Noções Básicas em Cirurgia Produção: Liga de Cirurgia Geral- UPE 3ª Edição 2013.1 1 Índice 1. Preparação para o ato cirúrgico e Atos operatórios fundamentais 2. Instrumental cirúrgico e sua utilização 3. Fios e suturas 4. Pré e Pós-operatório 5. Complicações em cirurgia 6. Hemostasia, Sangramento cirúrgico, Uso de Hemoderivados e Choque hipovolêmico 7. Infecções em cirurgia 8.Sepse, Sepse Severa e Choque Séptico 9. Noções básicas em anestesia geral 10. Distúrbios Hidroeletrolíticos 11. Metabologia cirúrgica 12. Nutrição em cirurgia 13. Vias aéreas definitivas 14. Venóclise e Acessos venosos centrais 15. Citostomia, Pericardiocentese, drenagem torácica e drenagem peritoneal 16. Cicatrização de Feridas 17. Gasometria Arterial 2 Capítulo 1 Preparação para o ato cirúrgico e Atos operatórios fundamentais Marina Félix da Mota Paulo Roberto Santos Filho Rinailda de Cáscia Santos Torres A preparação do ato cirúrgico consiste em três etapas fundamentais para a sua execução: O preparo da equipe cirúrgica, as posições operatórias e a preparação do campo operatório. Todas essas etapas serão destrinchadas adiante. 1) Preparo da equipe cirúrgica a) Vestimenta: Calça e jaleco de tecido adequado à temperatura ambiente, protetores para os sapatos (propés), gorro para proteger a maior área possível do couro cabeludo (devendo ser amarrado firmemente na região posterior da cabeça) e colocação de máscara. b) Lavagem e antissepsia dos antebraços, mãos e unhas: É uma técnica que consiste na escovação criteriosa e sistematizada de mãos e antebraços utilizando uma escova com cerdas macias, estéril, devidamente embebida em solução antisséptica degermante. É imprescindível que as unhas estejam cortadas e que sejam removidos anéis, relógios, etc. O principal objetivo é obter a máxima redução da flora microbiana sobre a pele das mãos e dos antebraços. Existem alguns passos que devem ser seguidos criteriosamente para a eficácia do procedimento. Existe divergência entre autores quanto ao tempo de escovação e número de movimentos em cada região a ser escovada, porém praticamente todos concordam que a escovação deve ser iniciada a partir do leito ungueal, passando pelos dedos, interdigitais, palma e dorso da mão e antebraço até o cotovelo. Os movimentos devem obedecer a um único sentido, da ponta dos dedos até o cotovelo, explorando toda a superfície da pele. Importante lembrar que durante todo o procedimento, as mãos deverão permanecer elevadas em relação aos cotovelos, o que impede que haja refluxo de solução para as mãos. O tempo total de escovação é de cinco minutos. Ao entrar na sala de cirurgia, a enfermeira abre e expõe o pacote cirúrgico - onde estão os aventais - e as compressas são entregues para o enxugamento das mãos. Em seguida, será realizada a colocação do capote ou avental cirúrgico e das luvas estéreis. As luvas devem ser calçadas com cautela, pois são estéreis e não devem ser contaminadas durante a colocação (após a primeira mão ser calçada cuidadosamente, a segunda recebe o auxílio daquela já protegida). 2) Posições operatórias A posição operatória adequada será imposta pelo tipo de intervenção a que deverá ser submetido o doente. É necessário e muito importante verificar se há comprometimento de vasos, nervos ou respiração do paciente; se há contato dele com metais da mesa e principalmente se há vícios de posição. As principais posições são: Decúbito dorsal (posição de supina) – É a melhor posição tolerada pelos doentes anestesiados e é 3 empregada nas intervenções abdominais, supra e infra-umbilicais, nas intervenções sobre as mamas e outras da parede ântero-lateral do tórax e do abdome; Posição de Trendelemburg (posição de supina com elevação da pelve e membros inferiores) – Leva a compressão dos pulmões pelas vísceras abdominais caídas, diminuindo a capacidade vital. É empregada nas intervenções abdominais que exigem o afastamento das alças intestinais, a fim de evidenciar os órgãos alojados na parte inferior do abdome e pelve. Não deverá ser usada em casos de derrames purulentos. O decúbito ventral é reservado para as intervenções sobre crânio, coluna vertebral ou sobre a região lombar e sacrococcígea. A posição ginecológica (decúbito dorsal com as pernas abertas e suspensas em suportes especiais - perneiras) é empregada nas intervenções sobre o períneo, ginecológicas ou proctológicas. Há ainda a posição de proclive (decúbito dorsal com a cabeça em nível superior ao dos pés) e o decúbito lateral (utilizado principalmente para acesso à loja renal, através de lobotomias). 3) Preparação do campo operatório Com o paciente na posição cirúrgica e anestesiado, iniciamos a assepsia do local onde será feita a incisão cirúrgica. Em seguida, preparamos o primeiro campo operatório com peças esterilizadas colocadas de forma padronizada. A proteção com os campos é realizada de acordo com o procedimento cirúrgico a ser realizado. O segundo campo operatório é onde ocorre a diérese e a hemostasia dos planos anatômicos. Quando necessário, há a preparação do terceiro campo operatório, onde haverá a manipulação de órgãos contaminados, purulentos ou tumorais, visando diminuir ao máximo a contaminação operatória. O ato operatório ou intervenção cirúrgica é o conjunto de manobras cruentas e instrumentais que o cirurgião realiza com fins diagnósticos e terapêuticos. Gesto Cirúrgico: Resulta de uma coordenação entre as decisões cerebrais e o trabalho manual, executado com segurança, espontaneidade e aparente facilidade. A postura do cirurgião, os movimentos do seu corpo e principalmente das suas mãos, braços, cabeça e olhos, assim como os gestos da equipe cirúrgica são fatores importantes na execução do ato operatório. O gesto cirúrgico é consequência de um treinamento técnico constante, disciplinado e alicerçado na prática permanente dos atos operatórios fundamentais. A operação, ou seja, o ato cirúrgico propriamente dito é composto de quatro tempos: 1º tempo – Diérese 2º tempo – Hemostasia 3º tempo – Operação propriamente dita (Exérese) 4º tempo – Síntese Diérese Do grego significa dividir. É o procedimento cirúrgico que consiste em separar tecidos, ou planos anatômicos, para abordar uma região ou órgão. Classificação: a) Diérese Cruenta 1. Arrancamento: Manobra manual feita por rompimento em nervos e vasos. 2. Curetagem: Utiliza a cureta e tem por finalidade eliminar tecidos superficiais neoformados indesejáveis. Ativa a cicatrização em feridas ulceradas. 4 3. Debridamento: Utiliza a tesoura ou bisturi para eliminar bridas (aderências). Bridas são tecidos neoformados resultantes da cicatrização ou circuncidando tumores, dificultando sua extirpação. 4. Descolamento: Manobra manual ou com tesoura romba fechada, que visa promover uma cicatrização mais rápida e menos volumosa. E realizada para a liberação de saco herniário, tumores, etc. 5. Escarificação: Raspado mais superficial do tecido, utilizando-se da cureta ou lâmina de bisturi. 6. Exérese ou Ressecção: Eliminação de determinada estrutura anatômica, como tumor ou saco herniário. Pode ser realizada com bisturi, tesoura, serra, etc. 7. Formação de fístula: Exteriorização de um órgão oco, realizada com tesoura ou bisturi. 8. Fratura: Realizada com fio serra, serra, etc. 9. Liberação de Aderências: Técnica manual ou realizada com tesoura romba fechada. 10. Punção: Realizada com agulha ou trocater. Exemplo: Cistocentese. 11. Divulsão: Técnica que afasta o tecido sem secção, podendo ser manual ou instrumental. 12. Punço – Incisão: Técnica realizada com bisturi para drenagem de abscesso. 13. Incisão: Realizada com bisturi ou tesoura. Deve seguir os seguintes princípios: Evitar corte biselado (lâmina do bisturi deve estar perpendicular ao corte); Evitar incisão em tecidos fora do plano cirúrgico; Incisão em um só tempo (única e magistral); Não trocar a direção do corte; O bisturi deve ser utilizado para a incisão da pele. Depois deve ser usada a tesoura. Classificação: Simples (em um único sentido, uma só manobra ou movimento); Combinada (2 sentidos. Exemplos: Uma reta e uma curva, cruz para atresia anal, trepanação). Quanto ao eixo pode ser longitudinal, transversal ou oblíquo. Quanto à direção: Crânio–caudal, dorso–ventral ou látero–lateral. A incisão pode ser feita em tecidos moles (pele, órgãos e outros tecidos), duros (ossos – em casos de amputação ou consolidação defeituosa) e tecidos córneos. b) Diérese Incruenta: Não há perda significativa de sangue. 5 Bisturi elétrico: Secção por passagem de corrente elétrica de alta frequência. Raio Laser: Usado em cirurgias oftálmicas. Criobisturi: Congela os tecidos no local da incisão, evitando sangramento ou perda de fluidos corpóreos. É muito utilizado em cirurgias oftalmológicas. Hemostasia A cessação de perdas sanguíneas poderá ser espontânea (fisiológica) ou provocada (pelo cirurgião). Então, hemostasia cirúrgica é o conjunto de manobras que o cirurgião usa para prevenir, deter ou coibir o sangramento. O controle da hemorragia deve ser feito plano a plano, tendo uma dupla finalidade: Limpeza de área operatória, pois o sangue dificulta a visualização; Evitar o choque e a hipóxia tecidual; Evitar coágulos nas bordas das feridas, pois estes são meio de cultura para as bactérias, podendo retardar a cicatrização. Classificação das hemorragias Externa; Interna: O sangue tende a se acumular no interstício dos tecidos (equimoses) ou em cavidades; estas últimas podem ser neoformadas (hematomas) ou não. Os tipos de hemostasia Os métodos de hemostasia são numerosos e para a sua classificação, dividiremos três grandes grupos: 1. Hemostasia Prévia ou Pré-operatória: Realizada antes da intervenção operatória visando interromper temporariamente o fluxo sanguíneo para a ferida operatória. Consiste em uma técnica incruenta, pois é aplicada sobre o tegumento sem feri-lo. O vaso deve ser comprimido preferentemente contra um plano resistente (osso, por exemplo) e o método deve ser aplicado principalmente sobre os grandes vasos arteriais na raiz dos membros. 2. Hemostasia Temporária: É a que se efetua durante uma intervenção cirúrgica para deter ou interromper - de forma transitória – a corrente circulatória mediante a compressão vascular (suave e delicada), indispensável para o tratamento cirúrgico de vasos com o mínimo de traumatismo. Esse tipo de hemostasia tem as seguintes características: É realizada através de uma ferida operatória, sendo um método cruento; A compressão é feita com pinças atraumáticas ou laços de forma suave a fim de não lesar as paredes do vaso e evitar a sua trombose; Tem por objetivo restabelecer o fluxo sanguíneo no vaso que foi colapsado. 3. Hemostasia Definitiva: É a que oblitera de forma permanente um vaso, sendo indicada para coibir de forma definitiva todo tipo de hemorragia. Os métodos de hemostasia definitiva são: Pinçamento e laqueadura, sutura, transfixação, bisturi elétrico e métodos químicos e biológicos. 6 Métodos de hemostasia a) Físicos: Compressão Circular: Não usar em regiões infectadas. Tipos: Torniquete e Faixa de Esmarch; Compressão Digital: Preventiva; Compressão indireta: Temporária, sendo utilizada para hemorragia capilar ou subcutânea (com algodão ou gaze); Pinças hemotásticas: Temporária ou definitiva; Ligadura por laçada de transfixação; Ligadura em massa: Quando é possível a individualização de um vaso; Torção; Eletrocoagulação: Utiliza o eletrobisturi, aproveitando o calor pela passagem da corrente elétrica de alta frequência; Termocauterização: Cauterização de ferida ou vaso sanguíneo por instrumento denominado termocautério ou eletrocautério, através da produção de calor. b) Químicos Tópicos: Perclorato de ferro e alúmen de potássio. c) Biológico: Veneno de cobra (Bothrops jararaca); Fibrina esponjosa (hemorragia capilar em órgãos parenquimatosos); Fibrinogênio. Exérese É uma manobra cirúrgica utilizada para retirar uma parte ou a totalidade de um órgão ou tecido visando finalidade terapêutica. Engloba vários procedimentos cirúrgicos, como remoção de lesões patológicas, osteotomias, curetagens, exodontias, etc. Síntese É o conjunto de manobras manuais e instrumentais, através do uso de fio e outros materiais, que visa restabelecer a condição anatômica funcional dos tecidos. Condições para se estabelecer uma boa cicatrização: Antissepsia e assepsia; Hemostasia perfeita; 7 Abolição do espaço morto; Bordas das feridas limpas e regulares; Ausência de corpo estranho e tecido morto; Posição anatômica correta; Tração moderada dos nós; Escolha correta dos instrumentais e materiais de sutura. Tipos de cicatrização Primeira intenção: Ocorre, classicamente, nas feridas fechadas por aproximação de seus bordos, seja por sutura com fios, clipes, fita ou ainda pela utilização de enxertos cutâneos ou fechamento com retalhos. Caracteriza-se por rápida reepitelização e mínima formação de tecido de granulação, apresentando o melhor resultado estético. Este método é empregado geralmente em feridas sem contaminação e localizadas em áreas bem vascularizadas. Segunda intenção: Neste tipo, as feridas são deixadas propositadamente abertas, sendo a cicatrização dependente da granulação e contração da ferida para a aproximação das bordas. Exemplos incluem queimaduras profundas, feridas infectadas ou com mais de 8h. Materiais de sutura Fios; Grampos; Grampeadores; Adesivos sintéticos e biológicos. Referências bibliográficas: Técnica cirúrgica e Cirurgia experimental – Hélio Pereira da Magalhães – São Paulo/1989 – Editora Sarvier. BASES DA CIRURGIA 2ª EDIÇÃO – Goldenberg, S. E Bevilacquar, R. G. São Paulo/1979 – Editora: Grupo de editores de livros universitários. 8 Capítulo 2 Instrumental Cirúrgico Juliana Maria de Arruda Lima Paulo Roberto Santos Filho 1.0 Introdução O ato cirúrgico tem seu início bem antes do aparecimento do instrumental cirúrgico que vemos atualmente aparecer. Nessas cirurgias eram utilizados bisturis de pedra, pederneiros amolados e dentes de animais. Com o advento do aço inoxidável, nessa área surge uma nova proposta de material para fabricação dos instrumentos, os quais passaram a ser mais sofisticados e refinados. A introdução da anestesia em 1840 e a adoção da técnica de antissepsia de Lister, por volta de 1880, influenciaram de forma direta na confecção de novos tipos de instrumental cirúrgico, pois permitiram ao cirurgião uma maior duração e eficácia no seu trabalho, realizando, assim, procedimentos mais longos e complexos. Os formatos dos instrumentos são criados com base na capacidade de o cirurgião visualizar, manobrar, diagnosticar e manipular o tecido com precisão e rapidez, por isso esses materiais estão tomando proporções cada vez menores. Porém, esses aperfeiçoamentos trazem consigo consequências, as quais são: alto custo, menor disponibilidades de instrumentais parecidos, maior dificuldade na limpeza e no manuseio adequado do material. 2.0 Classificação Existem inúmeras variedades diferentes de materiais cirúrgicos, por isso os instrumentais são agrupados de acordo tanto com a sua função ou uso principal, pois a maioria deles tem mais de uma utilidade, quanto ao tempo de utilização no ato operatório. A ordem do agrupamento, de maneira geral, segue a mesma ordem de utilização do material no campo operatório: inicialmente é feita a diérese da pele, em seguida a preensão das estruturas e posteriormente a hemostasia. Após o término da abertura, promove-se a exposição do órgão ou da cavidade seguida do ato operatório principal com instrumental especial, e para finalizar o ato, se realiza a síntese dos tecidos. Seringas e agulhas, drenos de borracha ou plástico, gazes, compressas e campos também podem ser relacionados com instrumental cirúrgico. TIPO INSTRUMENTAL FUNÇÃO Diérese Preensão Bisturi, Tesoura Corte e divulsão Pinças anatômica e dente-de-rato Manipulação de estruturas Hemostasia Pinças Kelly, Crille,Halsted Conter ou prevenir 9 sangramentos Exposição Doyen, Farabeuf, Volkman Afastamento de tecidos Especial Pinças de Backaus, Duval, Allis Peculiar Síntese Portas-agulha e agulhas União de tecidos seccionados ou ressecados Tabela ilustra de forma resumida os instrumentais cirúrgicos em seus agrupamentos. 2.1 Instrumentais de diérese A diérese é a manobra cirúrgica destinada a promover uma via de acesso através dos tecidos, ou seja, através dela ocorre a separação dos tecidos, ou dos planos anatômicos para abordagem de certa região. Desta forma, serão necessários instrumentais cortantes ou perfurantes, os quais serão a tesoura e o bisturi. Em alguns procedimentos peculiares, o trépano e a rugina, por exemplo, podem ser considerados materiais de diérese. a) Bisturi O bisturi tem com principal característica o seu cabo metálico, geralmente reto, pois é nesse em que se encaixa uma variedade de lâminas para incisões e dissecções de estruturas. As lâminas são descartáveis e removíveis, trocadas quando necessário. Existem vários tipos de cabos, esses são escolhidos pelo porte e tipo de cirurgia, sendo os mais utilizados são os números 3 e 4. O número 3 é destinado para lâminas pequenas, do número 9 ao número 17, em cirurgias mais delicadas. Já o número 4 é destinado para lâminas maiores, do número 18 ao número 50. Existem duas formas principais de se empunhar um bisturi, são elas: tipo lápis (incisões pequenas) e tipo arco de violino (incisões longas, retilíneas ou de curvas suaves). Cabo do Bisturi 10 Empunhadura do Bisturi do tipo lápis na fig. da esquerda e do tipo violino na fig. da direita. b) Tesouras Tem como função principal efetuar cortes ou divulsão de tecidos orgânicos, além de cortar materiais como gaze, fios, borracha, entre outros. As tesouras variam no tamanho (grande, média e pequena), no formato da ponta (pontiaguda e romba), na curvatura (curva e reta) e em outros pormenores. Cada tesoura possui uma finalidade específica adequada a cada fase do ato operatório e à especialidade cirúrgica. Existem vários modelos, dentre eles se destacam: Tesoura de Mayo: pode ser reta ou curva. Utilizada para secção de fios e outros materiais cirúrgicos na superfície ou em cavidades. Esta é considerada uma tesoura mais traumática, pois sua parte cortante é proporcional à parte não cortante. Tesoura de Metzenbaum: pode ser reta ou curva. Utilizada para diérese de tecidos orgânicos por ser considerada menos traumática, pois apresenta sua porção cortante mais curta do que a não cortante. Tesoura de Mayo na fig. da esquerda e tesoura de Metzenbaum na fig. da direita. 11 Para empunhar uma tesoura da maneira correta é necessário introduzir as falanges distais dos dedos anular e polegar nas argolas. O dedo indicador proporcionará precisão ao movimento e o dedo médio auxiliará na estabilidade da mão. Empunhadura da tesoura. 2.2 Instrumentos de Preensão Os instrumentos de preensão são basicamente constituídos pelas pinças de dissecção, as quais estão destinadas a manipulação e a apreensão de órgãos, tecidos ou estruturas. Os modelos mais utilizados são: Pinça de Adson: é utilizada em cirurgias pediátricas, por isso possui um tamanho reduzido. Pode ser traumática (apresenta dentes na extremidade) ou atraumática (possui ranhuras transversais e finas na face interna de suas pontas). Pinça Anatômica: é utilizada para preensão de estruturas orgânicas delicadas. É atraumática e possui ranhuras transversais na face interna de suas pontas. Pinça Dente de Rato: utilizada para preensão de tecidos mais grosseiros, como aponeurose muscular. É muito utilizada para fazer suturas, pois proporciona uma maior estabilidade. Possui dentes em suas extremidades, o que a torna traumática. Pinça de Adson. A da esquerda é atraumática (sem dentes) e a da direita é traumática (com dentes). 12 Pinça Anatômica à esquerda e Pinça Dente de Rato à direita. Por serconsiderado um material auxiliar, geralmente é empunhada na mão não dominante. Utiliza-se a empunhadura tipo lápis, porém neste caso o dedo indicador é o responsável pelo movimento de fechamento da pinça enquanto que o médio e o polegar servem de apoio. 2.3 Instrumentais de Exposição Esses instrumentais são representados pelos afastadores. Esses são elementos mecânicos destinados a facilitar a exposição do campo operatório, afastando as bordas da ferida cirúrgica e estruturas adjacentes de forma a permitir a melhor visualização dos planos anatômicos ou órgãos subjacentes, facilitando, assim, o ato operatório. Os afastadores seguem duas classificações: Dinâmicos: o manuseio é feito pelo próprio cirurgião, ou seja, esse deve segurar o afastador durante todo o ato cirúrgico. Afastador de Farabeuf: utilizado para afastar pele, subcutâneo e músculos superficiais. Existem vários tamanhos. Afastador de Volkmann: utilizado em planos musculares. Apresenta garras em suas extremidades. Afastador de Doyen: utilizado para exposição da cavidade abdominal. Afastador Langerbeck: semelhante ao Farabeuf, porém pode atingir planos mais profundos que ele. Afastador de Deaver: utlizado em cirurgias torácicas e abdominais. 13 Afastador de Farabeuf Afastador de Volkmann Afastador de Doyen Afastador de Langerbeck 14 Auto-estáticos: são instrumentais que por si só, ou seja, sem auxilio de terceiros, mantêm as estruturas afastadas e estáveis. Eles são mais utilizados em cirurgias torácicas e abdominais. Afastador de Gosset ou Laparostato: utilizado em cirurgias abdominais. Afastador de Balfour: esse é uma adaptação de Gosset, acoplando-se a este, a Valva de Balfour. Afastador de Finochietto: utilizado em cirurgias torácicas. Esse afastador possui uma manivela para possibilitar o afastamento da forte musculatura intercostal. Afastador de Adson: utilizado em cirurgias neurológicas para afastar couro cabeludo. Afastafdor de Deaver Afastador de Gosset 15 Afastador de Balfour Afastador de Finochietto Afastador de Adson 2.4 Instrumentais de Hemostasia A hemostasia é um dos tempos fundamentais da cirurgia. Têm por objetivo prevenir ou corrigir as hemorragias, evitando dessa maneira o comprometimento hemodinâmico do 16 paciente, além de impedir a formação de coleções sanguíneas e coágulos no período pós-operatório, complicações que predispõe o paciente a infecções. Os instrumentais utilizados nas hemostasias são as pinças hemostáticas, essas se apresentam em vários modelos e tamanhos. No caso das hemostáticas, sua identificação ocorre pelo nome do seu idealizador. Essas pinças são bem semelhantes estruturalmente às tesouras, porém possuem uma característica bem relevante, que é uma cremalheira entre as argolas. Cremalheira é uma estrutura que tem por finalidade manter o instrumental fechado de maneira auto-estática, oferecendo diferentes níveis de pressão de fechamento. A empunhadura desse instrumento se assemelha com a descrita para as tesouras. Pinça de Kelly: pode ser reta ou curva e apresenta ranhuras transversais até a metade da face interna de suas pontas. A reta é utilizada para pinçamento de materiais cirúrgicos como fios e drenos de borracha; a curva é utilizada para o pinçamento de vasos e tecidos pouco grosseiros. Pinça de Crille: pode ser reta ou curva e apresenta ranhuras em toda face interna de suas pontas. Sua utilização é semelhante à pinça de Kelly. Pinça de Halstead ou Pinça Mosquito: recebe essa segunda nomenclatura por causa de seu tamanho reduzido. É utilizada em vasos de pequeno calibre. Pinça de Mixter: apresenta ponta em ângulo reto, sendo largamente utilizada na passagem de fios ao redor de vasos para efetuar ligaduras, assim como na dissecção de vasos e outras estruturas. Pinça de Kocher: essa pinça é classificada como instrumental hemostático, porém seu uso não condiz com a sua classificação, pois apresenta dentes nas extremidades, sendo assim, empregada como instrumental de preensão. Seu uso mais habitual é na preensão e tração de tecidos grosseiros como aponeuroses. Pinça de Kelly à esquerda e Pinça de Crille à direita. 17 Pinça de Halstead Pinça de Kocher Pinça de Mixter 2.5 Instrumentais Especiais Esses materiais são utilizados para finalidades específicas nos tempos operatórios propriamente ditos. Existem inúmeros tipos e variam de acordo com a especialidade cirúrgica. Para exemplificar serão descritos abaixo alguns instrumentais especiais que são utilizados em cirurgias abdominais: Pinça de Allis: apresenta edentações na sua extremidade distal, o que a torna consideravelmente traumática, sendo utilizada, portanto, em tecidos grosseiros 18 ou naqueles que irão sofrer a exérese, ou seja, os que serão retirados do organismo. Pinça de Duval: apresenta a extremidade distal semelhante ao formato de uma letra “D”, com ranhuras longitudinais ao longo da face interna da sua ponta. Por apresentar ampla superfície de contato, é utilizada em diversas estruturas, a exemplo das alças intestinais. Clamp intestinal: pode apresentar ranhuras transversais e longitudinais, este é menos traumático, ao longo da face interna da sua ponta. É utilizado na interrupção do trânsito intestinal, o que o classifica como instrumental de coproestase. Pinça de Babcock: possui argolas e cremalheiras. Na extremidade distal possui uma pequena superfície de contato o que a torna pouco traumática. Dessa forma, pode ser utilizada na manipulação de alças intestinais. Pinça de Allis Pinça de Duval 19 Clamp intestinal Pinça de Babcock 2.6 Instrumentais de Síntese A síntese normalmente é o tempo final da cirurgia e consiste na aproximação dos tecidos seccionados no decorrer do ato operatório com o intuito de favorecer a cicatrização dos tecidos de maneira estética, evitar herniações de vísceras e minimizar os riscos de infecções no pós-operatório. O instrumental usado nesta etapa é o porta agulha. Os dois modelos mais importantes são: Mayo-Hegar: estruturalmente semelhante às tesouras e às hemostáticas. Apresentam cremalheira para fixação e é mais utilizado para síntese em cavidades. Sua empunhadura é semelhante à descrita para os outros instrumentais com argolas. Mathieu: possui hastes curvas, semelhantes a um alicate. Possui uma cremalheira pequena e central. Utilizada em suturas de tecido superficial, principalmente na pele em cirurgias plásticas ou ainda em cirurgias odontológicas. Este modelo possui uma empunhadura espalmada. Esses dois tipos de instrumentais e os outros dessa mesma classe possuem duas características em comum: a face interna marcada por ranhuras em xadrez, as quais evitam o deslizamento da agulha, melhorando, dessa forma, sua fixação, e um sulco 20 longitudinal também na face interna, o qual possui a mesma finalidade das ranhuras. Os outros materiais utilizados para síntese são os fios, agulhas e fios agulhados. Porta agulha de Mayo-Hegar Porta agulha de Mathieu 2.7 Pinças de Campo As pinças de campo têm por finalidades fixar o campo, fenestrado ou não, impedindo que a sua posição seja alterada durante o ato cirúrgico. Sua extremidade é aguda, curva para preensão do campo e da pele do paciente. As mais comuns são as pinças de Backhaus. Pinça Backhaus 3.0 Arrumação da Mesa de Instrumentação 21 A mesa de instrumentação tem uma arrumação padronizada conforme a ordem de utilização de cada instrumental durante o ato operatório, pois desta forma os acessos aos materiais são facilitados. Sendo assim, os instrumentais serão organizados segundo a sua classificação: diérese, preensão, hemostasia, exposição, especial e sínese. Para facilitar o entendimento, deve-se imaginar a mesa dividida em seis setores, porém essa divisão deve ser feita proporcionalmente ao tamanho e ao número dos instrumentos. É relevante lembrar que em alguns setores existem alguns critérios na disposição dos instrumentos, como exemplo o setor de preensão. Nesse, a arrumação é iniciada pelo instrumento menos traumático, seguindo-se com os mais traumáticos. A escolha da arrumação dos materiais varia de acordo com o tipo de cirurgia. O posicionamento do cirurgião em relação ao paciente irá interferir na disposição dos instrumentais. Nas intervenções em que o cirurgião se posiciona à direita do doente, no caso de cirurgias supraumbilicais, a disposição dos instrumentos inicia-se da direita para esquerda. Além disso, o auxiliar deve ficar em sua frente e o instrumentador ao lado desse, ocorrendo o inverso quando o cirurgião coloca-se à esquerda, no caso de cirurgias infraumbilicais. O posicionamento da mesa de instrumental também sofre diversas variações, as quais dependem da preferência do cirurgião. Alguns preferem tê-la ao seu lado para autonomia na preensão do instrumental, outros adotam a mesa de Mayo, que é uma mesa auxiliar, a qual é colocada sobre os pés do enfermo, o que facilita o acesso. 22 4.0 Sinalização Cirúrgica A sinalização cirúrgica é um conjunto de manobras que tem como objetivos diminuir o diálogo durante a cirurgia, facilitar a entrega dos materiais, manter a assepsia e, além disso, mostra-se como um sistema de padronização mundial para instrumentação cirúrgica. Esse sistema se aplica apenas aos instrumentais mais comumente utilizados, sendo os demais solicitados de maneira verbal. Bisturi: Pede-se com a mão direita com a face palmar voltada para baixo, os três últimos dedos fletidos, de forma que o indicador se apoia no polegar. Esse é entregue com a lâmina voltada para baixo pelo instrumentador para que sejam evitados acidentes. Tesoura: É feita pela mão direita estendida em pronação, tendo os dois últimos dedos fletidos. Os dedos indicador e médio executam um movimento de aproximação e afastamento, imitando o corte das lâminas de uma tesoura. A tesoura deve ser entregue segurando-se em sua ponta, com as argolas voltadas para mão do cirurgião, porém em casos de tesoura curva, essa deve ser entregue com a curvatura voltada para mão do cirurgião. Pinças de dissecção: A pinça anatômica é solicitada com os dedos polegar e indicador semi-distendidos, realizando movimentos de aproximação e afastamento, enquanto os demais dedos permanecem fletidos. A pinça dente de rato é solicitada com o mesmo gesto da anterior, porém o polegar e o indicar terão uma flexão maior. Ela deve ser entregue com a mão não dominante, segurando-a fechada pela parte inferior, entregando em posição de uso. Afastador de Farabeuf: Os dedos ficam fletidos, enquanto o indicador fica incompletamente flexionado. Afastador de Doyen: Os dedos em extensão para baixo, realizando um movimento brusco de afastamento lateral. Afastador de Gosset: Semelhante ao afastador de Doyen, porém se utilizam as duas mãos, posicionadas dorso a dorso. 23 Porta agulhas: Mão direita semi-fechada, realizando movimento de supinação (semelhante ao movimento de uma chave na fechadura). Fios para ligadura: Face palmar da mão voltada para cima com os dedos em meia flexão. O fio deverá ser colocado entre os dedos do cirurgião. Compressa: Mão em supinação e dedos estendidos. Gaze: Mão voltada para baixo com os dedos unidos. 24 Referências biliográficas: Instrumentação Cirúrgica - Parra, Osório Miguel e Saad, William Abrão - edta Ateneu Rio - 3ª ed Manual de Instrumentação Cirúrgica - Rosa, Maria Tereza Leguthe - edta Riddel http://www.joinville.ifsc.edu.br/~luciah/instrumentacaocirurgica.pdf http://pt.scribd.com/doc/26973017/INSTRUMENTAL-CIRURGICO 25 Capítulo 3 Fios e suturas Júlio César Silva de Albuquerque Paulo Roberto Santos Filho 1. Fios de sutura Propriedades dos fios de sutura a) Definição: fio de sutura é uma porção de material sintético ou derivado de fibras vegetais ou estruturas orgânicas, flexível, de secção circular e com diâmetro muito reduzido em relação ao comprimento. b) Fio ideal: Boa segurança no nó; Adequada resistência tênsil; Fácil manuseio; Baixa reação tecidual; Não possuir reação carcinogênica; Não provocar nem manter infecção; Manter as bordas das feridas aproximadas até a fase proliferativa da cicatrização; Ser resistente ao meio no qual atua; Esterilização fácil; Calibre fino e regular; Baixo custo. Apresentação dos fios Os fios são encontrados em comprimentos padronizados, que variam de 8 a 90 cm. Podem ser fornecidas agulhas (chamados de “atraumáticos”) ou não. Os fios com agulhas podem conter uma ou duas agulhas Calibres dos fios O calibre dos fios é designado por codificação que tem sua origem na época em que eram comercializados unicamente para a fabricação de vestuário. O maior calibre é designado de número 3, cujo diâmetro oscila entre 0,6 e 0.8 mm. A numeração é progressivamente decrescente até o número 1, a partir do qual o fio é designado por 0, 2.0, 3.0 e assim por diante até 12.0, que é o mais fino e corresponde a um diâmetro que oscila de 0.001 a 0.01 mm. 26 Materiais de sutura São usados porta agulhas, agulha, fios, grampos metálicos e grampeadores, pinças anatômicas ou com dentes e tesouras. Porta agulha: instrumento especial usado para prender as agulhas, facilitando a entrada desta nos tecidos, durante a execução da sutura. Existem porta agulhas especiais com encaixe para agulhas, como os de Hermolds e Richter. Agulhas cirúrgicas: são instrumentos de sutura, nos quais os fios são acoplados ou montados, a fim de serem introduzidos nas bordas das feridas. Em geral são medidas em mm de comprimento. As agulhas possuem três partes distintas: fundo (cego, fechado ou rombo e falso, aberto ou francês), corpo (cilíndrico, achatado, em forma de trapézio ou triangular) e ponta (cônica, ou cilíndrica triangular, ou bifacetada e lanceolada). Seleção do material de sutura Baseada em: Propriedade biológica do fio; Situação clínica. Classificação dos fios a) Materiais absorvíveis: De origem animal ou orgânico; Sintéticos: são copolímeros derivados de açúcares, lentamente reabsorvidos por hidrólise. Podem ser multifilamentados (AC. Poliglicólico e poliglactina) e monofilamentados (originados da síntese poliéster-poli-P-diaxone). . Catgut: Simples, cromado e rápida absorção. Fitas de colágeno, submucosa de intestino delgado de carneiro ou da serosa do gado(quanto mais puro melhor). Simples: mantém força tênsil por 7 dias e absorção em 10 –14 dias Cromado: (sais de cromo) resistente a enzimas do corpo; força tênsil por 14 dias máximo 21 dias absorção em 90 dias Rápida absorção: tratado com calor; absorvido de 5 –7 dias (não é indicado seu uso interno). Poliglactina 910 (Vicryl): Absorção completa em 60 –90 dias por hidrólise Poliglatina 910 + copolimero de L-lactidieo e glicolídeo (poliglactina 370) VicrylRapide : parcialmente hidrolizado, esterelizado com raios gama; em 5 dias, perde 50% da força tênsil, em 2 semanas 0%; absorção em 7 –14 dias. VicrylPlus : envolvido com uma camada de triclosan, efetivo contra Staphylococcus aureus, S. epidermidis, MRSA e MRSE (Cirurgiões pediátricos notaram menos dor pós operatória); perda da força tênsil em 5 semanas. 27 Ácido Poliglicólico (Dexon II): Ac. Poliglicólico + polycaprolato. Mantém 89% da força tênsil em 7 dias, 63% em 2 semanas, 17% em 3 semanas. Vicryl mostrou-se com maior segurança de nó, uma perda de função mais lenta e menor plasticidade. Absorção completa ocorre usualmente em 100 a 120 dias. Poliglecaprone (Monocryl): Copolímero de glicolide + e-capralactone (monofilamentar). 30 –40% da força tênsil em 2 semanas 0% em 21 dias. Absorção completa em 90 –120 dias. Comparado com vicryl rapide monocryl apresenta menor tendência a cicatriz hipertrófica e reações. Polidioxanona (PDS II): Polyester + p-dioxanona monofilamentar. 70% força tênsil em 2 semanas; 50% em 4 semanas; 25 % em 6 semanas. Absorção é mínima em 90 dias e total em 6 –7 meses. Difícil manuseio. b) Materiais inabsorvíveis: De origem animal, vegetal ou mineral: seda, linho, algodão e aço, respectivamente. À exceção do aço, são de ótimo manuseio. Todos podem produzir reação tipo corpo estranho. Sintéticos: nylon, perlon, poliéster, polipropileno adaptados como fios inabsorvíveis apresentam reação tecidual menor; oferecem alguma dificuldade quanto ao manuseio e mostram facilidade em desatar o nó. São os mais inertes de todos os fios. Seda: Provém do casulo do bicho-da-seda de onde o fio é processado limpo e esterelizado. Apesar de ser classificado como inabsorvível experimentos mostram que perde quase que totalmente sua força em 1 ano e que após 2 anos não é mais possível detectá-lo no tecido. Algodão O algodão possui fibras naturalmente torcidas. Foi introduzido no final da década de 1930. Melhor segurança nos nós que a seda, perda lenta da tensão de estiramento (50% em 6 meses e 70% em dois anos). Provoca uma reação tecidual semelhante à da seda, potencializa infecções, é muito capilar. Nylon Polímero de poliamida. 28 Baixa reação tecidual. Alta força tênsil em 2 semanas. Degrada por hidrólise 15 –20% ao ano in vivo. Boa memória sendo necessário mais do que três nós para garantia de manutenção do nó. “Nurolon” nylon trançado substituto da seda. Polyester (Mersilene) Primeiro material que mostrou permanecer indefinidamente no corpo humano. Ethibond: poliéster revestido com polibutilato, facilita a passagem pelo tecido e o manuseio, mantém força tênsil por longo período. Já foi muito usado em cirurgia cardiovascular para colocação de próteses. Não é revestido, portanto menos chance de remoção de material irritante no pós-operatório e maior coeficiente de fricção que os fios monofilamentares, os quais têm pobre segurança no nó necessitando de mais nós para segurança da sutura. Polipropileno (Prolene): Istereoisômero isostático e cristalino de polímero de hidrocarbono linear que não degrada com ação enzimática corpórea causando reação tissular mínima. Os nós são mais seguros que outros materiais monofilamentares sintéticos. Princípios da seleção dos fios de sutura: Resistência pelo menos igual a do tecido a ser suturado (resistência: pele e fáscia > estômago e intestino delgado > bexiga). A velocidade em que a sutura perde força e a ferida adquire força devem ser compatíveis. a) Pele: Monofilamento de nylon e prilipropileno são mais indicados; Evitar: fios com capilaridade ou reativos. b) Subcutâneo: Absorvíveis sintéticos são preferíveis devido a baixa reatividade. c) Músculos: Sintéticos absorvíveis ou não absorvíveis; Miocárdio: nylon ou propileno. 29 d) Vísceras ocas: Categuete cirúrgico; Absorvíveis sintéticos e não absorvíveis monofilamentados; Evitar: não absorvíveis multifilamentados; seda na vesícula urinária. e) Tendão: Náilon e aço inoxidável são os mais utilizados; Polidioxanona poligliconato também são usados. f) Vaso sanguíneo: Polipropileno (menos trombogênico); Náilon, poliéster revestido, outros. g) Nervo: Náilon e polipropileno (baixa reatividade). Classificação das agulhas Em relação ao trauma ocasionado nos tecidos: Traumáticas: Agulha que ocasiona trauma tecidual devido à diferença entre o diâmetro da agulha fio. Não tem o fio acoplado. São utilizadas em tecidos resistentes como aponeurose e pele. Atraumáticas: Os fios já vêm montados (encastoados) no fundo da agulha para que não haja uma diferença no diâmetro do fio e do fundo da agulha. São utilizadas em tecidos mais delicados. Os fios com agulhas encastoadas podem ter um ou duas agulhas montadas, sendo estes últimos utilizados mais em suturas cardiovasculares. Em relação a curvatura: Retas: são usadas para suturar sem a ajuda dos porta agulhas, principalmente em anastomoses enterogástricas. Semi-retas: fundo e corpo retos e ponta curva. São aplicadas em estruturas mais superficiais, por exemplo, a pele. Curvas: a curvatura é variável. A opção da agulha depende da profundidade da região a ser suturada. Suturas e suas aplicações Sutura é a aproximação das bordas de tecidos seccionados ou ressecados através de um ou mais pontos, visando facilitar as fases iniciais do processo de cicatrização. As finalidades da sutura são: hemostática: visa coibir ou prevenir a hemorragia; aproximação: visa o reestabelecimento da integridade anatômica e funcional das 30 estruturas; sustentação: visa auxiliar a manutenção de uma estrutura em sua posição anatômica; estética: visa a obtenção de um ótimo confrontamento entre os planos e um mínimo traumatismo, conseguindo cicatrizes mais perfeitas. Princípios fundamentais Para que uma sutura seja perfeita e esse possa obter uma cicatrização adequada, ela deverá reunir as seguintes condições: Antissepsia e assepsia rigorosa; Hemostasia perfeita; Abolição dos espaços mortos (aproximação do tecido celular subcutâneo); Bordas das feridas limpas e sem anfractuosidades (bordas regulares); Ausência de corpos estranhos e tecidos mortos (tecido necrosado ou gangrenado, pus, etc); Posição anatômica correta (a sutura deve ser feita plano a plano); Tração moderada sobre o fio de sutura, de tal forma a obter-se adequada justaposição das bordas, sem submeter os tecidos a uma tensão exagerada. Tração moderada dos nós. Escolha corretas dos instrumentos e materiais de sutura. Classificação das Suturas Sutura Manual Na sutura manual são utilizados porta agulhas, agulhas, fios, pinças de dissecção e auxiliares (como as hemostáticas) e tesoura reta. O manuseio do material de síntese é muito importante na confecção da sutura. A tesoura reta deve ser empunhada pela mão de dominância do cirurgião com o auxílio do dedo anelar e com a porção cortante voltada para o cirurgião. O porta agulha deve fixar a agulha no local de união do 1/3 médio com o 1/3 externo desta. É necessário que a agulha seja mantida firme para que se possa realizar uma passagem única pelo tecido procurando lesioná-lo ao mínimo. A pinça de dissecção deve ser segurada na outra mão (mão esquerda nos destros). 