, apegados e vinculados afetivamente, de maneira que, em caso de indeferimento do pedido, restaria demonstrada a nítida prejudicialidade que ocasiona a demora de um processo de adoção, dentre tantos outros motivos. Com relação aos procedimentos, à época em que foi proposta a ação, os requerentes estavam há poucos dias convivendo com a criança, de forma que, de acordo com a lei atualmente vigente, se o processo tramitasse hoje, o casal deveria frequentar o curso preparatório para estar apto a efetivar o processo de adoção, realizar cadastro para futura habilitação e, ainda, cumprir estágio de convivência com a criança, tendo em vista que o curto espaço de tempo que permaneceram com o menor, à data da propositura do feito, não afastaria a exigência de serem cumpridos tais requisitos. De outro lado, pôde-se notar clara preocupação com as “reais vantagens” da adoção para a criança. Nesse sentido foi o parecer do representante do órgão do Ministério Público: “com efeito, resta claro que o menino V. H. já consolidou vínculos afetivos com os autores, apresentando, a adoção, por conseguinte, na hipótese em apreço, reais vantagens ao adotando [...]”.107 Portanto, estando nítida a vontade do casal de criar o menor, de lhe proporcionar boa estrutura familiar, o que, inclusive, já vinham fazendo no período da guarda, e, ainda, ao ser confirmada a impossibilidade de a mãe biológica criar o menor, o pedido de adoção e destituição do poder familiar foi deferido. Acredita-se que a decisão da Magistrada foi adequada, se considerarmos as condições em que se encontrava a criança no momento em que fora recolhida pelo Conselho Tutelar, comparadas às condições em que estava vivendo na companhia do casal adotante. Ademais, era cristalina a vontade dos autores em adotar o menor, fato importantíssimo para a constituição do vínculo afetivo, sem contar que a avó materna da criança já havia concordado com tal medida e declarado não ter condições de criar mais um neto. Finaliza-se a presente pesquisa concluindo que a partir da análise desta 107 TRECHO do parecer do Ministério Público, retirado dos autos do Processo n° 015/5.09.0007010-9., fl. 116. 42 ação é possível crer na dimensão e relevância de um processo de adoção bem sucedido, não só para os adotantes, os quais queriam muito adotar o menino, mas, principalmente, para este, que estava claramente sofrendo maus tratos em sua família biológica e, com certeza, teria sua formação futura afetada, circunstância que, provavelmente, foi evitada ao lhe ser concedida uma família substituta, com pais que se propuseram a cuidá-lo e oferecer-lhe uma vida digna, da qual tem direito, revelando a grandeza da adoção. CONCLUSÃO Através da realização da presente pesquisa, foi possível perceber evidentes mudanças na sociedade, refletidas na história das famílias e, como objeto do trabalho, no instituto da adoção. Não só a legislação, mas, também, a cultura da sociedade foi alterando-se, tendo em vista que esta adquiriu percepção distinta sobre o instituto da adoção ao longo dos anos, ainda que, apesar das inúmeras modificações, a adoção, conforme ficou demonstrado, não atende à expectativa do momento contemporâneo. Nesse contexto, o abandono continua existindo na sociedade, tendo em vista o grande número de crianças e adolescentes acolhidos em instituições pelo Brasil. Por conseguinte, ficou evidente que algumas providências precisam ser tomadas, com urgência, partindo-se do princípio de que a convivência familiar é um direito constitucional, assegurado a toda criança e adolescente, mas que, infelizmente, vem lhes sendo negado, uma vez que um enorme contingente destes passa sua infância inteira em abrigos, tendo seus direitos suprimidos. Pôde-se verificar que a adoção, talvez pela relevância que ostenta, apresenta diversos requisitos a serem preenchidos, tanto quanto às partes envolvidas no processo, bem como quanto à formalidade do procedimento, o qual exige que várias etapas sejam vencidas por aqueles que desejam adotar. Quanto aos requisitos, dentre tantos, é importante destacar a novidade trazida em 2008, pelo Conselho Nacional de Justiça, qual seja, o Cadastro Nacional de Adoção, medida que veio com o intuito de dar maior celeridade e