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ANÁLISE DO PROCESSO DE ADOÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES NO
ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO1
Bruna Freitas Ducati2
RESUMO: O presente trabalho faz um exame do conceito e das modificações
suportadas pelo instituto da família e, especificamente, da adoção, no
ordenamento jurídico brasileiro, tendo como enfoque a burocracia na tramitação de
seu processo, bem como a (in) eficácia de políticas públicas na área da infância e
juventude. Busca analisar os procedimentos adotivos, com o fito de verificar seus
problemas e efeitos, inclusive psicológicos, na vida dos envolvidos, procurando,
ainda, compreendê-los e desmistificá-los.
Palavras-chave: Adoção, legislação da adoção, processo de adoção, burocracia,
eficácia, preconceito, afetividade.
INTRODUÇÃO
O instituto jurídico da adoção tem por objetivo a constituição de filiação
civil, dando amparo material e moral à criança e/ou adolescente3 abandonado,
visto que, dentre os direitos fundamentais destes, está à convivência familiar e
comunitária, conforme prevê o artigo 19, da Lei n. 8.069/1990 (Estatuto da Criança
e do Adolescente).
Por essa razão, em meio à relevância da adoção no Brasil, seja pela
preocupação que o abandono de menores nos causa, seja pelo desrespeito
dispensado a estes frente aos seus direitos fundamentais, e pela necessidade de
proporcionar a estas crianças e adolescentes uma vida digna, dentro de uma
família, cabe ser examinada a razão para os numerosos problemas que giram em
1
Artigo extraído do Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial à
obtenção do grau de Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul, aprovado com grau máximo pela banca examinadora composta
pela Profa. Dra. Orientadora Marise Soares Corrêa, Profa. Me. Marilise Kostelnaki Bau e Profa.
Me. Telma Sirlei da S. F. Favaretto, em 26 de novembro de 2010.
2
Acadêmica do curso de Ciências Jurídicas e Sociais – Faculdade de Direito – PUCRS. Contato:
[email protected]
3
No presente trabalho, utiliza-se a expressão criança e adolescente em consonância com o
Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990, com o Código Civil Brasileiro de 2002 e com a Lei
Nacional de Adoção de 2009.
2
torno dos processos de adoção, nos quais, em especial, os adotantes se deparam
e que, por conseguinte, acabam por afetar os adotados.
Nesse diapasão, de acordo com pesquisas, nota-se que os principais
óbices encontrados por quem se sujeita ao procedimento da adoção são a lentidão
do processo judicial no que tange a sua tramitação; a demora do processo de
destituição do poder familiar; a falta de informações, por parte da população
interessada, em relação aos procedimentos e requisitos; a burocratização e as
dificuldades com as quais se deparam os interessados em realizar a adoção, entre
outros. Observa-se, além disso, que os pais exigem que o adotado tenha um perfil
identificado com suas famílias.
Assim sendo, é mister se fazer uma análise crítica do desenvolvimento e
andamento de tal processo, com o intuito de encontrar o foco destes entraves,
tendo como principal objetivo a busca pela compreensão de algumas questões
relevantes, tais como: por qual razão o procedimento para cadastrar-se, habilitarse e, por fim, efetivar a adoção, é tão lento e complicado? Essa demora acarreta
em desistência por parte dos adotantes? O que poderia ser feito para acelerar e
desburocratizar esse procedimento? Por qual motivo o número de pessoas que
pretendem adotar é tão superior ao número de crianças aptas à adoção no Rio
Grande do Sul (conforme pesquisas, são 4.319 pretendentes, para 798 crianças
em condições de serem adotadas4)?
Não há dúvidas da quantidade de crianças e adolescentes abandonados,
sem família, vivendo em situação de miséria, tendo suprimido o exercício da
cidadania, contrariando os princípios constitucionais fundamentais. De acordo com
buscas feitas em sites da internet, têm-se os seguintes dados, a nível nacional:
Estima-se que haja pelo menos 80 mil crianças distribuídas em
2,4 mil abrigos no País, de acordo com o IPEA (Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada). Destas, apenas 4,5 mil estão disponíveis para
adoção, já que a maioria ainda possui algum vínculo jurídico com a
família biológica.5
Diante disso, é plenamente justificável que se estude o processo de
adoção, seus requisitos e particularidades, a forma como este tramita, examinando
suas reais vantagens e desvantagens no que tange ao menor, visando ponderar a
4
5
CADASTRO unificado acelera processos de adoção. Portal Aprendiz, 22 abr. 2010. Disponível
em: <http://aprendiz.uol.com.br/content/kipusposhe.mmp>. Acesso em: 13 de agosto de 2010.
Idem.
3
eficácia do instituto no que concerne ao seu objetivo principal: dar um lar à criança
ou adolescente, atendendo sempre aos seus interesses.
O estudo do tema será desenvolvido através pesquisa doutrinária,
legislação vigente, jurisprudência, dentre outras fontes. Para a comprovação da
pesquisa feita, serão apresentados dados estatísticos, depoimentos e análise dos
autos de um processo de adoção, a fim de entender a sua trajetória perante o
Poder Judiciário.
1 CONCEITO E MUDANÇAS DA FAMÍLIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO
BRASILEIRO
Para nos situar no objeto do presente trabalho, é de suma importância que
tracemos um paralelo a respeito da alteração que sofreu o Direito de Família ao
longo do tempo, assim como se faz necessário um breve estudo acerca do
conceito desta instituição.
Conforme nos ensina Paulo Nader, ainda que a definição de família seja
dotada de extrema complexidade frente à constante evolução da sociedade no que
tange a mudanças de cultura e de hábitos no dia a dia das famílias, o referido
Autor nos traz o seguinte conceito:
Família é uma instituição social, composta por mais de uma
pessoa física, que se irmanam no propósito de desenvolver, entre si, a
solidariedade nos planos assistencial e da convivência ou simplesmente
descendem uma da outra ou de um tronco comum.6
Nesse contexto, Ana Paula Corrêa Patiño afirma o seguinte: “não obstante
a falta de um conceito único do termo família, ela pode ser compreendida como um
grupo de pessoas ligadas por vínculos jurídicos e afetivos, decorrentes do
casamento ou simplesmente do parentesco”.7
De outro lado, para que uma análise jurídica da família possa ser feita, há
que se examinar os aspectos históricos da instituição. Nesse sentido, sabe-se que
significativas transformações ocorreram desde os séculos passados, não só na
realidade social da família propriamente dita, mas, também, no tocante às leis que
regem tal instituição, principalmente com o advento da Constituição Federal de
6
7
NADER, Paulo. Curso de Direito Civil: direito de família. v. 5. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p.
3.
PATIÑO, Ana Paula Corrêa. Direito Civil: direitos de família. São Paulo: Atlas, 2006, p. 1.
4
1988 e com a promulgação do Código Civil de 2002, legislações estas que
inovaram, em alguns aspectos, inserindo diversos princípios constitucionais – os
quais serão objeto de estudo nos capítulos seguintes – de extrema importância à
sociedade.
Buscam-se referências históricas para melhor explicar o tema, como nas
palavras de Carlos Roberto Gonçalves, que diz que “no Direito Romano a família
era organizada sob o princípio da autoridade. O pater famílias exercia sobre os
filhos direito de vida e de morte”.8 Este era o chefe da família, tendo liberdade para
aplicar penalidades a todos os membros de seu grupo, inclusive à sua mulher, de
modo que esta era totalmente subordinada em relação a seu marido. 9
Entretanto, com o passar do tempo, o Direito Romano passou a conceber a
família como entidade cristã, de sorte que a instituição familiar mudou,
proporcionando maior autonomia à mulher e aos filhos, tornado-se as regras
menos rigorosas.10
No ordenamento jurídico brasileiro, o casamento civil foi, durante muito
tempo, a única forma reconhecida de se constituir família, sendo que este era
indissolúvel, por princípio constitucional de nosso sistema jurídico. Na vigência do
Código Civil de 1916, a mulher era considerada relativamente incapaz e
encontrava-se em posição inferior ao homem, tendo papel de mera colaboradora
no exercício dos encargos da família. Havia discriminação no tocante aos filhos, na
época, divididos em filhos “legítimos” e “ilegítimos”.
Contudo, inúmeras mudanças foram surgindo na família, por força das
ações sociais,11 culminando com o texto constitucional que revoga os conceitos de
família, restando a igualdade entre os cônjuges12 e entre os filhos, conforme os
artigos 226, § 5º e 227, § 6°. Ademais, a partir da modernidade, surge a igualdade
no plano prático em função da emancipação da mulher, sendo destacada a
identidade de direitos e deveres entre marido e mulher, competindo a ambos a
8
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: direito de família. v. VI, 5. ed. São Paulo:
Saraiva, 2008, p. 15.
9
OLIVEIRA LEITE, Eduardo de. Direito Civil Aplicado: Direito de Família. v. 5. São Paulo: RT,
2005, p. 23.
10
GONÇALVES, op. cit., p. 15.
11
CORRÊA, Marise Soares. A história e o Discurso da Lei: o discurso antecede à história. Porto
Alegre: PUCRS, 2009. 464 f. Tese (Doutorado em História), Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2009.
12
CORRÊA, Marise Soares. O princípio constitucional da igualdade entre os cônjuges e os
reflexos no Direito de Família. Porto Alegre: PUCRS, 1998. Dissertação (Mestrado em Direito),
Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 1998.
5
direção da sociedade conjugal, sempre no interesse do casal e dos filhos13, em
conformidade com o artigo 1.567, do Código Civil.
Foi necessário que nosso Codex adequasse suas normas às novas
disposições constitucionais vigentes, de maneira que, a partir de 2002, a legislação
civil passou a priorizar, de fato, os vínculos de afeto que, nos séculos anteriores,
eram deixados para trás. Por conseguinte, a não discriminação dos filhos passa a
ser regulada, não se falando mais em filho legítimo ou ilegítimo, já que,
independentemente de a concepção ter ocorrido dentro ou fora do casamento,
todos os filhos, atualmente, são considerados iguais perante a lei.
Nesse sentido, Marise Soares Corrêa enfatiza: “refletir a respeito da família
e das rupturas com ela surgidas, é pensar nas mudanças estabelecidas em um
período de tempo que circunscreve uma história em movimento, pertencente a
uma cultura e a uma sociedade envoltas em profundas alterações”.14
Sendo assim, clara está a discrepância entre a legislação atual e a
anteriormente vigente, podendo-se concluir que obtivemos várias vantagens se
compararmos a situação da família antiga com a da família moderna, a qual
preconiza a igualdade, o bem-estar e a dignidade da pessoa humana, frente às
relações familiares.
1.1 MUDANÇAS NO CONCEITO E NO INSTITUTO DA ADOÇÃO NO SISTEMA
JURÍDICO BRASILEIRO
Ainda que as leis não apresentem uma definição para a adoção, Paulo
Nader afirma que esta “consiste no parentesco civil, entre pais e filhos,
estabelecido mediante negócio jurídico bilateral solene e complexo, formalizado
perante a autoridade judiciária”.15
Trata-se de uma “ficção jurídica” fundamentada na vontade de pessoas em
constituírem uma família baseada na afetividade, uma vez que tal modelo de
filiação não apresenta qualquer relação biológica entre pais e filhos. 16 Logo, a
13
14
15
16
CORRÊA, op. cit., p. 64. doutorado.
CORRÊA, Marise Soares, Reflexões sobre a violência familiar, em especial contra a mulher.
Direito & Justiça, Porto Alegre: Edipucrs, v. 33, p. 64-79, jun. 2007, p. 73.
NADER, op. cit.
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. A nova filiação: o biodireito e as relações parentais: o
estabelecimento da parentalidade-filiação e os efeitos jurídicos da reprodução assistida
heteróloga. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 497.
6
adoção é um instituto jurídico que imita a chamada filiação natural. É a forma pela
qual alguém estabelece com outrem laços de parentesco civil por força de
determinação legal, de modo que esta filiação advém de sentença judicial.