31 Um resultado satisfatório das suturas depende da eficiência, segurança e rapidez com que são realizados. Assim sendo, aspectos como a manipulação e apresentação das bordas da ferida, posicionamento da agulha no porta agulha, sentido da sutura, transfixação das bordas da ferida, confecção do nó e técnica de secção do fio são de fundamental importância. As bordas devem ser manuseadas muito delicadamente. As pinças de dissecção utilizadas devem ser apropriadas de acordo com a resistência e nobreza dos tecidos, podendo ser a anatômica traumática ou a atraumática (dente-derato – utilizada em aponeurose e músculo). Classificação das suturas a) Profundidade: Superficial: suturas de pele e subcutâneo; Profunda: abaixo do plano aponeurótico. b) Planos anatômicos: Por planos: quanto os pontos abrangem camada por camada de tecido, tendo a vantagem de eliminar espaços mortos, sendo a técnica ideal. Em massa: inclui todos os planos em um único ponto, servindo mais como ponto de sustentação dos tecidos. Mistas: combinação das duas técnicas. c) Fio utilizado: Absorvível; Inabsorvível. d) Tipo de ponto: Simples: alças dos fios no interior dos tecidos; Especial: pontos especiais aplicados para determinada finalidade. e) Finalidade: Hemostática: visa coibir ou prevenir a hemorragia; De aproximação ou união: finalidade de restabelecer a integridade anatômica e funcional das estruturas. De sustentação: pontos de apoio para auxiliar na manutenção de determinada estrutura em posição. 32 Estética: técnica para se obter ótimo confrontamento entre os planos e mínimo traumatismo, conseguindo cicatrizes perfeitas, aplicadas principalmente na pele. f) Espessura do tecido: Perfurante total; Perfurante parcial. g) Seqüência dos pontos: Pontos separados; Pontos contínuos. Aspectos fundamentais para um bom resultado da sutura: 1. Manipulação e apresentação das bordas da ferida: 2. Colocação da agulha no porta agulha; 3. Montagem do fio na agulha; 4. Sentido da sutura; 5. Transfixação das bordas da ferida; 6. Confecção dono; 7. Secção do fio. TÉCNICA Em destros, a sutura horizontal deve ser realizada da direita para a esquerda possibilitando uma melhor visualização das bordas da ferida pelo cirurgião. Pelo mesmo motivo, a sutura longitudinal deve ser realizada de baixo para cima. As suturas circulares devem ser iniciadas na porção proximal ao cirurgião, para facilitar a realização do nó, e realizada em sentido anti-horário. A transfixação das bordas das feridas deve ser feita em dois tempos (transfixação completa de uma borda seguida da transfixação completa da outra borda), mas quando as bordas estão próximas e o tecido é macio, pode-se fazer em um tempo apenas. O nó deve ser confeccionado na borda distal da ferida, salvo raras exceções em que são confeccionados na borda proximal, como o chuleio simples e o chuleio ancorado. O nó nunca deverá ficar posicionado na ferida, pois possibilitaria que a cicatrização se desse sobre o nó, impedindo sua retirada. A secção do fio deve ser feita com tesoura de ponta reta, após este ter sido devidamente apresentado. A tesoura é posicionada em posição supina, a certa distância da ferida, pronando-se no momento do corte. Padronização da sutura Na sutura de pontos simples é importante determinar a distância ideal entre o local de entrada e saída do fio e o espaço entre um ponto e outro. A distância deve manter 33 proporção com a espessura do tecido que será aproximada e com sua capacidade de resistir à tensão da sutura. A distância entre um ponto e outro não deverá ser maior que o próprio ponto. Porta-agulha: a preferência pessoal determinará como as pessoas seguram o porta agulha; em geral há duas escolhas - pode-se inserir os dedos polegar e anular nos anéis do cabo ou segurar o instrumento na palma da mão, entre as eminências tenar e hipotênar. Tipos de sutura: SUTURAS DESCONTÍNUAS As suturas descontínuas possuem vantagens como: independência dos pontos (o que impede que o comprometimento de um único ponto interfira em todo o trabalho), menor quantidade de corpo estranho dentro do tecido com consequente menor reação tecidual, menos isquemiante, maior fixação e segurança. Como desvantagens pode-se citar o fato de serem menos hemostáticas, mais trabalhosa, mais demorada e possuir maior custo. Constituem o tipo de sutura indicado em crianças, pois não dificulta o crescimento de tecido entre os pontos, o que é de fundamental importância para esta faixa etária. Os pontos confeccionados devem ser feitos a intervalos regulares entre os pontos, para que a cicatriz se dê de uma maneira mais perfeita possível. 1) Sutura simples interrompida: O fio forma uma única alça dentro do tecido. Inicia-se na borda distal (melhor visualização), introduzindo a agulha de fora para dentro; puxase o fio com auxílio de uma pinça de dissecção e depois se transfixa a borda proximal (de dentro para fora) na mesma direção. Posteriormente é feita a confecção do nó, permanecendo as pontas do fio para fora. Este tipo de ponto oferece bom confrontamento das camadas superficiais e profundas. Pode ser utilizado em praticamente todos os tipos de tecidos, sendo muito utilizados em suturas de pele e em vasos. Para a retirada deste tipo de ponto basta seccionar o fio, na altura do nó, bem rente à pele e puxar a porção do fio interiorizada com o auxílio de uma pinça anatômica. 2) Ponto de colchoeiro vertical: O ponto de colchoeiro vertical proporciona mais suporte ao processo de cicatrização, pela oposição precisa e segura dos bordos da ferida e redução da tensão e do espaço morto. Excelente para obter a eversão adequada das bordas da ferida, esta sutura é também conhecida como o ponto longe-longe perto-perto. 34 O componente longe-longe reduz a tensão da ferida e oclui o espaço morto subjacente, enquanto o componente perto-perto produz a aposição delicada das bordas da ferida. Alternativa técnica para o acadêmico ao perceber a dificuldade em aproximar sem tensão as bordas da ferida. 3) Ponto de Smead-Jones: Um ponto simples realizado duas vezes (também chamado de ponto duplo) no mesmo sentido -- longe-perto, perto-longe -- técnica alternativa ao ponto simples e o de colchoeiro, com bom resultado estético. Inicia-se com um ponto simples (longe) e se atravessa a borda oposta próxima à incisão (perto). Retorna-se com a agulha na posição inicial e penetra-se na pele novamente próxima à incisão (perto) e atravessa-se a borda oposta emergindo longe da incisão (longe) sempre na mesma linha. Pode ser usado na pele e nos planos internos. Outros pontos: Ponto de Donati ou U vertical 35 Ponto em X SUTURA CONTÍNUA A sutura contínua tem como vantagens: rápida elaboração, menos trabalhosa, mais hemostática e menor custo. Suas desvantagens constituem o fato de serem mais isquemiantes, haver interdependência dos pontos (a perda de um único ponto compromete toda a sutura), haver maior quantidade de fio dentro do tecido atuando como corpo estranho e favorecer à formação de espaço morto. São muito utilizadas em cirurgias gastrointestinal, cardiovascular e plástica. 4) Ponto contínuo: Técnica usada para um fechamento mais hermético de um plano, frequentemente usada em planos internos e anastomoses. Não recomendada para uso na pele. Uma sutura contínua (ou corrida) atravessa toda a extensão da ferida e é fixada em cada extremidade. Estas suturas devem ser usadas somente nos casos de feridas não complicadas, isto é, com pouca tensão. 5) Sutura subcutânea interrompida: A sutura subcutânea interrompida é usada em feridas profundas. O fechamento de espaço morto melhora o nível da ferida e reduz as chances de infecção e formação de hematoma. A gordura subcutânea pode ser aproximada com poucos pontos interrompidos, no sentido vertical com fio absorvível. Uma sutura subcutânea contínua não ajudará muito a reduzir a tensão das bordas. 36 6) Sutura subcuticular contínua (ou intradérmica): A disposição do material de sutura inteiramente dentro da derme subcuticular possibilita uma cicatriz altamente estética, livre de marcas de sutura. Esta sutura pode ser deixada no lugar por semanas, fornecendo suporte extra para a ferida, sem o desenvolvimento de marcas feias de sutura. A sutura subcuticular contínua não deverá ser usada em feridas com tensão alta. A escolha do fio de sutura é importante: fio monofilamentar com mínima resistência tecidual, tais como o Prolene, ideais. Observação: Para a retirada de pontos é sempre importante lembrar que todas as técnicas utilizadas visam impedir que a porção de fio que ficou exteriorizada não entre em contato com o interior da ferida favorecendo infecções. O fio exteriorizado nunca deve ser puxado por dentro da ferida. As extremidades de fio próximo ao nó devem ser cortadas bem rente ao tecido suturado. Para a retirada de ponto, o material utilizado é uma pinça de dissecção e uma tesoura, que pode ser a de Spencer (tesoura de ponta fina e com uma meia lua numa das lâminas cortantes, para facilitar o encaixe) ou uma tesoura de ponta reta. Nós cirúrgicos O nó em cirurgia consiste no entrelaçamento feito entre as extremidades do fio a fim de uni-las e fixá-las. Partes componentes – basicamente, o nó se compõe de um primeiro seminó, cuja função é de contenção e de um segundo seminó com o objetivo de promover a fixação do conjunto. Em geral são dados três ou mais seminós com a finalidade de promover a necessária segurança do nó. A segurança do nó depende de vários fatores entre os quais temos a memória, o coeficiente de atrito e o tipo de nó dado. Fios com baixo coeficiente de atrito e alta memória tendem a desfazer facilmente os nós, sendo necessário um número maior de nós para manter a laçada (náilon e polipropileno). Entre os tipos de nós, grande segurança é obtida ao utilizar-se nós duplos não cruzados. 37 Figura: Seminós de nó cirúrgico Elementos a serem observados na elaboração de nós: 1. Propriedade mecânica do fio - deve ser superior à do tecido que o fio abrange, ou superior as tensões a que o tecido está sujeito. 2. Edema de tecido - vai exercer determinada pressão na alça do fio. 3. Tensão do fio - Nem excessiva, nem deficiente. 4. Estrutura geométrica do nó - tipo e quantidade de seminós vão indicar a estabilidade ou não do nó confeccionado. Se não obedecida a observação de tais elementos, pode ocorrer fenômenos que levarão à rotura do fio ou ao desatamento do nó por afrouxamento ou deslizamento das partes constituintes. O deslizamento sempre ocorre em maior ou menor grau dependendo: a) Das forças de atrito entre as alças e seminós; b) Diâmetro do fio utilizado; c) Estrutura geométrica do nó; d) Presença de líquidos que atua como lubrificante. Técnica de Elaboração: Confecção do nó utilizando movimentos combinados entre as mãos desarmadas ou através de instrumentos cirúrgicos. Técnica Manual: Participação somente das Mãos. - Bimanual - Duas mãos executam movimentos amplos. - Unimanual - Apesar de usar as duas mãos, uma das mãos somente fixa a extremidade do fio enquanto a outra executa os movimentos principais. Técnica de Pauchet - Também denominada unimanual. Pode ser realizada com 5, 4, ou 3 dedos à polegar, indicador e médio. Rápida execução, porém não se presta bem para a execução do 2º seminó, apesar de que com bastante treinamento ser possível. É utilizado para a realização de nós quadrados, deslizantes, cirurgião tanto com a mão esquerda quanto com a direita. 38 Técnica Instrumental - Utiliza-se instrumentos para a realização do nó: Pinça de dissecção e porta agulha. Geralmente utilizada para a realização de nós em microcirurgias, pois as dimensões das estruturas não permitem a técnica manual. Por razões obvias, também é a técnica utilizada na realização de nós endoscópicos. Técnica Mista - Confecção de nó utilizando um porta agulhas empunhado pela mão dominante (maioria das pessoas - a direita) servindo a mão esquerda como auxiliar. Usada em pontos separados, geralmente com fio em agulhas atraumáticas, mantendo uma mão com a ponta longa e o instrumento com a ponta curta. LEIS DOS NÓS ( Livingston) 1ª Lei - Movimentos iguais de mãos opostas executam um nó perfeito. 2ª Lei - A ponta do fio que muda de lado após a execução do primeiro seminó deve voltar ao lado inicial para realizar o outro seminó. Tipos de nó a) Nós comum: são os mais usados, sendo aplicáveis a quase todos os tipos de fios cirúrgicos e regiões do organismo. Podem ser do tipo: Nó quadrado: também chamado de antideslizante ou de seminós assimétricos. É o de maior resistência ao fenômeno de deslizamento. É composto de dois seminós, no qual o segundo, de fixação, é a imagem especular do anterior. As porções do fio que entram no nó e as porções ou pontas dos fios que saem ficam do mesmo lado em posição paralela. Execução de Nó Antideslizante: técnica de Pauchet, com dedo médio; técnica de Pauchet, com dedo indicador; técnica mista. Nó deslizante: também chamado de seminós simétricos. Apresenta o primeiro componente igual ao do nó quadrado sendo que o seminó de fixação é elaborado no mesmo sentido que o de contenção. Dessa forma os dois seminós tem a mesma conformação. Tem a utilidade de permitir reajuste da tensão, caso a ligadura tenha ficado frouxa e exige a necessidade de um terceiro seminó para segurança. b) Nós especiais: são executados em circunstância particulares com indicações precisas. Nó de cirurgião: a diferença básica em relação aos outros está na formação do primeiro seminó que é formado por dois entrecruzamentos ou laçadas sucessivas. É usado quando não se deseja ou não pode haver afrouxamento do primeiro seminó, sendo, portanto, auto-estático, permitindo a confecção do segundo seminó sem modificação do primeiro, por isso é utilizado para a aproximação de estruturas sob tensão. 39 Nó de roseta: usado para extremidade de fio em suturas intradérmicas contínuas de pele. É feito na ponta do fio para servir como ponto de apoio da sutura. Nó por torção: usado para fios metálicos, consistindo apenas na torção helicoidal das pontas sob permanente tensão. As pontas devem ser cortadas perpendicularmente e devem ser encurvadas no sentido da alça. Referências bibliográficas: Técnica cirúrgica e Cirurgia experimental - Hélio Pereira da Magalhães – São Paulo /1989 – Editora Sarvie BASES DA CIRURGIA 2ª EDIÇÃO – Goldenberg , S. E Bevilacquar, R. G. São Paulo – 1979 – Editora: Grupo de editores da livros universitários. Manual_de_sutura_2008.1. Versão em PDF. Apostila de Técnica Cirúrgica – Profª. Drª. Paula Diniz Galera. Versão em PDF. Guía Práctica de Suturas – Carmén Diaz-Bertrana Sánchez (UAB). Versão em PDF. 40 Capítulo 4 Pré e Pós-operatório Carla de Andrade Moraes e Silva Demétrio Lubambo de Amorim Edlângela Araújo da Silva ASPECTOS GERAIS DO PRÉ-OPERATÓRIO 1) Risco Cirúrgico: O tratamento cirúrgico, seja ele de que espécie for, implica um risco de morbidade e mortalidade e cabe à equipe médica uma avaliação criteriosa do riscobenefício do ato cirúrgico. É importante lembrar que o risco cirúrgico é individual, ou seja, uma mesma cirurgia poderá não oferecer nenhum grande risco a um determinado paciente, enquanto a outro doente poderá ser fatal. Dessa forma, a avaliação pré-operatória tem como objetivo otimizar a condição clínica do paciente candidato a cirurgias com vistas a reduzir a morbidade e a mortalidade perioperatória. Justifica-se sua realização pela ocorrência de complicações clínicas no período pós-operatório em torno de 17% dos pacientes, definindo-se como tal a exacerbação de doença preexistente ou o aparecimento de doença inesperada, ocorrendo até 30 dias depois do procedimento cirúrgico, com necessidade de intervenção terapêutica. A Associação Americana de Anestesia estabeleceu critérios para que assim os pacientes pudessem ser avaliados de acordo com estado físico de cada um deles: ASA I: Saúde normal; paciente hígido. ASA II: Doença sistêmica moderada, sem limitações. ASA III: Doença sistêmica grave, com funções vitais comprometidas. ASA IV: Doença sistêmica grave, com ameaça grave à vida. ASA V: Paciente moribundo, com expectativa de sobrevida mínima, independente da cirurgia. Cirurgia de emergência acrescenta-se a letra “E” após cada classificação do estado físico. Além das condições físicas do doente, o porte da cirurgia, a infraestrutura da instituição e o nível de treinamento da equipe cirúrgica certamente irão interferir nos índices de mortalidade. Há que se considerar que a avaliação pré-operatória inicia-se com uma boa anamnese, valorizando-se os sintomas e o interrogatório sintomatológico, em que outras queixas deverão ser questionadas, às vezes existentes e subjugadas. 41 Os quadros abaixo sumarizam os achados na coleta da história e exame físico que sugerem necessidades para outras investigações. 2) Preparo pré-operatório: 2.1) 2.2) Cuidados, prevenção e compensação das doenças associadas; Preparo específico de acordo com o tipo de cirurgia. Os riscos envolvidos durante a realização de procedimentos cirúrgicos dependem de fatores próprios do paciente e do tipo de procedimento cirúrgico a que será submetido. Assim, cada paciente deve ser avaliado e tratado de maneira particular e segundo a patologia que acompanha. Avaliação de risco pulmonar 42 A prevalência de complicações pulmonares pós-operatórias varia de 5% a 70%. Essa ampla faixa de variação pode ser atribuída à ausência de consenso capaz de distinguir entre a alteração fisiopatológica esperada, e aquilo que pode ser considerado complicação pulmonar. Na avaliação clínica deve ser verificado se há infecção ativa ou exacerbação de doença pulmonar preexistente. Nestes casos, o tratamento é instituído e a cirurgia adiada por pelo menos duas semanas. Nos casos negativos, e tratando-se de cirurgia de pequeno porte, encaminha-se o paciente para cirurgia. Avaliação de fatores de risco cardíaco As complicações cardiovasculares são causas importantes de morbidade e de mortalidade em cirurgia, correspondendo a uma incidência de 1% a 5% globalmente. Cirurgias de grande porte não cardíacas, em pacientes com doenças vasculares estabelecidas, constituem uma população com alta incidência de desfechos negativos, como isquemia, infarto do miocárdio e morte. Quando o paciente foi submetido à cirurgia de revascularização do miocárdio nos últimos cinco anos, ou angioplastia coronariana entre seis meses e cinco anos, e apresentar sintomas ou sinais recorrentes de isquemia miocárdica, a cirurgia deve ser adiada para realizar avaliação cardiológica. A insuficiência cardíaca descompensada aumenta o risco cirúrgico, logo, estando presente é também motivo de adiamento da cirurgia. Avaliação do risco renal Problemas renais agudos e/ou crônicos são fortes agravantes e por isso é um problema que também exige atenção. A perda de proteínas, a anemia e os distúrbios eletrolíticos comprometem a cicatrização e predispõe à infecção. Creatinina sérica inferior a 6 mg% e que não necessitem de diálise requerem hidratação adequada e manutenção de hematócrito para ficar acima de 30%. Já quando se tem creatinina sérica superior a 6 mg% e o paciente está em uso de métodos de diálise, esse apresenta maior dificuldade para controle do equilíbrio hidroeletrolítico, normalmente esses pacientes requerem sessões de diálise no pré e pós-operatório. Avaliação de risco hematológico Pacientes com uma história de complicações cirúrgicas hemorrágicas devem ser cuidadosamente investigados para coagulopatias. Idade superior a 40 anos, obesidade, neoplasia maligna com vistas à cirurgia, cirurgia prolongada ou intervenções cirúrgicas que obriguem o paciente a uma maior permanência no leito são fatores que predispõem à trombose venosa profunda e, portanto, há que se fazer a profilaxia a fim de se evitar esse problema. Existem métodos mecânicos (uso de meias elásticas e massageadores elétricos) e farmacológicos (heparina, dextran) utilizados para evitar a TVP. Além desses métodos, há o estímulo a deambulação precoce. 2.2) Preparo específico de acordo com o tipo de cirurgia: A limpeza mecânica do cólon deve ser realizada nas cirurgias colorretais ou em cirurgias cuja abordagem possa implicar a ressecção do cólon. Recomenda-se ainda associar a lavagem intestinal mecânica, antibiótico oral o que oferece melhores resultados em relação à incidência de infecção da ferida. Pacientes portadores de 43 obstruções do trato gastrointestinal no pré-operatório devem ser submetidos à intubação nasogástrica com o objetivo de aspirar o conteúdo de estase existente no esôfago e estômago, presente em função da obstrução, evitando-se, assim, aspiração para a árvore traqueobrônquica durante a indução anestésica. A antibioticoterapia profilática estaria indicada nas cirurgias contaminadas ou nas limpas com doentes de idade avançada, uso de próteses ou em doenças sistêmicas graves como a diabetes, ou hepatopatia. A antibioticoprofilaxia tem como finalidade prevenir a infecção da ferida operatória. Deve-se iniciar no máximo 60 minutos antes da incisão cirúrgica, ter duração de até 24 horas após o ato operatório, de maneira descontinuada. A dose única usualmente é suficiente. Pode-se ter reforço durante a cirurgia: 1 a 2 vezes a meia vida do antibiótico. A escolha da droga depende da flora a ser abordada durante o procedimento. No caso das cirurgias colorretais, predominam os gram-negativos e os anaeróbios. A utilização inadequada do antibiótico profilático eleva o índice de infecção, implica um custo desnecessário e pode produzir ou piorar os efeitos da resistência bacteriana. A avaliação nutricional deve ser considerada no pré-operatório. A desnutrição é um fator agravante para infecção. A avaliação do estado nutricional é realizada através de medidas antropométricas, exames laboratoriais. Cuidados com a manutenção da temperatura do paciente no transoperatório, administração de oxigênio e hidratação agressiva podem reduzir a incidência de infecção. 3)Cirurgias de urgência Como diz o próprio nome, trata-se de uma urgência e por tal motivo não há como avaliar o paciente no pré-operatório. Porém, pode-se realizar a dosagem de gases sanguíneos, hematimetria, de eletrólitos e tipagem sanguínea. Os pacientes portadores de obstrução intestinal alta costumam apresentar alcalose metabólica hipoclorêmica e hipocalêmica, enquanto no abdome agudo obstrutivo baixo, a acidose metabólica com acidose respiratória em função da restrição dos movimentos do diafragma, consequente à distensão do abdome é o principal distúrbio ácido-básico. No trauma, devido à diminuição da perfusão tecidual, é frequente a acidose metabólica. Para melhores resultados nas cirurgias de urgência é preciso que se faça a correção dos distúrbios ácido-básicos e a reposição volêmica (se necessário). ASPECTOS GERAIS DO PÓS-OPERATÓRIO A cirurgia altera a homeostase do organismo, alterando o equilíbrio hidroeletrolítico, os sinais vitais e a temperatura do corpo. Independentemente do tempo cirúrgico, o risco de complicações pós-operatórias está presente em toda intervenção. Os cuidados na assistência ao paciente no pós-operatório são direcionados no sentido de restaurar o equilíbrio homeostático, prevenindo complicações. Na Unidade Pós Operatória procede-se a avaliação inicial do paciente quando este é admitido na unidade. Esta avaliação incluirá as condições dos sistemas neurológico, respiratório, cardiovascular e renal, além de suporte nutricional e de eliminações, dos acessos venosos e drenos, da ferida cirúrgica, do posicionamento, dor, segurança e conforto do mesmo. A avaliação imediata consiste na observação de: 44 SISTEMA RESPIRATÓRIO O paciente no pós-operatório será cuidadosamente observado quanto à permeabilidade das vias aéreas e à ventilação pulmonar, em frequência, amplitude e ruídos. Também será observada a presença ou não de desconforto respiratório, referido pelo paciente ou verificado pela tiragem intercostal, cornagem, batimentos de asa de nariz e uso da musculatura acessória. Uma criteriosa percussão e ausculta dos ruídos pulmonares, deve ser realizada com o objetivo de detectar as complicações respiratórias o mais precocemente possível. As complicações respiratórias estão entre as mais comuns e podem ser causadas por vários fatores, tais como: doença respiratória prévia, efeitos depressivos dos anestésicos, bronco aspiração, imobilidade pós-operatória prolongada, tubo endotraqueal, oxigênio e aumento da secreção na árvore brônquica. Os problemas respiratórios mais frequentes no pós-operatório são: atelectasia (colapso dos alvéolos em porções do pulmão), pneumonia (infecção aguda que causa inflamação no tecido pulmonar) e embolia pulmonar (causada por coágulos de sangue ou êmbolos de gordura). Os sinais e sintomas de complicações pulmonares incluem: aumento da temperatura, agitação, dispneia, taquicardia, hemoptise, edema pulmonar, alteração do murmúrio vesicular, expectoração viscosa e espessa. Para que seja mantida uma via aérea permeável, os cuidados mais frequentes são: mudar o paciente de decúbito; estimular a tosse, apoiando a área da incisão cirúrgica, evitando-se o rompimento da sutura, promover alívio para desconforto e dor, administrar oxigênio, estimular a mobilização precoce no leito e a deambulação, verificar a consistência e o aspecto das secreções, hidratar o paciente, se necessário, manter o nebulizador e o umidificador com nível de água adequado. Deve-se avaliar a cânula oro/nasotraqueal ou de traqueostomia, observando se há vazamento de ar pela cânula em virtude do "cuff " insuflado inadequadamente e ainda, se há secreções em excesso na cavidade oral e fossas nasais. A avaliação de gasometria é de vital importância, a fim de verificar anormalidades nas trocas gasosas. SISTEMA CARDIOVASCULAR O cuidado básico na análise da função cardiovascular é a monitorização do paciente em relação aos sinais de choque e hemorragia. O paciente em pós-operatório deverá ser avaliado quanto aos sinais vitais, coloração da pele e mucosas, temperatura e grau de umidade, tempo de enchimento capilar (perfusão), verificação dos gases sanguíneos, ausculta e percussão cardíaca. Os objetivos principais no pós-operatório são: monitorizar o ritmo e a hemodinâmica da função cardíaca e estimular a perfusão tecidual, uma vez que, o paciente cirúrgico tem risco de apresentar problemas cardíacos ou de perfusão. Os idosos e aqueles com história de doença cardíaca e vascular periférica são os de maior risco. As complicações cardiovasculares mais comuns são: arritmias cardíacas, hipertensão, hipotensão que resultam em trombose venosa profunda, infarto agudo do miocárdio e hipoperfusão periférica. As causas de arritmias cardíacas pós-operatórias incluem: hipovolemia, dor, desequilíbrios eletrolíticos, hipoxemia e acidose. Neste caso, na UPO registra-se e se avalia o ECG, monitoriza a pressão arterial, a saturação de oxigênio, a ventilação do 45 paciente e colhe amostras sanguíneas para dosagem bioquímicas e hematológicas. Também discute com a equipe multidisciplinar (médico intensivista, fisioterapeuta e médico do paciente) as condutas a serem tomadas. A hipertensão não é uma ocorrência incomum no pós-operatório imediato. O diagnóstico de hipertensão arterial pode ser considerado num contexto de elevação da pressão arterial, comparada aos níveis pressóricos do paciente no pré-operatório e durante o intra-operatório. Mais comumente a hipertensão pós-operatória está relacionada à sobrecarga de fluidos, aumento da atividade do sistema nervoso simpático ou hipertensão preexistente. Pode aparecer como um episódio transitório, levando a consequências cardiovasculares e intracranianas significantes. Após o diagnóstico, o tratamento agressivo está indicado. As intervenções em paciente hipertenso no pós-operatório incluem: monitorização contínua e (ou) frequente da pressão arterial, administração de medicações, controle das drogas anti-hipotensoras, balanço hídrico adequado, controle da dor e desconforto. A hipotensão pós-operatória é atribuída a uma redução da précarga, à contractilidade do miocárdio e à resistência vascular sistêmica. O diagnóstico e tratamento são urgentes, porque a hipotensão prolongada pode resultar em hipoperfusão de órgãos vitais e danos isquêmicos. Pode ter como causas a ventilação inadequada, efeitos de agentes anestésicos ou medicamentos pré-operatórios, mudança rápida de posição, dor, perda de sangue ou líquido e sequestro de sangue na circulação periférica. Uma queda significativa da pressão arterial, abaixo do valor básico pré-operatório do paciente, acompanhada de aumento ou diminuição da frequência cardíaca, pode indicar hemorragia, insuficiência circulatória ou desvio de líquidos. Outros sinais que incluem: pulso fraco e filiforme, pele fria, úmida, pálida ou cianótica, aumento da agitação e apreensão associados a hipotensão caracterizam o choque. Na presença destes sintomas, deve-se administrar oxigênio ou aumentar o fluxo do mesmo, colocar o paciente em Trendelenburg, (caso esta posição não seja contraindicada pela cirurgia), ou elevar as pernas do mesmo acima do nível do coração; aumentar a velocidade das soluções intravenosas; administrar a medicação ou o volume líquido adicional, como prescrito; monitorizar e avaliar continuamente sinais e sintomas, registrando as alterações. Outra complicação pós-operatória, que pode ocorrer em relação à perfusão tecidual, é a perda excessiva de sangue. No paciente pós-operatório isto pode ser consequência de uma doença preexistente (anemia, distúrbio de coagulação, uso de aspirina), da idade avançada, de hemorragia no intra-operatório ou de complicação pósoperatória. Os sinais e sintomas incluem hipotensão postural, taquicardia, taquipneia, diminuição do débito urinário, pele fria e pegajosa e diminuição do nível de consciência. Os dados laboratoriais abrangem hemoglobina, hematócrito e provas de coagulação. De acordo com estes, deve-se administrar volumes (expansores de plasma, albumina, sangue total, papa de hemácias, crioprecipitado, se distúrbio de coagulação), minimizar a mobilização ou posicionamento do paciente para diminuir as necessidades de oxigênio, colocar o paciente em decúbito dorsal, com elevação dos membros inferiores, para aumentar a pré-carga. Poderá ocorrer, ainda, trombose venosa profunda (TVP), inflamação moderada ou severa das veias, em associação com coagulação do sangue ou tromboflebite, inflamação leve das veias periféricas, que envolve a formação de coágulos, os quais podem se destacar da parede venosa e ser levados como êmbolos até aos pulmões, coração ou cérebro. Os sintomas destas complicações incluem desidratação, circulação inadequada, resultante de hemorragia, hiperemia, dor, edema, hiperestesia das 46 extremidades e presença do sinal de Homan. Os cuidados no pós-operatório abrangem exercícios com as pernas, deambulação precoce, meias antiembólicas, hidratação adequada e baixa dose de heparina. Alguns pacientes podem apresentar infarto agudo do miocárdio (IAM). Os sinais e sintomas são: dor torácica, dispneia, taquicardia, cianose e arritmias. Os cuidados são: monitorização eletrocardiográfica; avaliação e pesquisa dos sons respiratórios, para detectar sinais de congestão pulmonar; ausculta de sons cardíacos, em busca de anomalias; administração de medicamentos, de acordo com a prescrição; verificação da presença de efeitos secundários ou tóxicos causados por medicações; administração de oxigênio; manutenção do repouso no leito ou posição Semi-Fowler, para diminuir o retorno venoso; diminuição da pré-carga e redução do trabalho cardíaco. SISTEMA NEUROLÓGICO Na avaliação neurológica, verificam-se os seguintes parâmetros: nível de consciência, resposta à estimulação verbal e/ou a dor, tamanho das pupilas e sua reação à luz, padrão de motricidade e mobilidade dos membros e da musculatura da face, efeitos remanescentes da anestesia. SISTEMA RENAL Alterações da função renal e do equilíbrio hidroeletrolítico também podem aparecer logo após a cirurgia. O procedimento cirúrgico e a anestesia estimulam a secreção de hormônio antidiurético (HAD) e da aldosterona, causando retenção hídrica. O volume urinário diminui independentemente da ingestão de líquidos. Estima-se que o paciente em pós-operatório, com função renal normal, apresente um débito urinário de aproximadamente 50 a 60 ml por hora. Os desequilíbrios pós-operatórios podem levar a uma retenção dos produtos catabólicos, a problemas neurológicos, cardíacos, de hiper/hipohidratação (administração excessiva de líquido ou função renal inadequada; reposição inadequada intra e pós- operatória, perdas excessivas por sudorese, hiperventilação, drenagem de feridas e fluidos corporais). Os principais objetivos do tratamento hidroeletrolítico no pós-operatório são: manutenção do líquido extracelular e do volume sanguíneo dentro dos parâmetros da normalidade (por meio da administração de quantidades suficientes de líquidos); prevenção da sobrecarga hídrica, evitando-se, assim, insuficiência cardíaca congestiva (ICC) ou edema pulmonar. A manutenção hidroeletrolítica após a cirurgia requer avaliação e intervenção, evitando a sobrecarga hídrica conservando-se a pressão arterial e o débito cardíaco e urinário adequados. As intervenções incluem: avaliação de infusão, ingestão e eliminação adequadas de líquidos, verificação da pressão arterial, pulsação, eletrólitos séricos e registro de ganhos e perdas. SUPORTE NUTRICIONAL E DE ELIMINAÇÃO É benéfico para o paciente retornar a dieta normal, o mais precoce possível após a cirurgia. Uma dieta normal promove o retorno precoce da função gastrintestinal uma vez que, a mucosa intestinal renova-se constantemente, sendo afetada pela disponibilidade de nutrientes e pelo fluxo sanguíneo intestinal, favorecendo, assim, a cicatrização da ferida cirúrgica; diminuindo o risco de translocação bacteriana, ou seja, 47 passagem de bactérias e toxinas a partir da luz intestinal para linfonodos mesentéricos, circulação portal e órgãos sistêmicos. Durante as primeiras 24 a 36 horas pós-cirurgia, muitos pacientes podem apresentar náuseas e vômitos. Neste caso, para os pacientes com sonda nasogástrica (SNG), verifica-se a permeabilidade e a drenagem da sonda. Caso sem sonda coloca-se o paciente em decúbito lateral para facilitar a drenagem, prevenindo bronco aspiração, se necessário, administrar antieméticos. O peristaltismo normal retorna durante as primeiras 48 a 72 horas após a cirurgia. A função intestinal pode ser prejudicada pela imobilidade, manipulação dos órgãos abdominais, anestesia e uso de medicamentos para dor. Geralmente a dieta inicial pós-operatória é liquida. Conforme o tipo de cirurgia e a tolerância do paciente, é prescrita uma dieta livre, para promover o equilíbrio de vitaminas e sais minerais e um balanço nitrogenado adequado. Aos pacientes impossibilitados de receberem dieta oral ou enteral por tempo prolongado, geralmente indica-se suporte nutricional por via parenteral. ACESSO VENOSO A maioria dos medicamentos administrados ao paciente crítico é infundida por via endovenosa, de maneira que a absorção seja previsível e o efeito se inicie rapidamente. É indispensável que os pacientes em pós-operatório tenham acesso venoso central, permitindo além da administração de drogas vasoativas, infusão de soluções e medicamentos, um controle rigoroso das pressões de enchimento cardíaco. A escolha do cateter deve ser, preferencialmente de único lúmen, por diminuir o risco de contaminação das conexões durante a manipulação; entretanto, dependendo do tipo de cirurgia, condições do paciente e necessidade de infusões, pode ser indicada a utilização de catéteres de dois ou três lúmens. O tipo de líquido infundido e a velocidade de infusão devem ser rigorosamente avaliados para garantir a permeabilidade dos catéteres. DRENOS Os tubos para drenagem de secreções (gástrica, torácica e do mediastino) serão drenados por gravidade ou, quando necessário, ligados à aspiração contínua ou intermitente. O volume e o aspecto das secreções serão registrados. Quando houver drenos exteriorizados por contra-abertura, serão adaptados a um sistema de coletor fechado. Se o volume de material coletado for excessivo, que obrigue a troca repetida, pode-se adaptar uma extensão da bolsa a um frasco coletor. FERIDA CIRÚRGICA A manutenção de uma assepsia durante a cirurgia e no período pós-operatório é o fator mais importante na promoção da cicatrização. Os fatores que afetam a cicatrização da ferida são a localização da incisão, tipo de fechamento cirúrgico, estado nutricional, presença de doença, infecção, drenos e curativos. O curativo pós-operatório objetiva basicamente, evitar a infecção da ferida. Algumas horas após seu fechamento primário, o espaço é preenchido com exsudato inflamatório e por volta de 48 horas, as células epiteliais marginais migram para a superfície da ferida, isolando as estruturas profundas do meio externo. Ao término de 72 horas, o exame histológico mostra que a cobertura epitelial está intacta. Quando a 48 ferida cirúrgica é fechada primariamente, é recomendável que se retire o curativo da incisão, nas primeiras 24 a 48 horas, pois nesse tempo ocorre a formação de um selo fibrinoso que protege a ferida contra a penetração de bactérias. As medidas destinadas a promover a cicatrização da ferida cirúrgica incluem: avaliar, medir e anotar a área da ferida, para comparações posteriores de evolução da mesma e alterações da pele. POSICIONAMENTO NO LEITO O paciente deve ser avaliado quanto ao posicionamento que melhor favorecer a ventilação. As posições variam de acordo com a natureza da cirurgia, objetivando o conforto e a redução da dor. DOR A resposta do paciente a dor é um processo subjetivo. A mensuração da dor é avaliada através de uma escala numérica de intensidade de dor, com escore de 0 a 10. O paciente pode manter um controle adequado da dor evidenciado por resposta verbal num escore menor que 5. Indaga-se ao paciente a respeito da localização, intensidade e qualidade da dor, iniciando as medidas que visam conforto, tais como, mudança de posição no leito e massagens. A necessidade de controle da dor, através do uso de analgésicos narcóticos, é analisada pelo médico intensivista, e esta indicada quando escore maior ou igual a 5, nesta escala. É muito importante que a dor seja tratada, porque o paciente precisa responder às instruções quanto a mobilização no leito, tosse, respiração profunda e, posteriormente, deambulação. SEGURANÇA E CONFORTO Algumas medidas de segurança serão adotadas para evitar a retirada inadvertida de cateteres, sondas, queda do paciente: manutenção de grades de proteção até que paciente acorde, sistema de campainha ao alcance do paciente, apoio e acolchoamento das áreas de pressão, evitando danos aos nervos e distensão muscular. Considerando-se os efeitos indesejáveis da imobilização, deverá se ponderar seus riscos e benefícios. Tem indicação para recuperação em UPO, os pacientes que apresentarem instabilidade hemodinâmica na RPA, transplantes e as grandes cirurgias programadas, entre elas: torácica, cardíaca, urológica, gastrointestinais, vascular, cabeça e pescoço. Para as cirurgias neurológicas recomendam-se unidades específicas, uma vez que a recuperação do paciente neurológico é mais demorada e, quanto maior a rotatividade de pacientes, maior é a otimização das vagas e agendamento das cirurgias. Referências bibliográficas: 1-CLÍNICA Cirúrgica. USP, vol I. São Paulo: Manole, 2008. 2-TOWNSEND JR et al. Sabiston – Textbook of surgery – The biological basis of modern surgical practice. 17. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. 3-Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 54 (2): 240-258, abr.-jun. 2010 - Avaliação préoperatória e cuidados em cirurgia eletiva: recomendações baseadas em evidências. 