praticidade ao processo, o que, entretanto, na prática, não está acontecendo satisfatoriamente. Vimos, ainda, ao longo do trabalho, que a adoção, a partir de sua sentença constitutiva, gera diversos efeitos para as partes, entre eles, a extinção do vínculo 43 do adotado com sua família biológica, transferindo o poder familiar à família adotiva, transformando, por si só, o instituto da adoção em medida extremamente importante, a qual deve ser efetivada com muita cautela e responsabilidade, tendo em vista seu caráter irrevogável. Nesse sentido, seja pela necessidade de proporcionar a maior segurança possível à adoção, seja pela quantidade de procedimentos a serem seguidos, seu processo passa a ser bastante burocrático, o que é extremamente prejudicial àqueles que aguardam seu desfecho, ocasionando transtornos, inclusive de cunho psicológico, às partes. Entretanto, embora o judiciário não seja eficaz o suficiente para atender à demanda, os maiores obstáculos do processo são colocados pelos próprios candidatos à adoção, de sorte que acreditam que, através dessa, irão levar para suas casas “filhos perfeitos”. Todavia, a realidade encontrada nas instituições, infelizmente, não corresponde às expectativas dos adotantes, já que as crianças lá abandonadas são, em sua maior parte, negras e com mais idade. Ocorre que, no transcorrer deste trabalho, fácil foi identificar a diferença entre aqueles que, muitas vezes, tão somente para suprir alguma ausência ou perda, decidem adotar uma criança, procurando o “bebê ideal”, que trará menos problemas, pois, afinal de contas, não buscam a responsabilidade de serem pais, mas sim, a realização de um “capricho”, enquanto nota-se, claramente, a vontade daqueles que desejam, pura e simplesmente, um filho, independentemente de sua cor, idade ou qualquer outra característica. Nesse sentido, seria importante que algumas providências fossem tomadas a respeito, principalmente, através de políticas públicas que educassem a sociedade e conscientizassem os futuros pais adotivos a refletirem muito antes de optarem pela adoção, para que, em o fazendo, não haja preconceitos e seja exercida uma paternidade responsável. A propósito, os testemunhos relatados na presente pesquisa foram bastante esclarecedores, uma vez que mostraram o que, de fato, os candidatos à adoção passam até que cheguem à sua efetivação. Declarações de pessoas que já pensaram em desistir, devido à demora do processo, de pretendentes que querem muito adotar, porém, desde que seja uma menina recém-nascida, de adotantes que se dizem extremamente felizes e realizados, pois, depois de pouco tempo, conseguiram realizar o sonho de trazer um filho adotivo para casa, sem que suas características fossem relevantes. 44 Para tanto, cabe, sim, às autoridades competentes fazerem com que estas crianças e adolescentes tenham seus direitos constitucionais atendidos, através de políticas públicas que respeitem a natureza temporária dos abrigos, que acelerem os processos de destituição do poder familiar e a habilitação dos pretendentes à adoção, sem que, no entanto, seja deixado de lado todo o cuidado que merece uma medida como essa. Contudo, cabe, também, à sociedade deixar o preconceito de lado, e, àqueles que pretendem adotar, pensar com responsabilidade se isso é o que sinceramente desejam, pois, os verdadeiros pais adotivos não buscam um perfil ideal, buscam, sim, um filho. REFERÊNCIAS ADOÇÃO Brasil. Disponível em: <http://www.adocaobrasil.com.br/depoimentos.asp>. Acesso em: 12 out. 2010. ADOÇÃO internacional diminui no Brasil. Revista Crescer. Nov. 2008. Disponível em: <http://revistacrescer.globo.com/Revista/Crescer/0,,EMI8606-10514,00.html>. Acesso em: 20 set. 2010. BOCHNIA, Simone Franzoni. Da adoção: categorias, paradigmas e práticas do direito de família. Curitiba, Juruá, 2010. BITTENCOURT, Sávio. A nova lei de adoção: do abandono à garantia do direito à convivência familiar e comunitária. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2010. CADASTRO Nacional de Adoção. Conselho Nacional de Justiça. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/index.php? option=com_content&view=article&id=7497&Itemid=896>. 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