Nas sábias palavras de Sílvio de Salvo Venosa:
A adoção, na modernidade, preenche duas finalidades
fundamentais: dar filhos àqueles que não os podem ter biologicamente e
dar pais aos menores desamparados. A adoção que fugir desses
parâmetros estará distorcendo a finalidade do ordenamento e levantará
suspeita.17
Salienta-se que a adoção, além de sua natureza institucional, possui
natureza contratual, à medida que se exige a vontade de ambas as partes para
que possa ser concretizada, já que ninguém é obrigado de requerer a adoção de
outrem, sendo considerada, assim, ato personalíssimo e exclusivo.18
Com relação ao conceito da adoção, é pertinente verificarmos as
mudanças legislativas do mesmo que, segundo Artur Marques da Silva Filho, “na
sua origem mais remota tinha sentido essencialmente religioso, na medida em que
visava perpetuar o culto doméstico dos antepassados”.19
Sua sistematização iniciou-se pelos povos orientais.20 As Leis de Manu
exigiam como requisito que o adotando conhecesse os rituais religiosos e
preceituavam que aquele que não pudesse ter tido filhos, poderia adotar um para
que as cerimônias fúnebres não cessassem.21
Entretanto, foi no Direito Romano onde mais se desenvolveu o instituto,
que encontrou disciplina sistemática, com a principal finalidade de proporcionar
prole civil àqueles que não possuíam filhos biológicos.22
Nos anos de 1728-1686 a.C., a família e, mais especificamente, a adoção,
passaram a ser melhor sistematizadas com a instituição do Código de Hamurabi,
que determinou regras expressas para que a adoção pudesse ser efetivada, tais
como a idade mínima de sessenta anos do adotante; que este não tivesse filhos
naturais e que fosse dezoito anos mais velho que o pretendente à adoção. 23 Ainda,
17
18
19
20
21
22
23
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: direito de família. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 306.
GONÇALVES, op. cit., p. 383.
SILVA FILHO, Artur Marques da. Adoção: regime jurídico, requisitos, inexistência, anulação.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 20.
Idem, p. 20.
Idem, p. 21.
RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 541.
SURJUS, Elsie Pereira da Silva. A construção do apego na adoção tardia. Dissertação de
Mestrado de Psicologia da PUCRS. Porto Alegre, 2002, p. 7-9.
7
tal legislação tinha especial preocupação com a possibilidade ou não de o filho
adotado reclamar o retorno à sua família de origem.24
No que concerne ao direito brasileiro, até o advento do Código Civil de
1916, a adoção não era regulamentada, passando a ser disciplinada, pela primeira
vez, a partir de sua promulgação. Porém, o instituto foi pouco utilizado, devido às
dificuldades impostas pela lei para que a adoção fosse celebrada. Nesta época,
eram algumas das características do instituto: a exigência de que o adotante
contasse com, pelo menos, trinta anos de idade, sendo que deveria ser dezesseis
anos mais velho que o adotando e, ainda, este deveria ter mais de dezoito anos;
se o adotante fosse casado, tal matrimônio deveria ter duração de, no mínimo,
cinco anos; a adoção somente seria efetivada com a averbação de escritura
pública no registro civil;25 foram estabelecidas diferenças entre os filhos naturais e
adotivos, sendo estes inferiorizados em relação àqueles, o que somente foi banido
com o advento do Texto Constitucional.
Entretanto, a redação do antigo Código Civil foi sendo modificada,
conforme novas legislações foram surgindo. Nesse sentido, em 1957, a Lei 3.133
veio inserir alterações no que determinou Clóvis Beviláqua a respeito da adoção,
reduzindo a idade mínima para adotar para trinta anos, sendo diminuída, ainda, a
diferença de idade entre o adotante e o adotado para dezesseis anos.
Posteriormente, em 1965, a Lei 4.655 instituiu a legitimação adotiva ao menor
abandonado, fixando sua idade mínima em sete anos, sendo considerado um
marco na Legislação Brasileira sobre adoção.
A partir do surgimento da Legislação Menorista - Lei 6.697 -, em 1979, a
finalidade da adoção passa a ser a proteção integral do menor, implantando duas
formas de adoção: adoção simples, que se referia aos menores com idade não
superior a dezoito anos, dependendo de autorização judicial e sendo exigido
estágio de convivência com o adotando; e adoção plena, que atribuía a condição
de filho ao adotado, desvinculando-o de seus pais e parentes, de modo que esta
era irrevogável.
Com relação à Constituição Federal de 1988, seus artigos 203, inciso II, e
227, parágrafos 5º e 6º, estabelecem que os filhos, havidos ou não da relação de
casamento, têm igualdade de direitos, sendo vedadas quaisquer formas de
24
25
SILVA FILHO, op. cit., p. 22.
VENOSA, op. cit., p. 323.
8
discriminação relativas à filiação.
Em 1990, surge o Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069 –
“trazendo em sua essência a proteção especial dos interesses desses sujeitos de
direito”26, regulamentando a adoção de menores de até dezoito anos.
Com o advento do indigitado Estatuto, alterações foram inseridas no
âmbito da adoção no Brasil, podendo ser destacadas, entre elas, a impossibilidade
da adoção por procuração; a condição de filho que o adotado passa a sustentar,
inclusive no que tange à sucessão; a irrevogabilidade da medida; a irrelevância do
estado civil da pessoa interessada em adotar, ressaltando-se que esta deve contar
com, no mínimo, vinte e um anos de idade para fazer tal requerimento.27
Com relação ao Código Civil vigente, uma vez que no Estatuto da Criança
e do Adolescente somente foi disciplinada a adoção de crianças, a adoção dos
maiores de dezoito anos é regida pela Lei Civil de 2002, que teve seus artigos
1.620 a 1.629 revogados, através da promulgação da Lei 12.010 de 2009.
Nesse diapasão, a Lei de Adoção, Lei 12.010 de 2009, altera as Leis 8.069
de 1990, 8.560 de 1992 e revoga dispositivos do Código Civil e da Consolidação
das Leis do Trabalho, sendo aprovada, segundo Simone Franzoni Bochnia, “na
ânsia de proteção à criança e ao adolescente e afirmando mais veemente a
tentativa de controle das adoções”.28
Sendo assim, o artigo 1º, de tal legislação, dispõe, em sua redação, sobre
o aperfeiçoamento da adoção, visando à garantia do direito à convivência familiar a
todas as crianças e adolescentes, de modo que o Estado é o principal responsável
pela orientação, apoio e promoção social da família natural – uma vez que a
adoção deve ser utilizada somente em último caso29 – conforme preceitua o
parágrafo 1º, do referido artigo.
Portanto, no decorrer do presente capítulo, puderam-se perceber efetivas
alterações, dentre elas, diversas melhorias, no instituto da adoção em nosso
ordenamento jurídico, de maneira que esta medida, atualmente, tem o condão e o
foco principal na garantia à criança e ao adolescente do direito constitucional de
convivência familiar, visando, sobretudo, o interesse e o bem-estar do adotando.
26
27
28
29
BOCHNIA, Simone Franzoni. Da adoção: categorias, paradigmas e práticas do direito de família
– Curitiba, Juruá, 2010, p. 44.
Idem, p. 48.
Idem, p. 234.
FIGUEIRÊDO, Luiz Carlos de Barros. Comentários à nova lei nacional de adoção. Lei 12.010
de 2009. 1. ed. Curitiba: Juruá, 2010, p. 16.
9
1.2 OUTRAS FORMAS DE ADOÇÃO
De acordo com a legislação vigente, a adoção é revelada em modalidades
distintas quanto a sua realização e procedimentos, de modo que cabe fazermos
rápida análise de algumas delas, senão vejamos:
1.2.1 Adoção Póstuma
Sabe-se que a morte põe fim à personalidade jurídica da pessoa física.
Destarte, teoricamente, falecendo o adotante, no curso do processo de adoção
singular, este deveria ser extinto, uma vez que a adoção é direito personalíssimo,
indisponível e imprescritível. Entretanto, Arthur Marques da Silva Filho menciona
que o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê a possibilidade de “adoção post
mortem ao adotante que, após inequívoca manifestação de vontade, vier a falecer
no curso do procedimento”.30
Ademais, a regra geral é que a sentença constitutiva de adoção somente
passará a produzir seus efeitos após o trânsito em julgado. Ao contrário, no caso
de adoção póstuma, os efeitos da sentença retroagem à data do óbito do adotante.
Nesse sentido, decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
ADOÇÃO PÓSTUMA. Prova inequívoca.
- O reconhecimento da filiação na certidão de batismo, a que se
conjugam outros elementos de prova, demonstra a inequívoca intenção de
adotar, o que pode ser declarado ainda que ao tempo da morte não tenha
tido início o procedimento para a formalização da adoção.
- Procedência da ação proposta pela mulher para que fosse
decretada em nome dela e do marido pré-morto a adoção de menino
criado pelo casal desde os primeiros dias de vida.
- Interpretação extensiva do art. 42, § 5º, do ECA.
- Recurso conhecido e provido. (Recurso Especial Nº 457.635,
Relator: Ministro Ruy Rosado de Aguiar, Superior Tribunal de Justiça,
Julgado em 19/11/2002)
No caso em tela, fica evidente a possibilidade de ser deferido o pedido de
adoção póstuma ao interessado, muito embora o adotante tenha falecido antes
mesmo de iniciados os procedimentos para a adoção, caso em que, conforme
referido, a sentença de procedência retroagirá à data de sua morte. Salienta-se
30
SILVA FILHO, op. cit., p. 120.
10
que o processo de adoção, à época do óbito, ainda não havia sido proposto, o que
não foi empecilho para que a ação fosse julgada procedente, visto que, em vida, o
pré-morto já havia demonstrado inequívoco desejo em adotar o menino.
1.2.2 Adoção Intuitu Personae
Há divergência na doutrina com relação à legalidade da adoção intuitu
personae, já que esta consiste, conforme leciona Artur Marques da Silva Filho, em
“um prévio acordo entre os pais do adotando e os adotantes, visando que estes
adotem a criança”31, de forma que a mãe e/ou pai decidem para quem querem
entregar seu filho, longe dos procedimentos obrigatórios do Judiciário.
Porém, alguns casais, a fim de legalizar a situação da criança recebida,
buscam a justiça, ao que descobrem que deverão efetuar o cadastro e aguardar na
fila de pretendentes, enquanto aquela criança que, até então, era “sua”, agora
ficará em alguma instituição, esperando ser acolhida por uma família a qual
seguirá os trâmites legais para a efetivação de sua adoção. Sobre o tema, Eunice
Ferreira Rodrigues Granato:
Questiona-se se é justo àquele casal que ficou com o recémnascido e que eventualmente o manteve em sua companhia por vários
meses, que a ele se afeiçoou, com ele criou vínculos e que, acreditando
na justiça a procurou, subitamente o veja tomado de seus braços e talvez
o perca para sempre, em nome de uma burocrática “fila”? Essa medida
atenderá ao “superior interesse da criança”, uma vez que esse infante
sofrerá a dor da separação da família que o acolheu?32
No Estatuto, o artigo 50, parágrafo 13, determina que somente seja
possível a adoção, dispensado o cadastro, em se tratando de requerimento de
adoção unilateral, quando o pedido for formulado por parente com o qual a criança
ou adolescente mantenha vínculos de afinidade ou, ainda, quando for oriundo de
quem detém a tutela ou guarda legal de criança maior de três anos de idade ou
adolescente, desde que o lapso de tempo de convivência comprove a fixação de
laços de afinidade e afetividade, afastando-se a má-fé.
Assim sendo, aos pais não cabe escolher a família que entendem mais
apropriada e que acreditam ter melhores condições de criar seu filho, de maneira
31
32
Idem, p. 137.
GRANATO, Eunice Ferreira Rodrigues. Adoção: doutrina e prática – Curitiba: Juruá, 2010, p.
142.