49 Capítulo 5 Complicações em Cirurgia Demétrio Lubambo de Amorim George Felipe Bezerra Darce Íris Costa Introdução As complicações cirúrgicas continuam a ser um aspecto frustrante e difícil do tratamento cirúrgico dos pacientes. Independentemente da formação técnica e teórica do cirurgião, todo ele terá de lidar com as complicações que ocorrem após os procedimentos operatórios. Não existe cirurgia sem risco, o risco de uma operação cirúrgica é a soma do risco cirúrgico mais o risco anestésico que levam em consideração o porte e o tipo de cirurgia, as condições de saúde do paciente e os recursos do local ou serviço no qual se pretende operar o paciente, Em um primeiro momento, no pré-operatório, muito pode ser feito para evitar complicações através da triagem cuidadosa, atentando para parâmetros tais como o estado nutricional do paciente e função cardíaca, pulmonar e renal, e ao localizar fatores de risco para complicação adotar medidas para corrigir, controlar ou estabilizar estes. Além disso, a avaliação pré-operatória permite redimensionar a relação custo/benefício do procedimento, orientando os envolvidos para uma conduta mais adequada. Os fatores de risco determinantes envolvem as condições físicas e psíquicas do paciente, a doença primária, a equipe cirúrgica, a anestesia e ao centro cirúrgico. Quanto ao paciente, percebe-se idade, sexo, peso, estado nutricional e funções cardíaca, pulmonar, renal, endócrina, coagulação e imunológica. Quanto à idade, os extremos se mostram desfavoráveis. No recém-nascido, pela sua labilidade na regulação hidroeletrolítica e térmica, e o idoso que por vezes apresenta déficit de função de órgãos, sendo nessa faixa etária as complicações cardíacas as de maior incidência (insuficiência cardíaca e infarto do miocárdio). Quanto ao sexo e ao peso, o que se percebe é que o homem mostra-se, em geral, mais apto para procedimento cirúrgico, e pacientes com IMC > 30kg/m2 apresentam-se com maior risco de morbidade, entre elas, infecção de ferida operatória, atelectasia pulmonar, insuficiência respiratória, fenômenos tromboembólicos e deiscência da incisão. A partir disso, recomenda-se a perda ponderal pré-operatória. 50 Os maiores fatores de risco de mortalidade cardíaca peri e transoperatória são: idade acima de 70 anos, angina instável, infarto há menos de 6 meses, insuficiência cardíaca mal controlada, diabetes (sobretudo em uso de insulina), estenose aórtica, entre outros. Apesar de indicados exames antes da cirurgia, deve-se atentar para sua relação custo/benefício, evitando exposição e gastos excessivos. Na tabela abaixo se enumeram a relação de exames requeridos para pacientes sem comorbidades e procedimentos sem risco de sangramento. Já no caso de pacientes que apresentem comorbidades, recomendam-se exames que possam evidenciar alterações correlacionadas a estas, como exemplo no caso de pacientes que apresentem episódios de perda sanguínea, indica-se Hb/Ht e tipagem, assim como em neonatos. Exames pré-operatórios recomendados para pacientes sem comorbidades e procedimentos sem risco de sangramento Idade Masculino Feminino <40 Nenhum Ht, Teste de gravidez 40-49 ECG, Ht Ht 50-64 ECG, Ht Hb/Ht e ECG >65 Hb/Ht ECG Ureia e creatinina Glicemia Rx de tórax Hb/Ht ECG Ureia e creatinina Glicemia Rx de torax Quanto ao procedimento cirúrgico, deve-se manusear e dissecar os tecidos minuciosamente. Em todos os casos, deve-se evitar a tentação de acelerar o procedimento, cortar custos ou aceitar resultados medíocres. Da mesma forma, o uso criterioso de antibióticos e outros medicamentos no pré-operatório pode influenciar o resultado. Para um paciente gravemente doente, adequar a condição clínica deste é necessário para otimizar o pós-operatório do paciente. Uma vez que a operação seja concluída, a vigilância é obrigatória. Quando minuciosa dá ao cirurgião a oportunidade de observar complicações pós-operatórias em um estágio inicial, quando eles podem ser mais eficazmente enfrentados. Durante este processo, o cirurgião irá verificar com cuidado todas as feridas, avaliar o consumo e excreção, verificar perfis de temperatura, verificar o nível de atividade do paciente, avaliar o estado nutricional e verificar os níveis de dor. A seguir seguem as principais complicações envolvendo o sítio cirúrgico. 51 Seroma: O seroma é uma coleção de gordura liquefeita, soro e fluido linfático no âmbito da incisão. O fluido geralmente é claro, amarelo e pouco viscoso e é encontrado na camada subcutânea da pele. Seromas representam uma simples complicação após um procedimento cirúrgico. São particularmente propensos a ocorrer quando grandes retalhos cutâneos são desenvolvidos no curso da operação, como é visto frequentemente com a mastectomia, a dissecção axilar, o esvaziamento da virilha, e grandes hérnias. O seroma geralmente manifesta-se localmente e bem circunscrito à pressão, inchaço ou desconforto, e drenagem de líquido claro ocasional através da ferida cirúrgica nos primeiros dias. A prevenção da formação de seroma pode ser realizada pela colocação de drenos de sucção por baixo das camadas da pele ou do espaço morto potencial criado pelas linfadenectomias. A prematura retirada dos drenos frequentemente resulta em seromas grandes que exigem a aspiração em condições estéreis, seguida da colocação de um curativo compressivo. A recidiva do seroma depois de pelo menos duas aspirações, deve ser drenada através da abertura da incisão e deve ser feito o curativo visando a cicatrização por segunda intenção. Na presença de telas sintéticas, a melhor opção é a drenagem aberta na sala de cirurgia com a incisão fechada para evitar a exposição e infecção da tela. Drenos nessas situações são geralmente colocados. Os seromas infectados também devem ser tratados com drenagem aberta. A presença de tela sintética, nestes casos, irá impedir a melhora da ferida. Hematoma: Um hematoma é uma coleção anormal de sangue, geralmente na camada subcutânea de uma incisão recente ou em um espaço potencial na cavidade abdominal, após a exérese de um órgão, por exemplo. Os hematomas são mais preocupantes que seromas, devido ao potencial de infecção secundária. A formação do hematoma está relacionada com a hemostasia inadequada, o esgotamento dos fatores de coagulação, e a presença de coagulopatia. Uma série de processos da doença pode contribuir para a coagulopatia, incluindo doenças reumáticas, doença hepática, insuficiência renal, sepse, deficiência do fator de coagulação, e medicamentos. Os medicamentos mais comumente associados com coagulopatia são antiagregantes plaquetários, como a aspirina, bissulfato de clopidogrel (Plavix), o cloridrato de ticlopidina (Ticlid), eptifibatide (INTEGRILIN) e abciximab (ReoPro) e anticoagulantes, como a heparina ultrafractionated, de baixo peso molecular (HBPM: enoxaparina [Lovenox], dalteparina sódica [Fragmin], tinzaparina [Innohep]), e warfarina sódica. As manifestações clínicas de um hematoma variam de acordo com seu tamanho e localização. Um hematoma pode aparecer como uma expansão, edema ou dor na área de uma incisão cirúrgica, ou ambos. No pescoço um grande hematoma pode causar 52 comprometimento de vias aéreas. No retroperitônio pode causar íleo paralítico, anemia e sangramento contínuo por causa de coagulopatia de consumo local, e na extremidade da cavidade abdominal e pode resultar em síndrome de compartimento. Ao exame físico, um hematoma aparece como uma massa localizada, mole, com coloração arroxeada da pele sobrejacente. O edema varia de pequeno a grande porte e podem ser sensíveis à palpação ou associada à drenagem de fluido que sai vermelho escuro da ferida ainda recente. A formação do hematoma é evitada no pré-operatório, corrigindo todas as anomalias de coagulação e interromper os medicamentos que alteram a coagulação. Medicamentos antiplaquetários e anticoagulantes são indicados para pacientes submetidos a cirurgia para uma variedade de razões: após o implante de um stent coronário, para o tratamento da doença arterial coronariana (DAC) e acidente vascular cerebral, após o implante de uma válvula mitral mecânica, e na presença de fibrilação atrial, tromboembolismo venoso, e estados de hipercoagulabilidade. Estes medicamentos devem ser interrompidos antes da cirurgia. É preciso ponderar o risco de sangramento induzido devido à medicação coagulopata não corrigida, e o risco de trombose após a descontinuação da terapia. Em pacientes com alto risco de trombose que estão agendados para a realização de um procedimento cirúrgico eletivo, varfarina deve ser descontinuado três dias antes da cirurgia, visando que o INR permaneça inferior a 1,5. Em seguida, eles recebem heparina por via intravenosa ou uma dose equivalente por via subcutânea. Aquelas que receberam heparina standard pode ter a medicação suspensa 2 a 3 horas antes da cirurgia e aqueles que receberam Heparina de baixo peso molecular, 12 a 15 horas antes da cirurgia. Anticoagulantes são, então, reiniciados 24 a 48 horas após a cirurgia. Os pacientes que tomam o clopidogrel deve ter a medicação suspensa 5-6 dias antes da cirurgia, caso contrário, a cirurgia deve ser adiada. Durante a cirurgia, a hemostasia adequada deve ser alcançada com ligadura, eletrocautério, cola de fibrina, ou trombina bovina tópica antes do encerramento. Sistemas de drenagem fechado de aspiração são colocados em grandes espaços potenciais e removidos no pós-operatório quando a saída não é sangrenta e escassa. A avaliação de um paciente com um hematoma, especialmente uma que é grande e em expansão, inclui a avaliação dos fatores de risco preexistentes e parâmetros de coagulação (tempo de protrombina, tempo parcial de tromboplastina, INR, contagem de plaquetas). Um pequeno hematoma não exige qualquer intervenção. A maioria dos hematomas retroperitoneais pode ser conduzido de forma expectante, após a correção da coagulopatia associada. Um grande hematoma ou expansão no pescoço é gerido de forma semelhante e melhor evacuado na sala de cirurgia com urgência depois de assegurar a via aérea se existe algum comprometimento respiratório. Da mesma forma, hematomas detectados logo após a cirurgia, especialmente aqueles em desenvolvimento no âmbito retalhos cutâneos, são os melhores evacuados na sala de cirurgia. 53 Deiscência da ferida operatória: Deiscência da ferida operatória refere-se à separação das camadas de pós-operatório músculo abdominal. Está entre as mais temidas complicações enfrentadas pelos cirurgiões e de maior preocupação por causa do risco de evisceração, a necessidade de intervenção imediata, e a possibilidade de repetir a deiscência, infecção da ferida operatória, e formação de hérnia incisional. Deiscência da ferida operatória ocorre em aproximadamente 1% a 3% dos pacientes que se submetem a uma operação abdominal. Deiscência na maioria das vezes desenvolvese 7-10 dias após a cirurgia, mas pode ocorrer a qualquer momento após a cirurgia a partir do POI (pós-operatório imediato). Uma infinidade de fatores pode contribuir para deiscência. A deiscência da ferida operatória é muitas vezes relacionada a erros técnicos na colocação de suturas muito perto da borda, muito longe, ou sob muita tensão. Uma infecção profunda da ferida é uma das causas mais comuns de separação ferida localizada. O aumento da pressão intra-abdominal e fatores que afetam adversamente a cicatrização de feridas são frequentemente citados como contribuição para a complicação. Em indivíduos saudáveis, a taxa de falha da ferida é semelhante se o fechamento é realizado com uma técnica contínua, ou interrompida. Em pacientes de alto risco, porém, o fechamento contínuo é preocupante, pois a ruptura da sutura em um só lugar enfraquece toda a sutura. Condições associadas à elevação da pressão abdominal levam ao aumento da tensão na sutura e consequente enfraquecimento e esgarçamento da mesma. Idade avançada parece agir como um fator de risco independente, apesar de sua análise ser dificultada pela coexistência de doenças crônicas nos pacientes idosos, tais como DPOC, renal e diabetes mellitus descompensado (que altera o processo normal de cicatrização). Outro fator de risco importante é a desnutrição. A perda calórico-protéica interfere com o processo de cicatrização levando as mais diversas consequências, como a deiscência aponeurótica ou de sutura gastrintestinal. É avaliada clinicamente através de estudo antropométrico e dosagem de albumina, uma forma simples e rápida de avaliar o pool proteico. Valores exatos variam de trabalho para trabalho, porém dosagens abaixo de 3g/dl são consideradas de risco. A ausência de resposta a teste cutâneos (PPD, estreptoquinase-dornase, candidina) reflete déficit na imunidade celular, uma das características laboratoriais da desnutrição. A deficiência de vitamina C também parece ser outro fator envolvido, uma vez que ela participa na síntese do colágeno, que é fundamental na cicatrização. Deficiência de oligoelementos, principalmente zinco, foi a causa identificada como responsável pelo aumento de deiscência nos pacientes em nutrição parenteral em que não se fazia reposição de oligoelementos e naqueles com fístulas gastrintestinais, onde ocorre perda importante de zinco. 54 O uso de drogas que inferem no processo de cicatrização, notadamente os glicocorticóides e as medicações antineoplásicas, também aumentam o risco de deiscência. Finalmente, fatores locais da ferida operatória, como formação de hematoma e infecção da ferida operatória são importantes fatores de risco. O diagnóstico é clínico, caracterizado por saída de secreção serosanguinolenta, dor discreta e abaulamento da ferida operatória. Observa-se imediatamente a protrusão de alças intestinais através da sutura cutânea (evisceração) ou, após a retirada das suturas cutâneas para a drenagem da ferida operatória, pode-se identificar as alças (evisceração contida). O tratamento inicialmente deve ser a contenção da ferida operatória, utilizando-se curativo com compressas estéreis e enfaixamento do abdome com ataduras. O tratamento cirúrgico é realizado o mais breve possível através de re-sutura com fios fortes, incluindo todas as camadas da parede abdominal (peritônio, músculo e aponeurose - em massa), e utilização de pontos de contenção. Este último envolve suturas com fio grosso inabsorvível interessando todas as camadas, inclusive a pele; esta deve ser resguardada com a colocação de proteção na parte externa do fio (pontos captonados). Infecções da ferida operatória: As infecções da ferida operatória, também denominadas como infecções do sítio cirúrgico (ISC) pela documentação do Centers for Disease Control and Prevention (CDC - Atlanta, EUA), são as causas mais comuns de infecção no paciente cirúrgico (entre 30% e 40%) e a segunda causa mais frequente de infecção nosocomial, sendo superada apenas pelas infecções urinárias. É definida como uma infecção que ocorre na incisão cirúrgica ou nos tecidos manipulados durante a operação, até 30 dias após a cirurgia. Pode ser dividida em três categorias conforme sua localização anatômica: Incisional superficial: acomete somente a pele e/ou o tecido celular subcutâneo, ou seja, encontra-se limitada pela fáscia muscular. Era anteriormente denominada de infecção de ferida cirúrgica. Incisional profunda: envolve as camadas mais profundas, como a fáscia e os músculos, independente do acometimento do tecido celular subcutâneo. São poupados os órgãos ou as cavidades acometidas. De órgão ou cavidades: acomete qualquer região ou órgão manipulado durante a operação, como por exemplo o empiema pleural (após toracotomia), peritonite (após laparotomia), meningites (após craniotomias). É necessária a interação de diversos fatores para o desenvolvimento da infecção no doente cirúrgico. Entre eles podemos ressaltar fatores clínicos relacionados ao paciente, 55 o grau de contaminação do sítio cirúrgico, a técnica cirúrgica, assim como o preparo do paciente, da equipe cirúrgica e da sala de operação. Alguns fatores relacionados à técnica cirúrgica estão entre os mais importantes. A experiência e habilidade do cirurgião são fundamentais, já que implicam em um tempo cirúrgico menor (a incidência de infecção praticamente dobra a cada hora de cirurgia). A manipulação delicada dos tecidos, a hemostasia rigorosa, a remoção de tecidos necróticos e a redução do espaço morto e da contaminação do sítio cirúrgico são condições essenciais para evitarmos infecção. O uso de hemoderivados aumenta um pouco o risco de infecção, talvez pela diminuição da imunidade celular. A utilização de drenos ainda não está claramente definida como fator de risco. De qualquer forma, este procedimento é comum e necessário em diversas cirurgias; a preferência é pelos sistemas fechados. Vários fatores de risco clínicos já foram descritos, com maior ou menor impacto para o risco de infecção. Dentre os mais importantes podemos citar a presença de comorbidades, que pode ser graduada pela classificação de gravidade do paciente da American Society of Anesthesiologists (ASA). O risco de infecção está aumentado quando o ASA é igual ou superior a 3. Idade avançada (maiores de 50 anos) também é fator independente, provavelmente por diminuição do status imunológico destes indivíduos. O tempo de internação hospitalar 56 também é fator importante, podendo mais que dobrar o índice de infecção após duas semanas de internação. Segundo alguns autores, a presença de infecção em sítios distantes (infecções urinárias ou pulmonares) pode aumentar em até 2,7 vezes o riso de ISC. A desnutrição, a hipoalbuminemia, a perda ponderal recente, as malignidades e a terapia imunossupressora são fatores ou com pouco impacto ou ainda com risco não definido para o desenvolvimento de ISC. O preparo do paciente envolve, além de sua compensação clínica, alguns cuidados, que visam a diminuição de sua flora endógena. O uso de banhos com antissépticos ainda é controverso, porém defendido por vários autores. Uso judicioso da tricotomia, devendo realizá-la imediatamente antes da cirurgia, preferencialmente sem o uso de lâminas. O preparo da pele do campo cirúrgico é passo importante, devendo ser realizado em dois tempos: o primeiro com solução degermante (sabão), sendo por isso conhecida como degermação, e a segunda com solução alcoólica da mesma substância utilizada na degermação. As substâncias mais utilizadas são as derivadas do iodo como a polivinilpirrolidona-iodo (PVP-I) e a clorexidina. Ambas parecem ser igualmente eficazes no preparo da pele. O preparo da equipe cirúrgica inclui a escovação, por 5 minutos, das mãos e antebraços com solução degermante e a paramentação adequada, com utilização de avental e luvas estéreis, gorro e máscara que impedem não só a contaminação do campo cirúrgico pela esfoliação da pele dos membros, como também a protegem de contaminação com sangue ou secreções do paciente. O grau de contaminação afeta diretamente o risco de ISC. Tanto é assim que foi desenvolvida em 1964 uma classificação das feridas que tem importância prognóstica. As taxas de infecção pós-operatória detectadas em um trabalho clássico foram de 1,5% na Classe I, 7,7% na Classe II, 15,2% na Classe III, e impressionantes 40% nas feridas classe IV. Por último, algumas considerações sobre fatores relacionados ao ambiente cirúrgico, que apresentam um papel menor no desenvolvimento da ISC, devem ser feitas. Neste grupo podemos citar a limpeza e circulação adequada de ar na sala de operação. As paredes e assoalho do centro cirúrgico não são importantes fatores de risco, não necessitando assim de cuidados especiais. Estes cuidados devem ser utilizados nos materiais que entram em contato direto com o paciente (mesa cirúrgica e material cirúrgico). Apesar de o ar ser o veículo de contaminação dentro da sala de operação, cuidados especiais quanto à circulação de ar na sala, como o uso de ventilação com pressão positiva e fluxo laminar, parece exercer um pequeno efeito protetor, sendo mais relevante nas cirurgias em que há implantação de próteses, como as ortopédicas. 57 A etiologia das ISC mais comumente é de origem bacteriana e da flora endógena do paciente, ou, mais raramente de fontes exógenas, sendo a mais comum a proveniente da equipe cirúrgica. O agente etiológico provável depende do tipo de cirurgia. Nas cirurgias limpas, os microorganismos envolvidos são geralmente bactérias que colonizam a pele, sendo a mais prevalente o Staphylococcus aureus; em segundo lugar estão às bactérias Gram-negativas, que respondem por até 40% das ISC. Quando a cirurgia é limpa-contaminada ou contaminada, o agente mais comum é oriundo da flora normalmente presente na víscera operada. No caso de cirurgias sobre o trato gastrintestinal, trato respiratório, urinário e ginecológico, as infecções normalmente são polimicrobianas. Os estreptococos são incomuns, mas geralmente são responsáveis por quadros clínicos dramáticos, como a fasciite necrosante. Como vimos antes, esta infecção apresenta período de incubação curto, inferior a três dias. O quadro clínico da infecção de sítio cirúrgico é característico. Os pacientes apresentam febre entre o 5° e 6° dia de pós-operatório, acompanhada do surgimento dos sinais clássicos de inflamação (dor, calor, edema e rubor) na ferida operatória, que muitas vezes apresenta drenagem de secreção purulenta. Pode ainda ser observada crepitação, nos casos de infecção por germes produtores de gás, como os clostrídios, e algumas cepas de estreptococos. A abordagem terapêutica deve ser imediata, com abertura da ferida, coleta de material para cultura e bacterioscopia e curativo diário. Nos casos de fasciite necrosante é necessária o desbridamento da ferida na sala de operação para a erradicação do foco infeccioso. Caso a infecção seja acompanhada de sinais inflamatórios, ou seja, evidenciada celulite importante em tomo da ferida operatória, há indicação de antibioticoterapia sistêmica terapêutica. A prevenção das ISC se faz através da atenção a todas as medidas profiláticas já mencionadas acima e a utilização de antibioticoterapia profilática de forma criteriosa. O uso de antibióticos profiláticos visa diminuir a concentração bacteriana no campo operatório apenas durante o procedimento cirúrgico, devendo ser iniciado antes da cirurgia, geralmente durante a indução anestésica, e continuado por, no máximo, 24 horas. Mas nem todas as cirurgias têm indicação de profilaxia. As cirurgias limpas, como apresentam nível de contaminação mínimo, não necessitam de cobertura antibiótica, exceção feita àquelas em que há colocação de próteses, como em cirurgias ortopédicas ou em hemiorrafias com utilização de tela. Nas cirurgias sujas ou infectadas geralmente há indicação de antibioticoterapia terapêutica e não profilática. Sendo assim, é nas cirurgias limpas-contaminadas que a profilaxia está claramente indicada. O antibiótico de escolha geralmente recai sobre uma cefalosporina de 1ª geração, como a cefazolina, uma vez que apresenta espectro com cobertura de gram-positivos e enterobactérias, as bactérias mais comumente responsáveis pelas ISC. Nos casos de alergia à cefalosporinas podem ser utilizadas vancomicina ou clindamicina. Nas 58 cirurgias de cólon geralmente é necessária a cobertura para anaeróbios, sendo então adicionado ao esquema profilático um anaerobicida, como o metronidazol, ou utilizada a cefoxitina. Fora as complicações do sítio cirúrgico, percebemos outras também comuns, relacionadas a órgãos específicos. Aparelho respiratório: As complicações pulmonares são as mais comumente observadas no período pósoperatório. Pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica constituem grupo de especial vulnerabilidade devido ao fato de frequentemente apresentarem aumento de volume da secreção brônquica, diminuição da atividade ciliar do epitélio e tendência a acúmulo de secreções. A atelectasia é a complicação pulmonar mais comum no pós-operatório. Surge habitualmente nas primeiras 48 horas, sua ocorrência deve ser suspeitada pela verificação de febre, taquipnéia e taquicardia neste período. A pneumonia é complicação mais frequente das atelectasias persistentes ou da aspiração de secreções. O diagnóstico clínico de pneumonia é sugerido pelo encontro de calafrios, febre elevada, dor pleurítica e tosse com expectoração. Os dados do exame físico frequentemente não se correlacionam bem com os achados radiológicos na fase inicial do processo. Sendo assim, suspeitando-se, da ocorrência da complicação, deve-se submeter o paciente a estudo radiológico do tórax. A embolia pulmonar é a complicação mais frequente no pós-operatório de indivíduos imobilizados por longo período de tempo, nos idosos, nas cirurgias pélvicas e do colo do fêmur, nos cardiopatas, nos obesos, em pacientes com história de acidentes tromboembólicos e naqueles apresentando insuficiência venosa periférica ou em uso de anovulatórios. O principal fator na fisiopatogenia é o estado de hipercoagulabilidade sanguínea no pós-operatório. Na maioria das vezes a embolia pulmonar ocorre sem prévia manifestação de sinais de trombose venosa. Apenas cerca de 10% dos casos de embolização venosa produzem infarto pulmonar com manifestações clínicas características. Aparelho Cardiovascular: A causa mais comum de deterioração cardiocirculatória em pacientes cardiopatas submetidos a um procedimento cirúrgico de vulto é a hipovolemia. Deve-se avaliar com especial atenção as perdas hidroeletrolíticas e sanguíneas ocorridas durante o ato cirúrgico, assim como as necessidades e a qualidade da reposição pós-operatória. Em pacientes submetidos a cirurgias de grande porte a reincidência de infarto é tanto mais elevada quanto mais recente tenha sido o evento antecedente. Aparelho renal: 59 Dentre as complicações observadas destaca-se a retenção urinária e a insuficiência renal. Retenção urinária: Incapacidade de evacuar uma bexiga cheia é referida como retenção urinária. A retenção urinária é uma complicação comum no pós-operatório, visto com frequência especialmente elevada em pacientes submetidos a operações perianais e reparo da hérnia. A retenção urinária também pode ocorrer após operações para câncer de reto baixo quando uma lesão no sistema nervoso afeta a função da bexiga. Mais comumente, no entanto, a complicação é uma anomalia reversível resultante de descoordenação dos músculos do trígono vesical e, como resultado de aumento da dor e desconforto pósoperatório. A retenção urinária também é ocasionalmente encontrada após procedimentos espinhal e pode ocorrer após vigorosa administração endovenosa de fluidos. A hipertrofia prostática benigna e, raramente, uma estenose uretral também pode ser a causa de retenção urinária. Os princípios gerais de gestão para a retenção urinária aguda incluem a colocação de um cateter de Foley, especialmente em pacientes idosos e que foram submetidos à ressecção anterior, porque eles podem ser incapazes de sentir a plenitude associados à retenção. Em pacientes de alto risco, cistoscopia e cistometria pode ser necessária. Insuficiência Renal: A insuficiência renal aguda (IRA) é caracterizada por uma redução súbita do débito renal, que resulta na acumulação sistêmica de resíduos nitrogenados. Esta insuficiência renal adquirida em hospital é mais prevalente após grandes procedimentos vasculares (aneurisma roto), transplante renal, os procedimentos de circulação extracorpórea, os principais casos abdominal associada com choque séptico, e as operações urológicas importantes. Também pode ocorrer nos casos em que há perda de sangue maior, com reações transfusionais, em diabéticos graves submetidos a operações, no trauma com risco de vida, com ferimentos graves, queimaduras, e na insuficiência de múltiplos órgãos do sistema. A insuficiência renal adquirida no hospital afeta adversamente os resultados cirúrgicos e está associada com mortalidade significativa, especialmente quando a diálise é necessária. Dois tipos de IRA foram identificados: oligúrica e não oligúrica. Insuficiência renal oligúrica refere-se a urina em que os volumes de menos de 480 ml são vistos em um dia. Insuficiência renal não oligúrica envolve saída superior a 2 L / dia e está associado a grandes quantidades de urina isosthenuric que é limpa e sem toxinas do sangue. Os fatores que levam à IRA podem ser de entrada, do parênquima renal, ou saída, historicamente conhecido como pré-renal, renal ou pós-renal, respectivamente. Monitorização da função renal, às vezes incluindo a depuração da creatinina, em todos os pacientes cirúrgicos é uma boa prática clínica. A intervenção precoce em casos de obstrução pós-renal e síndrome do compartimento abdominal pode prevenir o desenvolvimento de lesão renal. 60 Problemas Diversos: São constituídos por sintomas ou sinais isolados que identificam ou representam o início de uma síndrome clínica pós-operatória. Dor: A ferida cirúrgica não é espontaneamente dolorosa após 48 horas do ato cirúrgico. Quando o paciente se queixa de dor é judicioso acreditar nele. A dor é subjetiva e o seu limiar é imensurável. É importante um cuidadoso exame, antes de medicá-lo com analgésicos. Cefaléia: É a mais frequente complicação de uma raquianestesia. Excluídos outros fatores etiológicos, deve ser feita generosa reposição volêmica e endovenosa. Pirose: Secundária ao refluxo gastroesofágico ácido ou alcalino, muito relacionada à presença de cateter nasogástrico nas primeiras horas de pósoperatório. Soluço: Desagradável complicação cirúrgica determinada por irritação frênica, pequena quantidade de CO2 ou acidose respiratória. Dispnéia: De imediato pensar na possibilidade de pneumopatia aguda ou no inicio de uma complicação cardíaca. Tosse: Exacerba a dor após laparotomia, pode provocar evisceração e evidencia uma complicação do sistema respiratório. Vômito: Habitual nas primeiras horas de pós-operatório. A realimentação oral precoce é uma importante causa de vômito. Antes da administração de um antiemético, pensar na possibilidade de obstrução mecânica do tubo digestivo. Oligúria: O débito urinário na faixa de 30 a 50 ml por hora, com densidade satisfatória, constitui importante evidência de funções cardiovascular e renal satisfatórias. Referências bibliográficas: 1-CLÍNICA Cirúrgica. USP, vol I. São Paulo: Manole, 2008. 2-TOWNSEND JR et al. Sabiston – Textbook of surgery – The biological basis of modern surgical practice. 17. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. 3-Blackbook Cirurgia 1 a ed. 2008. Petroianu A, Miranda ME, Oliveira RG 61 Capítulo 6 Hemostasia, Sangramento cirúrgico, Uso de Hemoderivados e Choque hipovolêmico Heloise Caroline de Souza Lima Luiza Pessoa Maria Eduarda Pontes Vladmir Goldstein de Paula Lopes A hemostasia pode ser definida como uma parada fisiológica do sangramento. É importante saber que o sangue se mantém fluido por sua capacidade de equilibrar os fatores pró-coagulantes e anticoagulantes. Com isso, quando ocorre sangramento, vai ser desencadeado um complexo processo da cascata de coagulação para que se mantenha a hemostasia adequada. Para rapidamente relembrar o que é a cascata de coagulação, observe a figura abaixo: A partir de sua análise, é possível notar que a cascata de coagulação é composta de uma via extrínseca e uma intrínseca. Na via intrínseca, a interação dos fatores que estão dentro da circulação vai iniciar o processo coagulativo, e posteriormente a interação do fator VII com o fator tissular vai iniciar a cascata extrínseca. É possível observar que o processo coagulativo depende da interação de todos esses fatores de forma harmônica, para que o mesmo se dê com sucesso. O fim dessa cascata culminará na conhecida conversão do fibrinogênio em fibrina pela ação da trombina, e com isso se formará um coágulo estável. 62 Avaliação da coagulação e hemostasia do paciente cirúrgico: Inicialmente, uma história bem colhida e um exame físico bem feito do paciente são de suma importância para avaliação do risco de sangramento cirúrgico. Em cirurgias pequenas ou procedimentos que não envolvam grande dissecção, eles por si só já são os indicadores de risco do paciente. Sendo assim, em um paciente com uma história clínica e um exame físico que não seja propício a sangramentos, normalmente não é necessária a realização de testes extras. Entretanto, a avaliação completa e segura para a garantia da hemostasia em uma grande cirurgia ou para algum paciente que apresente problemas na historia clinica e no exame físico, engloba também a realização de testes de avaliação para este paciente. Os testes de avaliação mais comumente usados são: Tempo de protrombina (TP) – mede a função do fator VII, da via extrínseca e dos fatores da via comum; Tempo de tromboplastina parcial ativado (TTPa) – detecta os baixos níveis dos fatores da via intrínseca; Hemograma completo com as contagens plaquetárias – Vai elucidar a quantidade plaquetária; Tempo de sangramento – É um teste mais grosseiro e menos utilizado que os anteriores, que vai avaliar a função plaquetária; Tromboelastografia (TEG) – Não é muito utilizada, mas é muito importante no paciente que realizará transplante hepático e cardiovascular. Ela vai oferecer uma representação gráfica da coagulabilidade. Fornece a medida para a função plaquetária e fibrinólise, e um índice simples da coagulação total. Avaliação do sangramento intra-operatório ou pós-operatório excessivo: A ocorrência de um sangramento maciço durante ou logo após um procedimento cirúrgico pode ser devido a diversos fatores, como: hemostasia local ineficaz, complicações de transfusão de sangue, defeito hemostático previamente não detectado, coagulopatia consuntiva e/ou fibrinolise. O sangramento excessivo no campo operatório, não associado a sangramento em outros locais, geralmente sugere mais uma hemostasia mecânica inadequada que um defeito no processo biológico. A hemostasia local tem por objetivo impedir o fluxo de sangue dos vasos sanguineos seccionados. As técnicas hemostáticas podem ser mecânicas, térmicas ou químicas. Componentes sanguíneos e seus papéis na transfusão sanguínea A transfusão sanguínea sempre deve ser feita visando o maior benefício possível ao paciente. É sempre bom lembrar que quando uma transfusão não é bem indicada, ela 63 está contra-indicada. Dito isto, também é importante salientar que cada indivíduo tem sua condição particular, e com isso devem ser adotadas medidas que buscam normalizar os parâmetros sanguíneos que estão em defasagem no paciente, tratando-o com determinado componente sanguíneo. Os principais componentes sanguíneos são: Sangue total – Muito pouco utilizado, por impedir a produção de componentes e ser altamente ineficiente. Hemácias – Esses concentrados vão propiciar para o indivíduo uma capacidade carreadora de oxigênio e mantém a liberação do mesmo, oferecendo também volume intravascular e função cardíaca adequada. Observe atentamente o seguinte quadro, que mostra as linhas de condutas sugeridas para a transfusão de hemácias: A hemoglobina < 8g/dl ou perda aguda de sangue em um paciente saudável, com sinais e sintomas de diminuição de oferta de oxigênio, com dois ou mais dos seguintes: Perda aguda antecipada ou estimada de >15% do volume de sangue total (750ml em um homem de 70 kg) Pressão sanguínea diastólica < 60mmHg Pressão sanguínea sistólica com queda > 30 mmHg da linha basal Taquicardia( >100 bpm) Oligúria/anúria Alterações do estado clinico mental Hemoglobina < 10g/dl em pacientes com risco conhecido e aumentado de doença arterial coronariana ou insuficiência pulmonar que tenha mantido ou se espera que mantenha significante perda sanguínea. Anemia sintomática com qualquer dos seguintes: Taquicardia (> 100bpm) Alterações do estado clinico mental Evidencia de isquemia miocárdica incluindo angina Taquipneia ou cansaço aos esforços leves Hipotensão ortostática Indicações questionáveis/sem fundamento: 64 Para aumentar a cicatrização de feridas Para melhorar a sensação de bem-estar do paciente Hemoglobina entre >7g/dl e <10g/dl (ou hematócrito entre >21% e <30%) em pacientes assintomáticos, estáveis Pré-doação de sangue autólogo viável sem indicação médica Plaquetas – Esse tipo de transfusão é indicado para pacientes que tem déficit tanto na quantidade quanto na função plaquetária e com isso sofrem um risco muito elevado de sangramentos. A seguir, observe as linhas de conduta sugeridas para a transfusão plaquetária: Contagem de plaquetas recente (dentro das 24 horas) < 10.000/mm³(para proflilaxia) Contagem de plaquetas recente (dentro das 24 horas) < 50.000/mm³ com sangramento microvascular evidente (“exsudação”) ou um procedimento invasivo/cirúrgico planejado Sangramento microvascular evidente e uma queda rápida na plaquetometria Pacientes adultos na sala de operações que sofreram procedimentos complicados ou necessitaram de mais de 10 unidades de sangue E têm sangramento microvascular. Dar as plaquetas se assumir que foi realizada hemostasia adequada Disfunção plaquetaria documentada (por exemplo, tempo de sangramento maior que 15 minutos, testes funcionais plaquetários anormais) com petéquias, púrpura, sangramento microvascular (“exsudação”) ou procedimento invasivo cirúrgico. Indicações proibidas: 65 Uso empírico de transfusão maciça quando as plaquetas não mostram sangramento microvascular evidente. Profilaxia na púrpura trombocitopenica trombótica/síndrome hemolítica urêmica ou púrpura trombocitopenica idiopática Disfunção plaquetaria extrínseca (por exemplo, insuficiência renal, doença de Von Willebrand) Plasma fresco congelado (PFC) – Usado para reposição nos paciente com coagulopatias e deficiências documentadas. É encontrada, por exemplo, da insuficiência hepática. O TP e o TTPa são bons indicadores para a avaliação dos pacientes que vão ser transfundidos e para o seu posterior acompanhamento da eficácia transfusional. É importante dizer que ao se ter disponibilidade de outros cristaloides mais baratos e seguros, o PFC não deve ser usado como expansor de volume. A seguir o quadro de linha de condutas para a transfusão do PFC: Tratamento das deficiências dos fatores de coagulação específicos ou múltiplos om tempo de protrombina e/ou tempo de tromboplastina parciais ativadas anormais. Deficiência de fator especifico anormal na presença de um dos seguintes: Deficiência de AT-III; protrombina, fatores V, VII, IX e XI; proteína C ou S; plasminogênio ou antiplasmina. Deficiência adquirida relacionada à terapia com warfarin,deficiência de vitamina K, doença hepática, transfusão maciça, ou coagulação intravascular disseminada. Também indicada como profilaxia para os itens acima se é planejado um procedimento cirúrgico/invasivo. Indicações proibidas: Uso empírico durante transfusão maciça de sangue se o paciente não demonstra coagulopatia 66 clinica. Reposição de volume Suplementação nutricional Hipoalbuminemia Crioprecipitado – Pode ser usado em pacientes com Hemofilia e na doença de Von Willebrand (doenças hemorrágicas congênitas), por exemplo. Concentrado de leucócitos – Usado em pacientes com leucopenia grave com quadro infeccioso (<500/mm³). Transfusão na cirurgia: No pré-operatório deve-se avaliar a situação específica de cada paciente, com o intuito de trazer melhor resposta para o mesmo, sempre visando o máximo benefício possível. Com isso, deve-se, por exemplo contra indicar uma transfusão em um paciente com anemia crônica em condição estável, com base em um hematócrito de 30%. Já em caso de um paciente com uma anemia assintomática, mas que vai fazer um grande procedimento cirúrgico é benéfico fazer a transfusão no pré-operatório. No ato da cirurgia em si, deve-se também levar em consideração a situação em que o paciente está inserido. Com a requisição do sangue pelo médico, é realizado um procedimento de tipagem e seleção para determinação do grupo sanguíneo do paciente e para detectar anticorpos prévios aos antígenos eritrocitários. Se o paciente for submetido a um procedimento com risco de sangramento e possibilidade de transfusão menor que 10%, o sangue não é cruzado, a não ser que seja necessário durante a cirurgia. Se, entretanto, a probabilidade de transfusão for maior que 10%, o sangue é cruzado no préoperatório com um determinado numero de unidades prontas para serem transfundidas. Nas operações, como as cardíacas abertas ou vasculares, um numero prédeterminado de unidades é cruzada previamente à cirurgia e outras adicionais ficam disponíveis caso seja necessário cruzamento no meio desta. Ao fim do procedimento, o 67 sangue não cruzado é mantido por 24-48h e então pode ser liberado para outros pacientes. Riscos transfusionais: Ao prescrever-se uma transfusão é muito importante estar ciente de possíveis complicações e riscos desse procedimento, a fim de esclarecê-los e discuti-los com o paciente. Desde os anos oitenta, em que se foi introduzido rastreamento de pré-doação para fatores de risco como hepatites e HIV, bem como testagens mais rigorosas do doador, o risco da transmissão viral diminuiu drasticamente. No entanto, riscos transfusionais continuam presentes até os dias atuais. As três principais causas de fatalidade pós-transfusionais são: as reações transfusionais por erro de compatibilidade do sistema ABO, contaminação bacteriana e lesão pulmonar relacionada à transfusão. Outros riscos importantes documentados sao as reações não-hemoliticas, doença do enxerto-contra-hospedeiro, sobrecarga de volume e imuno-modulação. Reações transfusionais: Elas são classificadas em hemolíticas e não-hemolíticas, a última com subtipos alérgicos e febris. As hemolíticas ocorrem pela destruição por complemento das hemácias transfundidas secundaria a anticorpos preexistentes, sendo sua gravidade determinada pelos fatores de grau de ativação do complemento e liberação de citocinas. Sinais e sintomas dessas reações hemolíticas quando agudas e graves são dor e rubor ao longo da veia infundida, dor e opressão torácica, hipotensão, oligúria, calafrios, febre, hemoglobulinemia e hemoglobulinúria. Um paciente transfundido que desenvolve de 5 a 10 dias após a transfusão um quadro de queda de hematócrito, febre ou icterícia tem que ser avaliado como tendo uma possível reação hemolítica retardada. As reações não-hemolíticas alérgicas são causadas por anticorpos do receptor contra proteínas plasmáticas do doador. O quadro caracteriza-se de leve exantema ou urticária até instabilidade hemodinâmica com broncoespasmo e anafilaxia. As reações não-hemoliticas febris ocorrem pelos anticorpos do receptor contra os antígenos dos leucócitos e plaquetas do doador. Caracteriza-se por febre e calafrios. Diagnósticos diferenciais são as reações hemolíticas agudas e contaminação bacteriana da unidade. Quando se suspeita de uma reação transfusional, a infusão deve ser imediatamente interrompida e o tratamento pra cada subtipo realizado. Contaminação bacteriana: 68 Segunda causa mais freqüente de fatalidade e primeira das infecções transmitidas pela transfusão. Sinais e sintomas é febre, calafrios, hipotensão, taquicardia e choque após o procedimento. Os agentes mais identificados são Staphylococcus aureus, Escherichia coli, Enterobacter e espécies Serratia e Yersinia. Lesão pulmonar aguda relacionada à transfusão (TRALI): Terceira causa mais comum de reação transfusional fatal. É uma síndrome caracterizada por hipoxemia, febre, edema pulmonar não-cardiogenico bilateral, hipotensão e dispnéia cerca de 4 horas após a hemotransfusão. É diagnostico de exclusão após se excluir a sobrecarga de volume, edema pulmonar cardiogênico ou a SARA. Transfusão maciça: A transfusão maciça é um procedimento o qual pode causar grandes alterações no estado metabólico do paciente. Entretanto, boa parte dessas alterações pode ser revertida, podendo também fugir ao controle. As principais alterações são hipocalcemia, alterações àcido-básicas (alcalose), alterações do 2,3-Difosfoglicerato, alterações do potássio e trombocitopenia dilucional. A hipocalcemia é decorrente dos produtos citratados, que diminuem transitoriamente o nível de cálcio ionizado. A alcalose acontece porque o citrato de sódio é convertido em bicarbonato de sódio no fígado, aumentando o pH sanguíneo. Em relação do 2,3-Difosfoglicerato, observa-se que o mesmo está reduzido quando o produto sanguineo está próximo do prazo de validade, podendo assim dimunuir a sobrecarga de oxigênio. A hipercalemia vai ocorrer porque o potássio é encontrado em elevados níveis no sangue armazenado, mas com uma velocidade de transfusão adequada serão raros os problemas associados ao potássio. A trombocitopenia diluicional ocorre devido ao baixo numero de plaquetas presentes no sangue armazenado por 24h. Choque Hipovolêmico O choque hipovolêmico é determinado pelo aporte deficitário de oxigênio aos tecidos, consequente a uma redução do volume intravascular. Frequentemente, os cirurgiões se deparam com choque hipovolêmico, sendo a hemorragia a causa específica mais habitual. O choque hemorrágico é resultado de sangramento inesperado oriundo de ulcerações gastrintestinais, ferimentos ou fraturas. A deficiência de volume intravascular é capaz de fazer com que o retorno de sangue venoso ao coração seja reduzido significativamente. Três tipos de choque hemorrágico têm sido definidos: compensado, não-compensado e exsanguinação letal. O choque compensado dar-se com sangramento de 20% do volume sanguíneo. Durante a perfusão não ideal, os recursos fisiológicos se organizam de tal maneira a regular a resistência vascular sistêmica e conservar pressão sistêmica média. Nesse tipo de choque, 69 as perfusões de órgãos nobres, como o cérebro e o coração, são mantidas próximo da normalidade, ao passo que outros órgãos menos sensíveis à hipóxia, são afetados por isquemia proporcionalmente ao déficit de volume sanguíneo. Os pacientes acometidos por choque não-compensado apresentam-se hipotensos pois a redução de volume intravascular ultrapassa a capacidade dos mecanismos vasoconstritivos de conservar pressão de perfusão sistêmica. Esses indivíduos apresentam risco de morte em virtude da hipóxia que afeta diretamente os órgãos vitais e da geração reduzida de energia aeróbica mitocondrial. Nesses casos, os pacientes necessitam ter a perfusão celular reparada, a fim de evitar um possível prejuízo irreversível nas vias bioquímicas celulares. No terceiro tipo de choque hemorrágico, a hemorragia exsanguinante, o paciente perde mais de 40% do seu volume sanguíneo apresentando significativa queda de pressão; a ausência de fluxo sanguíneo para o cérebro provoca síncope acompanhada tempo depois por parada cardiorrespiratória. Para o cirurgião que lida com o choque hemorrágico, a sobrevivência do paciente depende menos de uma única intervenção e mais de tratamentos seriados. Ao longo de uma série de intervenções terapêuticas o volume intravascular do paciente flutua frequentemente. Primeiramente, a carência sanguínea é reparada com líquido assanguíneo e, então, se ainda hipotenso, infusão de hemoderivados que aumentam o volume dentro dos vasos e recuperam a perfusão. No entanto, se a origem da hemorragia não tiver sido contida, o sangramento permanece e a queda de pressão volta a ocorrer. Ademais, as carências de proteína plasmática são acentuadas por hemodiluição. Diante dessa realidade, o tratamento eficaz do choque hipovolêmico compreende mediações eficazes e apropriadas que dominam os focos de sangramento ativo. Assim, o problema do choque é dinâmico. A recuperação de pacientes com choque hemorrágico é resultado de hemostasia apropriada e infusões preenchedoras do volume sanguíneo e conservadoras dos recursos fisiológicos que trazem de volta à normalidade a função de células e órgãos. Além de hemorragia, há outras origens de choque hipovolêmico, como a desidratação acentuada – diminuição significativa da água extracelular e do sódio corporal total – que pode acontecer em poucas horas. Por exemplo, diabéticos com horas de glicemia alta podem esgotar sua água corporal total através de diurese osmótica, pacientes com princípio agudo de diarreia da colite por Clostridium difficile podem evacuar litros de líquido em poucas horas e os grandes queimados também podem passar por um processo de intensa desidratação que leva ao choque hipovolêmico. Em indivíduos com extravios de líquido da água extracelular, a elevação do hematócrito alia-se ao choque hipovolêmico levando a uma maior viscosidade do sangue que intensifica a perfusão insuficiente relacionada com hipotensão. As manifestações clínicas de pacientes com choque hemorrágico diversificam segundo uma variedade de fatores, inclusive a capacidade de aumentar o tônus simpático. Indivíduos com choque hipovolêmico apresentam diaforese (transpiração excessiva) e palidez dos dedos vasoconstritos como consequência da atividade α- adrenérgica elevada. Pacientes hígidos, que possuem reflexos saudáveis interceptados por barorreceptores, são aptos a resistir depleções significativas de sangue antes de desenvolver hipotensão profunda. Em contrapartida, os pacientes com função cardíaca comprometida ou 70 submetidos a drogas simpaticolíticas para doença cardiovascular podem desencadear choque após uma hemorragia discreta. Estado mental diminuído ou agitação no doente com hemorragia indicam redução da perfusão sanguínea cerebral e falência cardiovascular iminente. Estudos revelaram uma interdependência entre a grandeza de perda sanguínea e a pressão sanguínea sistólica. Assim, apesar da variâncias, de um modo geral, pacientes que perdem menos de 25% do volume sanguíneo tem pressões sistólicas superiores a 110 mmHg; aqueles com perda entre 25 a 33% se aproxima de 100 mmHg e os que excedem 33% tem pressão sistólica inferior a 100 mmHg. A taquicardia não é um indício fidedigno de hemorragia relevante. O abundante uso de β-bloqueadores enfraquece a confiança na frequência de pulso como um sinal de gravidade do choque em pacientes hemorrágicos. Fisiopatologia do choque hipovolêmico Uma perda inesperada de 15% ou menos do volume sanguíneo pode ser equilibrada rapidamente pela vasoconstrição mediada por barorreceptores. A diminuição do calibre dos vasos arteriais é consequente ao aumento do tônus simpático (norepinefrina elevada), aumento de angiotensina II (ativação do sistema renina-angiotensina), aumento de epinefrina (ativação da medula supra-renal) e aumento de arginina-vasopressina pela hipófise. A vasoconstrição também acontece na circulação venosa (venoconstrição) o que diminui a complacência dos reservatórios venosos, entretanto a pressão na veia cava superior e inferior é mantida apesar do volume intravascular reduzido. A vasoconstrição arterial é capaz de manter a pressão arterial média e a perfusão adequada do coração e do cérebro à custa da diminuição do fluxo sanguíneo para a pele e os músculos esqueléticos. A tensão dos vasos de pacientes em choque hemorrágico tem capacidade de elevar rapidamente a reação à hipotensão abrupta. Indivíduos com hemorragia de 15 a 40% do volume sanguíneo apresentam uma diminuição da pressão arterial média e sinais de intensa vasoconstrição adrenérgica como aumento do tempo de perfusão periférica, agitação e diaforese. Também pode ocorrer desvio de líquido intersticial e proteínas para o compartimento plasmático. A excitação de barorreceptores hipotensos eleva a ação adrenérgica e como consequência tem-se um aumento da frequência cardíaca. No entanto, pacientes vítimas de trauma e sem hipovolemia, mas apresentando dor ou medo, secretam epinefrina de suas supra-renais e também desencadeiam taquicardia. Além disso, pacientes com hipovolemia podem, juntamente com o estímulo adrenérgico, apresentar estímulo parassimpático pronunciado, com consequente redução na frequência cardíaca mediada pelo vago. Assim, as opostas influências neuroendócrinas na frequência cardíaca justificam por que a frequência de pulso não é sensível nem mesmo um sinal específico e confiável do nível de gravidade do choque hemorrágico do paciente. A acidez sanguínea tem sido utilizada como um parâmetro clínico de gravidade do choque. A acidemia metabólica do choque hemorrágico deve-se ao fornecimento diminuído de oxigênio para as células, com decorrente diminuição da capacidade de conduzir o metabolismo aeróbio. Além disso, a falta de consumo de combustível mitocondrial leva ao acúmulo de piruvato que se torna disponível para a produção de lactato (acidemia láctica). 71 Tratamento dos pacientes em choque hemorrágico Dois fatores são responsáveis pelo sucesso da ressuscitação de pacientes em choque hemorrágico: o restabelecimento do volume sanguíneo e intervenções terapêuticas para conter o sangramento. Adultos em estado de choque hemorrágico recebem a princípio 2 l de líquido isotônico e crianças até 20 ml/Kg. Após a administração inicial de líquidos intravenosos o cirurgião deve averiguar a resposta hemodinâmica do paciente ao procedimento. Caso permaneça hipotenso por intensa hipovolemia ou por presença de hemorragia em curso deve-se realizar transfusão de sangue a fim de restaurar o volume intravascular. A ação terapêutica mais eficiente do cirurgião para o paciente hipotenso em choque hemorrágico é alcançar a hemostasia. A composição do líquido administrado para tratar pacientes em choque hemorrágico é um fator importante no momento de ressuscitação. Há 40 anos soluções isotônicas tem sido eficientes na ressuscitação de pacientes em choque hemorrágico vítimas de traumas ou queimaduras. O uso eficaz de soluções de eletrólito balanceadas para ressuscitação requer a administração de 3 a 4 ml de líquido para cada mililitro de sangue derramado. Entretanto, após a ressuscitação, em geral, é identificada acidose metabólica consequente a uma elevação na concentração de cloreto. Assim, para evitar acidose hiperclorêmica tem sido utilizado o Ringer lactato que é uma solução salina isotônica que apresenta ânions alternativos para cloreto. Em pacientes com sangramento intenso podem ser necessárias transfusões sanguíneas maciças. Entretanto, pode ocorrer coagulopatia como uma complicação dessa transfusão maciça, e componentes de sangue selecionados, como fatores de coagulação e concentrados de plaquetas, podem ser essenciais para reabastecer fatores de coagulação e recuperar o volume sanguíneo. As três fases após ressuscitação do choque hemorrágico Os cirurgiões que cuidam de pacientes chocados precisam entender que a recuperação do déficit líquido não leva o paciente à normalidade. Ao invés disso, pacientes em restabelecimento requerem tempo para solucionar os déficits basais, adequar os níveis de lactato e dissipar o tônus simpático, todos os quais revelam melhor distribuição de oxigênio aos tecidos. Além disso, indivíduos que permaneceram em longos períodos de choque apresentam respostas inflamatórias durante a reperfusão de órgãos isquêmicos. Durante essa reperfusão podem ocorrer alterações específicas como vasodilatação sustentada que leva a uma circulação hiperdinâmica e rápido início de edema. Na reação do doente ao choque hemorrágico agudo, três fases tem sido descritas. Na fase I, que inicia com o trauma e finaliza com a cirurgia ou intervenção que controla o sangramento ativo, o paciente apresenta-se hipovolêmico, em geral com vasoconstrição e diminuição da perfusão de órgãos. É nesta fase que o doente desenvolve acidemia progressiva decorrente da diminuição da bioenergética celular e mensurado pelos níveis 72 reduzidos de bicarbonato nos gases sanguíneos arteriais. A conduta terapêutica é a administração de solução de eletrólitos balanceada nas razões de 3 a 4 volumes de solução salina isotônica pra 1 volume de sangue perdido. A transfusão sanguínea é fundamental quando o paciente tem um sangramento sustentado maior que 30% do volume sanguíneo. Ao longo da fase I, os pacientes fortemente traumatizados com hemorragia ativa podem necessitar de litros de sangue durante a cirurgia ou procedimento para controle da hemorragia, ainda que sofram choque mínimo. A fase II se inicia quando a hemostasia é finalizada, e é um momento de sequestro de líquido. Durante esse processo de captação de líquidos, acontecem tanto expansões intracelulares quanto intersticiais. O tempo e a grandeza da obtenção de líquido durante a fase II são proporcionais à gravidade do choque. Nesta fase, os pacientes ganham peso equivalente a 10% do seu peso corporal devido ao excesso de líquido; alguns apresentam insuficiência respiratória, outros edema das vísceras abdominais e ainda síndrome de hipertensão do compartimento abdominal. Ainda na fase II, pode ocorrer hipoperfusão oculta que corresponde à correção retardada de um nível elevado de ácido láctico e que pode dificultar a recuperação de um paciente. A fase III corresponde a um período diurético em que o excesso de líquido ganho durante a fase II é mobilizado e excretado pelos rins. O começo da fase III geralmente ocorre em dois a quatro dias depois da fase I, e o retardo no início da fase III pode ser indício de uma complicação, em geral sepse, ou no caso de pacientes pré-cardiopatas poderia haver reserva cardíaca limitada que resolveria através da administração de diuréticos ou de drogas inotrópicas. Em síntese, o tratamento do paciente com choque hipovolêmico tem dois momentos: reposição volêmica de sangue e procedimentos que solucionam causas patológicas que provocam a hipovolemia. Os pacientes devem passar por uma série de eventos após um episódio de choque, e os médicos devem ir em busca de complicações nestes pacientes que afastam o modelo esperado de recuperação do choque hemorrágico. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: 1.SCHWARTZ,Shires Spencer.PRINCIPIOS DE CIRURGIA. 6ª edição. Editora Interamericana.Volume I.1996.85-106. 2. TOWNSEND JR et al. Sabiston -Textbook of surgery – The biological basis of modern surgical practice. 17. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004 3. GOODNOUGH, Lawrence T.. TRANSFUSION MEDICINE: Blood conservation. The New England Journal Of Medicine, Massachusetts, v. 340, n. 7, p.525-533, 18 fev. 1999. 73 Capítulo 7 Infecções em cirurgia George Felipe Bezerra Darce José Elimário Cardozo da Silveira Introdução De uma maneira geral, a infecção pode ser definida como uma invasão por microorganismos capazes de vencer as defesas do organismo afetado, podendo causar maior ou menor dano, dependendo de fatores como a virulência e do estado do organismo invadido. As infecções sempre acompanharam os procedimentos cirúrgicos e por muito tempo impediram a evolução da cirurgia, sendo responsáveis por altas taxas de mortalidade. Somente a partir da introdução da antissepsia por Joseph Lister no início do século XX e, posteriormente, com a introdução da antibioticoterapia, é que o panorama das infecções e mortalidade em cirurgia começou a mudar. As infecções em cirurgia podem ser divididas em: Infecções Cirúrgicas- aquelas que estão relacionadas diretamente ao procedimento cirúrgico, ou aquelas que necessitam de intervenção cirúrgica como parte do seu tratamento. Infecções não-cirúrgicas em pacientes cirúrgicos- aquelas denominadas infecções hospitalares não-cirúrgicas por não estarem ligadas diretamente ao procedimento cirúrgico, sendo mais comum a infecção do trato urinário (ITU) e a infecção do trato respiratório. Infecções cirúrgicas Existem algumas diferenças típicas entre as infecções cirúrgicas e as infecções médicas comuns. A primeira dessas diferenças refere-se ao estado das defesas gerais do hospedeiro, pois os pacientes com infecções médicas comuns, como as pneumonias 74 adquiridas na comunidade, geralmente apresentam as defesas funcionando normalmente, enquanto que as infecções cirúrgicas, em sua maioria, resultam de defesas comprometidas do hospedeiro, seja pela lesão da barreira epitelial, ou ainda por defeitos não mecânicos, que podem ser causados por desnutrição e/ou efeitos sistêmicos do trauma. Os patógenos constituem a segunda diferença, pois aqueles que causam as infecções médicas comuns são geralmente únicos e aeróbios, derivados de fontes exógenas e com propriedades virulentas, diferentemente dos que causam infecções cirúrgicas, que geralmente são mistos, envolvendo aeróbios e anaeróbios e quase sempre originários da própria flora do paciente, sendo classificados como agentes oportunistas. Para facilitar o estudo, as infecções cirúrgicas podem ser divididas em Infecções em Áreas Cirúrgicas (IACs), que são aquelas que ocorrem em qualquer ponto da área cirúrgica, seja em nível superficial ou profundo; e em Infecções cirúrgicas específicas, que são aquelas que entram na classificação de infecções cirúrgicas por necessitarem de procedimentos cirúrgicos para seu tratamento, como o abscesso subcutâneo, fasciites necrotizantes ou os abscessos intra-abdominais; Infecções em áreas cirúrgicas: A infecção em área cirúrgica ocupa a terceira posição entre todas as infecções em serviços de saúde no Brasil e compreende 14% a 16% daquelas encontradas em pacientes hospitalizados. As IACs são divididas em incisional superficial (pele, tecido subcutâneo), incisional profunda (plano fascial e músculos), relacionada a um órgão/espaço (localização anatômica do procedimento) (figura6-1). Elas podem ocorrer a qualquer momento entre 0 e 30 dias após a operação, ou alem de um ano após um procedimento que tenha envolvido a implantação de um material estranho. Os microorganismos envolvidos nessas infecções geralmente estão relacionados com a flora bacteriana da área do procedimento cirúrgico. O Staphylococcus aureus é o patógeno mais comum da IACs, porem, em procedimentos contaminados e potencialmente contaminados, E. coli e outras enterobacterias são as causas mais comuns. Microorganismos exógenos 75 provenientes da equipe e do ambiente cirúrgico também podem causar IAC. As duas medidas primárias para controlar a carga bacteriana na área cirúrgica são: métodos assépticos e antissépticos e profilaxia antimicrobiana. Figura 6-1 Classificação das IACs Entre as IACs, as infecções incisionais são as mais comuns, portanto, algumas considerações precisam ser feitas a respeito da infecção da ferida cirúrgica. A ferida cirúrgica pode ser classificada de acordo com o grau de contaminação em ferida limpa, potencialmente contaminada, contaminada e infectada. Limpas- Não há lesão do trato gastrintestinal, urinário ou respiratório. As feridas não são traumáticas e não há processo inflamatório. Os princípios de antissepsia são cumpridos. Potencialmente contaminadas- Há perfuração do trato gastrintestinal, respiratório ou urinário, porem, sem contaminação significativa. Contaminadas- Há contaminação por secreções do trato gastrintestinal, respiratório ou urinário. Feridas traumáticas com menos de 6 horas. Presença de processo inflamatório sem a presença de pus. 76 Infectadas- Feridas em que há a presença de pus, vísceras perfuradas ou feridas traumáticas com mais de seis horas de evolução. Obs. Deve-se ter muita atenção no cuidado das feridas traumáticas, pois quando fechadas e infectadas tornam-se uma complicação cirúrgica que precisará ser aberta, drenada e até tratada com antibióticos. Por isso, feridas com mais de seis horas, com contaminação significativa (suja, incluindo mordidas humanas e de animais), com presença de tecido necrótico e/ou isquêmico, feridas por perfuração, aquelas classificadas como feridas à faca ou causadas por armas de fogo, e aquelas causadas por esmagamento ou avulsão, não devem ser fechadas. Entre os critérios nacionais de infecções relacionadas à assistência à saúde determinados pela Agência Nacional de vigilância Sanitária, existem aqueles que se comprometem em definir quais infecções podem ser classificadas como IAC superficiais (Tabela 6-1). IAC- Critério: INCISIONAL Ocorre nos primeiros 30 dias após após a cirurgia e envolve SUPERFICIAL apenas pele e subcutâneo. Com pelo meno UM dos seguintes: Drenagem purulenta da incisão superficial; Cultura positiva de secreção ou tecido da incisão superficial, obtido assepticamente (não são considerados resultados de culturas colhidas por swab); A incisão superficial é deliberadamente aberta pelo cirurgião na vigencia de pelo menos um dos seguintes sinais e sinais e sintomas: dor ou aumento da sensibilidade, hiperemia ou calor, EXCETO se a cultura for negativa; Diagnóstico de infecção superficial pelo médico assistente. IAC- Critério: INCISIONAL Ocorre nos primeiros 30 dias após a cirurgia, ou até um ano se PROFUNDA houver colocação de prótese, e envolve tecidos moles profundos à incisão. Com pelo menos UM dos seguintes: Drenagem purulenta da incisão profunda, mas não de órgão ou 77 cavidade; Deiscência parcial ou total da parede abdominal ou abertura da ferida pelo cirurgião, quando o paciente apresentar pelo menos um dos seguintes sinais e sintomas: temperatura axilar > ou = 37,8ºC, dor ou aumento da sensibilidade local, exceto se a cultura for negativa; Presença de abscesso ou outra evidência de que a infecção envolva os planos profundos da ferida, (identificada em reoperação) exame clínico, histocitopatológico ou exame de imagem; Diagnóstico de infecção incisional profunda pelo médico assistente. Infecções cirúrgicas específicas: As infecções cirúrgicas abordadas aqui serão os abscessos subcutâneos, as fasciites necrotizantes, as infecções intra-abdominais e retroperitoneais e as infecções relacionadas a dispositivos protéticos. Qualquer uma destas infecções, assim como todas as infecções cirúrgicas, tem como princípio básico para o tratamento o controle da fonte. Formas de controle da fonte incluem a drenagem de um abscesso, debridamento de tecido morto, o fechamento de uma perfuração, entre outros. O importante é entender que em infecções cirúrgicas, a antibioticoterapia e um suporte sistêmico são apenas auxiliares no tratamento, pois este deverá ter como base o controle da fonte através de um procedimento cirúrgico. Abscesso subcutâneo- O abscesso é constituído por uma porção central necrosada e semilíquida (pus), circundada por uma zona vascularizada de tecido inflamado. Ao examinar, observa-se um inchaço localizado, com sinais de inflamação e elevada sensibilidade. É necessário que se faça o diagnóstico diferencial com celulite, infecção do tecido frouxo, com suprimento de sangue e tecidos intactos, marcado por aguda resposta inflamatória. O abscesso subcutâneo será confirmado quando houver o reconhecimento de tecido necrosado. É importante a diferenciação para que se escolha o 78 tratamento mais efetivo, pois a antibioticoterapia sozinha resolve a celulite, mas não é suficiente no abscesso, que só será resolvido após drenagem. Fasciites necrotizantes- São infecções necrotizantes do tecido frouxo, clostridiais e não-clostridiais, caracterizadas por uma camada de tecido necrótico que não é envolvida por uma reação inflamatória e por isso não apresenta um limite claro dificultando seu reconhecimento como infecção cirúrgica. Espalha-se nos tecidos subcutâneos, entre a pele e o feixe muscular profundo. As infecções necrotizantes do tecido frouxo podem ser sugeridas como diagnóstico quando houver o reconhecimento de celulites com equimoses, bolhas, gangrena dérmica, edema extenso ou crepitação, exigindo que seja feita uma exploração operatória. O diagnóstico será confirmado com a observação da necrose. O tratamento deve sempre incluir debridamento e antibióticos de amplo espectro. No extremo, pode ser necessário amputação. Infecções intra-abdominais e retroperitoneais- A grande maioria requer intervenção cirúrgica para resolução do quadro. As exceções à indicação de intervenções cirúrgicas incluem salpingite, pielonefrite, abscesso amebiano no fígado, enterite, PBE, alguns casos de colangite e de diverticulite. Portanto, diante de um paciente com febre e dor abdominal, se o diagnóstico dessas exceções não puder ser feito, também não poderá ser feita a administração de antibióticos sem que haja um plano de intervenção cirúrgica, caso contrário, a antibioticoterapia atrasará o diagnóstico e consequentemente o tratamento cirúrgico definitivo. Infecções relacionadas a dispositivos protéticos- São importantes complicações associadas a transplantes vasculares, de válvulas cardíacas, marcapassos e articulações artificiais. Elas acabam resultando em destruição tecidual e até disfunção dos dispositivos implantados, alem de disseminação sistêmica dos microorganismos envolvidos. A maioria dessas infecções obriga a remoção do dispositivo infectado. Há uma alta morbidade e mortalidade. Infecções não-cirúrgicas As infecções hospitalares (IH) são aquelas que o paciente adquire após a internação, podendo se manifestar ainda durante esse período ou após a alta hospitalar. No período pós-operatório há um maior risco de adquirir infecções hospitalares, pois o 79 trauma cirúrgico leva a alterações nos mecanismo de defesa do organismo capazes de gerar um desequilíbrio entre ele e a sua flora bacteriana normal, que são os microorganismos que predominam nas IHs. A infecção hospitalar mais comum é a infecção do trato urinário (ITU). A infecção urinária é definida como sendo a presença de mais de 100.000 colônias de bactérias por cada ml, associado à presença de queixas urinárias. A infecção urinária está relacionada com a duração do cateter vesical. A maior prevenção é usar cateteres urinários apenas em indicações específicas e de curta duração, alem de utilizar técnicas de drenagem fechada naqueles que são usados. As infecções respiratórias são a terceira causa mais comum de infecção hospitalar no paciente cirúrgico (depois de IACs e ITUs) e a principal causa de morte devido a infecções hospitalares. Elas podem ser divididas em três grupos distintos: Infecções altas- traqueobronquites, bronquites e bronquiolites. São caracterizadas por tosse produtiva, acompanhada de febre, broncoespasmo, roncos e sibilos à ausculta. Deve ser excluída a hipótese de pneumonia. Pneumonia- a presença de pneumonia está relacionada a uma alta mortalidade. O paciente apresenta tosse produtiva, associada à febre a alterações radiológicas. Abscesso pulmonar ou empiema- definido como coleção purulenta no pulmão ou na cavidade pleural respectivamente. É acompanhado de alta mortalidade. É importante que o médico esteja atento a possibilidade de septicemia. A septicemia é definida pela presença de mais de dois picos febris em um período de 24 horas, acompanhada de hipotensão e oligúria. Prevenção das infecções cirúrgicas As medidas primárias para prevenção das infecções cirúrgicas constituem na utilização adequada das técnicas assépticas e antissépticas, no uso de antibióticos profiláticos e na implantação de programas de vigilância epidemiológica. Cada uma dessas medidas precisa ser utilizada no tempo adequado. Período pré-operatório: o paciente, de preferência, deve ser internado na véspera ou no dia da cirurgia, para, assim, evitar a colonização por flora microbiana hospitalar e 80 deve haver um adequado preparo cutâneo da área cirúrgica com um germicida antisséptico, como tintura de iodo ou clorexidina; lavagem adequada das mãos e antebraços da equipe cirúrgica; esterilização do material cirúrgico; profilaxia antimicrobiana. Período intra-operatorio: entre outras medidas deve-se garantir uma ventilação adequada na sala de cirurgia; roupas e vestimentas cirúrgicas apropriadas; assepsia e técnica cirúrgica apropriada; duração do ato operatório. Período pós-operatório: refere-se aos cuidados com a ferida cirúrgica e à vigilância epidemiológica. Antibioticoterapia profilática Antibióticos profiláticos sistêmicos não são indicados em cirurgias limpas de baixo risco, nas quais não ocorreu uma contaminação bacteriana óbvia ou a inserção de um corpo estranho, nem em cirurgias potencialmente contaminadas. Porém, nas seguintes situações recomenda-se o uso: Pacientes acima de 70 anos; Desnutrição; Imunodeprimidos; Urgências e implantes de próteses; Valvulopatia reumática, diabetes grave, obesidade; Esplenectomias ; Em cirurgias contaminadas é recomendado o uso de antibiótico profilático. A antibioticoterapia profilática é mais eficaz quando iniciada na indução anestésica e mantida durante o período intra-operatório, atingindo níveis terapêuticos durante todo o procedimento cirúrgico, prolongando-se até no máximo 48 horas. Deve ser escolhido um antibiótico eficaz contra a flora bacteriana a ser encontrada. 81 Febre e infecções É comum a presença de febre no período pós-operatório e ela pode ser um sinal de infecção, porem, essa não é a causa da febre na maioria das vezes. A febre nas primeiras 72 horas após a operação provavelmente não tem uma causa infecciosa. Entretanto, quando a febre se inicia depois desse tempo e principalmente 5 dias ou mais após a cirurgia, as chances de ser de origem infecciosa são muito maiores. Existem duas causas importantes de febre de origem infecciosa nas primeiras 36 horas após laparotomia: lesão intestinal com drenagem intraperitoneal e infecção do tecido frouxo por estreptococos β-hemolítico ou por espécies clostridiais. Referências bibliográficas: 1. TOWNSEND JR et al. Sabiston -Textbook of surgery – The biological basis of modern surgical practice. 17. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004 2. GOFFI, F. S. Técnica Cirúrgica- Bases anatômicas, fisiopatológicas e técnicas da cirurgia. 4 ed. São Paulo: Atheneu, 2000. 82 Capítulo 8 Sepse, Sepse Severa e Choque Séptico Luíza Calabria Ribeiro Pessôa Maria Eduarda Pontes Duarte Introdução Sepse severa e choque séptico são problemas graves de saúde pública, afetando milhões de pessoas em todo o mundo a cada ano. A sepse é a principal causa de morte nas unidades de terapia intensiva, matando 25% ou mais dos doentes acometidos e aumentando sua incidência cada vez mais. Similar ao politrauma, infarto agudo do miocárdio ou acidente vascular encefálico, a velocidade e a acurácia da administração da terapia nas horas iniciais após o desenvolvimento da sepse severa influenciam sobremaneira o prognóstico dos pacientes. Sepse é definida como a presença provável ou documentada de infecção, associada a manifestações sistêmicas da infecção.Esta pode evoluir para a sepse severa,definida como a associação da sepse com disfunção orgânica ou hipoperfusão tecidual, ou para o choque séptico, definido como estado de hipotensão, causado pela sepse, persistente apesar da ressuscitação volêmica adequada.Já a hipoperfusão tecidual induzida pela sepse é definida como uma hipotensão induzida pela infecção, pelo lactato elevado ou pela oligúria. Grande heterogeidade no manejo da sepse foi identificada e, desta forma, foram propostas estratégias para homogeneizar as condutas, através de protocolos gerenciados, baseados em evidências científicas, objetivando a redução do risco de óbito. População de Risco Algumas pessoas têm maior chance de serem vítimas da sepse: Prematuros, crianças abaixo de 1 ano e idosos acima de 65 anos; Portadores de imunodeficiência por câncer, quimioterapia, uso de corticóide, doenças crônicas ou AIDS; Usuários de álcool e drogas; Vítimas de traumatismos, queimaduras, acidentes automobilísticos e ferimentos à bala; Pacientes hospitalizados que utilizam antibióticos, cateteres ou sondas. Critérios para o Diagnóstico da Sepse: -Infecção, documentada ou suspeita, associados aos seguintes fatores: 1) Variáveis Gerais: 83 Febre > 38.3°C Hipotermia (temperatura < 36°C) Frequência cardíaca > 90 bpm ou mais de 2x o valor normal para a idade Taquipnéia Rebaixamento do nível de consciência Edema significativo ou balanço hídrico positivo (> 20 mL/kg em 24 horas) Hiperglicemia (glicose sérica > 140 mg/dL ou 7.7 mmol/L) na ausência de diabetes 2) Variáveis Inflamatórias: Leucocitose (WBC > 12000/μL) Leucopenia (WBC < 4000/μL) Contagem normal de leucócitos com mais de 10% de formas imaturas Proteína C-reativa sérica maior que 2x o valor normal 3) Variáveis Hemodinâmicas: Hipotensão arterial (PAS < 90 mmHg; PAM < 70 mmHg; ou um decréscimo > 40 mmHg na PAS em adultos; ou menos da metade PAS ideal para a idade) 4) Variáveis de Disfunção Orgânica: Hipoxemia arterial (PaO2/FiO2 < 300) Oligúria aguda (débito urinário < 0.5 mL/kg/hr por no mínimo 2 hrs apesar da ressuscitação volêmica adequada) Creatinina > 0.5 mg/dL ou 44.2 μmol/L Disfunções de coagulação (INR > 1.5 ou TTPa > 60 s) Íleo paralítico (RHA ausentes) Trombocitopenia (contagem de plaquetas < 100000/μL) Hiperbilirrubinemia ( bilirrubina sérica total > 4 mg/dL ou 70 μmol/L) 5) Variáveis de Perfusão Tecidual: Hiperlactatemia (> 1 mmol/L) Déficit do preenchimento capilar ou cianose **WBC = White blood cell; PAS = Pressão Arterial Sistólica; PAM = Pressão Arterial Média; INR = international normalized ratio; TPPa = Tempo de tromboplastina parcial ativada; RHA = Ruídos Hidroaéreos. Diagnóstico da Sepse Severa: Hipotensão induzida pela sepse Lactato acima dos limites laboratoriais da normalidade Débito urinário < 0.5 mL/kg/hr por no mínimo 2 hrs apesar da ressuscitação volêmica adequada Dano pulmonar agudo com Pao2/Fio2 < 250 na ausência de pneumonia como fonte de infecção Dano pulmonar agudo com Pao2/Fio2 < 200 na presença de pneumonia como fonte de infecção Creatinina > 2.0 mg/dL 84 Bilirrubina > 2 mg/dL Contagem de plaquetas < 100000/μL Coagulopatia (INR > 1.5) Conjunto de metas da Campanha “Surviving Sepsis” Para serem cumpridas nas primeiras 3 horas: 1) Mensuração do nível de lactato 2) Obtenção de culturas de sangue antes do início da administração de antibióticos 3) Administração de antibióticos de largo espectro 4) Administração de 30 mL/kg de cristalóides para hipotensão ou lactato ≥4mmol/L Para serem cumpridas nas primeiras 6 horas: 5) Aplicação de vasopressores para corrigir a hipotensão não responsiva à ressuscitação volêmica inicial para manter uma PAM ≥65 mmHg 6) Se houver hipotensão persistente apesar da ressuscitação volêmica adequada (choque séptico) ou se os níveis de lactato permanecerem ≥ 4 mmol/L: - Medir a Pressão Venosa Central (PVC) - Medir a Saturação de oxigênio Venosa Central (SovO2) 7) Reavaliar o lactato se o lactato inicial estava elevado Diretrizes no cuidado da Sepse Severa A. Ressuscitação inicial: Essa estratégia de tratamento é conhecida como “Terapia Precoce Guiada por Metas” e está associada a uma redução de 15.9% da taxa de mortalidade nos primeiros 28 dias. 1. No protocolo de ressuscitação quantitativa de pacientes com hipoperfusão tecidual induzida pela sepse as metas durante as primeiras 6 horas de ressuscitação são: a) Pressão venosa central: 8-12 mmHg - Em pacientes ventilados mecanicamente ou com redução da complacência ventricular prévia conhecida, um alvo mais alto de pressão venosa central de 12-15 mmHg deve ser atingido para compensar o déficit de enchimento ventricular. A mesma regra se aplica à pacientes com aumento da pressão abdominal. b) Pressão arterial média (PAM): ≥ 65 mmHg c) Débito urinário: ≥ 0.5 mL/kg/hr d) Saturação de oxigênio venosa central: ≥70% 2. Em pacientes com o nível de lactato elevado, objetivar atingir os níveis da normalidade. - A prevalência global de pacientes com sepse severa que apresentam inicialmente hipotensão associada a lactato ≥ 4 mmol//L, hipotensão isolada ou lactato ≥ 4 mmol/L isolado é, respectivamente, 16.6%, 49.5% e 5.4%. A taxa de mortalidade é alta em pacientes com ambas (46.1%) e também é aumentada em pacientes com sepse severa com hipotensão isolada (36.7%) e lactato ≥ 4 mmol/L isolado(30%). 85 B. Diagnóstico: 1. Obter culturas clinicamente apropriadas antes do início da terapia antimicrobiana, sem causar atraso significante (>45 min.) no início do tratamento. Deve-se obter pelo menos 2 amostras de sangue com, pelo menos, 1 obtida de forma percutânea e 1 obtida através de cada cateter de acesso vascular, a menos que este tenha sido inserido há menos de 48 horas. 2. Realização de exames de imagem para a confirmação de uma potencial fonte de infecção C. Terapia Antimicrobiana: 1. Administração de antibióticos efetivos por via endovenosa na primeira hora de diagnóstico do choque séptico ou sepse severa - A escolha da terapia antimicrobiana empírica depende de vários fatores, relacionados com a história clínica do paciente, incluindo intolerância a certas drogas, uso recente de antibióticos (nos últimos 3 meses), doenças subjacentes, síndromes clínicas, padrão de susceptibilidade a um patógeno na comunidade, no hospital e que já tenha colonizado ou infectado o paciente previamente. 2. Terapia antibiótica empírica inicial com uma ou mais drogas que tenham atividade contra todos os possíveis patógenos e que penetrem em concentrações adequadas nos tecidos suspeitos de ser a fonte de infecção. O Regime antimicrobiano deve ser reavaliado diariamente para potencial modificação - Os patógenos que mais comumente causam choque séptico em pacientes hospitalizado são as bactérias Gram-positivas, seguidas pelas Gram-negativas. Ao escolher uma terapia empírica, o médico deve ter conhecimento da virulência e da prevalência de crescimento de S. aureus resistente a Oxacilina (Meticilina) e da resistência à antibióticos de largo espéctro, como betalactâmicos e carbapenêmicos dos bacilos Gram-negativos em algumas comunidades e centros de saúde. Em regiões cuja prevalência de tais organismos resistentes é significativa, uma terapia empírica adequada que abranja tais patógenos é obrigatória. - Devido à estreita margem de erros na escolha da terapia para pacientes com sepse severa ou choque séptico, a seleção inicial da terapia antimicrobiana deve ser ampla o suficiente para a cobertura de todos os possíveis patógenos. A escolha do antibiótico deve ser guiada pelo padrão de prevalência local de patógenos bacterianos e de dados de susceptibilidade. - Ainda que a restrição global de antibióticos seja uma estratégia importante na redução do desenvolvimento de resistência à antibióticos e na diminuição dos custos, esta não é uma estratégia apropriada para o tratamento inicial desse grupo de pacientes com sepse severa ou choque séptico. No entanto, assim que o patógeno responsável pela infecção seja identificado, a descontinuação do tratamento empírico deve ser realizada, selecionando o antibiótico mais apropriado que dê cobertura ao patógeno, seja seguro e tenha um bom custo-benefício. 