11
que somente estarão aptas, ressalvados os casos previstos em lei e supracitados,
as pessoas previamente habilitadas à adoção.33
1.2.3 Adoção “À Brasileira”
A adoção “à brasileira”, como é chamada, é o ato pelo qual alguém registra
filho de outrem como se fosse seu. Nessa esteira, esclarece Simone Franzoni
Bochnia que “[...] recebem a criança de forma clandestina, com o consentimento
da mãe biológica, fazendo constar indevidamente no assento de nascimento o
nome da pessoa interessada, como se fosse a mãe biológica”.34 Tal procedimento
é ilegal, uma vez que a adoção deverá ser realizada por meios judiciais.35
Acredita-se que o principal motivo para que os interessados realizem a
adoção “à brasileira”, é a vontade de escapar de um processo judicial lento e
burocrático e o medo de não lhe ser deferida a adoção da criança pretendida.36
No âmbito desta forma de adoção, colaciona-se jurisprudência obtida no
site do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro:
1- AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE REGISTRO CIVIL
C/C NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. 2- RECONHECIMENTO
ESPONTÂNEO DE FILHA NÃO BIOLÓGICA. 3- OCORRÊNCIA DA
DENOMINADA
"ADOÇÃO
À
BRASILEIRA".
4REALIZADO
ASSENTAMENTO VOLUNTARIAMENTE PELO APELANTE, OPEROUSE A ADOÇÃO QUE, NOS TERMOS DA LEGISLAÇÃO, POSSUI
CARÁTER IRREVOGÁVEL. 5- RECURSO IMPROVIDO. (Apelação nº
0005346-71.2003.8.19.0211. Relator: Des. Mario dos Santos Paulo,
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Julgamento: 15/09/2010
- Quarta Câmara Cível).
Nota-se, assim, o caráter irrevogável da adoção “à brasileira”, ainda que
esta seja considerada ilegal, de sorte que se justifica tal irrevogabilidade através do
princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, já que, uma vez
adequado em família substituta, o adotado não deverá ser retirado da mesma, sob
pena de lhe causar enormes transtornos psicológicos e emocionais.
1.2.4 Adoção Internacional
33
34
35
36
DIAS, Maria Berenice. A adoção e a espera do amor. Disponível em:
<http://www.mariaberenice.com.br/uploads/1_ _ado%E7%E3o_e_a_espera_do_amor.pdf>.
Acesso em: 26 set. 2010.
BOCHNIA, op. cit., p. 115.
Idem.
Idem.
12
Adoção internacional é o instituto que permite que uma criança ou
adolescente seja adotada por estrangeiros, passando a residir no país dos
adotantes, desde que obedecido o princípio do melhor interesse da criança e
observado o artigo 31, da Lei 8.069/1990, o qual determina a colocação em família
substituta estrangeira como sendo medida excepcional, somente sendo deferida
depois de esgotados os meios para a adoção nacional37, conforme artigo 51,
parágrafo 1º, inciso II, do mesmo diploma legal. Para Luiz Carlos de Barros
Figuerêdo, “se a adoção já tem caráter excepcional, a adoção internacional
materializa a exceção da exceção”.38
Ao adotante estrangeiro, residente fora do Brasil, há alguns requisitos a
serem preenchidos, além daqueles previstos aos adotantes brasileiros, como, por
exemplo, a necessidade de haver uma autorização por escrito do juiz, permitindo
que o estágio de convivência possa ser realizado com o adotando.
Sobre o tema, cola-se notícia extraída de site da internet, que mostra a
realidade vivida no País: “adoção internacional diminui no Brasil. Dados divulgados
pela Secretaria Especial de Direitos Humanos mostram que uma maior fiscalização
e a prioridade para adoção por brasileiros causou esta queda. [...].39
Não obstante, com relação a esse entendimento e à diminuição da adoção
internacional, o desembargador da Comissão Estadual Judiciária de Adoção,
Thiago Ribas Filho, explica que os estrangeiros são menos exigentes que os
brasileiros quanto ao perfil das crianças que pretendem adotar: "geralmente, eles
não se preocupam com a cor, costumam adotar crianças mais velhas (com até dez
anos de idade) e, também, aceitam mais facilmente grupos de irmãos".40
Eunice Ferreira Rodrigues Granato acredita que “com a nova lei, a adoção
internacional, que já era bastante problemática, se tornou quase impossível” 41,
partindo-se do princípio de que, para sua concretização, inúmeras exigências
devem ser seguidas e uma série de requisitos preenchidos, sem contar que a
37
38
39
40
41
CURY, Munir (Coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado: comentários
jurídicos e sociais. 9. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 149.
FIGUEIRÊDO, op. cit., p. 60.
ADOÇÃO internacional diminui no Brasil. Revista Crescer. Nov. 2008. Disponível em:
<http://revistacrescer.globo.com/Revista/Crescer/0,,EMI8606-10514,00.html>. Acesso em: 20 set.
de 2010.
Idem.
GRANATO, op. cit., p. 128.
13
medida somente será deferida depois de esgotadas todas as tentativas de manter
a criança em seu país.
1.3 A QUESTÃO DO ABANDONO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES
Infelizmente, nem toda criança nasce com a mesma sorte daquela que tem
uma família que lhe proporciona afeto, estrutura e proteção e que, sob hipótese
alguma, sequer cogitaria a ideia de abandonar um filho. Em uma realidade
totalmente oposta a essa, há um número arrebatador de crianças e adolescentes
vivendo o pesadelo do abandono, geralmente, esquecidos em abrigos.
Nesse contexto, oportuno trazermos dados obtidos através de pesquisa
realizada em 2004, pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA -, e
referidas por Sávio Bittencourt:
Os motivos de abrigamento da criança são a carência de recursos
materiais da família (24,1%), o abandono pelos pais ou responsáveis
(18,8%), a violência doméstica (11,6%), a dependência química dos pais
ou responsáveis (11,3%), a vivência de rua (7%), a prisão dos pais ou
responsáveis (3,5%) e o abuso sexual praticado pelos pais ou
responsáveis (3,3%), pais ou responsáveis portadores de deficiência
(2,1%), criança submetida a exploração no trabalho, tráfico ou
mendicância (1,8%), dentre outros. A orfandade é causa de abrigamento
de apenas 5,2% dos institucionalizados.42
Para melhor elucidar a manifestação do Autor, procurando dar maior
visibilidade aos índices, estes serão apresentados com maior clareza no capítulo 3.
Assim, pode-se observar que a pobreza, dentre tantas outras, é a principal
motivadora dos abandonos sofridos pelas crianças que, vítimas do desespero e
despreparo de seus pais, e, ainda, do abandono por parte do Estado43, passam
anos e anos depositadas em instituições, tendo seu direito constitucional de
convivência familiar suprimido. A esse respeito, tem-se outro dado chocante trazido
por Sávio Bittencourt: “41,8% dos institucionalizados não têm qualquer contato com
suas famílias de origem”.44
De acordo com o parágrafo único, do artigo 101, do Estatuto da Criança e
do Adolescente, os abrigos devem ser medidas provisórias e excepcionais. Aliás, a
42
43
44
BITTENCOURT, op. cit., p. 10.
BOCHNIA, op. cit., p. 205.
BITTENCOURT, op. cit., p. 11.
14
Lei de Adoção implantou o caráter temporário aos abrigos, determinando, em seu
artigo 19, parágrafo 2º, o limite máximo de dois anos para a permanência de
crianças e adolescentes acolhidas.
Ocorre, contudo, que nossa realidade é totalmente diversa, podendo-se
verificar certa ineficácia da lei nesse sentido, uma vez que o tempo que estas
crianças ficam dentro das instituições é indeterminado, sendo que, conforme
levantamento feito pelo IPEA, quando da realização da pesquisa, em 2004, “52,6%
deles encontrava-se há mais de dois anos no abrigo. Cerca de quase 20% da
população infanto-juvenil institucionalizada está há mais de seis anos nos abrigos
[...]”45.
Ademais, outro ponto assustador é em relação ao número de abrigados no
País: são mais de 80 mil crianças e adolescentes vivendo em instituições, sem a
presença materna e/ou paterna, já que, de acordo com o que diz Simone Franzoni
Bochnia, “[...] os órgãos públicos não dão a devida atenção às crianças
institucionalizadas, desobedecendo ao princípio da prioridade absoluta”46. Princípio
este convencionado pelo artigo 183, do Estatuto, o qual determina que o prazo
máximo e improrrogável para o término de procedimento judicial, estando a criança
ou adolescente internado, será de quarenta e cinco dias.
Tais fatos nos chamam a atenção e elucidam o descaso suportado por
estes jovens, a partir do momento em que constatamos que apenas 10% deles, à
época da pesquisa, tinham o poder familiar destituído, estando em condições e
prontos para serem adotados, enquanto que mais de 40% não apresentavam
vínculo emocional algum47, mas não podiam ser adotados, pois ainda não havia
ocorrido a destituição, de fato, do poder familiar de suas famílias de origem.
Assim, Sávio Bittencourt conclui que “milhares de brasileiros inocentes
padecem de abandono, sem que o Ministério Público ou a Magistratura tenham
buscado garantir a possibilidade de adoção, nem de reintegração à família
biológica”.48 Embora nosso País sustente uma legislação moderna no que diz
respeito à proteção da criança e do adolescente, um enorme contingente destes é
criado fora do âmbito familiar, em detrimento de sua formação psicológica e
prejudicando suas vidas futuras,49 revelando a omissão do Estado no atinente ao
45
46
47
48
49
Idem.
BOCHNIA, op. cit., p. 180.
BITTENCOURT, op. cit., p. 11.
Idem.
Idem, p. 4.
15
seu dever de garantia do bem-estar das crianças e adolescentes.
1.4
OS
PRINCÍPIOS
DA
IGUALDADE
DA
FILIAÇÃO,
DO
MELHOR
INTERESSE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E DA DIGNIDADE DA PESSOA
HUMANA
Tendo em vista as alterações do universo jurídico e as mudanças no
contexto da família trazidas pela legislação atual, não é demasiado referir alguns
dos princípios constitucionais orientadores das relações de família, sendo
destacados, entre eles, principalmente pela relevância dentro do presente trabalho,
o Princípio da Igualdade da Filiação, do Melhor Interesse da Criança e do
Adolescente e da Dignidade da Pessoa Humana.
O primeiro trata da igualdade entre os filhos, havidos ou não da relação de
casamento ou por adoção, de forma que restam proibidas quaisquer designações
discriminatórias relativas à filiação, conforme prevê o artigo 227, parágrafo 6º, da
Constituição Federal.
Entretanto, antes de entrar em vigor nossa Carta Magna, a visão que se
tinha em relação aos filhos era totalmente oposta, de sorte que as formas de
filiação recebiam tratamento diferenciado, havendo a filiação matrimonial e a
extramatrimonial, sendo esta inferiorizada em relação àquela. Ocorria, ainda, a
discriminação dos filhos adotivos perante os consanguíneos. Assim, de acordo
com as palavras de Guilherme Calmon Nogueira da Gama, “[...] por mais que os
adotados ganhassem a condição de filhos, o tratamento relativamente a eles era
de segunda categoria comparativamente aos filhos naturais”.50
Atualmente, em função desse princípio, não mais se admite, segundo
Carlos Roberto Gonçalves, “a distinção entre filhos legítimos, naturais e adotivos,
quanto ao nome, poder familiar, alimentos e sucessão”51, de modo que não se
pode mais utilizar as expressões pejorativas filho ilegítimo, adulterino, incestuoso,
espúrio ou bastardo, visto serem discriminatórias e vedadas em lei.
Insere-se, neste contexto, o segundo princípio supracitado, que diz
respeito à proteção integral conferida ao menor, prevista na Lei 8.069 de 1990,
restando expresso serem, crianças e adolescentes, conforme afirma Guilherme
50
51
GAMA, op. cit., p. 588-589.
GONÇALVES, op. cit., p. 24.
16
Calmon Nogueira da Gama, “pessoas em desenvolvimento e, como tais, titulares
de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, nos termos do
artigo 3º, do ECA”52, que assegura-os, por lei ou por outros meios, todas as
oportunidades e as facilidades, a fim de facultar-lhes o desenvolvimento físico,
mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.
Todavia, até o advento da Constituição Federal de 1988 e do Estatuto da
Criança e do Adolescente, prevalecia o Código de Menores, que os taxava como
sendo objetos de direito, de forma que era o juiz quem decidia o que lhes era melhor
ou mais adequado. Ao contrário do que estabelece a legislação vigente, tendo-se
como exemplo de aplicação do princípio em estudo, o fato de que, sempre que
possível, o menor deverá ser ouvido para que sua “opinião” possa ser levada em
conta, mostrando clara preocupação com seu bem-estar.