86 - A restrição do espéctro de cobertura antimicrobiana e a redução da duração da terapia antibiótica reduzem a possibilidade de o paciente desenvolver superinfecção por outros patógenos ou organismos resistentes, como a Candida spp., Clostridium difficile ou Enterococcus faecium resistente à vancomicina. No entanto, o desejo de minimizar superinfecções e outras complicações não deve se sobrepor à administração de uma terapia eficaz para curar a infecção que causou a sepse severa ou o choque séptico. Combinações complexas podem ser necessárias em locais onde patógenos altamente resistentes à antibióticos são prevalentes, nos quais pode ser necessário o uso de carbapenêmicos, Colistina, Rifampicina ou outros agentes antimicrobianos. 3. Uso de níveis baixos de procalcitonina ou biomarcadores similares para guiar o médico na descontinuação dos antibióticos empíricos em pacientes que inicialmente indicavam sinais de sepse, mas não tem evidências subsequentes de infecção. - Quando a infecção é descartada, a terapia antimicrobiana deve ser suspensa prontamente para minimizar as chances de o paciente se tornar infectado por um patógeno resistente aos antimicrobianos ou de o paciente desenvolver efeitos adversos relacionados às drogas. Ainda que seja importante a suspensão precoce de antibióticos desnecessários, o médico deve ter conhecimento de que culturas sanguíneas serão negativas em mais de 50% dos casos de pacientes com sepse severa ou choque séptico que estão recebendo terapia antimicrobiana empírica.Desta forma, a decisão de continuar ou não o tratamento antimicrobiano deve ser tomada levando em consideração o quadro clínico do paciente. 4. a) Terapia empírica combinada para pacientes neutropênicos com sepse severa e para pacientes com patógenos bacterianos multi-resistentes e difíceis de tratar, como Acinetobacter e Pseudomonas spp.Para pacientes com infecção severa associada com falência respiratória e choque séptico, terapia antibiótica combinada de amplo espectro para bacteremia por P. aeruginosa e Streptococcus pneumoniae. b) A terapia empírica combinada não deve ser administrada por mais de 3-5 dias. A transição para a terapia única mais adequada deve ser feita assim que o perfil de suscetibilidade é conhecido. 5. A duração típica do tratamento antimicrobiano é de 7-10 dias. Um aumento na duração pode ser apropriado para pacientes com resposta clínica lenta, abscessos sem a possibilidade de drenagem, bacteremia por S. aureus e algumas infecções fúngicas ou virais ou deficiências imunológicas. 6. Terapia antiviral deve ser iniciada o mais rápido possível em pacientes com sepse severa ou choque séptico de origem viral. 7. Agentes antimicrobianos não devem ser usados em pacientes em estado inflamatório severo sem causa infecciosa. D. Controle da Fonte de Infecção: 1. Controle da fonte de infecção dentro de 12 horas do diagnóstico, com atenção aos riscos e benefícios quanto ao método escolhido para este fim. 87 2. Quando necrose peripancreática infectada é identificada como uma potencial fonte de infecção, a intervenção definitiva deve ser adiada até demarcação adequada do tecido viável e do tecido inviável. 3. O controle da fonte de infecção ideal em um paciente com sepse severa deve ser feito de forma efetiva, mas de forma a causar o menor dano fisiológico. 4. Se o cateter de acesso vascular é uma possível fonte de infecção, ele deve ser removido prontamente assim que outro acesso vascular for estabelecido. E. Prevenção da Infecção: - Práticas cuidadosas de controle de infecção, como a lavagem das mãos, cuidados com o cateter, controle de vias aéreas, elevação da cabeceira da cama, etc. devem ser instituídas durante o cuidado de pacientes sépticos. 1. a) Descontaminação oral seletiva e Descontaminação digestiva seletiva devem ser introduzidas e investigadas como método de reduzir a incidência de pneumonia associada ao ventilador mecânico. b) Gluconato de clorexidina oral deve ser usado como forma de descontaminação orofaringeana para reduzir os riscos de pneumonia associada ao ventilador mecânico em pacientes de UTI com sepse severa. Conclusão O manejo da sepse requer uma equipe multidisciplinar (médicos, enfermeiras, farmacêuticos, nutricionistas e equipe administrativa) e uma colaboração entre as diferentes especialidades médicas (clínicos, cirurgiões e intensivistas) para maximizar as chances de sucesso no tratamento. O sucesso do tratamento também requer um constante processo de educação, de desenvolvimento e implementação de protocolos, de coleta de dados, de mensuração de indicadores e de feedback para facilitar uma contínua melhora na performance. Em suma, a atualização constante dos profissionais da área de saúde é de fundamental importância no intuito de adequar-se às mudanças sofridas pelas diretrizes, no intuito de melhorar sua performance e reduzir os índices de mortalidade de seus pacientes. Referências Bibliográficas: 1. Dellinger, RP et al: Surviving Sepsis Campaign: International Guidelines for Management of Severe Sepsis and Septic Shock: 2012. Critical Care Medicine Journal, 2013; 41:580-637. 2. Salomão, R et al: Diretrizes para tratamento da sepse grave/choque séptico: abordagem do agente infeccioso - controle do foco infeccioso e tratamento antimicrobiano. Revista Brasileira de Terapia Intensiva. 2011; 23(2):145-157 3. Diretrizes Clínicas na Saúde Suplementar: Sepse: Abordagem do Agente Infeccioso – Diagnóstico. 2011 4. Diretrizes Clínicas na Saúde Suplementar: Sepse: Controle do Foco e Tratamento Antimicrobiano. 2011 88 Capítulo 9 Noções básicas em anestesia local e geral Gabrielle Souza Barbosa da Silva Sâmella Cavalcanti Monteiro A anestesia geral foi realizada pela primeira vez com sucesso por Thomas Green Morton, em 1846. Essa foi uma das grandes descobertas da humanidade não só por abolir a dor dos procedimentos invasivos, mas também porque possibilitou o aprimoramento das técnicas cirúrgicas, aumentando a expectativa de vida da população. A anestesia geral tem como objetivo promover hipnose, sedação, amnésia e principalmente, bloqueio ou atenuação a resposta do tratamento cirúrgico. A dor provocada pela estimulação cirúrgica produz respostas somáticas e autonômicas que variam, momento a momento, de acordo com a intensidade do estímulo, exigindo ajustes constantes dos níveis anestésicos. CLASSIFICAÇÃO Anestesia geral A anestesia geral pode ser classificada de acordo com a via de administração em: inalatória, venosa, balanceada e combinada. O período anestésico compõe-se de três fases: indução, manutenção e recuperação que são atingidos à medida que a droga se distribui pelos vários órgãos e tecidos. Por isso, é fundamental compreender a farmacocinética e farmacodinâmica das drogas inalatórias ou injetáveis usadas na anestesia. ANESTESIA INALATÓRIA Farmacocinética – O anestésico é transportado para os alvéolos e deles para o cérebro (via sangue arterial) em concentrações calculáveis (FI = concentração inspirada; FA = concentração alveolar; Fa = concentração arterial) que geram um gradiente pressórico, de modo que: P inspirada (PI) > P alveolar (Palv) > P arterial (Pa) > P cerebral (Pc) Inicia-se a anestesia com uma concentração mais elevada, para criar um gradiente pressórico que impulsione o anestésico até o cérebro. A ventilação promove a entrada do anestésico, assim, quanto maior a frequência respiratória mais rapidamente se eleva a pressão alveolar. A concentração no SNC determinando alterações reversíveis da consciência e das vias da dor constituem o estado anestésico. Fases da anestesia inalatória: 1. Transferência do aparelho de anestesia para os alvéolos – realizada através de ventilação espontânea ou controlada, manual ou mecânica. Aparelhos possuem o mesmo esquema básico: uma sessão de fluxo contínuo (contendo fluxômetros e 89 vaporizador), um sistema respiratório (com ou sem observador de CO2) e um ventilador. 2. Transferência dos alvéolos para o sangue arterial (captação) – ao chegar aos alvéolos o agente anestésico dilui-se nos gases contidos no pulmão (CRF – Capacidade Residual Funcional), de modo que o equilíbrio entre a fração inspirada e a fração alveolar vai depender da relação entre o CRF e a ventilação alveolar (VA). Três fatores afetam a captação do agente anestésico: solubilidade no sangue, débito cardíaco e gradiente de pressão. Os agentes insolúveis como o óxido nitroso, desflurano, sevoflurano são captados menos avidamente que os solúveis (halotano, enflurano, isoflurano). Consequentemente, nos insolúveis a concentração alveolar elevase mais rapidamente e o tempo de indução é mais curto. A CAM (Concentração Alveolar Mínima) é a concentração alveolar capaz de produzir efeito anestésico. Vale ressaltar que a concentração alveolar é considerada igual à concentração cerebral. Fatores que diminuem a CAM: Idade avançada, hipotermia, depressores do SNC, gravidez, anti-hipertensivos, alcoolismo agudo, agonistas alfa2. Fatores que aumentam a CAM: Hipertermia, alcoolismo crônico, inibidores da MAO. 3. Transferência do sangue para os tecidos (distribuição) – O agente anestésico é carreado de acordo com o fluxo sanguíneo de cada tecido. Assim, a distribuição faz-se primeiramente ao grupo ricamente vascularizado - GRV (cérebro, coração, fígado rins e glândulas endócrinas) -, seguido pelo grupo dos músculos e pele – GM – e grupo das gorduras – GG -. O grupo pobremente vascularizado - GPV (ossos, ligamentos e cartilagem) recebe perfusão desprezível e não influencia na distribuição e dos agentes lipossolúveis. A solubilidade no sangue e nos tecidos é representada pelo coeficiente de partição que descreve a distribuição e o equilíbrio entre as duas fases. Quanto mais solúvel no sangue (>coeficiente de partição), mais lenta a indução anestésica. Metabolização e eliminação do agente anestésico: Corresponde a regressão da anestesia (despertar). Ocorre metabolismo oxidativo via citocromo P450, no fígado, pulmões e trato gastrointestinal. O halotano tem maior taxa de metabolização podendo, em condições de hipóxia, provocar necrose hepática. As gorduras funcionam como um grande depósito para as drogas lipossolúveis, eliminando-as lentamente em virtude de sua pobre vascularização, tornando assim mais demorada a recuperação anestésica. Recuperação da anestesia geral (escala de SARAIVA): 1 – reação à dor 2 – obediência ao comando 3 – resposta a perguntas simples 4 – orientação no tempo e espaço Agentes Anestésicos Inalatórios: Anestésico gasoso - N2O: CAM de 104% (o que o inviabiliza a sua utilização como agente único na rotina clínica). Quando associado a um agente anestésico volátil reduz a CAM do mesmo. Graças a sua insolubilidade, é rapidamente absorvido do alvéolo para o sangue, provocando um súbito aumento na concentração alveolar de outros agentes mais potentes, o que teoricamente pode aumentar a velocidade de indução da anestesia 90 (efeito do segundo gás). Durante a fase de recuperação pode ocorrer hipóxia por difusão, porque o N2O desloca o oxigênio alveolar. Assim, todos os pacientes devem receber oxigênio a 100% durante 3-5 min no final da anestesia e no período inicial ou imediato da recuperação. Anestésico voláteis – halotano, enflurano, isoflurano, sevoflurano, desflurano: exceto em pediatria, são habitualmente utilizados na fase de manutenção da anestesia. Em pediatria realiza-se comumente a indução anestésica com um dos potentes halogenados, especialmente quando o acesso venoso é difícil. 91 ANESTESIA VENOSA Com a descoberta de novas drogas e técnicas de administração, a anestesia intravenosa começou a ser expandida para todo o mundo e hoje é uma técnica largamente usada. Existem dois grupos de anestésicos venosos em uso na atualidade: 1Não-opióides: tiopental, midazolam, etomidato, propofol e cetamina 2- Opióides: fentanil, alfentanil, sufentanil e remifentanil. Farmacologia clínica dos agentes venosos – A farmacocinética é definida por 4 parâmetros: absorção, distribuição, biotransformação e excreção. Didadicamente, dividi-se o organismo em dois compartimentos. O compartimento central corresponde ao sangue e aos tecidos ricamente vascularizados (GVR), e o periférico corresponde aos demais tecidos (GM, GG e GPV). Após uma injeção em bolus a concentração plasmática (C1) aumenta instantaneamente. A seguir há um rápido declínio chamado fase de distribuição ou fase α que corresponde à redistribuição para os tecidos menos perfundidos do compartimento periférico (C2). Os agentes tiopental, midazolam, etomidato e propofol diminuem a excitabilidade neuronal aumentando a ligação GABA-receptor, facilitando a ação inibitória ou mimetizando as ações do GABA. O antagonismo do NMDA (N-metil-Daspartato - receptor aminoácido encontrado no cérebro e na medula espinhal, que é ativado pelo neurotrasmissor excitatório L-glutamato) parece ser o responsável pelo efeito analgésico e anestésico da cetamina. 92 Anestésicos venosos de uso clínico na atualidade Não-opióides: Drogas não-opióides podem ser usadas em doses únicas, tipo bolo, para indução ou em infusão contínua (especialmente o propofol) para manutenção da anestesia. BARBITÚRICOS – Atuam deprimindo o sistema reticular ativador ascendente localizado no tronco cerebral, responsável pelo controle das funções vitais incluindo a consciência. Afeta principalmente a função sináptica, suprimindo a transmissão dos neurotransmissores excitatórios e aumentando a transmissão dos neurotransmissores inibitórios (GABA). Seu principal representante é tiopental que possui rápido efeito hipnótico, previsibilidade e não irritabilidade vascular. É biotransformado no fígado e tem extração hepática relativamente baixa. Sua meia-vida de distribuição é de 2,5 min e a meia-vida de eliminação varia de 5 a 12 horas. BENZODIAZEPÍNICOS - Todos os benzodiazepínicos possuem propriedades hipnóticas, anticonvulsivantes, relaxante muscular, amnésicas e ansiolíticas. Interagem com receptores específicos no SNC especialmente a nível cortical, potencializando os efeitos inibitórios do GABA, aumentando a condutância da membrana ao íon cloro e promovendo hiperpolarização do neurônio pós-sináptico. Os benzodiazepínicos utilizados comumente na anestesia clínica o diazepam e o midazolam podem ser administrado por via nasal, oral, intramuscular e endovenosa para proporcionar sedação ou indução da anestesia. Diazepam: Padrão com o qual todos os benzodiazepínicos são comparados. É biotransformado no fígado tem tempo de ação prolongado com retorno da sonolência 6 a 8 horas após a administração. Midazolam: único benzodiazepínico hidrossolúvel, dispensa uso de solvente, é duas a três vezes mais potente que o diazepam. Biotransformado no fígado em metabólitos inativos, é o único benzodiazepínico com rápido início e período curto de ação. CETAMINA – cloridrato de cetamina (Ketalar) causa alucinações e delírios. A cetamina produz anestesia dissociativa de curta duração, caracterizada por manutenção dos reflexos laringofaríngeos e do tônus musculoesquelético. É um potente analgésico e seus efeitos anestésicos podem ser parcialmente devidos ao efeito antagonista nos receptores excitatórios NMDA, subgrupo dos receptores opióides. O estímulo simpático central, a liberação neuronal de catecolaminas em geral se sobrepõe aos efeitos diretos depressores miocárdicos da cetamina. O paciente apresenta-se cataléptico, mas com intensa analgesia e amnésia. A cetamina tem ação na musculatura lisa dos brônquios e é tão eficaz no broncoespasmo quanto os anestésicos inalatórios. As secreções salivar e traqueobrônquica estão aumentadas o que pode elevar a incidência de laringoespasmo e obstrução das vias aéreas superiores. Pode ser administrado pelas vias IM, IV, oral e nasal. ETOMIDATO – moderadamente solúvel em gorduras. Dissolvido em propilenoglicol pode provocar dor à injeção, sendo aconselhável a administração lenta, preferencialmente em veias de grosso calibre. É utilizado para a indução de anestesias e não possui atividade analgésica. Na dose de indução recomendada possui rápido início de ação, a redistribuição é responsável pela redução das concentrações plasmáticas e despertar precoce. O etomidato diminui a pressão intraocular (PIO) e aumenta a 93 incidência de náuseas e vômitos. Não provoca liberação de histamina e há pouca evidência de efeito cumulativo. É rapidamente hidrolizado no fígado e no sangue (esterases plasmáticas) sendo seus metabólitos inativos. O produto final da hidrólise é excretado principalmente na urina. PROPOFOL – exerce ações no canal iônico do cloro embora não se ligue diretamente aos receptores GABA. É um agente hipnótico intravenoso que produz indução rápida da anestesia com pouquíssima atividade excitatória. Está contraindicado a pacientes que possuem alergia a ovos ou óleo de soja. O propofol é distribuído de forma ampla e rapidamente eliminado. Não possui propriedade analgésica. É o mais utilizado indutor de anestesias no momento e está indicado para sedação consciente, indução e manutenção da anestesia e ainda, no tratamento de náuseas e vômitos pós-operatórios e pós-quimioterapia. O propofol pode suprimir o córtex adrenal diminuindo os níveis plasmáticos de cortisol, essa supressão adrenal é rapidamente reversível e responde ao estímulo do ACTH. O propofol pode apresentar liberação de histamina. Possui excreção hepática e extra-hepática (pulmonar). Por promover dor à injeção, deve ser injetado lentamente e em veias calibrosas. Opióides São todas as substâncias naturais e sintéticas que se ligam a quaisquer das subpopulações de receptores opióides e produzem pelo menos alguns efeitos agonistas. Os opióides, por controlarem a dor e inibirem os reflexos fisiológicos ao estímulo doloroso, são considerados os agentes mais importantes da anestesia venosa balanceada. Sua associação às técnicas de bloqueios regionais buscando melhorar a qualidade da anestesia e a analgesia pós-operatória tem sido estimulada. A dose utilizada varia com o agente e com a técnica. Quanto aos receptores opióides, existem quatro tipos: mu (μ), delta (δ), kappa (κ), sigma (σ). 94 Os opióides são classificados, de acordo com a sua afinidade pelo receptor em: Agonistas puros (morfina, meperidina, fentanil, alfentanil, sufentanil e remifentanil), Agonistas-antagonistas (nalbufina e nalorfina), Agonistas parciais (buprenorfina), Antagonistas (naloxona e naltrexona) Os opióides promovem analgesia através de um ou mais receptores opióides, mimetizando as ações de opióides endógenos (endorfina, encefalina e dinorfina), atuando seletivamente por meio de ligantes endógenos ou exógenos. Morfina – Possui grande volume de distribuição, captação relativamente alta, metabolização hepática com apenas 15% da droga sendo eliminada de forma inalterada pelos rins. Tem ação relativamente longa. Libera histamina modificando o tônus simpático, produzindo vasodilatação arterial (transitória) e venosa (mais duradoura) que pode resultar em hipotensão significativa. Meperidina – Tem início de ação ligeiramente mais rápido e duração mais curta que a morfina, possui apenas um décimo de sua potência. Rápida metabolização hepática com produção de normeperidina, um metabólito ativo com propriedades analgésicas menores e atividades convulsivantes duas vezes maiores que a meperidina. Único opióide a possuir atividade anestésica local potente produzindo bloqueio sensorial, motor e autônomo quando utilizado via epidural ou espinhal. Não deve, entretanto, ser administrado como anestésico tópico porque causa irritação local. Clinicamente é mais utilizado como analgésico pré e pós-operatório e, em pequenas doses (10 a 20 mg) para atenuar os tremores vistos no paciente cirúrgico. Fentanil – É 75 – 125 vezes mais potente que a morfina. Possui elevada lipossolubilidade e grande volume de distribuição o que lhe confere um rápido início de ação a nível de SNC, e duração mais prolongada. É largamente metabolizado no fígado à metabólitos inativos. Alfentanil – É um análogo do fentanil, 5 – 6 vezes menos potente, de rápido início e curta duração de ação. É utilizado frequentemente para anestesia venosa total. Sofre metabolização hepática. Seus efeitos clínicos sua similares ao fentanil. Sulfentanil – é o opióide mais potente disponível clinicamente com aproximadamente 5 a 10 vezes a potência do fentanil. Apesar de sua grande potência é pouco eficaz como agente único. Seus efeitos clínicos são similares ao fentanil e alfentanil. Remifentanil – é um novo e potente agonista dos receptores opióides μ com propriedades farmacodinâmicas similares aos outros opióides μ-agonistas. Seu perfil farmacocinético é caracterizado por rápido equilíbrio com os compartimentos centrais, fácil titulação e curto tempo de eliminação. Não apresenta efeito residual e seus efeitos farmacocinéticos desaparecem rapidamente com a descontinuação da infusão. É a droga ideal para infusões contínuas. Antagonistas: Flumazenil, naloxone. São substâncias que, ao ocupar o receptor, bloqueiam a ação do agonista sem que possuam atividade terapêutica. Flumazenil: antagonista específico do receptor benzodiazepínico. O flumazenil, comercializado como Lanexate, está indicado para reversão da sedação e da amnésia auterógrada, diminuição dos efeitos sedativos, intoxicação por benzodiazepínicos, sobredoses em pediatria. Naloxone: é um antagonista opióide puro, sem atividade agonista. Inibe competitivamente os agonistas opiáceos nos receptores μ, δ e κ. Não apresenta atividade farmacológica na ausência de narcóticos e não produz depressão respiratória, efeitos psicomiméticos ou constrição pupilar. Está indicada para reversão da depressão 95 narcótica (respiratóia, sedação, hipotenção, analgesia); reversão do espasmo do trato biliar; reversão dos efeitos psicomiméticos e disfóricos dos agonistas-antagonistas (ex. pentazocina); tratamento adjuvante de doses excessivas de captopril, clonidina, codeína e outros; tratamento e profilaxia dos efeitos colaterais dos narcóticos (ex. náusea, prurido); tratamento adjuvante de choque séptico e cardiogênico, revertendo a hipotensão e a instabilidade cardiovascular secundária às endorfinas endógenas (vasodilatadoras), liberadas nestes pacientes. ANESTÉSICOS LOCAIS São fármacos que bloqueiam reversivelmente a geração e a condução do impulso ao longo da fibra nervosa, abolindo a sensibilidade e até a atividade motora. A ação resulta da capacidade de deprimir os impulsos nervosos aferentes da pele, superfície de mucosas e músculos que se dirigem ao SNC. A escolha de um anestésico local deve levar em conta o tempo cirúrgico, a técnica anestésica a ser usada, as necessidades da operação, o potencial de reações tóxicas locais ou sistêmicas e os problemas relacionados ao metabolismo. A duração do efeito anestésico deve englobar o período necessário à realização do procedimento e estar condicionado à ligação do fármaco as proteínas plasmáticas e teciduais, rapidez de inativação e associação com vasoconstritores. Os vasoconstritores diminuem a velocidade de absorção e prolongam a ação anestésica. Os anestésicos locais podem ser classificados em compostos de ação curta, intermediária (Ex.: lidocaína, prilocaína e mepivacaína) e longa (bupivacaína), contudo, há uma discordância entre os pesquisadores, pois a duração da anestesia depende de fatores como aumento da dose e associação com vasoconstritores. A lidocaína, anestésico local do tipo amida, que estabiliza a membrana neuronal e inibe reversivelmente o início e a condução dos impulsos nervosos, produzindo assim a ação anestésica, tem início rápido (1-5 minutos), duração mediana, potência e toxicidade moderadas, sendo muito usada para todos os tipos de anestesia regional. A lidocaína é o anestésico local mais comumente usado. Em adultos saudáveis, a dose máxima individual recomendada de lidocaína com epinefrina é de 7mg/kg e em geral a máxima dose total não deve exceder 500 mg. A dose máxima da lidocaína sem 96 vasocontritor não deve exceder 4,5 mg/kg e, em geral, é recomendado que a dose máxima total não exceda a 300 mg. Dose excessiva pode estar associada a vertigem, sonolência, dificuldade para focar a visão, fala arrastada, contrações musculares, calafrios, convulsões, depressão cardíaca, respiratória e morte. O efeito adverso mais comum é um distúrbio vasovagal. A epinefrina deve ser evitada quando se realizam bloqueios nervosos de forma circular, como se empregam nos dedos ou no pênis, especialmente nos pacientes com insuficiência vascular. Reações tóxicas com a epinefrina incluem taquicardia, hipertensão arterial, palpitação, disritmia e hemorragia cerebral. Quando a anestesia prolongada é necessária deve ser considerado o emprego de anestésicos locais de longa duração como a bupivacaína. Embora o início de ação seja mais lento, sua duração é maior. Ela pode ser especialmente importante quando a epinefrina está contra indicada. Ser cuidadoso com a injeção do anestésico poderá reduzir drasticamente o desconforto proveniente. A bupivacaína tem início lento, duração longa, potência e toxicidade altas. O bloqueio sensório é mais intenso e prolongado do que o bloqueio motor. É cerca de quatro vezes mais potente e mais tóxica do que a mepivacaína e lidocaína. Promove anestesia mais longa e mais profunda, quando utilizada a técnica regional em comparação com a infiltrativa. O efeito pode prolongar-se por até 12 horas. Doses totais em adultos saudáveis não devem exceder 2,0 mg/Kg, não devendo ultrapassar 225 mg com epinefrina a 1:200.000 e 175 mg sem vasoconstritor. Estas doses totais podem ser repetidas até cada três horas e não exceder 400 mg em 24 horas. Os efeitos adversos dos anestésicos locais são incomuns e, geralmente, ocorrem por superdosagem ou injeção acidental do anestésico num vaso sanguíneo. Estes acidentes não são relatados com frequência, talvez por serem subestimados na sua gravidade ou porque os mecanismos que os produzem não são devidamente diagnosticados. Os anestésicos locais podem desencadear efeitos sistêmicos tóxicos que vão desde disartria, lassidão da língua e da boca, tontura, até efeitos sistêmicos mais graves que incluem convulsão e depressão cardiorrespiratória. No entanto, algumas reações alérgicas podem ocorrer independentemente da dose empregada, como urticária, edema de glote, broncoespasmo e choque anafilático (que ocorre principalmente pelo uso de prilocaína). As reações sistêmicas mais frequentes na literatura são o efeito tóxico sobre o sistema nervoso central e a depressão cardiovascular. 97 Capítulo 10 Distúrbios Hidroeletrolíticos Carlos Wanderley André Wilheim INTRODUÇÃO A água é o componente mais abundante no organismo (60% do peso corporal nos homens e 50% nas mulheres). Dessas quantidades, 65% encontra-se no compartimento intracelular e 35% no extravascular. Este último se divide em compartimento intravascular (plasma) e extravascular (interstício), em uma razão de 1:3. A água atravessa as membranas celulares para manter o equilíbrio osmótico. No LEC predominam os cátions Na+ e os ânions que o acompanham (Cl- e HCO3-, enquanto no LIC são mais abundantes os cátions K+ e os ésteres de fosfato orgânico (ATP, fosfato de creatina e fosfolipídios). A transferência de líquidos entre os compartimentos intravascular e intersticial ocorre através da parede capilar e é determinada pelas forças de Starling: pressão hidráulica capilar e pressão coloidosmótica. A pressão hidrostática capilar é mais forte que a osmótica capilar, portanto ocorre passagem de líquido para o espaço intersticial. O líquido retorna ao compartimento intravascular pela circulação linfática. A osmolalidade plasmática oscila entre 275 e 290 mosmol/kg, e é mantida dentro de uma faixa estreita por mecanismos reguladores capazes de detectar variações de 1 a 2%. Distúrbios de homeostasia hídrica podem causar hipernatremia ou hiponatremia. Indivíduos saudáveis têm perda normal de água pela urina, fezes, evaporação (pela pele e trato respiratório). A excreção gastrointestinal é bastante relevante para os estados de perda excessiva hídrica, visto que vômitos e diarreia excessivas podem desencadear estados de violento distúrbio hidroeletrolítico. As perdas hídricas por evaporação são importantes para a manutenção da temperatura corporal e a excreção renal (cerca de 500ml/dia) é essencial para a manutenção da concentração normal de solutos. O principal estímulo para a ingestão de água é a sede, e esta é regulada principalmente pelo aumento da osmolalidade efetiva ou redução do volume do LEC ou da pressão arterial. Osmorreceptores localizados no hipotálamo anterior são estimulados pelo aumento da tonicidade. O limiar osmótico médio para a sede é de cerca de 295 mosmol/kg. Em condições normais, a ingestão diária de água é maior do que as necessidades fisiológicas. O mecanismo responsável pela excreção de água é fisiológico, sendo o principal a arginina-vasopressina ou hormônio antidiurético, secretado pela neuro-hipófise, mas produzido pelos núcleos supra-ópticos no hipotálamo. Tal hormônio causa a reabsorção passiva de água a nível de células dos ductos coletores segundo um gradiente osmótico 98 entre o túbulo coletor e o interstício medular hipertônico. O principal estímulo para a secreção de ADH é a hipertonicidade. Os osmorreceptores aumentam ou diminuem seu volume celular e isto resulta no aumento ou na diminuição da secreção de ADH. O limiar osmótico para a secreção de ADH e de 280 a 290 mosmol/kg, sendo este sistema suficientemente sensível para que a osmolalidade plasmática não varie em mais de 1 ou 2%. O volume circulante arterial efetivo também é importante para a secreção de ADH, bem como náuseas e dor, estresse, hipoglicemia, gravidez e vários fármacos. A resposta hemodinâmica é mediada pelos barorreceptores localizados no seio carótico. Esse macanismo é bem menos sensível, e para tal é necessária a variação de grande quantidade de volume sanguíneo a ponto de modificar a pressão arterial. HIPOVOLEMIA Contração de volume do LEC. A perda de Na+ pode ser renal ou extrarrenal. RENAL O uso de diuréticos pode interferir com a reabsorção de sódio nos túbulos renais, causando excreção desse elemento na urina. A filtração aumentada de solutos como a glicose e a ureia tambem compromete a reabsorção de água e Na+. Esta última situação ocorre especialmente nos pacientes com diabetes mellitus não-controlado e pacientes tratados com dieta hiperproteica. Perdas excessivas de Na+ e água também podem ocorrer na fase diurética da necrose tubular aguda e depois da correção de obstruções bilaterais do trato urinário. Hipoaldosteronismo também pode provocar perda acentuada do sal. EXTRA-RENAL Perdas pelo trato gastrointestinal, respiratório ou pele, e acúmulo de líquidos no terceiro espaço (queimaduras, pancreatite e peritonite). No trato gastrointestinal, a reabsorção de liquidos reduzida ou a secreção exacerbada pode provocar hipovolemia. Vômitos e diarreia também se acompanham frequentemente de acidose ou alcalose. Como o suór é hipotônico, a perda de água por transpiração é muito mais considerável que a perda de sódio. O déficit hídrico é percebido como a exacerbação da sede. Perdas acentuadas de água pelo trato respiratório podem estar associados a hiperventilação, que pode ser observado em pacientes com respirador artificial. O terceiro espaço é um compartimento que não se encontra em equilíbrio nem com o LEC nem com o LIC. Portanto, queimaduras, peritonite, pancreatite, hemorragias intensas e perda de líquido para a luz intestinal em obstruções não são contornadas fisiologicamente e podem causar desidratação. FISIOPATOLOGIA A contração de volume no LEC acarreta a diminuição do volume intravascular e hipotensão. Esta é causada pela diminuição do retorno venoso e do déficit de bombeamento cardíaco. Ocorre portanto ativação dos barorreceptores do arco aórtico, 99 ativação do Sistema Nervoso Simpático e ativação do Sistema Renina-AngiotensinaAldosterona. A nível renal, ocorre redução da taxa de filtração glomerular, da quantidade de Na+ filtrado e aumento da reabsorção tubular desse elemento. O aumento da reabsorção de Na+ pelos ductos coletores também é um dos elementos da resposta a contração do LEC. Ocorre em consequência da secreção aumentada de aldosterona e AVP, bem como a secreção suprimida de peptídio natriurético atrial. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Anamnese detalhada pode revelar vômitos, diarreia, poliúria e sudorese, que podem estar envolvidos com a origem da contração do VEC. A sintomatologia é pouco específica. Situações mais graves podem causar a isquemia de órgaos-alvo, evidenciada por oligúria, cianose, dores torácica e abdominal, bem como confusão e obnubilação. Redução da pressão venosa jugular bem como hipotensão e taquicardia posturais também são sinais de contração do volume intravascular. O choque hipovolêmico manifesta-se por hipotensão, taquicardia, vasocontrição periférica e hipoperfusãocianose, extremidades frias e úmidas, oligúria e alteração do estado mental. DIAGNÓSTICO História clínica e exame físico podem ser suficientes. A concentração de ureia sanguínea e creatinina plasmática podem estar elevados em função da redução do volume plasmático, perfusão renal e taxa de filtração glomerular. Em geral, a relação ureia-creatinina e de 10:1, mas em caso de azotemia pré-renal esta relação pode elevarse. A resposta apropriada à hipovolemia consiste no aumento da reabsorção renal de Na+ e água que se reflete na composição da urina. A concentração de Na+ na urina e inferior a 20 mmol/l, se não houver nenhum comprometimento da reabsorção do elemento. Exceção a essa situação ocorre quando a hipovolemia é causada pela êmese intensa (vômitos repetidos), em que a alcalose metabólica instalada faz com que a reabsorção de sódio seja reduzida, e a concentração urinária de Cl-, por sua vez, esteja elevada. ALTERAÇÕES A NÍVEL DE ELETRÓLITOS Os eletrólitos presentes no plasma sanguíneo e no meio intracelular estão estabelecidos em equilíbrio de concentrações que é ideal para o funcionamento corporal. Porém, o trauma cirúrgico, ou outros traumas, além de vários outros fatores podem alterar esse equilíbrio, o que consequentemente leva a alterações orgânicas que, a depender da gravidade, trazem sintomatologias características. A seguir serão analisadas as alterações dos eletrólitos sódio, potássio, cálcio e magnésio. Sódio A concentração intracelular normal de sódio é de 10mEq/L, valor muito menor relativo à concentração do mesmo soluto no plasma sanguíneo, onde alcança a concentração de 100 142mEq/L, sendo o mais presente em líquidos extra-celulares. As alterações que ocorrem nesse equilíbrio são a hiponatremia e a hipernatremia. A hiponatremia é uma queda na concentração sérica do sódio, que pode ocorrer por uma demasiada hidratação ou por uma deficiência de sódio. Quando há uma depleção de sódio, temos perdas de líquidos com o íons, como nas perdas digestivas (vômitos e diarreia), pela pele (sudorese, queimaduras, lesões exsudativas), alterações renais (uso de diuréticos, doença de Addison) ou até obstruções intestinais. Quando há hemodiluição, os principais fatores causadores são insuficiência cardíaca congestiva, cirrose, secreção inadequada do ADH, doença de Addison. Outras causas são a síndrome da hiponatremia familiar e alterações nutricionais (hiperlipidemias, hiperglicemias e hiperproteinemias em casos de mieloma múltiplo). Decorre principalmente de traumatismos, podendo ser ocasionada também por perdas orgânicas de eletrólitos, como vômitos e diarreia. Nos traumatismos, quando há uma perda sanguínea muito grande, necessita-se de reposição volêmica, que muitas vezes pode ser com uma solução que tenha concentração de sódio muito abaixo da que o plasma possui; assim, ocorrerá uma diluição sérica, provocando diminuição da concentração de sódio, que é a hiponatremia. Em traumatismos cranianos, pode ocorrer alterações nas secreções hormonais do hipotálamo, incluindo o ADH; se este aumentar, ocorre uma maior retenção hídrica nos rins, o que também dilui o sangue e diminui a concentração de sódio, além de provocar oligúria. A sintomatologia da hiponatremia ocorre predominantemente quando a concentração sérica do eletrólito fica abaixo de 120mEq/L. O rim, ao interpretar essa baixa, ativa o sistema renina-angiotensina-aldosterona, provocando uma maior retenção de sódio, o que leva a oligúria. O SNC é o local mais afetado pelo distúrbio; quando em casos mais graves, a pressão osmótica leva a um edema de células nervosas, elevando a pressão intracraniana, que pode evoluir com letargia, arreflexias, convulsões e coma. A correção do distúrbio baseia-se na etiologia da doença. Inicialmente o tratamento da causa básica da doença é recomendado. Caso seja uma depleção de sódio, deve-se repor o mesmo em soluções com concentrações do íon aproximadas da encontrada no corpo. Já no excesso de água, restrição hídrica é o indicado ao paciente; em casos mais graves, com sódio abaixo de 110mEq/L, soluções isotônicas podem ser administradas, já que possuem uma concentração relativamente “hipertônica”, pois é maior que a existente. Os outros fatores não necessitam de um tratamento especial, apenas atenuação do fator causador. Já a hipernatremia é o aumento da concentração sérica do sódio, causada por uma perda de água superior à perda de sódio (vômitos, diarreia, diabete mellitus,diabetes insipidus, febre, insolação, hiperventilação), quando não há uma reposição hídrica adequada a uma perda, administração exagerada do soluto (suplementos, diuréticos osmóticos) ou excesso de esteroides. 101 Ocorre predominantemente associada a um aumento do volume sanguíneo, causada pela alteração das pressões osmóticas, desidratando as células, o que chega a ser uma “contradição” e pode atrapalhar no diagnóstico. Pode ocorrer quando há nutrição parenteral administrada rapidamente, sendo ela hipertônica quanto ao sódio, principalmente em politraumatizados ou após traqueostomias. A sintomatologia predominantemente aparece quando as concentrações superam 155mEq/L. Os efeitos sobre as células neuronais podem aparecer clinicamente com o surgimento de delírios, inquietações e até comportamentos maníacos com alucinações. Além disso, mucosas secas e pegajosas, e língua edemaciada e hiperemiada podem ser características, mas sem alterações do turgor da pele. Fadiga e cãibras são comuns, além de febre. Para corrigir o distúrbio, a correção do fator primário causador do problema é o básico. Além disso, água por via oral é indicado, e pode ser o suficiente, mas em casos mais graves pode-se aplicar soluções de glicose a 5% ou solução salina a 0,45% via endovenosa. Potássio A concentração intracelular normal de potássio é de 150mEq/L, já a concentração plasmática é de 4mEq/L. Entre suas funções, destaca-se a de regulador da excitabilidade e contratilidade das fibras musculares, além da participação em trocas iônicas, importantes para manutenção do equilíbrio ácido-básico. As alterações que ocorrem nesse equilíbrio são a hipopotassemia e a hiperpotassemia. Na hipopotassemia, redução da concentração sérica de potássio, a função contrátil do músculos encontra-se prejudicada, pois o influxo desse íon para o meio intracelular faz parte do processo de despolarização da fibra. Ocorre uma diminuição na sensibilidade dos reflexos musculares, ocorrendo possivelmente flacidez nos músculos esqueléticos. Na musculatura lisa, o íleo paralítico é a característica clínica mais comum. Já no músculo cardíaco, ocorrem arritmias e alterações elétricas do miocárdio, como achatamento de onda T, depressão do segmento S-T, prolongamento do intervalo Q-T e até aparecimento de onda U. A nível renal, a concentração da urina é prejudicada, podendo haver poliúria. Quanto ao SNC, poderá surgir uma quadro de irritabilidade, além de letargia que pode evoluir para coma. O conteúdo da secreção gástrica é rico em potássio; assim, vômitos em excesso podem levar ao quadro de hipopotassemia. Outra causa comum é a infusão de líquidos hipotônicos quanto a esse íon (hipotônico relativamente ao plasma), pois ocorre a diluição do conteúdo sérico, diminuindo a concentração. Além disso, alcaloses podem requerer uma maior quantidade de potássio infundido nas células por meio da bomba K+/H+, provocando hipopotassemia. Como existe uma quantidade obrigatório de íons que é eliminada nas fezes, a má ingestão pode provocar a redução da quantidade sérica. 