Para melhor ilustrarmos a aplicação de tal princípio na prática, importante
citar algumas decisões do nosso Tribunal a esse respeito:
ECA. DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR. A adoção da
doutrina da proteção integral, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente
(art. 1º da lei nº 8.069/90), fortaleceu o princípio do melhor interesse da
criança, que deve ser observado em quaisquer circunstâncias, inclusive
nas relações familiares. Inexistindo nos autos elementos a comprovar a
violação dos deveres inerentes à filiação, por parte da genitora, descabe
a destituição do poder familiar. Apelo desprovido. (SEGREDO DE
JUSTIÇA) (Apelação Cível Nº 70008851214, Sétima Câmara Cível,
Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Berenice Dias, Julgado em
23/06/2004).
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADOÇÃO. GUARDA PROVISÓRIA.
CASAL HABILITADO, MAS QUE NÃO ESTÁ EM PRIMEIRO NA LISTA.
POSSIBILIDADE. O seguimento do agravo de instrumento, com o aporte
de informações sobre a posição do casal na lista de habilitação para a
adoção e a falta de interesse dos primeiros colocados, demonstra que o
melhor interesse da criança é permanecer - ainda que provisoriamente sob a guarda provisória dos agravados. Caso em que se defere a guarda
provisória da criança ao casal agravado, independente da posição do
casal na lista de habilitação. NEGARAM PROVIMENTO. (Agravo de
Instrumento Nº 70036292464, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça
do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 22/07/2010).
Resta, de tal modo, evidente o emprego, nas decisões citadas, do princípio
ora analisado, tendo em vista que, na primeira Ementa, o apelo foi desprovido
frente à falta de provas de que a genitora teria violado direitos inerentes à filiação,
devendo, portanto, no caso em apreço, ser descartada a hipótese de destituição do
poder familiar, da mesma forma que, na segunda decisão colacionada, houve o
deferimento de guarda provisória, ignorando-se a ordem da lista de habilitação
52
GAMA, op. cit., p. 585.
17
para a adoção, sendo ambas as decisões em função de atender a supremacia do
interesse da criança e do adolescente.
Por fim, relevante se faz analisarmos o Princípio da Dignidade da Pessoa
Humana, estabelecido pelo constituinte, já no artigo 1°, inciso III, o qual
fundamenta o Estado Democrático de Direito, passando a servir de base nas
relações da família, consolidando a valorização do indivíduo, integrante da
instituição familiar como ser em sua individualidade.
Tal princípio não possui um conceito definitivo, mas, sim, um caráter de
ampla proteção à pessoa humana como valor maior, visando, acima de tudo,
proteger cada um dos membros de uma família, garantindo-lhes a dignidade que
lhes é conferida pela Constituição Federal. A dignidade do ser humano é, então,
tratada como fundamento principal em nossa Carta Magna, e, inserido no contexto
do presente trabalho, tal princípio pode ser interpretado de forma que digno é viver
em família.
Assim, perante estes princípios, é possível concluirmos que todos eles
visam proteger a criança e o adolescente, positivando seus direitos e garantias,
ainda que, na prática, as coisas não funcionem exatamente como deveriam, uma
vez que inúmeros jovens não vivem de maneira digna, em desconformidade com o
texto constitucional.
2 O PROCESSO DE ADOÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES
2.1 REQUISITOS PARA A ADOÇÃO
Para que a adoção possa ser efetivada, passando a gerar vínculo de
parentalidade-filiação entre a pessoa do adotante e a pessoa do adotado, uma
série de requisitos deve ser preenchida, por ambas as partes, sendo obrigatória,
na forma do artigo 227, § 5º, da Constituição Federal, a assistência do Poder
Público em tal procedimento.
2.1.1 Requisitos Quanto ao Adotante
De acordo com o artigo 1.618, do Código Civil, o adotante deve contar
com, no mínimo, dezoito anos de idade para realizar a adoção, já que, nessa
18
condição, o sujeito alcança a capacidade plena, possuindo, assim, legitimidade
para tal procedimento. Entretanto, ressalta-se que os adotantes que sofrem
restrições em relação à sua capacidade, não tendo, por exemplo, o necessário
discernimento para a prática de determinados atos, estão impedidos de adotar.53
Importante destacar que, conforme reza o artigo 42, do Estatuto da Criança
e do Adolescente, não deve haver qualquer discriminação no que tange ao estado
civil do adotante, podendo adotar pessoas solteiras, casadas, viúvas, em união
estável, separadas ou divorciadas.54
Ainda, no tocante à legitimidade do requerente para pleitear a adoção, nos
termos do parágrafo 3º, do artigo supracitado, este deve ter, pelo menos,
dezesseis anos de diferença do adotado. Eunice Ferreira Rodrigues Granato
explica que “o fundamento dessa determinação pode ser encontrado no propósito
de tornar a adoção em tudo semelhante à paternidade natural”.55
A adoção somente será deferida nos casos em que apresentar reais
vantagens para o adotando, respeitando o princípio do melhor interesse da criança
e do adolescente, conforme já estudado. Ainda, segundo o artigo 29, da Lei
8.069/1990, o adotante deve revelar compatibilidade com a natureza da medida e
oferecer ambiente familiar adequado.56
Com relação às proibições quanto à adoção, a doutrina de Guilherme
Calmon Nogueira da Gama salienta duas como sendo as principais relacionadas
ao adotante, entre elas “a) o impedimento a que ascendentes e irmãos possam
adotar o descendente ou irmão, respectivamente [...]; b) o impedimento temporário
(ou relativo) do tutor ou curador em requerer a adoção enquanto não prestar
contas de sua gestão [...]”.57 Para Artur Marques da Silva Filho, “a proibição nada
mais faz do que manter a ordem parental derivada da própria natureza”.58
Assim, por exemplo, um avô que pretende adotar sua neta, não merece
razão, partindo-se do princípio de que a adoção visa à constituição de um vínculo
entre pessoas estranhas, motivo pelo qual a medida não estaria alcançando seu
fim, uma vez que, por óbvio, já existe vínculo parental entre avô e neta.
53
54
55
56
57
58
SILVA FILHO, op. cit., p. 81.
Idem, p. 80.
GRANATO, op. cit., p. 79.
CURY, op. cit., p. 144.
GAMA, op. cit., p. 562.
SILVA FILHO, op. cit., p 89.
19
2.1.2 Requisitos Quanto ao Adotado
No que concerne ao adotado, o Estatuto da Criança e do Adolescente reza
que o mesmo deverá ter, no máximo, dezoito anos ao ser requerida sua adoção.
Com efeito, Eunice Ferreira Rodrigues Granato destaca que “[...] se o pedido for
feito no dia imediato após completar o adotando dezoito anos, não mais poderá
seguir as regras do Estatuto da Criança e do Adolescente, mas, sim, as do Código
Civil”.59 Entretanto, a autora continua explicando que “excepciona, a segunda parte
desse artigo, ao dispor que o pedido pode ser feito depois dessa idade, se o
adotando já estiver sob a guarda ou tutela dos adotantes”.60
O Estatuto da Criança e do Adolescente, tampouco, o Código Civil,
trouxeram em seu texto um limite mínimo de idade para que o adotando seja parte
legítima no processo de adoção, restando, assim, aberta a discussão a respeito da
possibilidade de adoção do nascituro, por exemplo, ainda que, na doutrina, não
haja maior divergência, de modo que o entendimento comum é o de que basta a
capacidade de direito para que a criança ou o adolescente possa ser adotado.61
2.2 REQUISITOS FORMAIS E PROCEDIMENTOS
Além dos requisitos pessoais ora estudados, há diversos requisitos formais
que devem ser seguidos para que se chegue ao fim colimado, qual seja, a
colocação do menor em família substituta. Para isso, a intervenção judicial é
procedimento obrigatório para efetivar a adoção, tendo em vista a importância do
ato e de seus efeitos.
Salienta-se que, conforme determina o Estatuto da Criança e do
Adolescente, o procedimento é isento de custas e emolumentos, sendo
competente para apreciar tais processos o juiz da Vara da Infância e Juventude,
correndo em segredo de justiça.
Destarte, tem início o procedimento através do pedido de habilitação dos
interessados, por petição inicial, cujo objetivo é verificar as condições dos
pretendentes à adoção. A esse respeito, prevê o artigo 50, parágrafo 3°,
acrescentado ao Estatuto da Criança e do Adolescente pela Lei Nacional de
59
60
61
GRANATO, op. cit., p. 72.
Idem, p. 72.
SILVA FILHO, op. cit., p. 99-105.
20
Adoção, que a inscrição dos postulantes será precedida de uma preparação
psicossocial e jurídica, realizada por equipe técnica interprofissional. Sendo assim,
visando à segurança da adoção, o Juizado da Infância e Juventude propicia aos
postulantes a participação que, frisa-se, é obrigatória, em programa preparatório à
adoção, com o escopo de deixá-los prontos e cientes das novas situações que
vivenciarão, inclusive, estimulando-os à adoção inter-racial, de crianças maiores ou
de adolescentes, com necessidades específicas de saúde ou deficiências e de
grupos de irmãos.
Ao final dos procedimentos, o juiz prolatará, em cinco dias, sua decisão,
sendo que esta determinará, em caso de procedência, o cadastramento do
interessado, agora, habilitado, no Cadastro Nacional de Adoção. Artur Marques da
Silva Filho explica: “trata-se de um cadastro que deverá existir em cada comarca
ou foro regional, do qual constarão todas as crianças e adolescentes em condições
de serem adotados, bem como das pessoas interessadas na adoção”.62
Buscando a celeridade do procedimento, o Conselho Nacional de Justiça
criou, em abril de 2008, o mencionado cadastro, representando grande avanço no
processo de adoção63. Sávio Bittencourt afirma que “estes cadastros são uma
referência para a inclusão da criança na família, utilizando-se a ordem cronológica
de inscrição para definir a prevalência de um inscrito sobre os demais, quando
interessados num mesmo perfil de criança”.64 Porém, cabe mencionar que há
exceções ao cadastro naqueles casos em que a família possui vínculo afetivo com
a criança, por ter sua guarda – de fato ou de direito – há algum tempo, de modo
que o afastamento da criança deste núcleo onde suas necessidades estão sendo
atendidas, não seria viável.
Enfatiza-se que somente poderão ser incluídas no cadastro aquelas
crianças aptas à adoção, em outras palavras, que já tenham definida, por sentença
judicial transitada em julgado, sua situação no que diz respeito à destituição do
poder familiar. Nesse diapasão, talvez fosse de grande valia que o cadastro
abrangesse não só as crianças em condições de serem adotadas, mas, também,
aquelas em situação pendente, tendo em vista o exíguo número de crianças aptas
62
63
64
SILVA FILHO, op. cit., p. 146.
CADASTRO Nacional de Adoção. Conselho Nacional de Justiça. Disponível em:
<http://www.cnj.jus.br/index.php?option=com_content&view=article&id=7497&Itemid=896>.
Acesso em: 12 out. 2010.
BITTENCOURT, op. cit., p. 130.
21
à adoção, tornando baixo o número de jovens e crianças cadastrados.65
Assim, através de petição inicial assinada por advogado e seguindo o que
determina o artigo 165, do Estatuto da Criança e do Adolescente, inicia-se o
processo de adoção propriamente dito, já que a habilitação e o cadastro são meros
atos preparatórios.
De outro lado, para que haja a adoção, o Estatuto prevê, em seu artigo 45,
a necessidade de haver consentimento dos pais ou representante legal do
adotando, colhido em audiência de instrução e julgamento, com presença
obrigatória do órgão do Ministério Público, de modo que, havendo expressa
concordância, esta acarretará na destituição do poder familiar.