102 Diuréticos, doenças renais (como a acidose tubular renal), síndrome de Cohn e doença de Cushing são outros fatores causadores do distúrbio. O tratamento é realizado com infusão de potássio endovenoso, em solução de 40 a 60mEq/L, mas de maneira lenta, nunca ultrapassando 40mEq por hora, para evitar que outras alterações contráteis aconteçam, principalmente no miocárdio. Na hiperpotassemia, a concentração sérica do potássio está aumentada. Isso reflete em alterações musculares (principalmente as involuntárias _ músculos cardíaco e liso) e neuropsíquicas (ansiedade, agitação, torpor). Em um eletrocardiograma, observa-se alargamento do complexo QRS, depressão do segmento ST, e diminuição ou desparecimento das ondas P; isso tudo pode levar até a uma parada cardíaca diastólica. Quanto à musculatura lisa, as alterações gastrointestinais são as mais evidentes, podendo haver náuseas, vômitos e desconforto abdominal. Essa sintomatologia ocorre quando os níveis de concentração ultrapassam 6mEq/L. O distúrbio ocorre quando a função renal está comprometida, pois altera-se a função de excreção/reabsorção de potássio a nível glomerular (insuficiência renal aguda). Em acidoses, as trocas iônicas pelas bombas K+/H+ estão em favor da saída de K+ para o sangue para ocorrer influxo de H+ e consequentemente compensar; por outro lado, isso provoca a hiperpotassemia, dependendo da intensidade dessas trocas. Politraumatizados e pacientes em estado hipercatabólico (grandes queimaduras, esmagamentos) também podem desenvolver o distúrbio, devido à perda de água existente, que aumenta a concentração sérica do soluto. Outros fatores são transfusões, hemólise e doença de Addison O tratamento básico consiste na correção do fator que provocou o distúrbio, podendo-se administrar soluções como gluconato (ou cloreto) de cálcio, ou bicarbonato de sódio. Em casos mais graves, a diálise pode ser requerida. Cálcio A quantidade de cálcio encontrada no sangue está entre 8 e 10 mg a cada 100mL de plasma, sendo que metade se encontra na forma não-ionizada ligada a proteínas plasmáticas. A outra metade está ionizada e é responsável pela atividade muscular exercida pelo eletrólito. A regulação se dá por meio de dois hormônios: o paratormônio e a tireocalcitonina. O primeiro é produzido pelas paratireoides, e sua função é induzir uma reabsorção óssea, deslocando o cálcio do tecido ósseo para o sangue, além de promover a absorção intestinal e a excreção renal reguladora; já o segundo é produzido pela tireoide, e sua função é antagônica ao primeiro, inibindo essa reabsorção óssea. Na hipocalcemia, as concentrações de cálcio estão diminuídas, condição que influi diretamente na função muscular. Na musculatura esquelética, cãibras e espasmos são sinais frequentes; já na musculatura lisa, cólicas e dores abdominais predominam. Além 103 disso, alterações elétricas do miocárdio também ocorrem, principalmente o aumento do intervalo Q-T. Outros sintomas são: parestesias e peitoral e extremidades, miastenia e cãibras, diarreia e poliúria, disfagia, convulsões, opistótono, e sinais de Trousseau (espasmo carpopedal causado por diminuição das vascularização da mão) e de Chvostek (contração facial após estímulo pressórico na orelha). A hipocalcemia pode derivar de hipoparatireoidismo, pois a deficiência do paratormônio prejudica sua função de elevar os níveis de cálcio sanguíneos. Afecções pancreáticas e insuficiência renal também podem estar associadas ao distúrbio; na primeira, a absorção do cálcio está comprometida, pelas alterações do conteúdo intestinal; na segunda, a excreção do eletrólito está aumentada, incluindo a fração que está ligada às proteínas. O tratamento básico da hipocalcemia consiste em corrigir o fator causador do distúrbio. Caso essa correção não possa ser rápida, os sintomas podem ser aliviados administrando-se gluconato ou cloreto de cálcio, ou então lactato de cálcio via oral. Nas transfusões, é necessário monitorizar os níveis séricos do cálcio, isso por que os íons necessários para a atividade muscular podem ser captados pelo citrato plasmático, prejudicando essa função; assim, recomenda-se administração do íon após as transfusões mais prolongadas. Caso o tratamento não tenha efeito, pode-se suspeitar de hipomagnesemia, cujos sintomas são muito parecidos. A hipercalcemia é o distúrbio caracterizado pelo aumento dos níveis séricos do cálcio. Hiperparatireoidismo e neoplasias malignas avançadas com metástases ósseas (mama, por exemplo) são os principais fatores causadores do distúrbio. O primeiro ocorre com a elevação da produção e liberação de paratormônio, provocando deslocamento do cálcio ósseo para o plasma, causando hipercalcemia; a segunda baseia-se nos mesmo princípios, a passagem de cálcio do tecido ósseo para o sangue. Outras causa possíveis são: sarcoidose, intoxicação por vitamina D e insuficiência adrenal. A musculatura lisa é a mais influenciada, provocando uma sintomatologia caracterizada por náuseas, vômitos, cólicas e anorexia. Em casos mais graves, uma hipermotilidade intestinal pode ocorrer, levando a diarreia, e junto a isso pode haver também um aumento do número de episódios de vômitos; assim, ocorre uma grande perda hídrica, que leva a uma redução do volume plasmático, consequentemente. Alterações do SNC também podem surgir, tais como cefaleia intensa, desânimo, sonolência, torpor e até coma, dependendo da gravidade. Na musculatura cardíaca, há arritmias, com intervalo Q-T e segmento ST supranivelados. Como a correção da causa básica é mais complicado, nesse caso faz-se um tratamento mais direcionado ao distúrbio em si. É feita uma reposição volêmica com cristaloides, com intuito de diluir o conteúdo sérico e também de favorecer a excreção renal do mesmo, já que esse aumento induz uma diminuição da liberação de ADH. Um auxílio nessa função diurética pode ser feito com administração de medicamento diurético, como a furosemida. Outra maneira de tratamento é a ingestão de bifosfonatos 104 inorgânicos, pois diminuem a reabsorção óssea, levando à formação de complexos fosfato-cálcio em tecidos moles e ósseos. O uso de corticoides também diminui a reabsorção óssea, além de inibir a absorção de vitamina D, o que pode ser prejudicial se o paciente estiver em fase de crescimento; porém, vale ressaltar que estes só são efetivos nos casos de metástases ósseas, sendo pouco efetivos em casos de hiperparatireoidismo. Caso a quantidade de cálcio ultrapasse 15 mg em 100mL de plasma, e ocorra hipovolemia, o tratamento deve ser emergencial. Magnésio A grande quantidade de magnésio existente no organismo encontra-se na meio intracelular. A concentração plasmática situa-se em torno de 1,5 – 2,5 mEq/L. Os rins possuem papel importante na manutenção das concentrações normais, pois podem controlar a excreção do eletrólito. Já nas fezes ocorre a maior parte da excreção. A principal função do magnésio está relacionada às atuações de enzimas, além de regular a excitabilidade muscular. Na hipomagnesemia, os sintomas são parecidos com os da hipocalcemia, havendo hiperatividade neuromuscular e cerebral. Caso seja feito o tratamento de hipocalcemia e os sintomas persistirem, pode-se suspeitar de hipomagnesemia no paciente. Há um aumento da sensibilidade dos reflexos neuromusculares, além de possíveis tremores (“flapping) e irritabilidade, que podem evoluir para tetanias e até convulsões. Pode haver Sinal de Babinski, nistagmo, taquicardia, e hipertensão arterial. Quanto ao SNC, o paciente apresenta-se com desorientação e inquietação. É um distúrbio que pode ser encontrado em pacientes com alcoolismo crônico, associado ao “delirium tremens” (psicose provocada pela abstinência, principalmente do álcool). Cirrose, pancreatite, acidose diabética, má absorção intestinal, hiperaldosteronismo primário e diurese aumentada podem provocar a hipomagnesemia. O tratamento é feito com reposição iônica, administrando cloreto ou sulfeto de magnésio de maneira lenta e gradual, a fim de evitar-se toxicidades causadas pelo eletrólito; caso seja administrado cálcio associadamente, os riscos de toxicidade diminuem. Por causa dessa toxicidade, os níveis plasmáticos devem ser monitorados, a fim de que não ultrapassem a concentração de 5 ou 5,5 mEq/L. A hipermagnesemia é mais rara, e decorre principalmente de insuficiência renal, havendo a perda do controle fisiológico do rim sobre a concentração do magnésio. Os efeitos neuromusculares são mais evidentes, sendo no músculo esquelético mais notável, havendo fadiga e diminuição da sensibilidade aos reflexos neurotendíneos. Quanto ao músculo cardíaco, há aumento do intervalo P-R, alargamento dos complexos QRS e elevação das ondas T. A paralisia dos músculos respiratórios pode levar à morte. 105 A nível mental, sonolência é o principal sintoma, que pode evoluir até o estado de coma, dependendo da gravidade. Para tratamento, uma reposição volêmica é indicada, já que estimula a maior excreção renal (diminui a liberação de ADH). O cálcio é antagonista do magnésio, podendo ser empregado temporariamente por via parenteral. Em casos mais graves, pode ser necessário realizar diálise peritoneal ou extracorpórea. REFERÊNCIAS EVORA PRB; REIS CL; FEREZ MA; CONTE DA & GARCIA LV. Distúrbios do equilíbrio hidroeletrolítico e do equilíbrio acidobásico – Uma revisão prática. Medicina, Ribeirão Preto, 32: 451-469, out./dez. 1999. FERRAZ, Álvaro Antônio Bandeira; FERRAZ, Edmundo Machado. Bases da Técnica Cirúrgica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005 KASPER, Dennis L.; BRAUNWALD, Eugene; FAUCI, Anthony S: HAUSER, Stephen L.; LONGO, Dan L.; JAMESON, J. Larry & ISSELBACHER, Kurt J.. HARRISON Princípios da Medicina Interna, 16ª edição 106 Capítulo 11 Metabologia Cirúrgica Carlos Castanha Neto Isa Costa Introdução O termo “homeostase” se define como a tendência do organismo manter constante seu meio interno. A manutenção do equilíbrio homeostático nos sistemas orgânicos é fundamental para o seguimento da vida. Esse equilíbrio delicado é constantemente desafiado por situações de estresse, como traumas, infecções e procedimentos cirúrgicos, e o contato com esses estados levam a respostas adaptativas que buscam restaurar o equilíbrio alterado. A homeostase intra-operatória sofre a influência de fatores primários e secundários. Exemplos de fatores primários são os métodos de exposição e a posição do paciente. Exemplos de fatores secundários são o estado fisiológico do paciente (idade, doenças associadas, hidratação, medicamentos em uso) e o tempo cirúrgico. Bevilácqua difundiu os conceitos dos componentes biológicos da agressão, os quais nos permitem um preciso entendimento acerca das respostas biológicas aos atos operatórios. Esses componentes são agrupados em três tipos: primários, secundários e associados. A condição metabólica prévia do paciente irá modular a intensidade da natureza pós-traumática. Componentes primários São decorrentes exclusivamente da ação física sobre o organismo (ato operatório), estando sempre presentes e nunca podendo ser eliminados. A resposta orgânica perante esses componentes depende da ação do agente agressor sobre os tecidos. Logo, a intensidade do trauma e a conduta do cirurgião determinam a magnitude e duração desses componentes, além da reação proporcional do organismo afetado. - Lesão celular Traduz-se por alterações de permeabilidade da membrana celular com liberação de substâncias intracelulares, configurando a resposta inflamatória ao traumatismo orgânico. - Resposta inflamatória ao trauma Nas cirurgias sempre se desenvolve um processo inflamatório, ocorrendo resposta inflamatória inespecífica simultaneamente a uma resposta inflamatória específica. A resposta inflamatória ao trauma se trata da Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica (SIRS), a qual é deflagrada por infecções e outros tipos de agressão (trauma, sepse, choque hemorrágico e até administração exógena de mediadores inflamatórios). Esta síndrome só é reconhecida clinicamente quando há presença simultânea de, pelo menos, duas das seguintes situações: Hipotermia ou febre, taquicardia, taquipneia e leucocitose ou leucopenia. As células participam de modo ativo, direto e físico nesse 107 processo, através da fagocitose desenvolvida por neutrófilos ou por ação bioquímica como ocorre na chamada “Cascata Inflamatória”. Neutrófilos: Em condições normais, apenas um quarto do total de neutrófilos está na circulação sistêmica. Entretanto, ainda há duas concentrações desses glóbulos brancos (um grupo aderido próximo à parede dos vasos e outro na medula óssea). Quando o organismo sofre agressão, ocorre “neutrofilia” (migração dessas células que ficam agrupadas próximas ou aderidas à parede dos vasos e invadem a circulação sanguínea). Essa situação é mediada por corticoides e epinefrina, hormônios produzidos como resposta metabólica ao trauma. Na sequência, próximo ao terceiro dia do pósoperatório, observa-se “neutropenia transitória” (migração dessas células para os órgãos ou tecidos lesados). Mais tardiamente, entre o 5º e o 10º dia do pós-operatório, há nova ocorrência de “neutrofilia” (mas agora, devido à mobilização dos neutrófilos da medula óssea, como resposta à produção e liberação acentuada de G-CSF, granulocyte colonystimulating factor, uma glicoproteína que estimula a produção de granulócitos na medula óssea). O processo de migração dos neutrófilos para os locais de inflamação pode ser dividido em três etapas: I – Rolamento (interação de moléculas de adesão do endotélio, P-selectina e E-selectina, e a L-selectina presente nos leucócitos), II – Adesão (ativação, nos leucócitos, de β2-integrinas. Após ativação, ocorre ligação das integrinas com moléculas de adesão ICAM-1 e V-CAM1 expressas na superfície endotelial) e III – Extravasamento (a interação dessas moléculas de adesão promove a firme ligação entre leucócitos e parede endotelial, possibilitando a migração dessa célula para o espaço intersticial). Além disso, os neutrófilos promovem liberação de enzimas proteolíticas (elastases), produção de radicais livres de oxigênio e obstrução do fluxo microcirculatório por ação mecânica. Ou seja, os neutrófilos podem, paradoxalmente, estender a lesão tecidual. Macrófagos: Têm mobilização mais lenta em direção à área traumatizada, quando comparada à dos neutrófilos. Por outro lado, os macrófagos possuem tempo de vida mais longo e produzem enzimas e mediadores inflamatórios (citocinas, espécies reativas do oxigênio, proteínas e produtos lipídicos, entre outros). Mastócitos: Podem ser consideradas as células “sentinelas” do processo inflamatório pela peculiar distribuição e localização nos tecidos (regiões próximas aos vasos e adjacentes às mucosas e superfícies epiteliais), fazendo destas células a primeira barreira contra estímulos nocivos ao organismo. A histamina pode ser produzida com antecedência, armazenada em grânulos no interior dos mastócitos e imediatamente liberada ante um eventual traumatismo. Além disso, a histamina promove aumento da permeabilidade capilar e vasodilatação arteriolar. Células inflamatórias presentes na microcirculação são ativadas, perpetuando a resposta inflamatória por meio de mediadores: citoquinas. As citoquinas são substâncias que devem possuir as seguintes propriedades: 1Ser proteína, 2- Ser mediadora da resposta inflamatória, 3- Ser liberada como resposta imune ante ação de antígenos, 4- Não possuir atividade química ou enzimática, 5Realizar ligações com receptores celulares específicos e 6- Ter capacidade de alterar o comportamento da célula alvo. 108 De acordo com Dinarello e Mier, as citoquinas: Fator de necrose Tumoral (TNF-α), também conhecido como “caquetina”, tem vida plasmática curta (16 minutos), sendo liberado pelos macrófagos quando essas células são expostas a endotoxinas ou a outros estímulos (estado de choque e hipoperfusão). IFN-γ e IL-2 são moduladores para a liberação de TNF, ao passo que o corticoide promove a diminuição de sua produção. O TNF tem o efeito benéfico de aumentar as defesas contra bactérias, mas pode destruir tecidos sadios caso a resposta inflamatória seja persistente e exacerbada. O TNF influencia a liberação de agentes oxidantes e de produtos do metabolismo do ácido araquidônico. O TNF estimula a liberação de IL-1, IL-6, IL-8 e PAF, aumenta a atividade fagocitária do neutrófilo, aumenta a expressão de moléculas de adesão e induz febre e sono. Interleucina 1 (IL-1) é produzida por várias células, como macrófagos, linfócitos e astrócitos. A IL-1 está relacionada com a reação aguda do processo inflamatório, incluindo: Febre e sono, estimulação dos hepatócitos para produção de proteínas, ativação de neutrófilos e células T, e liberação de TNF-γ, IL-6, IL-8, prostaglandinas e leucotrienos. Interleucina-2 (IL-2) é produzida pelos linfócitos T e tem como ação principal a imunoestimulação. Seus níveis séricos estão reduzidos após os traumas. A IL-2 reduz a pressão arterial, aumenta o débito cardíaco e atua na liberação de TNF-α e IFN-γ. Interleucina-6 (IL-6) está em evidência por seu uso em pacientes em estado crítico e também na prevenção e tratamento da sepse. Ainda é muito estudada. Fator ativador de plaquetas (PAF) estimula liberação de TNF, ativa neutrófilos, estimula agregação plaquetária, aumenta permeabilidade vascular e vasodilatação, além de promover constrição de coronárias. Interferon alfa e beta (IFN-α e IFN-β) têm atividade antiviral e de indução de febre, além da capacidade de indução de expressão do antígeno de histocompatibilidade classe I. Interferon gama (IFN-γ) tem capacidade para liberar TNF-α, IL-1 e IL-6, promove ativação de linfócitos B (aumentando a produção de anticorpos), aumenta a adesão dos linfócitos ao endotélio e induz a expressão do antígeno de histocompatibilidade de classe I e II. - Edema traumático: A ação da lesão sobre as células dos vasos sanguíneos se traduz por vasodilatação e aumento da permeabilidade vascular. Porém, quando há destruição celular nos vasos, ocorre secção destes com extravasamento de sangue e formação de hematomas e hemorragias internas e/ou externas. O aumento da permeabilidade vascular permite a perda de plasma sanguíneo para a área traumatizada, na qual se acumulam água, eletrólitos e proteínas. Assim, existe maior afinidade da água por porções proteicas liberadas pelas células destruídas. O edema traumático realiza trocas muito lentas com o líquido extracelular, o que representa um “sequestro de fluidos na área lesada”, sequestro esse que não integra o fluido extracelular. Metabolicamente, o edema traumático é funcionalmente “inativo”. Em traumas de grande intensidade, o 109 compartimento extracelular (funcionalmente ativo) sofre redução com repercussões hemodinâmicas como diminuição do débito cardíaco e do retorno venoso central e alterações endócrinas (aumento da secreção de hormônio antidiurético e aldosterona). Componentes secundários São fatores que surgem em decorrência da ação dos componentes primários ou de outros componentes secundários sobre o próprio organismo, atuando como um verdadeiro “feedback positivo”. Os componentes secundários são agrupados em quatro tipos: Alterações endócrinas, alterações hemodinâmicas, infecção e falência de múltiplos órgãos e sistemas (IMOS). - Alterações endócrinas Diante da agressão, a resposta neuroendócrina normal é influenciada pelo SNC, pelo psiquismo do paciente, por estímulos provenientes da área lesada, medicamentos, infecção e condições nutricionais. Logo, o estado metabólico prévio do paciente irá modular a intensidade da resposta pós-agressiva. Aldosterona: Nas cirurgias, ocorre aumento da secreção e dos níveis séricos da tríade renina-angiotensina II e aldosterona. Com o edema traumático, promove-se o sequestro hídrico da área lesada e a consequente diminuição do espaço extracelular, o que é responsável pelo incremento da produção de aldosterona. A aldosterona irá atuar nos rins, determinando diminuição da excreção de sódio e bicarbonato com produção de urina com alto teor de H⁺ (urina ácida) e potássio. Catecolaminas: A agressão estimula a liberação de adrenalina e noradrenalina. As catecolaminas interferem no metabolismo por ação direta nos fenômenos de glicogenólise, neoglicogênese, utilização de aminoácidos musculares, hidrólise de gorduras e liberação de ácidos graxos. Possuem reflexos sobre a hemodinâmica do organismo (estimulação cardíaca e vasoconstrição) e suas taxas sofrem interferência do psiquismo (através da presença de ansiedade, excitação, medo ou raiva). Cortisol: Fisiologicamente, o cortisol age na síntese proteica e estimula a ação enzimática que, em nível hepático, degrada aminoácidos. No pós-trauma, a elevação do cortisol é relativamente efêmera (de 4 a 12 horas). Entretanto, em condições de lesões por queimaduras e/ou infecções, a ação dos estímulos da área lesada são permanentes, o que prolonga o período de elevação do cortisol. O cirurgião deve estar atento para condições de lesão das glândulas suprarrenais ou de bloqueio farmacológico dos corticoesteroides, pois no período pós-traumático, o paciente pode apresentar inabilidade de responder à instabilidade hemodinâmica. Assim, o paciente chega a apresentar queda de pressão arterial e até choque de causa circulatória. Glucagon: Os níveis séricos aumentam independentemente da tendência à hiperglicemia no pós-operatório. Essa elevação tem relação direta com a magnitude do trauma e propicia degradação da glicose, bloqueio da formação de glicogênio e transforma, no fígado, aminoácidos em glicose. O glucagon age no tecido gorduroso liberando ácidos graxos e glicerol. Hormônio antidiurético (HAD): A zona traumatizada desencadeia estímulos que levam à elevação do HAD, geralmente até o 4º ou 5º dia de pós-operatório. Antes da cirurgia, as taxas já podem estar elevadas por causa da restrição hídrica e/ou por ação farmacológica (opiáceos). A secreção de HAD no pós-trauma é “inadequada”, pois sua produção é independente da osmolaridade do paciente, o que leva a 110 hiponatremia e hipotonicidade nos casos de grandes infusões de líquidos nos dias iniciais do pós-operatório. Insulina: A produção de insulina no período pós-agressivo fica limitada pelas catecolaminas. A taxa de insulina circulante é menor que a necessária em relação à glicose sérica e sua vida média está diminuída. Assim, há hiperglicemia similar à de um portador de diabetes e, portanto, as vítimas não toleram sobrecarga de glicose após as agressões. A insulina é o principal agente anabolizante, pois promove armazenamento de glicose e de ácidos graxos, além de facilitar a incorporação de aminoácidos para produção de proteínas musculares. Outros hormônios também participam da resposta endócrina, mas com menor relevância: Hormônio adrenocorticotrófico, hormônio tireoidiano, hormônio de crescimento e testosterona. - Alterações hemodinâmicas Os traumatismos promovem perdas sanguíneas a partir de hemorragias e hematomas por lesões vasculares diretas, o que pode gerar acentuada hipovolemia. A área lesada passa a ser ocupada pelo edema traumático. O agente lesivo destrói o tecido e modifica a permeabilidade da membrana celular, liberando substâncias vasoativas que interferem diretamente na função miocárdica. Isso possibilita a queda do débito cardíaco, um menor retorno venoso central e vasoconstrição periférica, que impõe uma redistribuição do fluxo sanguíneo para áreas prioritárias (cérebro e coração) e possibilita prejuízos em outras áreas (rins, pele e músculos). - Infecções As soluções de continuidade representam portas de entrada para os microrganismos. A constatação de hematomas, queda de fluxo sanguíneo tecidual, tecidos desvitalizados, sujeira e corpos estranhos, associada à diminuição das defesas imunológicas, propicia o desenvolvimento de agentes bacterianos e instalação de infecções. - Falência de múltiplos órgãos e sistemas (IMOS) É uma verdadeira síndrome complexa que, em geral, é a responsável pela mortalidade na fase tardia das agressões orgânicas, com destaque para a sepse. O cérebro sofre ação deletéria por queda do fluxo sanguíneo e também por meio de embolias. Kell e Trentz já afirmavam: “óbitos precoces ou tardios, decorrentes de politraumas, são determinados por lesões cranioencefálicas e/ou por significativas perdas sanguíneas (choque hemorrágico)”. O TGI e fígado também podem ser afetados com os distúrbios hemodinâmicos (queda do pH gástrico e disfunção hepática por queda da circulação). O setor orgânico responsável pelo equilíbrio hematológico e imunológico – participando dos mecanismos de resposta inflamatória – e a ativação de diferentes sistemas humorais determinam perturbações nos mecanismos de coagulação sanguínea com consequências na perfusão tecidual. Níveis séricos das interleucinas podem ter valor preditivo para a correlação de falências orgânicas em pacientes politraumatizados. - Função respiratória: Circunstâncias, na prática cirúrgica, que atuam de forma direta na função respiratória: Traumas ou cirurgias torácicas que deprimam a respiração espontânea; 111 Cirurgias que tenham interferência direta sobre o diafragma; Infecção do trato respiratório; Anestesia geral; Cirurgias que causem lesão direta ao SNC. A queda do fluxo sanguíneo no parênquima pulmonar, o aumento de água no espaço extravascular e as interferências sobre as trocas gasosas ilustram as deficiências na oxigenação dos tecidos. - Função renal: A atividade renal pode ser prejudicada por estímulos endócrinos (HAD e aldosterona), por redistribuição de fluxo sanguíneo prejudicial aos rins, por ação de toxinas bacterianas ou ação deletéria de substâncias provenientes das áreas traumatizadas (hemoglobina e miohemoglobina). Portanto, a IMOS é uma situação que tem efeitos superponíveis, potencializáveis, com duração não controlada, de difícil identificação e com consequências finais de complicada previsão imediata. O cirurgião deve estar atento para se antecipar e adotar condutas que minimizem os efeitos deletérios do ato cirúrgico. Componentes associados Dependem exclusivamente das condições clínicas e individuais de cada paciente e não são decorrentes da agressão cirúrgica. Assim, esses componentes podem ou não estar presentes, podem ter ou não participação nas respostas orgânicas ao trauma e podem ser determinantes no resultado final. Os componentes associados são agrupados em quatro diferentes tipos: Alterações do ritmo alimentar, imobilização prolongada, perdas hidroeletrolíticas extra-renais e doenças intercorrentes. - Jejum ou alterações do ritmo alimentar: A interrupção da ingestão de alimentos pode estar presente e ter duração variável, interferindo no aporte de substratos energéticos necessários para as reações metabólicas que ficam aumentadas no período pós-operatório. O jejum promove a metabolização de gorduras, com elevação de acúmulo de corpos cetônicos e o estabelecimento de acidose metabólica. Gorduras e carboidratos podem ser armazenados pelo organismo, diferentemente das proteínas que são mobilizadas na musculatura. Logo, ocorre catabolismo proteico com consequente destruição muscular. O diafragma pode ser afetado, o que pode causar prejuízos para a função respiratória. O SNC só utiliza glicose no seu metabolismo. - Imobilização prolongada: Muitas vezes, o paciente necessita permanecer imóvel por longo tempo (cirurgias ortopédicas) e essa imobilidade prolongada causa atrofia muscular. Ocorre redução da massa muscular afetada em decorrência do catabolismo proteico. Essa imobilização, no caso do diafragma, favorece o acúmulo de secreções que predispõem a 112 infecções respiratórias. O cirurgião deve promover a mobilização precoce, interferindo de modo positivo no psiquismo do paciente. - Perdas hidroeletrolíticas extra-renais: É o caso dos pacientes grandes queimados, portadores de extensas áreas com tecido de granulação e os portadores de traqueostomias. No período pós-operatório, sondas nasogástricas, vômitos, fístulas digestivas, drenos e até diarreia promovem perdas acentuadas de água e eletrólitos, o que demanda reposições criteriosas. - Doenças intercorrentes: A participação deste componente associado está na razão direta da sua presença. Distúrbios preexistentes (doenças cardíacas, pulmonares, endocrinopatias, hepatopatias, nefropatias e queda das defesas imunológicas) influenciam de maneira negativa o resultado final de todo o processo. - Extremos da idade: Tanto os recém-nascidos quanto os idosos necessitam de condutas especiais no período pós-operatório (a imaturidade orgânica e a diminuição das reservas estreitam os graus de liberdade da resposta metabólica). Fisiopatologia A resposta biológica ao trauma operatório começa antes de ser iniciada a cirurgia, ou seja, a ansiedade prévia e o medo do desconhecido já promovem alterações psíquicas e orgânicas com consequentes alterações endócrinas e vasomotoras. Atuação do cirurgião - Alterações hidroeletrolíticas: O controle da pressão arterial, frequência cardíaca e intensidade do pulso arterial periférico, a aferição do hematócrito e o débito urinário refletem a situação do volume do espaço extracelular ativo. Logo, hipotensão arterial, pulso periférico “fino”, taquicardia, elevação do hematócrito e diurese menor que 50 ml/hora indicam queda de volemia e necessidade de reposição. A hemodiluição influi no transporte do oxigênio, na coagulação sanguínea e na capacidade de tamponamento da hemoglobina. Se não controlada, a hemodiluição leva a sobrecarga hídrica, elevando o débito cardíaco e diminuindo a oferta de oxigênio. No pós-operatório tardio, o líquido sequestrado na área traumatizada passa a ser reintegrado à corrente sanguínea. O principal cátion intracelular é o potássio. Com a destruição celular, ocorre sua liberação com consequente hiperpotassemia transitória. Assim, só há necessidade de reposição desse íon a partir do 3º ou 4º dia de pós-operatório, desde que o paciente permaneça em jejum. - Alterações da função respiratória: O médico deve tomar medidas preventivas já no período pré-operatório, como suspensão do fumo (durante, no mínimo, duas semanas antes da cirurgia) e fisioterapia respiratória (exercícios físicos, inalações, uso de expectorantes). Estas medidas do préoperatório devem ser mantidas e intensificadas no pós. No pós-operatório imediato, o uso criterioso de analgésicos, a adoção da posição semi-sentada e o uso da nebulização contínua para umidificar as vias respiratórias diminuem muito as complicações pulmonares. 113 Nos casos extremos, a traqueostomia está indicada para permitir a desobstrução das vias aéreas superiores. Também se destaca o emprego de antibióticos na profilaxia e no tratamento de infecções pulmonares. - Alterações do metabolismo orgânico: A destruição de tecidos causa perda de nitrogênio decorrente do catabolismo proteico, pelo consumo da massa muscular. Como não há massa muscular de reserva, é importante o conhecimento da técnica cirúrgica para que não haja um aumento do consumo da musculatura. As hiperglicemias devem ser controladas de modo rígido nos períodos intra e pós-operatório (valor máximo igual a 120mg/dL). A hipoglicemia, logicamente, deve ser evitada. A maior produção de adrenalina, decorrente da queda do volume do espaço extracelular “funcionalmente ativo”, inibe a produção de insulina, promovendo ações catabólicas. - Infecções: É mais fácil prevenir do que tratar. A técnica cirúrgica ocupa papel de destaque: lesar o menos possível, minimizar perdas sanguíneas, evitar hematomas, suprimir espaços mortos e não permitir corpos estranhos. Por isso, é imprescindível o uso de fios cirúrgicos adequados, atenção e esmero na confecção de anastomoses e suturas. Referências bibliográficas: 1-CLÍNICA CIRÚRGICA - Gama Rodrigues, J.J.; Machado, M.C.C.; Rasslan, S. – Clínica Cirúrgica FMUSP. Editora Manole 2008. 2- GOFFI, F.S. Técnica Cirúrgica - Bases Anatômicas, Fisiopatológicas e Técnicas de Cirurgia. Ed. Atheneu, São Paulo, 2004. 3-MARQUES, R.G. Técnica Operatória e Cirurgia Experimental. Guanabara Koogan, 2005. 114 Capítulo 12 Nutrição em cirurgia Lucas Medeiros de Araújo Lira Renata Cristina Hacker INTRODUÇÃO: A desnutrição em cirurgia começou a ser reconhecida em 1936, ao se observar que pacientes com perda de peso superior a 20% apresentam maior taxa de complicações e mortalidade que aqueles com menor perda de peso. Desnutrição pode ser definida como estado em que a deficiência, o excesso ou desequilíbrio de energia, causam efeitos adversos mensuráveis na estrutura tecidual ou corporal, função orgânica e evolução clínica. A desnutrição pode dividir-se em desnutrição proteico-energética e desequilíbrio de micronutrientes, frequentemente encontrados em idosos, obesos e portadores de doenças crônicas debilitantes. Alguns doentes candidatos a intervenção cirúrgica podem apresentar resposta inflamatória sistêmica aumentada e contínua, graças a estados mórbidos associados. Nessas condições, os resultados da terapia nutricional clássica são menos eficientes do que na ausência da síndrome inflamatória. Desnutrição pré-operatória é reconhecidamente um fator independente de risco de maior morbidade e mortalidade pós-operatórias, por imunodepressão do tipo celular e retardo na cicatrização das feridas, ambos ocorrendo pela perda proteica e de micronutrientes essenciais à imunidade. A intervenção do ato cirúrgico promove a resposta metabólica sistêmica ao trauma. Dependendo da intensidade da lesão, o paciente pode evoluir com hipermetabolismo, hipercatabolismo, consumo de massa proteica e consequente desnutrição. Pacientes com hipercatabolismo geralmente apresentam uma intensa resposta inflamatória, e enquanto perdurar essa grave condição clínica, pouca eficácia terá a terapia nutricional convencional. O uso de nutrientes imunomoduladores poderá ser útil na condução desses pacientes. 115 COMPLICAÇÕES DECORRENTES DA DESNUTRIÇÃO A desnutrição é frequente em doenças crônicas e agudas, ocorrendo em aproximadamente 50% dos pacientes hospitalizados, contribuindo para o aumento da morbimortalidade e número de internações nesse grupo de doentes. Diversas condições clínicas levam a desnutrição: algumas por meio da anorexia, como a sepse, neoplasias e doenças hepáticas; outras por baixa ingesta, como obstruções do trato gastrointestinal (doenças neoplásicas de esôfago). Além disso, algumas doenças levam a má absorção intestinal, como as doenças inflamatórias intestinais, a síndrome do intestino curto – uma das indicações de suporte parenteral – e a esclerodermia. Além disso, se a nutrição no período pós-operatório não for adequada, diversas complicações poderão ocorrer, como deficiência no reparo tecidual, cicatrização de má qualidade e diminuição da força muscular. Com isso, outras complicações surgirão progressivamente, como a dependência prolongada de suporte ventilatório predispondo a pneumonia, barotrauma e estenose traqueal, além de disfunções orgânicas. ADAPTAÇÕES FISIOLÓGICAS AO JEJUM O jejum leva a mobilização de reservas do nosso corpo para que não falte energia ao funcionamento celular. O glicogênio hepático, devido a sua baixa reserva, é rapidamente consumido, sendo a primeira fonte a se esgotar. Se ocorrer a privação de alimentos a um paciente adulto, este irá consumir quase 300g de proteína do próprio organismo para gerar energia diariamente. A necessidade de energia leva ao consumo de aminoácidos musculares devido ao baixo nível de insulina circulante e à elevação do cortisol. A gordura é a maior reserva de calorias, ocorrendo, assim, lipólise e liberação de ácidos graxos para a produção de energia. A baixa quantidade de insulina circulante também auxilia na quebra de gorduras. No jejum, o consumo periférico de glicose é inibido, levando a utilização dos ácidos graxos livres e corpos cetônicos como fonte de energia. Para aumentar a produção de glicose, a gliconeogênese hepática vai ocorrer por diversas vias, como a via da alanina, via do lactato, via da glutamina e via do glicerol. Este aumento de glicose é fundamental para o consumo por tecidos dependentes exclusivos deste substrato, como o cérebro, eritrócitos e rins. No jejum prolongado, o consumo de proteínas para gliconeogênese diminui, uma vez que o cérebro começa a usar corpos cetônicos, resultantes do metabolismo das gorduras, ao invés de glicose como fonte de energia. SEPSE E INFLAMAÇÃO Na sepse, a interrupção do consumo de proteínas que acontece no jejum prolongado não ocorre. Ao contrário do hipometabolismo do jejum, a resposta ao 116 estresse agudo é caracterizada por hipermetabolismo. Assim, as necessidades de suprimento de energia são dadas pela proteólise esquelética e visceral. Nestes casos, a síntese de proteínas de fase aguda pelo fígado aumenta e a produção de proteínas estruturais diminui. Se não houver uma nutrição adequada, o organismo rapidamente tem seu estoque de proteínas diminuído, comprometendo funções importantes do organismo, como transporte de substâncias dependentes de proteínas e depleção de musculatura esquelética. Diferentemente do trauma, na sepse e em outros estados inflamatórios a gliconeogênese não se interrompe e ocorre também o aumento a resistência periférica de insulina. Esse fato acarretará em hiperglicemia ao iniciar a nutrição. Outros fatos também levam a hiperglicemia na sepse como a elevação de cortisol, catecolaminas, glucagon e citocinas. DESNUTRIÇÃO NO CÂNCER Os pacientes com câncer sofrem uma grande perda ponderal devido a diversos fatores, incluindo redução de ingesta de comida, alteração da taxa metabólica e quimioterapia, estando sob atuação de diversas citocinas, como TNF, IL-1 e IL-6 e IFNgama. O Fator de Necrose Tumoral alfa (TNF-α) age como o fator central do emagrecimento, pois além de aumentar o metabolismo basal do organismo, tem efeito secundário anoréxico, o que faz com que o paciente não se alimente. Outros fatores contribuem para o emagrecimento, como o fator indutor de proteólise, além da própria anorexia que ocorre no câncer. FUNDAMENTOS DA NUTRIÇÃO ARTIFICIAL AVALIAÇÃO NUTRICIONAL: A avaliação nutricional deve ser considerada parte essencial na avaliação clínica e usada como base para suporte nutricional. Tal avaliação pode estimar o risco de complicações em uma cirurgia, conduzir a melhor forma de nutrição do paciente e acompanhar sua eficácia no tratamento. A síntese hepática de proteínas imunológicas e a medição da função de neutrófilos seriam úteis para identificação de pacientes em risco para infecção, porém uma boa história clínica e um exame físico bem diferenciado apresentam a mesma acurácia quando comparados aos diversos testes disponíveis. HISTÓRIA CLÍNICA: Pacientes que na história clínica relatam perda de peso, anorexia, incapacidade de realizar funções habituais ou são portadores de doenças que interferem na alimentação, como obstrução do trato gastrointestinal por estenose pilórica, estão sujeitos a desnutrição. Perda de peso maior que 10% do peso habitual, ou 117 necessidade de jejum prolongado por um quadro de pancreatite, por exemplo, são fatores importantes no julgamento de início de acompanhamento alimentar. O suporte nutricional e sua via de administração irão depender de fatores, como: proposta terapêutica, viabilidade do trato gastrointestinal, condições clinicas do paciente e doenças subjacentes. No exame físico, deve-se investigar a presença de edema corporal, o qual sugere hipoproteinemia (ocorrendo nas síndromes nefróticas e nas enteropatias perdedoras de proteína), perda de massa muscular e lipídica, fraqueza aos mínimos esforços e palidez. ANÁLISE DE COMPOSIÇÃO CORPORAL: Existem diversos métodos para análise corporal, como bioimpedância, análise de troca de íons, analise de ativação de nêutrons, ressonância magnética e tomografia computadorizada. Citaremos os mais utilizados no dia a dia. - CALORIMETRIA INDIRETA: É usada para estimar a necessidade calórica do paciente a beira do leito. Do resultado obtido acrescenta-se 15% ao valor para cálculos de atividade física. A calorimetria indireta, através da instalação do cateter na artéria pulmonar, pode calcular o VO2, sendo útil principalmente para pacientes queimados, uma vez que as fórmulas usadas como a de Harris-Benedict não são fidedignas. FÓRMULA DE HARRIS-BENEDICT: Estimar gasto energético basal. H = GEB = 66,47 + (13,75 X P) + (5,0 X A) - (6,76 X I) M = GEB = 665,1 + (9,56 X P) + (1,85 X A) – (4,68 X I) Em que: GEB = gasto energético basal H = homem M = mulher P = peso (Kg) A = altura (cm) I = idade (anos) GET = gasto energético total GET = GEB x FE (MPH) FE = de 1,2 a 1,5 Em que: FE = fator estresse MPH = média para pacientes hospitalizados 118 - MEDIDAS ANTROPOMÉTRICAS: São aferidas pregas cutâneas, como a do tríceps, circunferência dos braços e peso ideal para idade e altura. Não são fidedignos, pois podem variar com o tipo físico de cada paciente. - ESTUDO DA FUNÇÃO MUSCULAR: Através do cálculo de força, frequência e recuperação muscular após estimulo elétrico, é capaz de avaliar disfunção proteicocalórica, podendo, assim, ajudar em intervenções anabólicas. - PROTEÍNAS SÉRICAS: A medição sérica de albumina (<3,0g/dl) é parâmetro de desnutrição. Como ela possui meia vida longa (14 a 18 dias), outros marcadores de uma meia vida mais curta como a pré-albumina (3-5 dias) e transferrina (<200 mg/dl, 7 dias) começaram a ser utilizados, por serem mais sensíveis. Entretanto, infecções e má distribuição hídrica podem alterar os valores séricos desses, não refletindo, assim, o real parâmetro nutricional. - FUNÇÃO IMUNOLÓGICA: Testes cutâneos alérgicos foram muito utilizados no passado porque refletem imunidade celular. Entretanto, esses testes têm validade apenas quando utilizados tanto na admissão do paciente quanto durante a internação hospitalar, para que haja, assim, um acompanhamento de evolução nutricional. Os testes cutâneos, quando inativos em pacientes vítimas de trauma no momento da admissão, estão associados a um aumento de mortalidade. ABORDAGEM A NUTRIÇÃO ARTIFICIAL Quando indicamos suporte nutricional para um paciente devemos considerar os seguintes fatores: - O estado de saúde do paciente. - Ingesta oral <50% do total de energia necessária. - Emagrecimento de mais de 10% do peso usual. - Jejum maior do que 7 dias. - Duração da nutrição artificial (parenteral maior do que 7 dias). - O grau de intervenção cirúrgica ao qual o paciente será submetido. - Albumina menor do que 3,0g/dl na ausência de estado inflamatório. - Nível de transferrina menor que 200mg/dl - Ausência de reação a antígenos. Como dito anteriormente, duas vias de administração são possíveis, enteral ou parenteral. 