Logo, a adoção poderá ser deferida em caso de consentimento dos pais ou
responsáveis legais do adotando, quando os pais forem desconhecidos ou quando
estes forem destituídos do poder familiar,66 caso em que o consentimento não será
necessário para que se efetive a adoção. Acrescenta-se que, uma vez que a morte
é causa de extinção do poder familiar, ocorrendo o falecimento dos pais, a adoção
também poderá ser deferida.67
Com relação ao adotando, será necessário seu consentimento caso conte
com mais de doze anos de idade, nos termos do artigo 45, parágrafo 2º, da Lei
8.069/1990. Carlos Eduardo Pachi destaca que “[...] havendo condições de a
criança externar sua vontade, recomenda-se sua oitiva. Sendo adolescente,
todavia, é ela obrigatória, e, ressalta-se, pessoal”.68
Encerrados os procedimentos legais, o magistrado irá analisar a
conveniência da adoção no tocante ao adotando. Para tanto, ocorrerá o chamado
estágio de convivência, que é obrigatório e tem como principal finalidade avaliar a
adaptação do adotando à família substituta e, inclusive, o comportamento desta
frente à adoção.
Ressalta-se que a referida medida somente poderá ser dispensada nos
casos em que o adotando já estiver sob a tutela ou guarda legal do adotante,
durante tempo suficiente para que seja comprovada a conveniência da adoção.69
Nesse enredo, pode-se citar a hipótese de devolução das crianças pelos
65
Idem, p. 84.
CURY, op. cit., p. 176.
67
Idem, p. 177.
68
Idem, p. 180.
69
GRANATO, op. cit., p. 88.
66
22
adotantes, atitude de extrema covardia, mas que, infelizmente, acontece. Como no
caso abaixo transcrito, retirado de página da internet, em entrevista concedida pelo
Magistrado Iasin Issa Ahmed, titular da Vara da Infância e Juventude de Santo
Amaro, São Paulo. O Juiz relata o caso:
Uma professora conheceu um menino de dez anos no abrigo. O
garoto disse: “Você tem tudo para ser minha mãe”. Ela ficou encantada.
Pediu a adoção. O juiz concedeu seis meses de guarda provisória, antes
de dar a adoção definitiva. Um mês depois, a professora e seu marido
reapareceram para devolver a criança. “Deu errado”, ela disse. “Foi muito
rápido”.70
Portanto, não há dúvidas do tamanho da importância de se realizar o
estágio de convivência entre as partes, pretendendo a garantia do sucesso da
adoção, buscando-se evitar, ao máximo, problemas futuros.
No pertinente às possibilidades de anulação judicial da adoção, o mestre
Carlos Roberto Gonçalves discorre ressaltando que, em função da natureza
benéfica do instituto, não há extremo rigor no exame das formalidades legais do
mesmo. Assim, a adoção será passível de ser anulada se o adotante não tiver
mais de dezoito anos e não for, pelo menos, dezesseis anos mais velho que o
adotado; se duas pessoas, sem serem marido e mulher ou conviventes, adotarem
a mesma pessoa; se o tutor ou o curador não tiver prestado contas de sua gestão
ou, ainda, se houver vício resultante de simulação ou de fraude à lei.71
Por fim, Eunice Ferreira Rodrigues Granato conclui que, “transcorrido o
prazo de convivência, ouvido o órgão do Ministério Público, havendo conclusão do
estudo social e tendo o juiz formado o seu convencimento, irá proferir a sentença”,
e continua, afirmando que o vínculo da adoção somente estará formado através de
tal sentença, uma vez que, “a partir da Lei 8.069/90 não mais existe a possibilidade
de adoção de criança ou de adolescente por escritura pública”.72
Tal sentença constitutiva de adoção poderá ser atacada através do recurso
de apelação, com fulcro no artigo 199-A, trazido pela Lei 12.010 de 2009, assim,
os interessados terão dez dias para, insatisfeitos com a sentença, interpor o
recurso.
70
UMA tarde na Vara de Infância. Último Segundo. 08 dez. 2009. Disponível em:
<http://ultimosegundo.ig.com.br/mauricio_stycer/2008/12/08/uma+tarde+na+vara+de+infancia+hi
storias+de+criancas+adotadas+recusadas+devolvidas+e+obtidas+ilegalmente+3148962.html>.
Acesso em: 11 out. 2010.
71
GONÇALVES, op. cit., p. 386.
72
GRANATO, op. cit., p. 109.
23
Vale referir que, nos termos do artigo 199-C, igualmente acrescentado ao
Estatuto da Criança e do Adolescente pela Lei Nacional da Adoção, em se
tratando de procedimentos adotivos (e destituição do poder familiar), os recursos
serão julgados com prioridade absoluta e, para tanto, serão distribuídos de
imediato e julgados sem revisão e com parecer urgente do Ministério Público.
2.3 EFEITOS DO INSTITUTO DA ADOÇÃO
A adoção gera inúmeros efeitos às partes no processo, porém, esses
efeitos passam a valer somente após o trânsito em julgado da sentença que
constitui o vínculo adotivo entre as partes, dando condição de filho ao adotado e o
consequente fim do poder familiar anterior. Ressalta-se que a essa regra há uma
exceção, ou seja, caso o adotante venha a falecer antes da sentença transitada
em julgado, os efeitos retroagirão à data do óbito.73
Sendo assim, os efeitos gerados a partir da sentença constitutiva da
adoção podem ser divididos em efeitos de ordem pessoal, dos quais Eunice
Ferreira Rodrigues Granato destaca “a constituição do vínculo de filiação, o
estabelecimento de parentesco com a família do adotante e o direito ao uso do
patronímico deste”74 e, ainda, efeitos de ordem patrimonial, quais sejam, “o direito
sucessório, a obrigação alimentar e o usufruto e administração dos bens do
adotado, pelo adotante”,75 os quais passam a ser analisados:
2.3.1 Efeitos Pessoais
Sabe-se que o parentesco gerado pela adoção é de ordem civil, entretanto,
o constituinte, de acordo com o artigo 227, parágrafo 6º, determinou que a filiação
decorrente da adoção fosse equiparada à filiação natural.
Tal determinação encontra-se inserida no texto do artigo 41, do Estatuto da
Criança e do Adolescente, que é analisado por Carlos Eduardo Pachi, afirmando
que “[...] ao contrário do que ocorria na sistemática anterior, o filho adotivo tem os
mesmos direitos, garantias e deveres do filho biológico”.76
73
PATIÑO, op. cit., p. 122.
GRANATO, op. cit., p. 96.
75
Idem.
76
CURY, op. cit., p. 166.
74
24
Nesse diapasão, a partir da sentença constitutiva de adoção, o vínculo do
adotado com sua família de origem é rompido, com uma exceção, a qual Eunice
Ferreira Rodrigues Granato destaca: “se o cônjuge ou companheiro adota o filho
do outro, este mantém os seus laços familiares com o adotado, figurando este
como filho legítimo do casal”.77 Nesse caso, o adotando permanece ligado à sua
família natural e, ainda, vincula-se à família adotiva.78
De tal modo, a partir do trânsito em julgado da sentença, o poder familiar
anterior é extinto, pertencendo, então, à família adotiva. Frisa-se que a adoção é
irrevogável e nem mesmo a morte do adotante restitui o poder aos pais biológicos.
Com relação ao nome do adotado, a Lei 12.010/2009, determinou, em
seus parágrafos 5º e 6º, do artigo 47, que o sobrenome dos pais adotantes é
direito do filho adotado, sendo possível, ainda, a troca de seu prenome. Entendese que tal faculdade advém da ideia de que a adoção procura imitar, em tudo, a
filiação natural, que permite que os pais escolham o nome de seus filhos. Porém, a
regra é a imutabilidade do prenome e, além disso, deve-se observar o possível
consentimento da criança ou adolescente em relação a tal modificação.79
2.3.2 Efeitos Patrimoniais
Consoante dispõe o parágrafo 2º, do artigo 41, do Estatuto da Criança e do
Adolescente, “é recíproco o direito sucessório entre o adotado, seus descendentes,
o adotante, seus ascendentes, descendentes e colaterais até o 4º grau, observada
a ordem de vocação hereditária”. Consequentemente, o filho adotado, assim como
o consanguíneo, passa a ter os mesmos direitos à sucessão de seus parentes
adotivos.
No tocante aos alimentos, uma vez que a filiação adotiva é equiparada à
biológica, há, do mesmo modo, a obrigação de alimentar entre adotante e adotado,
reciprocamente, assim como pais e filhos naturais. Nesse assunto, Ana Paula
Corrêa Patiño, observa que, “estando o adotado sujeito ao poder familiar do
adotante, não se cogita em alimentos, mas em verdadeiro dever de sustento, que
inclui, ainda, assistência moral e material devida dos pais aos filhos”.80
77
78
79
80
GRANATO, op. cit., p. 97.
CURY, op. cit., p. 167.
GONÇALVES, op. cit., p. 389.
PATIÑO, op. cit., p. 123.
25
Finalmente, cabe fazer menção à regra contida no artigo 1.689, da atual
legislação civil, que prevê que, assim como os pais de sangue, os pais adotivos,
em equidade de condições, são os administradores legais dos bens dos filhos
menores, enquanto exercerem o poder familiar, com ressalva às hipóteses
elencadas no artigo 1.693 e seus incisos, da Lei Civil.
2.4 A BUROCRATIZAÇÃO E A IMPORTÂNCIA DO PROCESSO DE ADOÇÃO
Conforme exaustivamente mencionado no presente trabalho, a criança e o
adolescente têm direito, de acordo com o Texto Constitucional, à convivência
familiar, a uma vida digna ao lado de um pai e uma mãe. Assim sendo, caso isso
não seja possível em sua família biológica, este ser humano deverá ser
encaminhado à família substituta, mediante uma série de procedimentos – com o
fito de dar segurança ao processo – visando sua formação futura e a garantia de
seus direitos.81 Sobre o tema, Maria Berenice Dias afirma que “a celeridade deste
processo é o que garante a convivência familiar, direito constitucionalmente
preservado com absoluta prioridade (CF 227)”.82
Não são poucos os entraves ou dificuldades colocados frente aos
pretendentes à adoção. Todavia, ainda que os mesmos sejam relevantes, talvez
pela forma que são aplicados, acarretam em transtorno e demora do processo.
Serve de exemplo o procedimento de habilitação, o qual passou a ser um
processo altamente dificultoso, inclusive sendo encaminhado através de petição
inicial83; a falta de estrutura nas Varas da Infância e Juventude para atender a
grande demanda de famílias interessadas; o próprio processo de destituição do
poder familiar, que é extremamente lento, fazendo com que o número de crianças
aptas à adoção seja infinitamente menor que o número de interessados em adotar,
entre outros.
Além do mais, considera-se este inacessível e burocrático, o que, por outro
lado, não deixa de ser verdade, se levarmos em conta o retardamento dos
procedimentos que se dá, segundo Simone Franzoni Bochnia, “porque os Juizados
da Infância e Juventude têm que primeiro esgotar todas as possibilidades de
81
DIAS, op. cit.
Idem.
83
DIAS, Maria Berenice. O lar que não chegou. Disponível em:
<http://www.mariaberenice.com.br/uploads/3_-_o_lar_que_n%E3o_chegou.pdf.> Acesso em: 26
de setembro de 2010.
82
26
retorno da criança à família – em decorrência do direito à convivência familiar”.84
Todavia, o maior obstáculo que se pôde observar no decorrer da
realização do presente trabalho, é o que os próprios pretendentes impõem, ou
seja, as exigências que são feitas em relação às características das crianças a
serem adotadas, como cor da pele, sexo e, especialmente, idade. Os adotantes
querem meninas, de até três anos, brancas e com saúde perfeita, enquanto que a
maior parte das crianças e adolescentes disponíveis à adoção, na cidade de Porto
Alegre, conforme pesquisas realizadas, e dados atualizados até agosto de 2006,
têm entre onze e quatorze anos de idade, são do sexo masculino, havendo um
grande número de crianças negras, algumas com determinada doença 85, sem
contar os grupos de irmãos, que sofrem com a dificuldade de serem adotados por
uma mesma família.