119 Dieta enteral é administrada no estômago ou no intestino delgado por meio de sondas. É a via mais fisiológica: o alimento passa pela “filtragem” hepática, facilitando, assim, a produção de hormônios e armazenamento de nutrientes. Dieta parenteral é administrada por um acesso venoso central. Nesse, um cateter é implantado na veia subclávia ou jugular. Não ocorre o “bypass” pelo fígado e o risco de complicações é maior. DIETA ENTERAL A dieta enteral, como dito anteriormente, quando passível de administração, é sempre melhor do que a parenteral. Estudos comparando dieta enteral e parenteral em pósoperatório demonstraram redução em infecção e produção de proteínas de fase aguda com o uso da dieta enteral. A alimentação enteral também mantém a função intestinal por meio da estimulação da função esplênica (imunológica), da atividade neuronal, da liberação de anticorpos IgA e da secreção de hormônios gastrointestinais, como do fator de crescimento epidérmico, que aumenta o trofismo intestinal. A dieta enteral somente deverá ser iniciada após estabilização do quadro clínico do paciente. Pacientes instáveis deverão ter seu suporte enteral protelado até a melhora do quadro. As maiores complicações decorrentes da alimentação enteral, além das mecânicas, como veremos, são diarréia, desidratação, distúrbio hidroeletrolítico e hiperglicemia. A alimentação hiperosmolar contínua pode levar desde as complicações citadas até a necrose intestinal e perfuração. FÓRMULAS ENTERAIS O estado funcional do trato gastrointestinal determinará o tipo de dieta a ser usado. Paciente com intestino sem alterações suporta dieta enteral completa. Entretanto, pacientes com disfunções, como má-absorção por doença inflamatória intestinal, toleram apenas dietas mais elementares. Outro fator determinante na escolha do tipo de fórmula enteral empregada é a disfunção orgânica apresentada pelo paciente, como doença hepática, pulmonar e renal, entre outras. - FÓRMULAS POLIMÉTRICAS: Apresentam uma quantidade fixa de nutrientes. São fórmulas isotônicas e balanceadas, que administradas nas devidas proporções, contêm a quantidade ideal de substratos, vitaminas e minerais recomendada diariamente. O seu grande benefício é o menor custo. A maior desvantagem é a quantidade fixa de composição. - FÓRMULAS ELEMENTARES: Essas fórmulas possuem nutrientes em menor tamanho, como dipeptídeos, e mínima quantidade de gordura e carboidratos complexos. 120 São dietas hiperosmolares com custo elevado e sabor desagradável. A vantagem é a absorção intestinal facilitada, sendo útil em pacientes com síndrome de má absorção e pancreatite, podendo causar diarreia se administrada muito rápido. - FÓRMULAS HIPERPROTÉICAS: Essas fórmulas são usadas para pacientes graves, vítimas de trauma e qualquer outra situação que necessite de um maior aporte de proteínas, devido ao alto consumo. - DIETAS PARA INSUFICIÊNCIA RENAL: A dieta direcionada para esse grupo de pacientes apresenta um baixo volume e pouca concentração de potássio, fósforo e magnésio. Contém praticamente aminoácidos essenciais como fonte proteica. -DIETA PARA DPOC: Nessas fórmulas, há um aumento na quantidade de gordura para 50% do valor calórico da dieta, com uma redução correspondente de carboidratos. O objetivo dessa dieta é reduzir a produção de CO2, facilitando a função respiratória. - IMUNONUTRIÇÃO: A glutamina e a arginina são consideradas aminoácidos não essenciais, porém úteis em certas condições. Em pacientes vítimas de trauma e queimadura, a glutamina é capaz de reduzir as taxas de infecção. A reposição de glutamina em pacientes submetidos a transplante de medula óssea também diminui as taxas de infecção e internação hospitalar. A suplementação de arginina em recémnascidos pré-termos diminui a incidência de enterocolite necrotizante. Outros estudos estão sendo realizados para investigar a potencial redução de infecção em pacientes com sepse que recebem suplementação de arginina. ROTAS DE ADMINISTRAÇÃO DA VIA ENTERAL GASTROSTOMIA: Se for necessário acesso à nutrição pelo estômago por muito tempo, uma gastrostomia deverá ser feita, por via cirúrgica ou percutânea. Devido a um menor custo e morbidade, a gastrostomia endoscópica tem sido a via de escolha na maior parte dos pacientes, porém não demonstrou diminuição nas complicações quando comparada à via cirúrgica. Um fator de limitação da via percutânea é a história de cirurgia prévia no abdome superior, podendo gerar falsos trajetos. CATETER NASOENTERAL: É a forma mais utilizada de nutrição enteral, principalmente em pós-operatório abdominal. Tem a capacidade de medir o resíduo gástrico. Sondas como a de Dobhoff são utilizadas devido ao seu menor calibre e maior conforto. Apesar da certa facilidade de uso, diversas complicações podem ocorrer com esta, como pneumotórax, sinusite, erosões gástricas e esofágicas, estenose de esôfago, perfuração de esôfago, aspiração pulmonar e arritmias. O uso da sonda pós-pilórica (jejuno) não é melhor do que a nutrição pré-pilórica (estômago); a preferência póspilórica fica para pacientes que apresentam gastroparesia ou pancreatite. Pacientes com pancreatite deverão receber suporte enteral em posição além do ângulo de Treitz, para não estimular a produção de enzimas pancreáticas. 121 JEJUNOSTOMIA: Pode ser obtida por via aberta, percutânea por extensão de uma gastrostomia, por via laparoscópica ou guiada por TC. Não suporta nutrição hiperosmolar e a administração deve ser realizada lentamente. NUTRIÇÃO PARENTERAL Deve ser usada quando a via enteral estiver impossibilitada para uso. É administrada por um cateter posicionado na veia cava superior, instalado na veia subclávia ou jugular interna. Quando não é possível o acesso venoso central, é instalada uma solução menos concentrada na veia periférica, a qual pode permanecer de 4 a 7 dias apenas. - SEPSE POR CATETER: uma vez que a nutrição parenteral deve ser realizada por cateter em veia central, há o risco de infecções dessa via e sepse devido ao cateter. Cerca de 80% dessas infecções são por estafilococos, causadas geralmente pelo mau cuidado com o acesso venoso. Outras causas contribuem para infecção, como presença de colostomia e traqueostomia, desnutrição, uso recente de antibióticos de largo espectro, uso de corticoides, quimioterapia e neutropenia. Na vigência de infecção, o cateter deverá ser retirado e devem ser coletadas amostras de hemocultura pela veia central do cateter e periférica. Caso a infecção persista e a hemocultura seja positiva, deverá ser iniciada antibioticoterapia contra esses patógenos. Outras complicações de cateter incluem trombose de veias e do acesso, pneumotórax, lesões de vasos, lesão de plexo braquial, lesão de ducto torácico, dor crônica, embolia gasosa, lesão de átrio e hidropneumotórax. -COMPLICAÇÕES METABÓLICAS: Nutrição parenteral prolongada pode levar a complicações metabólicas hepáticas, desde elevações de enzimas hepáticas a cirrose. Pacientes com acometimento hepático em nutrição parenteral devem ser investigados para sepse caso apresentem hiperbilirrubinemia aguda. O mecanismo de lesão hepática é incerto; causas possíveis são estados inflamatórios crônicos, esteatose hepática, colestase e síndrome de intestino curto. Diminuição da densidade mineral óssea pode ocorrer. Os maiores fatores de risco são mulheres na pós-menopausa, pacientes desnutridos, com má absorção intestinal, em uso de corticoides e com doença hepática concomitante. Outras desordens metabólicas incluem: sobrecarga hídrica, hiperglicemia, hipofosfatemia, desequilíbrio ácido-básico, deficiência de ferro, desequilíbrio eletrolítico e deficiência de vitaminas. INDICAÇÕES CLÍNICAS DA NUTRIÇÃO PARENTERAL - FÍSTULAS GASTROINTESTINAIS: Ao se alimentar por via oral, esse grupo de pacientes apresenta um aumento de débito da fístula gastrointestinal, devido ao aumento de líquidos pelo aparelho digestivo. A nutrição parenteral diminui o débito da fístula e, 122 assim, aumenta a chance de fechamento espontâneo. Caso não ocorra o fechamento, esses pacientes irão em melhores condições para o procedimento cirúrgico devido ao suporte nutricional ofertado. - SÍNDROME DO INTESTINO CURTO: Pacientes que foram submetidos a uma ou mais cirurgias, em que grande parte do intestino delgado foi ressecada, necessitam de terapia parenteral por um longo período de tempo. Após certo tempo ocorre hipertrofia do intestino remanescente, podendo, assim, alterar a quantidade do suporte parenteral necessário. Esse suporte poderá ser feito domiciliarmente. - QUEIMADURAS: É indicada para vítimas de queimaduras, onde o suporte enteral não é capaz de fornecer a quantidade ideal de calorias para suplementação. Importante lembrar que a terapia enteral precoce dentro das primeiras 3horas leva a diminuição da mortalidade. Assim, o paciente queimado poderá receber nutrientes pelas duas vias como complementação. - FALÊNCIA HEPÁTICA: Pacientes hepatopatas têm grande deficiência de nutrientes, devido a ingesta de alimentos. A nutrição parenteral enriquecida com aminoácidos é capaz de melhorar o quadro de encefalopatia, sendo tão eficaz quanto a lactulona e a neomicina. Além disso, seu uso perioperatório pode ser benéfico na diminuição das complicações pós-operatórias em ressecções hepáticas. - ENTERITE AGUDA POR RADIAÇÃO: A nutrição parenteral deve ser ofertada a esses pacientes até que a mucosa intestinal tenha se recuperado para reinício da dieta enteral. Glutamina enteral pode ser administrada para tratamento dessas complicações, porém, seu uso só pode ser feito se houver certeza da cura do câncer, uma vez que a glutamina é combustível para células malignas. Pacientes em vigência de quimioterapia ou radioterapia não devem receber nutrição parenteral devido ao aumento de taxa de infecções e trombose do cateter. - ÍLEO PROLONGADO: Os pós-operatórios de grandes cirurgias abdominais, como gastrectomia, colectomia entre outras, pode evoluir com íleo paralítico. A nutrição parenteral pode ser oferecida até que o quadro seja revertido. - PRÉ-OPERATÓRIO DE GRANDES CIRURGIAS: Pacientes que perderam mais de 10% do seu peso habitual e possuem albumina sérica menor do que 3g/dl estão sujeitos a mais complicações e mortalidade. Terapia parenteral pré- operatória por 7 a 10 dias se mostrou benéfica principalmente em cirurgias do andar superior do abdome, como esofagectomia e gastrectomia. - CÂNCER: É indicada apenas para pacientes bem desnutridos, com tumores do trato gastrointestinal superior; pode ser feita por 7 a 10 dias antes do tratamento. CONCLUSÃO Em cirurgia, a preocupação com o estado nutricional e a intervenção nutricional ótima são capazes de modificar favoravelmente a evolução pós-operatória em cirurgia de 123 caráter eletivo, emergencial e trauma. Avaliação nutricional pré-operatória de rotina deve ser incorporada na boa prática médica, pois permite identificar, tratar e controlar distúrbios e déficits nutricionais por perda e excesso na fase pré-operatória. A oferta oral de líquidos claros com sacarose de seis a quatro horas no pré-operatório imediato reduz a resistência periférica à insulina pós-operatória e colabora para a melhora subjetiva do paciente. Em certos tipos de operações eletivas, a realimentação oral precoce é alcançada com sucesso. O uso judicioso de fórmulas contendo nutrientes com atividade imunomoduladora no pré e pós-operatório contribui para atenuar o estado inflamatório e modular a resposta imunológica pós-operatória com bons resultados para a evolução clínica do enfermo. A preferência pela terapia de nutrição enteral, sempre que o trato gastrointestinal for disponível, não deve impedir o uso de terapia nutricional parenteral quando indicado. O doente cirúrgico criticamente grave deve receber terapia nutricional com cautela, a fim de evitar hipernutrição, e com controle rigoroso da glicemia. A preocupação com o estado nutricional não deve se extinguir após a alta hospitalar, sendo necessário adequar a dieta às novas condições do trato digestivo impostas pela intervenção cirúrgica, incluindo terapia nutricional domiciliar. Referências bibliográficas: 1-CLÍNICA Cirúrgica. USP, vol I. São Paulo: Manole, 2008. 124 Capítulo 13 Vias aéreas definitivas Bernardo Welkovic Natália Maia INTUBAÇÃO ENDOTRAQUEAL 1. Introdução 1.1. Definição: A intubação traqueal é a passagem de um tubo através da boca ou do nariz até a traquéia. Está indicada nos casos em que se deseja manter as vias aéreas eficientes, aspirar secreções traqueobrônquicas, manter a ventilação assistida e/ou controlada com pressão positiva, evitar aspiração de conteúdo gástrico e diminuir o espaço morto anatômico e o trabalho respiratório. 2. Instrumental O instrumental usado em intubação endotraqueal inclui o laringoscópio, tubos traqueais, conectores, pinças auxiliares, unidade ventilatória, lubrificantes, aspirador, seringas e esparadrapo. 1-Laringoscópio: é utilizado para visualização da glote. 2- Tubos endotraqueais: Os tubos endotraqueais utilizados em terapia intensiva são fabricados em: - Borracha, tem desvantagem de se enrijecerem e se tornarem ásperos com o uso; - Material plástico, como o polivinil e o polietileno, com a vantagem de serem descartáveis; - Tubos aramados, fabricados em látex, com uma espiral de metal ou náilon em seu interior, que permite dobras. O tubo ideal deve ser transparente para permitir a visualização de secreções, possuir uma linha radiopaca para determinar sua posição e ser atóxico, não alergênico, moldável às vias aéreas à temperatura corporal e descartável. 125 Os tubos endotraqueais possuem duas extremidades, uma distal e outra proximal. Em sua parte distal, os tubos endotraqueais possuem um balonete que, ao ser inflado com ar, se distende contra a parede da traquéia. Seu objetivo é evitar a aspiração pulmonar e promover uma vedação eficiente, facilitando a ventilação com pressão positiva. O balonete se comunica com o exterior através de um fino manguito de insuflação. No terço proximal deste manguito localiza-se um balão piloto que tem a finalidade de indicar o grau de insuflação do balonete. Conforme a quantidade de ar retido no seu interior e no manguito de insuflação, os balonetes podem ser classificados em dois tipos: os de volume residual baixo (alta pressão) e os de volume residual alto (baixa pressão). Os balonetes de volume residual baixo podem gerar uma pressão interna muito alta (180-250 mmHg). A maior parte desta é utilizada na distensão de sua borracha, mas uma fração é recebida pela traquéia. À medida que esta pressão se aproxima da pressão capilar arteriolar (32 mmHg), aumenta o risco de isquemia da mucosa traqueal. Este tipo de balonete deve ser insuflado com uma quantidade média de 4 ml de ar, não devendo ultrapassar 8 ml. Os balonetes de volume residual alto são preferíveis porque se adaptam de maneira uniforme à mucos traqueal, a pressão criada em seu interior é baixa e, ao ser transmitida à traquéia, não impede a circulação capilar da mucosa circunvizinha. O volume médio de ar usado é 20 ml. 3- Conector: peça que se adapta diretamente ao tubo endotraqueal servindo para conectá-lo à prótese ventilatória. 4- Estiletes: são utilizados para facilitar a introdução de tubos flexíveis ou para modificar a curvatura de tubos rígidos em intubações difíceis. 5- Esparadrapo: para fixação do tubo. 6- Pinças auxiliares: utilizadas para dirigir o tubo endotraqueal para a traquéia. 7- Seringas: necessárias para inflar o balonete do tubo traqueal. 8- Lubrificantes: usados nos tubos e estiletes. 9- Sondas de aspiração: para aspirar secreções da orofaringe. 10- Unidade ventilatória: pode ser auto-inflável (AMBU) ou não. 126 3. Vias Em caso de intubação endotraqueal, pode-se escolher entre duas vias: oral ou nasal. O determinante mais importante na escolha entre a intubação orotraqueal ou nasotraqueal é a experiência do médico. Ambas as técnicas são seguras e efetivas, desde que realizadas de maneira apropriada. 3.1. Intubação por Via Oral É fundamental estabelecer se existe ou não fratura da coluna cervical. Entretanto, a realização de radiografias de coluna cervical não deve impedir ou retardar a adoção de uma via aérea definitiva quando ela está claramente indicada. O doente com escore na Escala de Coma de Glasgow igual ou inferior a 8 exige intubação imediata. Se não houver necessidade imediata de intubação, pode-se, então, providenciar radiografias de coluna cervical. Quando o doente estiver em apneia, está indicada a intubação orotraqueal. Para a realização da laringoscopia, é necessário que os eixos da boca, laringe e faringe, se aproximem. Elevando a cabeça com um coxim de 10 cm de altura, a tensão dos músculos cervicais diminui, a coluna cervical é retificada e laringe e faringe se alinham. Em seguida, com um movimento de extensão da cabeça, no nível da articulação atlantooccipital, o eixo da boca se associa aos demais. A língua e a epiglote são afastadas do campo visual com o auxílio do laringoscópio. Ele é segurado com a mão esquerda, próximo ao seu ponto articulável, e introduzido na cavidade oral pelo lado direito. A parte fechada da lâmina mantém a língua afastada da linha média, local por onde deve penetrar o laringoscópio. O movimento com o laringoscópio, para exposição da glote deve ser para cima e para frente, evitando-se o movimento de báscula. Identificada a fenda glótica, o tubo é introduzido pelo canto direito da boca, e não pela linha média, sobre a superfície aberta do laringoscópio, que é destinada a permitir ampla visualização. O balonete do tubo deve ultrapassar as cordas vocais, e a parte distal do tubo deve ser posicionada a igual distância entre as cordas vocais e a carina. A seguir, o laringoscópio é retirado e o balonete deve ser insuflado com ar até que não ocorra vazamento entre o tubo e a traqueia durante a ventilação com pressão positiva. A insuflação do balonete deve ser feita de maneira suave, com uma pressão contínua e uniforme, para evitar que ele se distenda irregularmente, o que determinaria uma distribuição irregular da pressão na superfície de contato com a traqueia. 127 O passo seguinte consiste na verificação clínica do posicionamento do tubo na traqueia. Observar a expansibilidade de ambos os hemitórax e a presença de murmúrio vesicular uniformemente distribuído, audível com o estetoscópio. Esta técnica de intubação deve ser preferida em situação de emergência. É de execução mais fácil, mais rápida, menos traumática e menos dolorosa que a técnica de intubação via nasal. Tem a desvantagem de não permitir uma boa fixação do tubo, dificultar a deglutição, estimular a salivação e possibilitar o esmagamento do tubo pelos dentes. Complicações: A intubação endotraqueal pode ser acompanhada de uma série de complicações. Elas podem ser desencadeadas pelo ato em si, pela presença do tubo na traqueia, pelo tempo de permanência do tubo na traqueia e após a extubação, como sequela das complicações anteriores. - Complicações devidas ao ato da intubação endotraqueal: lesões de partes moles, fraturas de dentes, lesões de cordas vocais, deslocamento de mandíbula, aspiração pulmonar, intubação brônquica seletiva, intubação esofágica, complicações sistêmicas (broncoespasmo, bradicardia ou taquicardia, hipertensão ou hipotensão e arritmias cardíacas), lesão de mucosa, aumento da produção de secreção e colapso pulmonar. - Complicações devidas à permanência do tubo traqueal: com a compressão das estruturas das vias aéreas haverá edema e ulceração, e com a cicatrização, granulomas e fibroses. Os balonetes de baixo volume residual e alta pressão podem causar isquemia, necrose e dilatação da parede traqueal. Pode ocorrer extubação acidental e sinusite. 128 3.2. Intubação por Via Nasal A intubação nasotraqueal é uma técnica útil quando a urgência do acesso às vias aéreas impede a realização de uma radiografia de coluna cervical. A intubação nasotraqueal às cegas exige que o doente esteja respirando espontaneamente. Ela é contraindicada no doente em apneia. Quanto mais profundos os movimentos respiratórios, mais fácil será acompanhar o fluxo aéreo através da laringe. Fraturas de face, dos seios frontais, da base do crânio e da placa crivosa são contraindicações relativas para a intubação nasotraqueal. Tais lesões devem ser suspeitadas se houver evidência de fraturas nasais, “olhos de guaxinim”, equimose retroauricular (sinal de Battle) e possíveis perdas de líquido cefalorraquidiano (rinorreia ou otorreia). Quanto à coluna cervical, devem ser adotadas as mesmas precauções indicadas na intubação orotraqueal. Complicações: - Intubação esofágica, levando a hipóxia e morte. - Intubação seletiva do brônquio fonte direito, resultando em ventilação apenas do pulmão direito e colapso do pulmão esquerdo. - Incapacidade para intubar, levando a hipóxia e morte. - Lesão das vias aéreas resultando em hemorragia e possível aspiração. - Ruptura ou vazamento do balão da sonda, resultando em perda da vedação durante a ventilação e exigindo reintubação. - Conversão de lesão vertebral cervical sem déficit neurológico em lesão medular cervical com déficit neurológico. 129 4. Via Aérea Difícil Existem situações associadas a dificuldade na intubação traqueal como trauma de vias aéreas ou face, instabilidade da coluna cervical, pequena abertura da boca, boca pequena, pescoço curto e musculoso, sequelas de queimaduras, anormalidades congênitas, tumores, abcessos, trismo, história de intubação difícil, etc.. Entretanto, há pacientes nos quais a dificuldade não é tão óbvia, mas a intubação poderá ser difícil, inesperada (se não foi prevista) e eventualmente complicada por dificuldade de ventilação, tornando a situação ainda mais dramática e com maior possibilidade de aspiração pulmonar. Mallampati e col. em 1985 mostraram que naqueles pacientes nos quais em posição sentada, boca totalmente aberta e língua totalmente protraída, não são visíveis a úvula e os pilares amigdalianos (mas apenas o palato mole), a intubação provavelmente será difícil ao contrário daqueles nos quais estas estruturas são facilmente visíveis. O observador deve estar de frente para o paciente e ao nível de seus olhos. Samsoon e Young em 1987 propuseram 4 classes para o teste de Mallampati que estão na Figura 1: a) classe I – palato mole, fauce, úvula e pilares visíveis; b) classe II – palato mole, fauce e úvula visíveis; c) classe III - palato mole e base da úvula visíveis; d) classe IV - palato mole totalmente não visível. Ezri e col. conceituaram a classe zero no teste de Mallampati quando se visualizava qualquer parte da epiglote. A incidência foi de 1,18%, somente em pacientes do sexo feminino e a laringoscopia foi fácil. O índice de Wilson e col. leva em conta peso (menor que 90 ou maior que 110 kg), movimento da cabeça e pescoço, movimento da mandíbula, retração ou não da mandíbula, dentes protrusos ou não. O índice de Arné e col. considera prévio conhecimento de intubação difícil, patologias associadas com intubação difícil, sintomas clínicos de patologia de vias aéreas, distância entre os incisivos e luxação de mandíbula, movimento máximo de cabeça e pescoço e classe no teste de Mallampati. Se com a cabeça totalmente estendida, a distância entre o bordo inferior do mento e a proeminência da cartilagem tireóide, também chamada de espaço mandibular, for menor que 6 cm (aproximadamente a largura de 3 dedos) ou a distância entre o bordo inferior do mento e o bordo superior do esterno, com a cabeça totalmente estendida e boca fechada, for de 12,5 cm ou menor, provavelmente a intubação será difícil. Lewis e col. recomendam que a visualização das estruturas da orofaringe seja feita com fonação, ao contrário de outros autores, e a distância tireo-mentoniana seja medida entre a cartilagem tireoide e a parte interna do mento. O algoritmo de via aérea difícil da American Society of Anesthesiologists (ASA) começa com a avaliação pré-operatória e reconhecimento da via aérea 130 difícil. Esta avaliação não necessita de equipamento, é totalmente não invasiva e leva menos de um minuto para ser realizada. O exame focaliza inicialmente os dentes (itens 1 a 4), depois a cavidade bucal (itens 5 e 6), o espaço mandibular (itens 7 e 8) e, finalmente, o pescoço (itens 9 a 11). [Tabela1] Nenhum destes 11 exames pode ser considerado infalível na previsão de intubação difícil e vários estudos mostram que quanto maior o número de exames, melhor será a previsão. Usualmente, é a combinação/integração dos achados que determina o índice de suspeição de dificuldade de via aérea; apenas ocasionalmente um achado isolado do exame da via aérea é tão anormal que, sozinho, resulta em diagnóstico de via aérea difícil. Além disto, a presença de uma situação patológica (neoplasia, infecção, sangramento, etc.) bem como de barba, mamas grandes e obesidade são importantes determinantes da dificuldade de intubação e ventilação sob máscara. Idealmente, estes testes devem ter alto grau de sensibilidade (identificar os casos difíceis) e de especificidade (baixo índice de falsos positivos). Os testes aqui descritos foram estudados basicamente em adultos. Os pacientes pediátricos se apresentam em todos os tamanhos e, muitos deles, têm o tamanho de um adulto. Não há evidências que permitam extrapolar os achados em adultos para crianças de maior idade. A observação das estruturas da faringe durante o choro pode dar uma ideia do tamanho da língua. A previsão de intubação difícil deve ser realizada em todos os pacientes mesmo que a anestesia proposta não seja geral. Estes métodos de previsão são incapazes de detectar problemas intratorácicos das vias aéreas (estenose, compressão de traqueia) ou condições ocultas (cisto de epiglote). Langeron e col. identificaram cinco variáveis (presença de barba, índice de massa corporal maior que 26 kg/m², ausência de dentes, idade maior que 55 anos e história de ronco); quando duas ou mais estiverem presentes, provavelmente a ventilação sob máscara será difícil. Há evidências na literatura de que os pacientes obesos portadores de apneia obstrutiva do sono são, em geral, mais difíceis de intubar. Na dúvida, sedar levemente o paciente e realizar a laringoscopia antes da indução e do relaxamento muscular. 131 Alterações anatômicas e funcionais que dificultam a intubação endotraqueal: - Congênitas: encefalocele occipital, lábio leporino ou fenda palatina, síndrome de Pierre-Robin, deformidades craniofaciais; - Traumáticas: fraturas dos ossos da face, lacerações da face, queimaduras da face e retrações cicatriciais do pescoço; - Neoplásicas: tumores benignos e malignos das mais diversas origens, como o higroma cístico, hemangionas de língua e lábios, teratomas e tumores infiltrativos de face; - Inflamatórias e infecciosas: abscessos e epiglotites; 132 - Metabólicas: obesidade, acromegalia, diabete mellitus e hipotireoidismo; - Outras: alterações músculo-esqueléticas e presença de corpos estranhos nas vias aéreas. VIAS AÉREAS CIRÚRGICAS 1. Introdução 1.1. Definições: O termo Via aérea cirúrgica (VAC) consiste em um acesso invasivo, através das vias aéreas altas do paciente, feito com o intuito de manter a permeabilidade do aparelho respiratório. Deve ser o método de escolha de acesso às vias aéreas quando os métodos definitivos não-cirúrgicos (intubação endotraqueal) forem inadequados ou insuficientes. Os primeiros relatos sobre a realização de uma traqueostomia são anteriores à Era Cristã, por Aeselepiulus em 124 AC. Em 1546, o médico italiano Brasavola foi um dos primeiros a descrevê-la com sucesso; no século XVIII, Brettenaeau e Trousseau utilizaram efetivamente a traqueostomia e, por fim, em 1900, Cheavalier e Jackson sistematizaram a técnica e suas indicações. 1.2. Anatomia cirúrgica: A laringe é composta por um esqueleto cartilaginoso rígido, com função de permeio das vias aéreas, fonação, e atuação na primeira e na segunda fase da deglutição. As três principais cartilagens envolvidas na função respiratória e vocal são: a cartilagem tireoide, a cartilagem cricoide e um par de cartilagens aritenoides. A membrana cricotireoidea faz a ligação da borda inferior da cartilagem tireoide à cartilagem cricoide. O espaço subglótico se inicia abaixo das cordas vocais e se estende até à margem inferior da cartilagem cricoide. Ele é o local de menor diâmetro interno (no adulto, entre 1,5 - 2cm) e é circundado pela cartilagem cricoide, único anel cartilaginoso completo das vias aéreas, característica que predispõe este espaço a inúmeras complicações. A traqueia se estende da borda inferior da cartilagem cricoide até a carina. A sua parede posterior é membranosa e se relaciona com a parede anterior do esôfago. Ao nível do segundo anel traqueal, situa-se o istmo da tireoide. A traqueia é dotada de uma grande mobilidade: toda a sua extensão cervical pode se localizar no mediastino pela simples flexão cervical, assim como a hiperextensão pode trazer uma porção significativa situada no mediastino para a região cervical. A irrigação da traqueia tem íntima relação com o suporte sanguíneo do esôfago, sendo sua porção cervical irrigada predominantemente por ramos da artéria tireoidea inferior. Esta rede anastomótica penetra na traqueia por sua margem lateral, o que nos leva a evitar a dissecção extensa 133 dessa região, assim como uma dissecção circunferencial da traqueia durante a traqueostomia. Outro aspecto interessante é a característica predominantemente submucosa desta rede anastomótica, o que torna compreensível o motivo pelo qual os anéis traqueais podem ser lesados por isquemia em casos de hiperinsufIação de um cuff endotraqueal. Durante a realização de uma traqueostomia, as estruturas que serão encontradas, por ordem de aparição, são: pele e subcutâneo, platisma, musculatura prétraqueal, eventualmente o istmo tireoideano (que se situa entre o 1º e o 2º anel traqueal) e a fáscia pré-traqueal. 2. Tipos Existem diversos tipos de VAC; suas características e indicações variam quanto a idade, situação (urgência, emergência ou eletiva), anestesia (local ou geral), presença ou não de diagnóstico da doença ou situação básica e dificuldade técnica anatômica individual, de acordo com o pescoço. Para fins didáticos, dividiremos as vias aéreas cirúrgicas em três tipos, cada uma com suas peculiaridades quanto à técnica cirúrgica, indicações, contraindicações e complicações. 2.1. Traqueostomia: A Traqueostomia (distinto de traqueotomia, que consiste no ato de abrir a traqueia) consiste na criação de uma abertura anterior de um ou dois anéis traqueais. É um procedimento eletivo, realizado no bloco cirúrgico. Deve ser realizado em pacientes com controle prévio das vias áreas (intubados) sem pressa e com todos os cuidados possíveis. Indicações: obstruções respiratórias altas e como via de acesso para fisioterapia respiratória intensiva, sobretudo em pacientes que requerem intubação por períodos prolongados (superior a 7-10 dias). A traqueostomia não é o procedimento de escolha no manejo da obstrução aguda das vias aéreas. Contraindicações: situações de urgência/emergência (requer maior tempo operatório, maior risco de sangramentos e infecções) e traqueostomia na beira do leito do paciente (exceto em ambiente de UTI). Técnica operatória: 1. Paciente em decúbito dorsal horizontal com um coxim sob os ombros e o pescoço em extensão. 2. Assepsia e antissepsia do campo operatório. 3. Utiliza-se anestesia local quando houver contraindicação à anestesia geral, ou quando não for possível a intubação traqueal. A anestesia local é feita com infiltração intradérmica e subcutânea de lidocaína a 2% com vasoconstrictor. 134 4. Incisão da pele, vertical ou horizontal, com 3-5cm. 5. Após a incisão a bisturi do tecido subcutâneo e do platisma, separa-se, na linha mediana, a musculatura infraioidea. Muitas vezes, é necessário ligar e cortar pequenos ramos das veias jugulares anteriores. Agir dentro dos limites do triângulo de segurança (borda inferior da cricoide, bordas anteromediais dos esternocleidomastoideos e fúrcula esternal). 6. Deslocar cranialmente ou ligar (eletrocauterização ou secção e chuleio com catgut cromado 3/0) o istmo tireoideo. 7. Dissecar a fáscia traqueal para a exposição dos quatro primeiros anéis traqueais. 8. Punção da traqueia, entre o segundo e terceiro anel, certificando-se de se estar na via aérea, e infiltração de 2cc de anestésico. 9. Escolher e testar a cânula ou tubo. Abertura da traqueia: incisão vertical em crianças, atingindo do segundo ao quarto anel, sem ressecar a cartilagem. No adulto, vários tipos de incisões são utilizados (H, U, T, abertura simples). Com o gancho traqueal fixando o primeiro anel, procede-se à incisão traqueal com o bisturi. A aspiração com sonda de nelaton é feita pelo auxiliar, evitando sangue na via aérea. 10. Com o auxílio de pinça de Allis ou dilatador de Trosseau, traciona-se o retalho traqueal e introduz-se a cânula externa com mandril, previamente lubrificada. Deve ser feita a imediata checagem de sua posição e perviedade. 11. Sutura da ferida com pontos esparsos, para evitar complicações precoces. 12. Fixa-se a cânula de traqueostomia com um cadarço ao redor do pescoço. 13. Realizar radiografia de tórax e pescoço, se necessário. Cuidados: deve-se aspirar com sonda de nelaton estéril e fluidificar as secreções através de nebulização ou instilação de Ringer Lactato ou água destilada, 3-4 gotas várias vezes ao dia. Complicações: a) Intra-operatórias: sangramento, mau posicionamento do tubo, laceração traqueal e fístula traqueoesofágica, lesão do nervo laríngeo recorrente, pneumotórax e pneumomediastino, parada cardiorrespiratória. b) Precoces: sangramento, infecção da ferida, enfisema subcutâneo, obstrução da cânula, desposicionamento, disfagia. c) Tardias: estenose traqueal e subglótica, fístula traqueoinominada, fístula traqueoesofágica, fístula traqueocutânea, dificuldade de extubação. 135 2.2. Cricotireoidostomia: A Cricotireoidostomia, ou coniotomia, consiste na abertura da membrana cricotireoidea, cricotraqueal ou tireo-hioidea, comunicando-a com o meio externo. É um procedimento simples, eficaz, seguro e rápido. Indicações: sobretudo em caráter de urgência e emergência, particularmente no paciente politraumatizado com lesões maxilofaciais graves, onde a intubação não foi possível ou é contraindicada. Nestas situações, a cricotireoidostomia é muito útil, pois permite o acesso rápido e seguro às vias aéreas. Toda cricotireoidostomia deve ser convertida para uma traqueostomia dentro de 24h-72h. Contraindicações: crianças (abaixo dos 10 anos), pelo risco de lesar as cordas vocais; neste caso, em situações de urgência/emergência, pode-se tentar a traqueostomia de urgência ou a cricotireoidostomia por punção. Não deve ser utilizada eletivamente para acesso prolongado das vias aéreas. Técnica operatória: 1. Paciente em decúbito dorsal horizontal, com o pescoço em posição neutra. 2. Assepsia e antissepsia do campo operatório. 3. Palpação da cartilagem tireoidea, membrana cricotireoidea e fúrcula esternal. 4. Anestesia local, caso o paciente esteja consciente. 136 5. Estabiliza-se a cartilagem tireoidea com a mão esquerda para incisar transversalmente a pele sobre a membrana cricotireoidea. Identifica-se e continua a incisão através da membrana, em aproximadamente 1cm para cada lado da linha média. 6. Inserir na incisão uma pinça de Halsted (mosquito), um dilatador traqueal ou uma lâmina do bisturi, dilatando a abertura. Esta manobra é suficiente para providenciar uma via aérea imediata para um paciente com obstrução supraglótica. 7. Inserção da cânula pela incisão da traqueia, em sentido caudal. 8. Conecta-se a válvula na cânula, infla-se o cuff e ventila-se o paciente com oxigênio a 100%, observando os movimentos dinâmicos e ruídos respiratórios. Deve-se segurar o tubo para prevenir desposicionamento. Complicações: asfixia, aspiração (de sangue), celulite, criação de falso trajeto nos tecidos, edema/estenose de subglote, estenose de laringe, hematoma/hemorragia, laceração do esôfago, laceração da traqueia, enfisema mediastinal e paralisia das cordas vocais. 2.3. Cricotireoidostomia por punção: A Cricotireoidostomia por punção ou percutânea consiste em um acesso rápido e emergencial das vias áreas através da simples perfuração da membrana cricotireoidea por um extracath (jelco) de grosso calibre, comunicando a luz da via aérea com o meio externo. Indicações: o maior uso desta técnica é no manejo de pacientes politraumatizados com urgência de acesso das vias aéreas, onde os métodos translaríngeos e a cricotireoidostomia são inviáveis ou contraindicados. Só se consegue uma oxigenação adequada por um espaço curto de tempo, suficiente até que outro método definitivo seja obtido. 137 Contraindicações: situações em que métodos mais adequados possam ser escolhidos. A cricotireoidostomia por punção deve ser realizada em situações extremas, onde não seria possível realizar a cricotireoidostomia cirúrgica. Técnica operatória: 1. Prepara-se um tubo de oxigênio fazendo uma fenestração no final do tubo; o outro extremo deve ser conectado a uma fonte de O2, assegurando um fluxo livre. Monta-se um extracath (jelco) 12-14, com 8,5cm, em uma seringa de 6-12ml. 2. Paciente em decúbito dorsal horizontal. 3. Assepsia e antissepsia do campo operatório. 4. Palpação da membrana cricotireoidea. Com o polegar e o dedo indicador de uma mão, estabiliza-se a traqueia para evitar movimentos laterais durante o procedimento. 5. Punção da pele na linha média, com o extracath acoplado à seringa, sobre a membrana cricotireoidea. Uma pequena incisão com lâmina 11 facilita a passagem da agulha pela pele. Direciona-se a agulha 45º caudalmente, enquanto aplicase pressão negativa na seringa. Cuidadosamente insere-se a agulha através da ½ inferior da membrana cricotireoidea, aspirando na medida em que o extracath avançar. A aspiração de ar significa entrada na luz da traqueia. 6. Retira-se a seringa e a guia do extracath, enquanto cautelosamente o cateter avança em posição descendente, com cuidado para a parede posterior da traqueia não ser perfurada. 7. Acopla-se o tubo de O2 no cateter, segurando-o no pescoço do paciente. A ventilação deve ser obtida através de um alto fluxo de O2. A ventilação intermitente pode ser obtida ocluindo o orifício no tubo de oxigênio com o polegar por 1 segundo e abrindo por 4 segundos. Após retirar o polegar do furo, a expiração passiva ocorre. A PaO2 se manterá adequada por, no máximo, 30-45 minutos; após esse tempo, o paciente poderá entrar em hipercapnia e hipóxia. 