Sobre os problemas do processo da adoção, dados importantes podem ser
mencionados:
Dados do Cadastro Nacional de Adoção (CNA) confirmam que o
principal obstáculo à adoção no País é o descompasso entre os
candidatos à paternidade e o perfil das crianças e adolescentes que
vivem nos abrigos. Cerca de 80% das pessoas dispostas a realizar uma
adoção desejam uma criança com até três anos de idade, mas só 7% dos
menores cadastrados estão nesta faixa etária. Apenas 1% das famílias
aceita acolher uma criança com mais de dez anos.86
Frente a esses dados, impossível não nos fazermos a seguinte pergunta: o
que acontece com as inúmeras crianças e adolescentes que não têm a sorte de
serem colocados em uma família substituta? Vimos que estes seres abandonados,
que não encontram pais adotivos, permanecem, por anos, depositados nos
abrigos, não sendo cumprido o caráter temporário das instituições, de modo que,
ao completarem dezoito anos, devem deixar a instituição em que se encontram,
sem que tenham experiência alguma de vida para encararem o mundo sozinhos.
Para tanto, é imprescindível que estes jovens contem com atividades preparatórias
dentro dos abrigos, visando seu desenvolvimento.
84
BOCHNIA, op. cit., p. 205.
JUSTIÇA da Infância e da Juventude do Estado do Rio Grande do Sul. Estatísticas. Crianças e
Adolescentes aptos à adoção. Disponível em:
<http://jij.tj.rs.gov.br/jij_site/jij_site.wwv_main.main?
p_cornerid=856&p_currcornerid=1&p_language=ptb&p_edit=0&p_full=1&p_cornertype=item&p_isc
ornerlink=1>. Acesso em: 26 de set. de 2010.
86
EXIGÊNCIAS de pais restringem possibilidades de adoção. SOS Criança e Adolescente. 17 jul.
2009. Disponível em: <http://www.soscriancaeadolescente.com.br/index_novo.php?
pagina=noticia&id=1111111152> Acesso em: 12 out. 2010.
85
27
No atinente ao problema ora em debate, não nos restam dúvidas de que
políticas públicas de inserção destes jovens no mercado de trabalho e nas
universidades devem ser criadas, com o objetivo de lhes proporcionar um futuro
decente, evitando, assim, que estes adolescentes venham a tomar rumos
indesejáveis na formação de um cidadão.
E é nessa esfera que podemos concluir que certas medidas podem ser
tomadas com o intuito de minimizar as barreiras existentes no processo de adoção,
tais como a realização de projetos e campanhas a fim de fornecer mais
informações sobre o assunto à sociedade; o investimento na formação e
capacitação de equipe interprofissional envolvida no processo, capaz de passar
todos os elementos necessários aos adotantes, deixando-os certos de que
desejam proceder à adoção; o incentivo a entidades e grupos de apoio à adoção
para orientação, informação e troca de experiências; o estímulo à prática de
adoções, mas, principalmente, para que estas se façam sem tantas restrições nas
características dos adotandos.
Questão que nos causa espécie é aquela que diz respeito aos números da
adoção em nossa Capital. Nos últimos dez anos, entre 05 de outubro de 2000 e 05
de outubro de 2010, foram adotadas aproximadamente 1.755 crianças e
adolescentes na cidade de Porto Alegre. É possível concluirmos que cerca de 170
adoções ocorreram, por ano, na Capital87. Há de se considerar um número
relativamente
pequeno,
se
pensarmos
na
quantidade
de
crianças
institucionalizadas, em contraposição à quantidade de pessoas interessadas em
obter um filho adotivo. Para uma melhor percepção dos índices ora destacados,
estes, entre outros dados, serão apresentados em forma de gráficos no Capítulo 3.
Destarte, podemos depreender que, a partir do momento que a
Constituição Federal de 1988 positivou o direito de convivência familiar às crianças
e adolescentes, o Estado tem a obrigação de garantir esse direito, proporcionando
estrutura pública às famílias para que estas tenham condições de criar seus filhos
no âmbito familiar ou que, na sua impossibilidade, garanta esse direito através da
colocação em família substituta.
Para isso, o Estado deve utilizar-se de campanhas e do poder que a mídia
87
JUSTIÇA da Infância e da Juventude do Estado do Rio Grande do Sul. Estatísticas. Registros
de Adoção. Disponível em: <http://jij.tj.rs.gov.br/jij_site/jij_site.wwv_main.main?
p_cornerid=856&p_currcornerid=1&p_language=ptb&p_edit=0&p_full=1&p_cornertype=item&p_i
scornerlink=1>. Acesso em: 14 out. 2010.
28
exerce sobre as pessoas, buscando educar a sociedade no tocante à adoção, para
que esta venha a se tornar um instituto sem preconceitos, onde qualquer criança
possa ser adotada, independentemente de raça e idade, já que, quem quer um
filho, deve estar disposto a amá-lo do jeito que ele for.
A exemplo disso, há um movimento social bastante relevante em nosso
País. São os Grupos de Apoio à Adoção, os chamados GAAs, que existem há mais
de quatorze anos, com a estimativa de cerca de cem grupos em todo território
nacional. Essas instituições atuam em questões sociais, tais como a busca pelo
direito do convívio familiar, o combate à institucionalização dessas crianças e
adolescentes, o auxílio a pais adotivos e, também, em questões relacionadas ao
processo de adoção propriamente dito.88
Portanto, esses grupos de apoio são instrumentos de suma importância
para uma sociedade como a nossa, que necessita de medidas assim, de incentivo
àquelas pessoas que buscam informação e amparo a respeito da adoção e,
principalmente, às crianças e adolescentes que precisam apenas de alguém que
as queira, cuide e ame.
3 ESTUDO DE CASOS: DEPOIMENTOS, ESTATÍSTICAS E PROCESSO
NÚMERO 015/5.09.0007010-9
3.1 APRESENTAÇÃO
O presente capítulo tem como objetivo ilustrar a situação da adoção
através da análise de estatísticas relativas à cidade de Porto Alegre, bem como
mostrar a percepção dos brasileiros no que tange a esse instituto, revelando a
ideia que têm sobre a adoção.
Irá apresentar, ainda, relatos de pessoas que têm interesse em adotar,
estão aguardando na “fila” para a adoção ou que já adotaram, para que nos
mostrem como funciona, na prática, tal processo.
Por fim, será estudado o processo de adoção tombado sob o número
015/5.09.0007010-9, para que tenhamos uma ideia das etapas enfrentadas no
decorrer do feito, mas, principalmente, para que possamos verificar a real
importância deste tipo de processo na vida das pessoas.
88
BITTENCOURT, op. cit., p. 19-20.
29
3.2 DEPOIMENTOS DE ADOTANTES PARA UM ESTUDO DA ADOÇÃO
3.2.1 Introdução
Acreditamos ser de extrema importância a análise de alguns depoimentos
obtidos através de pesquisas na internet, disponibilizados por pessoas que já
adotaram ou que estão cadastradas, aguardando a conclusão de seu processo,
para que possamos perceber os motivos que levam alguém a adotar; os medos e
dificuldades que estas pessoas enfrentam; como foi, na prática, o andamento da
ação, até que conseguissem efetivá-la; o que pensam sobre a medida; e como foi
ou está sendo encarada, pelos adotantes, a questão da burocracia processual da
adoção. Passemos, destarte, à apreciação dos testemunhos.
3.2.2 Depoimentos e Comentários
Trazemos, então, neste capítulo, alguns trechos de depoimentos divulgados por adotantes no site “Adoção Brasil”89 e do Grupo de Apoio à Adoção,
“Gerando Amor”90 que, se analisados, nos passam uma ideia a respeito da
situação da adoção e dos próprios adotantes em nosso País.
Parte-se do depoimento de P. e M.L., concedido no dia 14 de julho de
2010:
[...] A princípio, queríamos uma menina recém-nascida, porque a
ideia de adotar um bebê parecia mais fácil. Já no primeiro mês
começamos a participar dos encontros mensais do Grupo Gerando Amor.
Com o passar do tempo e a convivência com as pessoas no Grupo, o
nosso conceito começou a mudar e alteramos o perfil, poderia ser uma
menina de até um ano. Continuamos esperando, sendo que neste meio
tempo casais que fizeram o cadastro depois de nós já haviam adotado,
alguns porque adotaram meninos, outros crianças maiores ou grupo de
irmãos. Vendo que estas adoções davam certo resolvemos mudar
novamente o nosso cadastro, podendo ser uma menina de até 3 anos.
[...] Compreendemos, finalmente, que teríamos amor o suficiente não só
para uma, mas para duas crianças. Uma semana depois de alterarmos o
perfil para irmãos, estávamos com nossos filhos nos braços [...] (grifo
nosso).91
89
90
91
ADOÇÃO Brasil. Disponível em: <http://www.adocaobrasil.com.br/depoimentos.asp>. Acesso
em: 12 out. 2010.
GERANDO AMOR. Grupo de Estudos e Apoio à Adoção de São Bento do Sul/SC. Disponível
em: <http://www.gerandoamor.org.br/site/?cat=5>. Acesso em: 12 out. 2010
Idem.
30
No mesmo sentido, foi a declaração de K.R., no dia 05 de outubro de 2010:
[...] chamou minha atenção a quantidade de críticas à demora
demasiada do processo de adoção, bem como comentários sobre a
celeridade de tais processos quando os adotantes são famosos. Não sou
famosa, meu marido também não, e o processo de adoção do meu filho
caçula, desde o pedido de guarda até a sentença final levou cinco meses
e quatro dias. O que teria sido o diferencial do meu caso para outros?
Não exigimos nem escolhemos nada. Nem sexo, nem idade, nem saúde
física ou mental. [...] Meu filho estava abrigado desde os oito meses de
idade. Nós o encontramos aos 6 anos e nove meses. Não havia ninguém
que houvesse manifestado interesse em adotá-lo inscrito no Cadastro de
Adoção. [...] Num país como o nosso, onde há inúmeras crianças
abandonadas, não se justifica que pessoas que se dizem desesperadas
para adotar, façam exigências fúteis e inúteis para realizar aquilo que
chamam de sonho. Sou mãe de dois filhos biológicos (homens); não
escolhi o sexo deles, a cor dos olhos, o nível de inteligência, nem
tampouco a personalidade ou saúde física. Por qual razão teria para com
o filho do coração tais exigências? [...] (grifo nosso).92
Assim, evidente está que, não só o Judiciário é o responsável pela
burocracia do processo de adoção, mas, também, os adotantes, tendo em vista
que, consoante depoimentos citados acima, aqueles pais que não fizeram
exigências sobre o perfil de seus filhos, de fato, obtiveram ótimos resultados em
seus processos.
A seguir, nota-se que, realmente, para aqueles que procuram um filho com
características pré-determinadas, tornam seu processo mais lento, conforme
depoimento de I. e M., em 23 de julho de 2008: “[...] Participamos de dois
encontros de preparação para a chegada do filho, que no nosso caso demorou
quase três anos. Isso porque optamos por um bebê. [...]” (grifo nosso).93
Outro fator que pôde ser observado é o que diz respeito à possibilidade
assumida pelos adotantes de poder realizar a adoção fora dos trâmites legais, ou
seja, a adoção “à brasileira”, como é conhecida. Nesse respeitante, destacamos a
declaração de C., no dia 28 de julho de 2010, que revelou: “[...] Tivemos chances
de conseguir um filho no chamado jeitinho brasileiro. Mas [...] preferimos seguir os
procedimentos legais. [...] o processo está parado há mais de 4 meses por pura
falta de eficiência do Poder Judiciário [...]”. (grifo nosso).94
Além do mais, imperioso ressaltar que, através do estudo de diversos
depoimentos95, pôde-se perceber que alguns adotantes chegam a pensar em
desistir do processo de adoção, em vista da lentidão do mesmo, como é o caso de
92
93
94
ADOÇÃO Brasil, op. cit.
GERANDO AMOR, op. cit.
Idem.
31
L., que, em depoimento prestado no dia 27 de maio de 2010, mostra desânimo
com o andamento de seu processo: “hoje está completando cinco anos que estou
na fila de adoção, confesso que durante todos estes anos já pensei em desistir
devido a demora [...].” (grifo nosso).96
Assim sendo, através da leitura destes testemunhos, uma questão, em
especial, vem à tona: todos os depoentes que declararam ter passado por um
processo adotivo rápido, foram unânimes ao afirmar que tal celeridade se deu em
função de não terem feito exigências sobre as crianças em sua ficha cadastral, ao
passo que aqueles que reclamam da demora e da longa espera pela concretização
da medida, revelam que aguardam por filhos adotivos de menos de três anos de
idade e, sobretudo, do sexo feminino. Logo, a explicação citada durante o trabalho
de que, apesar de o processo de adoção ser, de fato, bastante complicado, a
maior limitação do procedimento é a exigência quanto ao perfil dos adotandos,
pôde ser comprovada.
3.3 ESTATÍSTICAS RELATIVAS À SITUAÇÃO DA ADOÇÃO
Para uma melhor visualização de tudo que foi dito e pesquisado neste
trabalho, imperiosa a análise de algumas estatísticas referentes ao número de
crianças e adolescentes abandonados em todo o País; da quantidade destes que
se encontra abrigado; dos motivos para tal abrigamento e do número aproximado
de instituições existentes em Porto Alegre; de quantas crianças estão aptas à
adoção; da quantidade de adoções realizadas na Capital, nos últimos dez anos e,
por fim, de dados relativos à imagem da medida entre os brasileiros em geral.
Consoante os índices que serão apresentados, é possível observarmos
uma realidade bastante preocupante no que concerne à situação em que se
encontram as crianças e os adolescentes e o instituto da adoção no País, em
especial, em Porto Alegre. Ilustramos esta pesquisa com dados obtidos no site da
Justiça da Infância e da Juventude do Estado do Rio Grande do Sul, que, embora
estejam atualizados até 2006, nos trazem uma ideia da situação dos abrigos em
nossa Capital: contamos com cerca de 97 abrigos em Porto Alegre, os quais
95
96
Lemos inúmeros depoimentos em sites relacionados ao tema da adoção e iremos nos basear
em todos eles para concluirmos este capítulo, muito embora tenhamos ilustrado o trabalho com
somente alguns deles.
ADOÇÃO Brasil, op. cit.
32
oferecem
aproximadamente
1.629
vagas
às
crianças
e
adolescentes
abandonados, sendo que, destas, 1.814 vagas estão ocupadas.97
Ademais, não é novidade o fato de que o principal motivo para o
abrigamento destes infantes se dá em função da pobreza que aflige as famílias, já
que os pais, em não tendo condições de sustentarem seus filhos, os abandonam.
Porém, além da falta de recursos materiais, um número que vem crescendo
bastante é o de casos de acolhimento de crianças em decorrência da violência
doméstica e dependência química dos responsáveis, como se pode notar nos
dados abaixo98, atualizados até 2004:
Carência de recursos materiais:
2,1%
1,8%
Abandono dos pais ou responsáveis:
3,3%
Violência doméstica:
3,5%
5,2%
24,1%
Dependência química dos pais ou
responsáveis:
Vivência de rua:
7%
Orfandade:
Prisão dos pais ou responsáveis:
11,3%
18,8%
11,6%
Abuso sexual praticado pelos pais
ou responsáveis:
Pais ou responsáveis portadores de
deficiência:
Exploração no trabalho, tráfico ou
mendicância:
Gráfico 01: Motivos de abrigamento de crianças e adolescentes
Fonte: Elaborado pela autora
Entretanto, inquietante sabermos que, de acordo com levantamento feito
em 2008, pela Associação dos Magistrados Brasileiros99, a realidade é
desconhecida por muitos em nosso País, tendo em vista que 30,9% das pessoas
entrevistadas alegaram não conhecer a situação de abandono das crianças, e que,
97
98
99
ESTATÍSTICAS de abrigos em Porto Alegre. Justiça da Infância e da Juventude do Estado
do Rio Grande do Sul. Disponível em: <http://jij.tj.rs.gov.br/jij_site/jij_site.wwv_main.main?
p_cornerid=856&p_currcornerid=1&p_language=ptb&p_edit=0&p_full=1&p_cornertype=item&p_is
cornerlink=1>. Acesso em: 05 out. 2010.
BITTENCOURT, op. cit., p. 10.
PERCEPÇÃO da população brasileira sobre a adoção. Maio de 2008. Disponível em:
<http://www.amb.com.br/portal/docs/noticias/2008/pesquisa_adocao.pdf>. Acesso em: 10 out.
2010.
33
ao serem questionadas sobre a forma a qual pensam ser a mais apropriada para
ajudar, apenas 15,5% responderam a adoção como solução. 42,3% das pessoas
responderam que, caso optassem por ajudar estas crianças e adolescentes
acolhidos em instituições, o fariam através de auxílio financeiro 100, o que, na
verdade, nem sempre acontece, se verificarmos a enorme quantidade de menores
institucionalizados, sem que nenhuma assistência lhes seja dada:
13,2%
42,3%
15,4%
Auxílio Financeiro
Não estaria disposto a ajudar
Adotando uma criança
Divulgação sobre adoção
Trabalho voluntário
15,5%
34,8%
Gráfico 03: Se o(a) Sr(a). fosse ajudar, qual forma de apoio ou ajuda escolheria?
Fonte: Elaborado pela autora
Outro fato que nos causa espécie, é aquele que mostra que 37,4% dos
entrevistados, se intentassem a adoção, procurariam uma criança em hospitais e
maternidades, ao contrário do que prescrevem os procedimentos legais, que
orientam os candidatos a fazê-lo na Vara da Infância e da Juventude, para evitar
adoções irregulares. Ainda que o número de pessoas que buscaria o judiciário
para proceder à adoção (35%) não seja tão pequeno e discrepante em relação
àquele ora citado, tais dados expõem a falta de informação que circunda grande
parte da sociedade brasileira no que diz respeito aos procedimentos adotivos,
motivo pelo qual, talvez, não haja tantos interessados em ajudar através da
adoção, conforme índices já analisados.101
100
101
Idem.
Idem.
34
Surpreendente, ainda, os números que dizem respeito ao perfil dos
entrevistados – aqueles que alegaram dar preferência à adoção como forma de
diminuir as crianças abandonadas (15,5%) –, que elucidam uma maior quantidade
de mulheres que realizariam a adoção e uma esmagadora maioria de interessados
casados e com filhos102 (78,2%), indicando que a maior parte daqueles os quais
adotaria uma criança ou adolescente, são aqueles que já têm uma família
estruturada, com base solidificada, podendo-se concluir que, muitas vezes, não
pensam em adotar simplesmente para aumentar a família, mas, sim, para dar uma
a quem não tem, provando o caráter solidário da adoção. Seguem os índices103:
3,2%
6,00%
4,00%
5,7%
Casado
Solteiro
Divorciado
Viúvo
23,90%
62,50%
União Estável
Recusa Informar
Gráfico 06: Estado civil dos entrevistados
Fonte: Elaborado pela autora
Deixando de lado o perfil dos adotantes, passamos a analisar o perfil
idealizado por estes, caso fossem adotar alguém. Aquilo que vinha sendo falado
no decorrer deste trabalho, a partir das estatísticas, somente veio a ser confirmado:
a imensa maioria dos brasileiros, se realizasse uma adoção, a faria exigindo uma
criança de até três anos de idade, fato este que preocupa a todos nós, pois vemos
as esperanças destes jovens de um dia encontrarem uma família, ficando cada vez
menores, à medida que o tempo passa e estes vão crescendo dentro de abrigos,
102
103
Idem.
Idem.
35
tendo cada vez menos chances de serem colocados em família substituta. Ilustrase, então, os referidos dados104:
19%
1%
32%
3%
De qualquer idade
Acima de 12 anos
De 9 a 12 anos
3%
De 6 a 9 anos
De 3 a 6 anos
De 6 meses a 3 anos
14%
Entre 0 e 6 meses
28%
Gráfico 08: Idade da criança ou adolescente
Fonte: Elaborado pela autora
Agora, um dado estarrecedor: de acordo com informações obtidas no site
do Conselho Nacional de Justiça, até a data de 14 de outubro de 2010, existiam
somente 255 crianças aptas a serem adotadas na comarca de Porto Alegre.
Número absurdo, se pensarmos na enormidade de jovens acolhidos em
instituições, fazendo com que estas sejam suas residências. No entanto, ressaltase que destas 255, a grande maioria é composta por meninos, com idade entre
dez e quinze anos, perfil que não se encaixa nas exigências dos pretendentes a
adoção, conforme os respectivos índices que seguem105:
104
105
Idem.
CADASTRO Nacional de Adoção. op. cit.
36
7
50
64
0 a 5 anos
5 a 10 anos
10 a 15 anos
acima de 15 anos
134
Gráfico 10: Idade das crianças disponíveis à adoção através do Cadastro Nacional
de Adoção
Fonte: elaborado pela autora
Há de se notar que entre 255 crianças, apenas 7 têm de zero a cinco anos
de idade, dado que demonstra que, efetivamente, aqueles que exigem bebês em
seu cadastro, prolongarão seus processos, em função da pouca quantidade de
crianças que preenchem o perfil escolhido.
Finalmente, passamos a observar o número de adoções realizadas no
período de 05 de outubro de 2000 a 05 de outubro de 2010, também em Porto
Alegre, e nos deparamos com as seguintes estatísticas: foram adotadas, nos
últimos dez anos, cerca de 1.755 crianças, sendo que destas adoções, apenas 146
ocorreram através do Cadastro Nacional de Adoção106; 1.351 adotantes eram
casais; 239 adotados tinham menos de um ano de idade e 203 tinham até um ano;
903 eram meninas e apenas 46 eram negras, sendo que, de todas as crianças
adotadas, 499 eram brancas, informações que revelam as efetivas preferências
dos candidatos à adoção.
106
Considerando-se que o Cadastro existe desde abril de 2008, de acordo com informações do
Conselho Nacional de Justiça. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/index.php?
option=com_content&view=article&id=7497&Itemid=896>. Acesso em: 12 out. 2010.
37
13
27
12
36
69
Casal
70
Mulheres Solteiras
Mulheres Separadas
177
Homens Solteiros
Companheiro de mãe biológica
Mulheres Viúvas
Companheira do pai biológico
Homens Separados
1351
Gráfico 12: Estado civil dos adotantes
Fonte: Elaborado pela autora
123
239
Menos de um ano
1 ano
178
2 anos
3 anos
52
203
4 anos
5 anos
67
6 anos
7 anos
76
8 anos
165
87
9 anos
10 anos
Entre 11 e 14 anos
89
131
101
136
Gráfico 13: Idade dos adotados
Fonte: Elaborado pela autora
Entre 15 e 18 anos
38
35
Negra
Branca
499
37
1
Morena Clara
Morena Escura
Amarela
46
Gráfico 15: Cor da cútis dos adotados
Fonte: Elaborado pela autora
Em síntese, o que se pode concluir é que a adoção em nosso País, apesar
de recentemente ter recebido legislação atualizada, ainda tem muito que evoluir.
Entretanto, acreditamos que o que mais precisa mudar é a ideia daqueles que
desejam adotar, tão somente pelo fato de que grande parte destes não têm
encarado essa medida de acordo com sua real finalidade, qual seja, o bem-estar
da criança e do adolescente, visando a garantia de seus direitos.
3.4 ANÁLISE DO PROCESSO DE ADOÇÃO NÚMERO 015/5.09.0007010-9
Passa-se a analisar, por fim, o processo de adoção tombado sob o número
015/5.09.0007010-9, que foi proposto no ano de 2005 e tramitou na Vara da
Infância e Juventude da Comarca de Gravataí-RS, no qual, juntamente com o
pedido de adoção, requereu-se a destituição do poder familiar do adotando. Assim
sendo, passa-se a um resumo dos fatos e procedimentos ocorridos ao longo do
referido processo, com o intuito de melhor compreendermos o caso.
3.4.1 Síntese do Processo
Trata-se de ação de adoção de menor, na época, com dois meses de
39
idade, combinada com pedido de destituição de poder familiar, proposta no dia 21
de dezembro de 2005, pelo casal de adotantes, juntamente com a avó materna do
adotando.
Narrou-se, na inicial, que a requerida, mãe biológica do menino,
encontrava-se detida no Presídio Madre Pelitier (entretanto, no decorrer do feito,
pôde-se observar que a mesma encontrava-se em lugar incerto), uma vez que
respondia pela morte do companheiro, pai do seu filho. Por esta razão, a terceira
requerente, avó da criança, recebeu seu neto por intermédio do Conselho Tutelar.
Ocorre que a avó da criança, em decorrência da ausência da mãe, já
estava criando outras duas netas, também filhas da requerida e, em razão de ser
pobre e doente, não poderia criar mais um neto, de modo que o entregou a seus
vizinhos, ora requerentes.
Estes, nos termos da exordial, vivem em união estável, sem filhos, e
comprovam, nos autos, plenas condições de criar a criança. Com relação à mãe do
adotando, além de responder pela morte do companheiro, pai da criança, de
acordo com o que foi dito nos autos, sempre teve vida irregular, usava seus filhos
para a mendicância, razão pela qual não teria condições de criá-lo. Logo, uma vez
que o casal de requerentes já estava, de fato, responsável pelo menor, requereu a
guarda provisória do mesmo, a destituição do pátrio poder, por abandono material
e afetivo da mãe biológica e a adoção do infante.
Um estudo social foi realizado com o casal, três meses após o
requerimento do Ministério Público, de modo que a criança já contava com cinco
meses de idade. Durante a visita, foi dito que o casal, ela com vinte e cinco anos e
ele com vinte e oito, estava junto há dois anos e que moravam sozinhos. A
moradia, de propriedade do casal, apresentava boas condições e afirmaram que
sua renda mensal total era de cerca de R$ 3.650,00. Além disso, apesar de o
casal, a princípio, ter condições de ter filhos, nunca contou nunca ter descartado a
ideia de adotar uma criança. Informaram que o bebê sofreu maus tratos de seu pai,
que o batia e, certa vez, o jogou na parede, lhe causando traumatismo craniano e
fratura no braço. Disseram, também, que sabiam que a mãe do menor era uma
pessoa com problemas de alcoolismo e usuária de drogas e que tinha quatorze
filhos, sendo que alguns estariam presos. Relataram, por fim, que a avó da criança
havia afirmou que a genitora teria concordado em entregar seu filho ao casal para
que o adotassem.
40
Destarte, concluiu-se que o casal teria condições financeiras e psicológicas
de criar a criança, que o menor encontrava-se bem de saúde, devido aos cuidados
que os requerentes despenderam a ele, ao que opinaram favoravelmente pela
guarda com vistas à adoção do menor.
Para tanto, a Magistrada deferiu a guarda provisória da criança, pelo prazo
de um ano, condicionada a avaliação em quatro meses, sendo que esta foi
realizada em dezembro de 2007, através de novo estudo social, restando
comprovado
que
o
casal
mantinha
as
mesmas
condições
inicialmente
apresentadas, de sorte que opinaram pela manutenção da guarda (a guarda
provisória da criança, que seria até 2007, foi renovada no decorrer do processo,
permanecendo até 2010).
Em seguida, foi designada audiência para oitiva da avó materna da
criança, também requerente, que afirmou anuir com a adoção de seu neto pelo
casal, este que, por sua vez, ratificou o interesse na adoção do menino,
informando o novo nome ao qual este passaria a se chamar, em caso de
deferimento do pedido.
Sobreveio parecer do Ministério Público, que opinou pela procedência da
ação, uma vez que foram observadas plenas condições dos requerentes em
permanecer com o menor, tendo em vista, ainda, que o casal dedicava-se à
educação e ao sustento do menor há mais de quatro anos, sendo que este estava
totalmente adaptado à família, com todas suas necessidades supridas, restando
demonstrado o efetivo benefício da adoção para o adotando.
Em sua decisão, a Juíza julgou procedente a ação, destituindo o poder
familiar da mãe biológica do infante e deferindo a adoção do menor ao casal
requerente, ordenando o cancelamento do registro original, abrindo-se um novo,
constando como pais da criança os adotantes e os ascendentes como avós,
alterando-se o nome do menor, conforme requerido.
3.4.2 Visão Geral e Entendimentos a Respeito do Processo
Com a análise do presente caso, restou evidente a morosidade do
processo de adoção, tendo em vista que a criança, da distribuição do processo, em
2005, tinha apenas dois meses, e, ao ser prolatada a sentença, em 2010, o menor
contava com cinco anos de idade.
41
Nesse sentido, há de se cogitar a hipótese de, por um infortúnio, tal ação
ter sido julgada improcedente, imaginando-se o tamanho do transtorno que essa
decisão causaria na vida deste casal e desta criança, já que ambos viviam como
uma família há quase cinco anos, apegados e vinculados afetivamente, de maneira
que, em caso de indeferimento do pedido, restaria demonstrada a nítida
prejudicialidade que ocasiona a demora de um processo de adoção, dentre tantos
outros motivos.
Com relação aos procedimentos, à época em que foi proposta a ação, os
requerentes estavam há poucos dias convivendo com a criança, de forma que, de
acordo com a lei atualmente vigente, se o processo tramitasse hoje, o casal
deveria frequentar o curso preparatório para estar apto a efetivar o processo de
adoção, realizar cadastro para futura habilitação e, ainda, cumprir estágio de
convivência com a criança, tendo em vista que o curto espaço de tempo que
permaneceram com o menor, à data da propositura do feito, não afastaria a
exigência de serem cumpridos tais requisitos.
De outro lado, pôde-se notar clara preocupação com as “reais vantagens”
da adoção para a criança. Nesse sentido foi o parecer do representante do órgão
do Ministério Público: “com efeito, resta claro que o menino V. H. já consolidou
vínculos afetivos com os autores, apresentando, a adoção, por conseguinte, na
hipótese em apreço, reais vantagens ao adotando [...]”.107
Portanto, estando nítida a vontade do casal de criar o menor, de lhe
proporcionar boa estrutura familiar, o que, inclusive, já vinham fazendo no período
da guarda, e, ainda, ao ser confirmada a impossibilidade de a mãe biológica criar o
menor, o pedido de adoção e destituição do poder familiar foi deferido.
Acredita-se que a decisão da Magistrada foi adequada, se considerarmos
as condições em que se encontrava a criança no momento em que fora recolhida
pelo Conselho Tutelar, comparadas às condições em que estava vivendo na
companhia do casal adotante. Ademais, era cristalina a vontade dos autores em
adotar o menor, fato importantíssimo para a constituição do vínculo afetivo, sem
contar que a avó materna da criança já havia concordado com tal medida e
declarado não ter condições de criar mais um neto.
Finaliza-se a presente pesquisa concluindo que a partir da análise desta
107
TRECHO do parecer do Ministério Público, retirado dos autos do Processo n°
015/5.09.0007010-9., fl. 116.
42
ação é possível crer na dimensão e relevância de um processo de adoção bem
sucedido, não só para os adotantes, os quais queriam muito adotar o menino, mas,
principalmente, para este, que estava claramente sofrendo maus tratos em sua
família biológica e, com certeza, teria sua formação futura afetada, circunstância
que, provavelmente, foi evitada ao lhe ser concedida uma família substituta, com
pais que se propuseram a cuidá-lo e oferecer-lhe uma vida digna, da qual tem
direito, revelando a grandeza da adoção.
CONCLUSÃO
Através da realização da presente pesquisa, foi possível perceber
evidentes mudanças na sociedade, refletidas na história das famílias e, como
objeto do trabalho, no instituto da adoção. Não só a legislação, mas, também, a
cultura da sociedade foi alterando-se, tendo em vista que esta adquiriu percepção
distinta sobre o instituto da adoção ao longo dos anos, ainda que, apesar das
inúmeras modificações, a adoção, conforme ficou demonstrado, não atende à
expectativa do momento contemporâneo.
Nesse contexto, o abandono continua existindo na sociedade, tendo em
vista o grande número de crianças e adolescentes acolhidos em instituições pelo
Brasil. Por conseguinte, ficou evidente que algumas providências precisam ser
tomadas, com urgência, partindo-se do princípio de que a convivência familiar é
um direito constitucional, assegurado a toda criança e adolescente, mas que,
infelizmente, vem lhes sendo negado, uma vez que um enorme contingente destes
passa sua infância inteira em abrigos, tendo seus direitos suprimidos.
Pôde-se verificar que a adoção, talvez pela relevância que ostenta,
apresenta diversos requisitos a serem preenchidos, tanto quanto às partes
envolvidas no processo, bem como quanto à formalidade do procedimento, o qual
exige que várias etapas sejam vencidas por aqueles que desejam adotar. Quanto
aos requisitos, dentre tantos, é importante destacar a novidade trazida em 2008,
pelo Conselho Nacional de Justiça, qual seja, o Cadastro Nacional de Adoção,
medida que veio com o intuito de dar maior celeridade e praticidade ao processo, o
que, entretanto, na prática, não está acontecendo satisfatoriamente.
Vimos, ainda, ao longo do trabalho, que a adoção, a partir de sua sentença
constitutiva, gera diversos efeitos para as partes, entre eles, a extinção do vínculo
43
do adotado com sua família biológica, transferindo o poder familiar à família
adotiva, transformando, por si só, o instituto da adoção em medida extremamente
importante, a qual deve ser efetivada com muita cautela e responsabilidade, tendo
em vista seu caráter irrevogável.
Nesse sentido, seja pela necessidade de proporcionar a maior segurança
possível à adoção, seja pela quantidade de procedimentos a serem seguidos, seu
processo passa a ser bastante burocrático, o que é extremamente prejudicial
àqueles que aguardam seu desfecho, ocasionando transtornos, inclusive de cunho
psicológico, às partes. Entretanto, embora o judiciário não seja eficaz o suficiente
para atender à demanda, os maiores obstáculos do processo são colocados pelos
próprios candidatos à adoção, de sorte que acreditam que, através dessa, irão
levar para suas casas “filhos perfeitos”. Todavia, a realidade encontrada nas
instituições, infelizmente, não corresponde às expectativas dos adotantes, já que
as crianças lá abandonadas são, em sua maior parte, negras e com mais idade.
Ocorre que, no transcorrer deste trabalho, fácil foi identificar a diferença
entre aqueles que, muitas vezes, tão somente para suprir alguma ausência ou
perda, decidem adotar uma criança, procurando o “bebê ideal”, que trará menos
problemas, pois, afinal de contas, não buscam a responsabilidade de serem pais,
mas sim, a realização de um “capricho”, enquanto nota-se, claramente, a vontade
daqueles que desejam, pura e simplesmente, um filho, independentemente de sua
cor, idade ou qualquer outra característica.
Nesse sentido, seria importante que algumas providências fossem
tomadas a respeito, principalmente, através de políticas públicas que educassem a
sociedade e conscientizassem os futuros pais adotivos a refletirem muito antes de
optarem pela adoção, para que, em o fazendo, não haja preconceitos e seja
exercida uma paternidade responsável.
A propósito, os testemunhos relatados na presente pesquisa foram
bastante esclarecedores, uma vez que mostraram o que, de fato, os candidatos à
adoção passam até que cheguem à sua efetivação. Declarações de pessoas que
já pensaram em desistir, devido à demora do processo, de pretendentes que
querem muito adotar, porém, desde que seja uma menina recém-nascida, de
adotantes que se dizem extremamente felizes e realizados, pois, depois de pouco
tempo, conseguiram realizar o sonho de trazer um filho adotivo para casa, sem que
suas características fossem relevantes.
44
Para tanto, cabe, sim, às autoridades competentes fazerem com que estas
crianças e adolescentes tenham seus direitos constitucionais atendidos, através de
políticas públicas que respeitem a natureza temporária dos abrigos, que acelerem
os processos de destituição do poder familiar e a habilitação dos pretendentes à
adoção, sem que, no entanto, seja deixado de lado todo o cuidado que merece
uma medida como essa. Contudo, cabe, também, à sociedade deixar o
preconceito
de
lado,
e,
àqueles
que
pretendem
adotar,
pensar
com
responsabilidade se isso é o que sinceramente desejam, pois, os verdadeiros pais
adotivos não buscam um perfil ideal, buscam, sim, um filho.
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