8. Observar a expansibilidade e auscultar o tórax para ventilar adequadamente. Complicações: asfixia, aspiração, celulite, perfuração esofágica, hematomas, perfuração da parede posterior da traqueia, enfisema subcutâneo e/ou mediastinal, perfuração da tireoide e ventilação inadequada do paciente levando a hipóxia e morte. 138 Referências bibliográficas: 1- AMERICAN COLLEGUE OF SURGEONS: Advanced Trauma Life Support, course for physicians. Chicago, IL, USA, 2008. 2- BIROLINI, D.; OLIVEIRA, M. R. Cirurgia do Trauma. P. 451-462. Livraria Atheneu, Rio de Janeiro, 1985. 3- GOFFI, F. S. Técnica cirúrgica; Bases Anatômicas, Fisiopatológicas e Técnicas da Cirurgia. 4ª Ed. São Paulo: Atheneu, 1997. 4- LAZARO DA SILVA, A. Cirurgia de Urgência. Volume II. P. 1825-37. Ed. Medsi, Rio de Janeiro, 1985. 5- HAWKINS, M.L.; SHAPIRO, M.B.; CUE, J.I.; WIGGINS, S.S. Emergency cricothyrotomy: a reassessment. Am. Surg., 61 (1): 52-5, 1995. 6- MAGALHÃES, H. P. Técnica cirúrgica e cirurgia experimental. São Paulo: Ed. Sarvier, 1993. 7- GOFFI, PITREZ, F. A. B.; el col: Pré e pós-operatório em cirurgia geral e especializada. P. 317-26. Ed. Artmed, Porto Alegre, 1999. 8- RAIA A. A.; ZERBINI E. J. Clínica Cirúrgica Alípio Correa Neto. 4 . Edição, 3 . volume. P.73-79. Ed. Sarvier, São Paulo, 1994. 9- SAUNDERS, C. E.; HO, M. T.(eds): Current Emergency Diagnosis and Treatment. 4ª Edição, USA, 1992. 139 Capítulo 14 Acessos vasculares e venóclise Airton Costa Madureira Larisse Menezes Parente O acesso vascular é o procedimento cirúrgico mais frequente em pacientes hospitalizados, tanto em situações eletivas como nas emergências, por ser essencial para a infusão de soluções hidroeletrolíticas, medicamentos, nutrição parenteral, hemoderivados ou para monitorização invasiva de pacientes graves. Consiste na introdução de uma agulha ou cateter em vaso central ou periférico. Os acessos periféricos e os centrais por via transcutânea podem ser realizados no leito, em condições adequadas de antissepsia. Os acessos centrais tunelizados e os totalmente implantáveis constituem cirurgias de pequeno porte, realizadas em bloco cirúrgico. 1) Acesso venoso periférico Indicações Administração de drogas endovenosas de forma isolada (analgesia, sedação, contrastes radiológicos, etc.) ou de forma intermitente. Hidratação venosa em pacientes desidratados ou com via oral impedida. Assistência de emergência no paciente grave ou em reanimação. Coleta de sangue para exames. Administração de sangue ou hemoderivados. Nutrição parenteral periférica. Administração de drogas durante procedimentos anestésicos. Locais de punção A veia a ser puncionada é escolhida por cuidadosa inspeção dos membros, pescoço e, em crianças, do couro cabeludo. As veias superficiais dos membros superiores são as mais utilizadas. A veia cefálica na parte lateral do antebraço, as veias do dorso da mão e a veia ulnar no antebraço (de preferência no braço não dominante) são os sítios mais fáceis no adulto e que proporcionam maior conforto. As veias da fossa antecubital prejudicam a movimentação do antebraço e devem ser consideradas escolhas secundárias. As veias da perna devem ser usadas apenas em último caso, sobretudo no adulto, pela restrição de movimento e pelo maior risco de flebite, infecção e tromboembolismo. A principal veia da região cervical para punção periférica é a jugular externa. Sempre dê preferência a veias mais distais e, em caso de insucessos, escolher veias mais proximais. 140 Técnica de punção 1. Explicar tanto o procedimento e o objetivo da punção ou acesso como a posição em que o paciente deve manter o membro a ser puncionado. 2. Providenciar iluminação (ou contenção, no caso de criança) adequada. 3. Uso de garrote ou torniquete em porção proximal ao local da punção, com pressão leve, para tornar as veias mais dilatadas e visíveis, sem fazer desaparecer o pulso radial (se preciso, peça ao paciente que abra e feche a mão ou deixe o braço pendente para dilatar mais as veias). 4. Lavar as mãos, desinfetá-las com álcool, calçar luvas de procedimentos ou luvas estéreis e fazer antissepsia local com clorexidina 2%, iodo povidina a 10% ou álcool a 70% (não usar o álcool antes dos outros antissépticos pois o álcool inibe sua ação). 5. Colocar o garrote e observar se a veia apresenta aspecto adequado (ingurgitada, elástica firme, não indurada, arredondada, plana ou com protuberâncias). 6. Punção com cateter plástico sobre a agulha metálica (tipo Jelco): introduzir a agulha com o bisel voltado para cima, em um ângulo inicial de 45º com a pele e abaixá-la para 10º assim que alcançar a veia. 7. Quando há retorno do sangue, a agulha metálica é mantida na posição e o cateter flexível sobre a agulha é introduzido delicadamente no interior da veia, enquanto a agulha é removida. 8. Ao avançar o cateter na veia, retirar um pouco a agulha e introduzir o cateter no interior da veia até a profundidade desejada (não avançar ou reintroduzir a agulha após ter avançado o cateter plástico, pois o bisel pode cortar a ponta do cateter dentro da veia). 9. Remover o garrote e conectar a agulha ao equipo de soro para verificar sua perviedade. 10. Após o implante, fixar adequadamente o cateter venoso curto com adesivo plástico transparente ou com curativo estéril específico para fixação de acesso venoso periférico (o uso de esparadrapo comum não estéril aumenta o risco de infecção). 141 Observação: O teste do refluxo pode ser realizado para verificar se o cateter ainda se encontra no interior da veia. O teste consiste em colocar o recipiente de soro em nível inferior ao do paciente; se houver retorno de sangue pelo equipo, o teste será positivo, mas se negativo, deve-se reposicionar o cateter. Cuidados gerais/complicações Evitar uso de substâncias hipertônicas (nutrição parenteral, cloreto de potássio e glicose). Em caso de hematoma no local da punção, retirar o acesso e efetuar compressão local por 5 a 10 minutos. Retirar a punção em caso de extravasamento de substâncias no subcutâneo, flebite e celulite. 2) Acesso venoso central O cateter é considerado central quando sua ponta está localizada na veia cava inferior ou superior, próximo ao átrio direito. O acesso central pode ser de curta duração (até cerca de um mês) ou de longa permanência tunelizados ou totalmente implantados (de 6 meses até cerca de 2 anos). Indicação: Administração de nutrição parenteral total, de antibioticoterapia prolongada e de quimioterapia; monitorização, estudos hemodinâmicos e hemodiálise. 2.1) Veia Subclávia Vantagens Cuidado com curativo é mais fácil. Não restringe os movimentos do paciente. Confere mais conforto ao paciente. Deslocamento acidental é incomum. Menor risco de infecção que jugular e femoral. Menor risco de trombose que jugular e femoral. Colaba menos nos casos de choque. Inserção (e retirada) no leito por técnica através de agulha ou por técnica de Seldinger. Possibilidade de troca com guia dos cateteres com defeito, ou troca por cateteres mais calibrosos/com mais lumens, ou mal posicionados (sob radioscopia). Desvantagens Pneumotórax (risco maior à esquerda). Lesão do ducto torácico (à esquerda). Risco de hemotórax (punção arterial, coagulopatia) com hemorragia maciça. Hemostasia por compressão impossível. Punção arterial: Retira-se a agulha de punção e realiza-se compressão da área por 10 minutos. Arritmia cardíaca: Evitar a progressão rápida do cateter, pois ao atingir o coração, pode induzir estimulação cardíaca. Infecção: A taxa de infecção gira em torno de 34%, sendo Estafilococos e Pseudomonas os germes mais frequentes. Trombose Venosa Profunda: Não é comum, mas caso ocorra, retira-se o cateter e realiza-se heparinização sistêmica. 142 Embolia gasosa. Evitar a subclávia quando: Hipoxemia ou insuficiência respiratória grave, pacientes que tolerariam mal um pneumotórax. DPOC grave. Anomalias torácicas ou cardíacas graves não esclarecidas (queimaduras, traumas, cirurgias e fraturas). Distúrbios severos de coagulação (plaquetas<50.000). Técnica 1. Remoção da gordura com resina ou éter. 2. Antissepsia com álcool iodado ou iodopovidine. 3. Colocação de campos estéreis. 4. Utilização de máscaras, gorros, avental e luvas estéreis (embora seja um procedimento que deve ter todos esses equipamentos, a realidade local aponta só o uso de luvas estéreis). 5. Anestesia com Xylocaína 1% sem vasoconstrictor no caminho a ser percorrido pelo cateter. 6. Punção com cateter na junção do terço médio com o lateral, em direção à fúrcula esternal ou um pouco acima dela. 7. Introduzir lentamente e fazer a aspiração para verificar o refluxo de sangue. 8. Desconectar a seringa da agulha de punção e introduzir o cateter até o nível do átrio direito. 9. Retirar a agulha da veia puncionada e conectar o cateter com o equipo de soro. 10. Fixação do cateter na pele com fio inabsorvível e curativo. 143 Cuidados gerais Auscultar ambos os pulmões, verificando se os ruídos respiratórios são simétricos. Exame radiológico do tórax, para a confirmação da posição do cateter e para a exclusão de alterações pulmonares. Examinar e trocar diariamente o curativo. 2.2) Veia Jugular Interna Vantagens Mais calibrosa e superficial que a subclávia. Menor risco de pneumotórax e hemotórax (mais indicado para pacientes com DPOC). Trajeto mais reto até a posição central. Menor risco de estenose da veia. Permite hemostasia por compressão. Preferir o lado direito: trajeto mais curto e menor risco de desvio até a cava superior. Inserção (e retirada) no leito por técnica através de agulha ou por técnica de Seldinger. Possibilidade de troca com guia dos cateteres com defeito, ou troca por cateteres mais calibrosos, com mais lumens ou mal posicionados (sob radioscopia). Desvantagens É mais difícil em lactentes e neonatos. No RN é pouco calibrosa e muito próxima à carótida. Risco de pneumotórax e hemotórax. Limitação dos movimentos da cabeça e pescoço. Referências para punção desaparecem no obeso mórbido. Posição do operador é mais difícil que para acesso da subclávia. Punção acidental da carótida. Punção arterial: É a complicação mais frequente, sendo a conduta a mesma da punção arterial da subclávia. Punção de outras estruturas: Punção de tireoide, traqueia e timo. Retira-se a agulha, sem maiores consequências. Hematomas cervicais: Principalmente em pacientes com distúrbios de coagulação e renais crônicos. Deve-se ter mais cuidado com a punção inadequada de artérias, retira-se a agulha de punção e realiza-se compressão mais demorada e controle da pressão arterial. Infecção: A taxa de infecção gira em torno de 34%, sendo Estafilococos e Pseudomonas os germes mais frequentes. Trombose Venosa Profunda: Não é comum, mas caso ocorra, retira-se o cateter e realiza-se heparinização sistêmica. Embolia gasosa. Evitar a jugular interna quando: Anomalias torácicas ou cardíacas graves não esclarecidas (queimaduras, traumas, cirurgias e fraturas), lesões traumáticas e queimaduras na região cervical. Distúrbios severos de coagulação (plaquetas<50.000). 144 Técnica 1. Colocar o paciente em hiperextensão do pescoço e com rotação lateral da cabeça para o lado contralateral ao da punção. 2. Remoção da gordura com resina ou éter. 3. Antissepsia com álcool iodado ou iodopovidine. 4. Colocação de campos estéreis. 5. Utilização de máscaras, gorros, avental e luvas estéreis (embora seja um procedimento que deve ter todos esses equipamentos, a realidade local aponta só o uso de luvas estéreis). 6. Anestesia com Xylocaína 1% sem vasoconstrictor no caminho a ser percorrido pelo cateter. 7. Palpar e desviar medialmente a artéria carótida comum. 8. Puncionar a veia jugular interna, no ápice do triângulo formado pelas porções clavicular e esternal do músculo esternocleidomastoideo. 9. Introduzir lentamente e fazer a aspiração para verificar o refluxo de sangue. 10. Desconectar a seringa da agulha de punção e introduzir o cateter até o nível do átrio direito. 11. Retirar a agulha da veia puncionada e conectar o cateter com o equipo de soro. 12. Fixação do cateter na pele com fio inabsorvível e curativo. 145 2.3)Veia Femoral: Usar na impossibilidade de acesso subclávio e jugular. Vantagens Na parada cardiorrespiratória, não interfere na reanimação. Permite hemostasia por compressão. Inserção (e retirada) no leito por técnica através de agulha ou por técnica de Seldinger. Possibilidade de troca com guia dos cateteres com defeito, ou troca por cateteres mais calibrosos, com mais lumens ou mal posicionados (sob radioscopia). Desvantagens Edema de membros inferiores. Risco de trombose (10 vezes maior que na subclávia). Risco de 5 a 10 % de punção arterial. Risco de infecção muito maior que o acesso pela subclávia ou jugular. Obstrução por dobra do cateter. Impede ou limita a deambulação. Punção da artéria femoral comum: Conduta idêntica às descritas anteriormente. Infecção: A taxa de infecção gira em torno de 34%, sendo Estafilococos e Pseudomonas os germes mais frequentes. Trombose Venosa Profunda: Não é comum, mas caso ocorra, retira-se o cateter e realiza-se heparinização sistêmica. Embolia gasosa. Evitar a femoral quando: No trauma de membro inferior ou pelve, massa abdominal com compressão da veia cava, malformação da extremidade inferior, infecção local e hérnia femoral. Distúrbios severos de coagulação (plaquetas<50.000). Técnica 1. Colocar o paciente em decúbito dorsal. 2. Remoção da gordura com resina ou éter. 3. Antissepsia com álcool iodado ou iodopovidine. 4. Colocação de campos estéreis. 5. Utilização de máscaras, gorros, avental e luvas estéreis (embora seja um procedimento que deve ter todos esses equipamentos, a realidade local aponta só o uso de luvas estéreis). 6. Anestesia com Xylocaína 1% sem vasoconstrictor no caminho a ser percorrido pelo cateter. 7. Palpar e desviar lateralmente a artéria femoral comum. Puncionar a veia femoral comum, um centímetro abaixo do ligamento inguinal. 8. Introduzir lentamente e fazer a aspiração para verificar o refluxo de sangue. 9. Desconectar a seringa da agulha de punção e introduzir o cateter até o nível do átrio direito. 146 10. Retirar a agulha de punção da veia puncionada e conectar o cateter com o equipo de soro. 11. Fixação do cateter na pele com fio inabsorvível e curativo. 147 3) Acesso venoso por flebotomia Conceito: Consiste na colocação de um cateter na luz venosa utilizando como técnica cirúrgica para a abertura da veia, a secção – flebotomia ou venotomia. Regra de Preferência: 1)Acesso venoso periférico; 2)Acesso venoso central; 3)Flebotomia. A escolha preferencial para dissecção venosa é a veia safena magna e a segunda opção é a veia basílica medial antecubital. Estas regras gerais podem ser quebradas em situações especificas. Indicações e contraindicações: Nos pacientes com síndrome hemorrágica, o acesso venoso por flebotomia é a segunda escolha. Caso não se consiga inserir um cateter calibroso e curto (n°14 ou 16), deve-se executar a flebotomia. Em pacientes sem síndrome hemorrágica, a ordem é a mesma da Regra de Preferência. A flebotomia é utilizada em pacientes com distúrbios de coagulação, pois permite uma hemostasia eficaz. As contraindicações são relativas ao membro de escolha para realização do procedimento: membro traumatizado, com queimaduras, cicatrizes, presença de infecções e trajeto vascular danificado devem ser evitados. Veias disponíveis -Membros superiores: Veia basílica que pode ser abordada no 1/3 inferior e médio do braço. Veia cefálica pode ser acessada no 1/3 inferior do antebraço, 1/3 médio do braço e no sulco deltopeitoral. Veias braquial medial e lateral podem ser acessadas no 1/3 inferior, médio e superior do braço. -Membros inferiores: A veia safena magna é a única utilizada para flebotomia, ela é abordada ao nível do maléolo medial da tíbia ou ao nível da sua croça. 148 -Região cervical: Jugular externa pode ser acessada na face ântero-lateral do pescoço, quando esta cruza o ventre do músculo esternocleidomastoideo. Jugular interna é acessada na borda medial no 1/3 inferior do músculo esternocleidomastoideo. Veia facial acessada na transição do 1/3 médio e superior do músculo esternocleidomastóideo. Instrumentos necessários: Cateteres (no caso de falta, pode-se usar sonda de Nelaton, mas por ser feita de PVC pode causar flebite), gaze, fios cirúrgicos, soro, seringas, agulhas, bisturi, tesoura, pinças hemostáticas, pinça anatômica, porta-agulha e Farabeuf. Técnica: Envolve 15 etapas: 1. Informação do paciente. 2. Preparação da região: Desgorduramento com éter ou resina, tricotomia, antissepsia com iodopovidona e colocação de campos estéreis. 3. Anestesia: Xylocaina 1% sem vasoconstrictor. 4. Acesso cirúrgico: Realiza-se uma incisão transversa em uma extensão suficiente para a realização do procedimento. 5. Dissecção e isolamento: Com auxilio do Farabeuf, tesoura ou pinça hemostática, realiza-se divulsão de subcutâneo e fáscias até a visualização da veia. Após separar a veia dos tecidos vizinhos, deve-se isolá-la colocando fios nas extremidades distal e proximal. 6. Contra-abertura: Medida importante para reduzir a taxa de infecção. Deve ser realizada uma pequena incisão de 1 cm na pele, seguida da tunelização com pinça hemostática e passagem do cateter. 7. Flebotomia: Após a realização de teste de esvaziamento e reenchimento, análise da cor e presença de pulso para confirmação de que é realmente uma veia, segue-se a flebotomia. Mantendo-se tracionados ambos os fios de reparo, tomase a lâmina de bisturi, com a parte cortante virada para cima, perfura-se a veia fazendo uma secção parcial transversa (a extensão da secção em formato de “T” invertido pode facilitar o procedimento). Em seguida, faz-se uma leve dilatação com a pinça hemostática. 149 8. Cateterização venosa: Introdução do cateter no interior da veia de forma contínua e lenta. Manter o cateter cheio de soro para evitar embolia gasosa. Testar o bom fluxo com uma seringa. A cateterização é finalizada com um nó circunferencial com o fio de reparo proximal. 9. Fixação e revisão: Revisar a presença de hemorragias na ferida cirúrgica e fazer suas hemostasias. Fixar o cateter na pele com fio de sutura usando a técnica do nó em sapato de bailarina. 10. Síntese da ferida cirúrgica: Fazer em dois planos – Fáscia com fio absorvível (geralmente Vicryl) e pele com fio inabsorvível (Nylon ou Prolene). 11. Curativo 12. Venóclise: Terminado o curativo, o cateter deve ser conectado ao sistema de venóclise, que terá um gotejamento de acordo com as necessidades do paciente. 13. Descrição do procedimento: tipo de acesso, veia abordada, região utilizada, cateter usado, tamanho, calibre e material, além da data, hora e assinatura. 14. Manutenção do acesso venoso: Troca de curativo diário, realização de teste de fluxo e refluxo, retirada dos pontos da pele em cinco dias, na região cervical, e sete dias nas demais regiões. 15. Retirada do cateter: Realizar a assepsia da região. Compressão ao nível da cicatriz cirúrgica e tração contínua do cateter até sua retirada completa; manter uma compressão durante aproximadamente dez minutos seguida de curativo. Complicações: Quanto à técnica cirúrgica, temos secção total da veia, lesão de artérias e nervos, hematomas locais, infecção. Quanto à permanência do cateter, microembolia pulmonar, infecção, flebite e trombose. Condutas para as complicações: Lesão arterial – fazer a hemostasia temporária para reconstrução por um especialista; Lesão nervosa – evitar manipulações e encaminhar para um especialista; Hematomas decorrentes de perfuração venosa – deve-se manter observação; Trombose venosa profunda – retirada do cateter e heparinização sistêmica; Flebite – retirada do cateter para enviar para cultura e na maior parte das vezes a flebite evolui para resolução espontânea. Referências bibliográficas: 1. Neto,JB. Cirurgia de Urgência: Condutas. 1° Ed. Rio de Janeiro. Editora Revinter,1999: 134-143.ISBN: 85-7309-357-9. 2. Netter,FH. Netter,Atlas de Anatomia. 4° Ed. Editora Elsevier,2006. 3. Harold Ellis. Clinical Anatomy: A revision and applied anatomy for clinical students.11° Ed. Editora Blackwell,2006. 4. Moore,KL; Dalley,AF. Anatomia orientada para clínica. 5° Ed.Editora Guanabara Koogan,2007. 5. Colégio Americano de Cirurgiões-Comitê de Trauma. ATLS: Manual do curso de alunos. 8° Ed. ACS-USA,2008. 6. PETROIANU, Andy; MIRANDA, Marcelo Eller; OLIVEIRA, Reynaldo Gomes de. Blackbook Cirurgia. Belo Horizonte: Blackbook Editora, 2008. 150 Capítulo 15 Citostomia, Pericardiocentese, Drenagem torácica e Drenagem peritoneal Rebeca Reis da Rocha Mariana Roma Lima 1. PERICARDIOCENTESE: É a retirada de volume fluido do saco pericárdico, tendo como principal objetivo aliviar qualquer compressão externa sobre o coração que possa dificultar seu relaxamento, ajudando assim, na eficiência deste órgão. a) Classificação: -Alívio -Terapêutica -Diagnóstica b) Indicações: -Tamponamento cardíaco com choque refratário a volume -Parada cardíaca b) Cuidados: -Avaliar o estado cardiorrespiratório do paciente. -ECG antes, durante [se possível] e depois do procedimento. 151 -O paciente deve estar em suporte respiratório, desde cateter de O2 a respiração mecânica, que supra suas necessidades. c) Técnica de Marfan: Equipamentos necessários: -Luvas estéreis -Solução tópica antisséptica (Ex. Iodopovidona). -Seringa 50 ml. -Torneira 3 vias. -Cateter agulhado 15 cm, calibre aproximado 16-18G. -Anestésico local (lidocaína 2% sem vasoconstrictor) + Água destilada. -Seringa p/ infiltrar o anestésico. Técnica de punção: -Inicia-se a pericardiocentese pela antissepsia. Lembrando-se que mesmo que não seja usada toda essa área, faz-se necessária uma boa cobertura e margem de segurança para evitar infecções. -Caso haja tempo/condições do paciente: Deve-se proceder com a infiltração de um botão anestésico subcutâneo em região subxifoideana e paraesternal esquerda, contemplando o periósteo do rebordo costal esquerdo, na área próxima ao apêndice xifoide. 152 -Solução de lidocaína 2% [1 ampola de 5ml] + 5ml de água destilada. -Pela palpação, avaliar o deslocamento mediastinal do paciente em questão. -Puncionar a pele 1-2 cm abaixo e à esquerda da junção xifocondral numa angulação de 30º da pele com bisel da agulha voltado para cima e sua ponta direcionada à ponta da escápula esquerda. -Depois de penetrar a pele, é prudente que se diminua o ângulo entre a superfície e a agulha, pondo esta última mais próxima à parede torácica, o que diminui o risco de perfuração miocárdico. -A cada vez que avançar a agulha em direção à ponta da escápula esquerda, deve-se aspirar até que se atinja o saco pericárdico (resistência sutil adicional à perfuração); penetrar nele. -Aspirar o máximo de volume possível. -Retirar o guia. Conectar a torneira de 3 vias ao cateter e fixar este conjunto. Atenção! 1) A resistência à penetração da agulha no saco pericárdico deve ser sutil, diferentemente da perfuração de qualquer outro órgão adjacente. Ex.: Miocárdio. 2) Se a drenagem pericárdica for auxiliada por monitorização eletrocardiográfica, caso haja acentuada progressão da agulha aparecerá o padrão de “Corrente de lesão”; devendo então recuar a agulha até o desaparecimento da corrente, e depois continuar com a aspiração. 153 d) Lesões associadas: Perfuração miocárdica. -No caso de uma leve inserção da agulha, comprovada pela pulsação do conjunto seringa-catéter, é só regredir com o cateter e proceder novamente à aspiração. -Sendo esta moderada/grave, o paciente deverá ser conduzido à toracotomia de emergência. Laceração de artéria ou veia coronária: -Toracotomia de emergência. Fibrilação atrial: -Atestada pela monitorização do eletrocardiograma. -A conduta varia da regressão do cateter a antiarrítmicos. Pneumotórax: -Comprovado pelo Rx de controle. -A conduta varia da expectação à drenagem torácica. Novo hemopericárdio: -O tratamento pode ir de uma nova punção ao aguardo da evolução da lesão iatrogênica. Infecção da ferida. 2. DRENAGEM TORÁCICA: É a instalação de um ou mais conjuntos dreno-coletor para descompressão torácica e melhora da mecânica respiratória, pelo escoamento da coleção seja ela líquida, gasosa ou mista. a) Classificação: -Alívio. -Terapêutica. -Diagnóstica. b) Indicações: -Pneumotórax: espontâneo primário ou secundário, hipertensivo, traumático, iatrogênico. 154 -Hemotórax: traumático ou residual. -Derrame pleural: exsudato, empiema ou quilotórax. c) Cuidados: -Avaliar o estado cardiorrespiratório do paciente. d) Técnica de Seldinger: Equipamentos necessários: -Luvas estéreis. -Solução tópica antisséptica (Ex. Iodopovidona). -Anestésico local [lidocaína 2% sem vasoconstrictor] + Água destilada. -Seringa p/ infiltrar o anestésico. -Gazes, compressas, campo fenestrado. -Bisturi. -Kit sutura + Fio nylon 3-0. -Kit coletor (dreno e recipiente coletor). O número do dreno varia de 32 a 40, dependendo do biótipo do paciente, da velocidade de fluxo de drenagem necessária e da gravidade do trauma. O tipo do dreno deve ser preferencialmente reto maleável, pois os angulados são de colocação mais difícil. -500 ml de qualquer solução cristalina, podendo ser Soro fisiológico, Ringer lactato ou Soro glicosado. Técnica: 155 -Antes da inserção do dreno, deve-se zelar pela antissepsia, com preparo cirúrgico da face anterior e lateral do hemitórax doente para a intervenção. Lembrandose que mesmo que não seja usada toda essa área, faz-se necessária uma boa cobertura e margem de segurança para evitar infecções. -Caso haja tempo/condições do paciente: Deve-se proceder com a infiltração de um botão anestésico subcutâneo no 5ºEI do lado lesado, na região compreendida entre as linhas axilares anterior e média. -Deve-se contemplar com abundância todo o periósteo da borda superior da 6ª costela. -Solução de lidocaína 2% [1 ampola de 5ml] + 5ml de água destilada. -Perpetrar uma incisão romba de 2-3 cm, junto à borda superior da 6ª costela, de forma que o corte fique paralelo ao sentido das costelas. -Incisar apenas pele e subcutâneo. -A seguir pegar a pinça hemostática curva e divulsionar o tecido até chegar à pleura parietal, perfurando esta bolsa com a pinça. -Introduzir o dedo e conferir a profundidade/largura da fenda para confirmar ou não a entrada na cavidade pleural e se é possível o dreno passar. -Não fazer uma abertura muito grande, para que o dreno de certa forma fique um pouco “aderido” à passagem. 156 -Pinçar a extremidade proximal do dreno e introduzi-lo na fenda, o tubo deve ser direcionado para face posterior junto à parede do tórax. -Embaçamento do tubo ou fluxo de líquidos. -No recipiente coletor, despejar a solução cristalina de mais rápido/fácil alcance. Conectar o dreno ao sistema coletor, tendo este sido previamente separado. -Fixar o dreno com o fio nylon 3-0 com pontos “bailarina” e fazer o curativo local. Atenção! 1) Toda drenagem torácica deve ser sucedida por um Rx tórax AP e perfil, para confirmação da correta posição do dreno e controle de lesões adicionais. 2) Para retirada do dreno, após avaliar muito cautelosamente as condições do paciente e evolução do seu quadro compressivo, pede-se ao doente que inspire profundamente e prenda a respiração até a retirada completa do tubo. Logo após, oclui-se a abertura com gaze. d) Lesões associadas: Lacerações de órgãos intratorácicos ou intra-abdominais: -Prevenida pela colocação do dedo ao perfurar a pleura parietal com a pinça. Lesão de nervo, artéria ou veia intercostal: -Acautelada pela incisão e colocação do dreno próximo à borda superior da 6ª costela. Grandes hemorragias. Hemiplegias. Dreno em posição incorreta: -Comprovado pelo Rx controle. -Sugerido por enfisema subcutâneo. Infecção da ferida. 3. PARACENTESE: É o procedimento cirúrgico pelo qual há a extração de líquidos ou ar coletado na cavidade peritoneal. 157 a) Classificação: -Alívio. -Terapêutica. -Diagnóstica. b) Cuidados: -Avaliar o estado cardiorrespiratório do paciente. c) Técnica: Equipamentos necessários: -Luvas estéreis. -Solução tópica antisséptica (Ex. Iodopovidona). -Anestésico local [lidocaína 2% sem vasoconstrictor] + Água destilada. -Seringa p/ infiltrar o anestésico. -Gaze/ Compressas/ Campo estéril. -Cateter agulhado nº14+ Seringa 10-20 ml. -Campo fenestrado estéril. Técnica: -Realizado na beira do leito ou em local para procedimento na enfermaria, com o paciente em jejum e com esvaziamento prévio da bexiga. Caso seja necessário, pode-se até proceder a uma sondagem vesical de alívio para posterior drenagem. -Paciente estando em decúbito dorsal elevado de cerca de 30-60 graus. -Antes da drenagem, deve-se zelar pela antissepsia/preparo cirúrgico da face anterior do abdome. -Colocação do campo fenestrado e infiltração da anestesia local de 2-5 ml. -Introdução da seringa perpendicular à pele preferencialmente no quadrante inferior esquerdo, mas pode ser em ambos QIs, num ponto central em uma linha 158 imaginária que liga a crista ilíaca ântero-superior à cicatriz umbilical e longe dos vasos hipogástricos. Ou ainda no meio de uma linha que ligue a cicatriz umbilical à sínfise púbica. -Sempre que for introduzindo a agulha, exercer pressão negativa sobre a seringa. -Prestar atenção ao momento de perfuração do peritônio, quando se sentirá uma maior resistência com posterior sensação de papel rasgado. -Retirar a agulha e realizar um curativo compressivo no local. PARACENTESE GUIADA POR ULTRASSOM COM AGULHA EM LINHA MEDIANA 159 d) Lesões associadas: -Hematoma no sítio de inserção do cateter. -Punções de alças rápidas. -Peritonite. -Lesão nervosa, punção de vasos hipogástricos. 4. CITOSTOMIA: É um tipo de drenagem percutânea do líquido vesical, por acesso supra-púbico que permite uma redução da tensão nas paredes da bexiga, caso o acesso vesical natural esteja obliterado ou impossibilitado de cateterização. a) Classificação: -Alívio. -Terapêutica. -Diagnóstica. b) Indicações: -Retenção urinária aguda secundária a obstrução do colo vesical ou estenose de uretra -Traumas vesicais ou uretrais -Pós uretroplastia ou cistoplastias 160 c) Cuidados: -Avaliar o estado cardiorrespiratório do paciente. d) Técnica: Equipamentos necessários: -Luvas estéreis. -Solução tópica antisséptica (Ex. Iodopovidona). -Anestésico local [lidocaína 2% sem vasoconstrictor] + Água destilada. -Seringa p/ infiltrar o anestésico. -Gaze, compressas, campo fenestrado. -Bisturi -Cateter agulhado de 10 cm, calibre 16-18G + seringa 20 ml. -Kit Sonda de Foley para cateterização supra-púbica + sistema coletor. INFILTRAÇÃO DE ANESTÉSICO LOCAL SEM VASOCONSTRICTOR Técnica de Seldinger: -Coloca-se o paciente na posição de Trendelemburg para evitar a perfuração de órgãos intra-abdominais. -Palpar a superfície vesical até encontrar sua parede superior. -Cerca de 1-3 cm acima da sínfise púbica, infiltrar o anestésico local (cerca de 25 ml). -No mesmo local da infiltração, fazer uma incisão com o bisturi, de aproximadamente 1-2 cm na pele e tecido subcutâneo. 161 -Inserir o cateter agulhado, aspirando ao introduzi-lo, até que haja o fluxo de urina para a seringa; conferir perviedade. Remover a seringa. -Inserir o fio guia do kit de sondagem vesical suprapúbica e retirar a agulha. -Colocar o dilatador com a ajuda do fio guia. Retirar o fio e inserir a Sonda Foley. -Observar o fluxo de líquidos como urina e sangue para a bolsa coletora. -Inflar o Cuff com aproximadamente 5 ml de solução cristalina. -Fixar a sonda com um curativo adesivo. INSERÇÃO DO FIO GUIA INSERÇÃO DO DILATADOR E RETIRADA DO FIO GUIA 162 INSERÇÃO DA SONDA DE FOLEY CUFF SENDO INFLADO FIXAÇÃO COM CURATIVO ADESIVO 163 d) Lesões associadas: -Perfuração de vísceras abdominais. -Lesão transfixante da bexiga. Referências bibliográficas: 1. ERAZO, Manual de urgência em pronto-socorros, 8ª edição, Cap.03, Cap.06, Cap.09. 2. ALTS, Cap.01 3. SABISTON, Tratado de cirurgia, 18ªedição, Cap.24, Cap.25. 4. www.medplus.co.uk 164 Capítulo 16 Cicatrização de Feridas Gustavo Barros Alves de Carvalho A cicatrização compreende uma sequencia de eventos moleculares e celulares que interagem com o objetivo de restaurar o tecido lesado. Ela limita o dano tecidual e permite o restabelecimento da integridade e função dos tecidos afetados. Todavia, não há retorno por completo ao estado prévio, uma vez que o processo tem como característica deposição de tecido conjuntivo específico. A cicatriz permanecerá indefinidamente. A regeneração é a restauração por completo da arquitetura de um tecido, ou seja, não há formação de cicatriz. Os únicos tecidos onde a “cicatrização” caminha para a regeneração são os embrionários e aqueles pertencentes a órgãos internos, como fígado e osso. 3) CLASSIFICAÇÃO As feridas podem ser divididas em agudas e crônicas. No primeiro caso, o processo cicatricial ocorre de forma ordenada e em tempo hábil, determinando resultado anatômico e funcional satisfatório; nas feridas crônicas (como as úlceras venosas e de decúbito), a cicatrização não ocorre de forma ordenada, estacionando na fase inflamatória, o que impede sua resolução e restauração da integridade funcional do tecido em questão. Quanto ao mecanismo de cicatrização, as feridas podem ser classificadas em: 165 Fechamento primário ou por primeira intenção (Fig. 1): a ferida é fechada por qualquer um desses mecanismos: (1) aproximação de seus bordos através de sutura; (2) utilização de enxertos cutâneos; ou (3) emprego de retalhos. Caracteriza-se por rápida epitelização e mínima formação de tecido de granulação, apresentando o melhor resultado estético. A cicatrização por primeira intenção é recomendada em ferida sem contaminação e localizada em área bem vascularizada. Fechamento secundário ou por segunda intenção ou espontâneo (Fig. 2): a ferida é deixada propositalmente aberta, sendo a cicatrização dependente da granulação e contração para a aproximação das bordas. O fechamento secundário é recomendado em algumas situações como biópsias de pele tipo punch, cirurgias em canal anal ou margem anal e feridas com alto grau de contaminação. Fechamento primário tardio ou por terceira intenção (Fig. 3): a ferida inicialmente é deixada aberta, geralmente por apresentar contaminação grosseira. Em seguida, a infecção local é tratada com desbridamentos repetidos, somados ou não à antibioticoterapia. Após alguns dias, a ferida é fechada mecanicamente através de sutura, enxertos cutâneos ou retalhos. O resultado estético obtido é intermediário. 4) PROCESSO DE CICATRIZAÇÃO Para uma melhor compreensão, o processo cicatricial será descrito em fases, o que sugere uma cronologia rígida. Entretanto, todas essas fases apresentam grande sobreposição, ou seja, uma mesma ferida pode apresentar regiões em diferentes estágios. As três fases da cicatrização de feridas são a inflamatória, a proliferativa e de maturação. A resposta imediata a lesão consiste em inflamação, também conhecida como fase reativa, que tem como objetivo inicial limitar o comprometimento do tecido. Em seguida entra em cena a fase proliferativa também chamada de regenerativa ou reparadora, caracterizada por reparação da lesão,com proliferação de fibroblastos, neoformação de vasos, etc. Na fase de maturação ou de remodelamento ocorre contração da cicatriz, devido a ligações cruzadas de colágeno, e redução do edema local. 1FASE INFLA MATÓ RIA 166 A fase inflamatória é dominada por dois processos: hemostasia e resposta inflamatória aguda. Ambos têm por objetivo limitar a extensão da lesão tecidual através da interrupção do sangramento, do combate à contaminação bacteriana e do controle do acúmulo de debris celulares. Em feridas não complicadas por infecção, esta fase dura de um a quatro dias. O estímulo que deflagra o processo de cicatrização é a lesão do endotélio vascular, com exposição de fibras subendoteliais de colágeno do tipo IV e V que promovem adesão plaquetária, seguida de ativação e agregação. As plaquetas ativadas pela trombina liberam várias citocinas. Os principais mediadores incluem o fator de crescimento derivado de plaquetas (PDGF), o fator de crescimento e transformação beta (TGF-) e o fator de crescimento insulina-símile (IGF-1). A ativação plaquetária também libera grânulos densos, ricos em serotonina; esta substância leva a aumento da permeabilidade capilar. Ocorre também ativação do sistema de coagulação, tanto pela via intrínseca como pela extrínseca. A ativação das proteínas de coagulação tem como objetivo formar a fibrina, que envolve e estabiliza o tampão plaquetário. A “malha” de fibrina servirá de sustentação para as células endoteliais, células inflamatórias e fibroblastos. Após a hemostasia ser atingida com a formação do trombo, ocorre a migração de neutrófilos (polimorfonucleares- PMN), atraídos para o sítio da ferida graças a ação quimiotáxica de alguns mediadores como a fração do complemento C5a, os leucotrienos C4 e D4, a interleucina-1 (IL-1) e o fator de necrose tumoral alfa (TNF-α). A vasodilatação, ocasionada por serotonina e histamina, também facilita a passagem dos PMN dos capilares para a ferida. Os PMN são responsáveis pela “limpeza” de debris celulares e pela fagocitose de bactérias presentes naquele microambiente; essas células exercem suas funções através da liberação de proteases (como elastase e colagenase), radicais livres derivados do oxigênio e substâncias bactericidas como a catepsina G (que age desestabilizando a parede celular bacteriana). Além disso, os PMN são capazes de produzir citocinas fundamentais para o processo cicatricial. Quanto maior o número de PMN atraidos para a ferida, maior a produção de citocinas e substâncias citotóxicas. Assim, o desbridamento precoce de feridas infectadas diminui o estímulo quimiotáxico, fenômeno que resulta num menor recrutamento de neutrófilos, o que determina resposta inflamatória mais branda, traduzida por cicatrização mais rápida e com melhor resultado estético. A partir de 24 a 48 horas da lesão, os monócitos circulantes são recrutados da circulação para participar do processo de reparo das lesões teciduais. Uma vez no sítio lesado, diferenciam-se em macrófagos, células fundamentais no controle da fase inflamatória e proliferativa. Esse fenômeno ocorre na época em que os neutrófilos desaparecem da ferida. Os macrófagos dão continuidade às funções de “limpeza” da ferida operatória e também são responsáveis pela liberação de diversas citocinas que regulam o processo de síntese dos componentes do tecido cicatricial. As principais incluem TGF-β, fator de crescimento derivado de fibroblastos (FGF), fator de crescimento da epiderme (EGF) e IGF-1. Essas células também promovem a liberação de outras citocinas que modulam o processo inflamatório, como a IL-1, TNF-α e interferon gama (INF-γ). Os macrófagos ativados também liberam radicais livres (na presença de IL2), que possuem importante atividade bactericida. 167 O linfócito T é recrutado para a ferida por volta do quinto dia da lesão, estando em maior quantidade em sete dias. Essas células são encontradas em grande número em feridas com contaminação bacteriana importante, com presença de corpos estranhos ou com grandes quantidades de tecido desvitalizado. Normalmente, o macrófago processa antígenos (bacterianos ou proteínas do hospedeiro degradadas enzimaticamente) e as apresenta ao linfócito. Como resposta, ocorre proliferação linfocítica e produção de citocinas por essas células, destacando-se o INF-γ. Esse mediador estimula os macrófagos a liberarem uma grande quantidade de citocinas, como a IL-1 e o TNF-α. Curiosamente, o INF-γ diminui a síntese de prostaglandinas, substâncias que amplificam os efeitos de mediadores inflamatórios. Por inibir a síntese do colágeno, o INF-γ é um importante mediador humoral encontrado nas feridas abertas, crônicas, e que não evoluem, ou evoluem lentamente, para a cicatrização. Sua presença reforça a hipótese que os linfócitos T estejam envolvidos em processos cicatriciais arrastados. 1. FASE PROLIFERATIVA Essa etapa da cicatrização tem como célula mais importante o fibroblasto. A diferenciação de células mesenquimais do tecido conjuntivo e de células musculares lisas parece originar esse tipo celular. Sob ação de determinadas citocinas ocorre proliferação dos fibroblastos e síntese de matriz extracelular (MEC), processo conhecido como fibroplasia. A MEC é inicialmente rica em ác. hialurônico e colágeno tipo I e tipo III, principalmente este último. O colágeno é uma macromolécula de estrutura complexa, uma trípla hélice cuja estabilidade é conseguida através da ligação entre aminoácidos (AA) característicos das fibras de colágeno: a hidroxiprolina e a hidroxilisina. Esses AA sofrem hidroxilação durante a “montagem” das fibras de colágeno, reação comandada por hidroxilases que utilizam ác. Ascórbico (vitamina C) como cofator. A síntese do colágeno é estimulada pela TGF-β e IGF-1 e inibida por INF-γ e glicocorticoides. Outros componentes da MEC sintetizados incluem glicosaminoglicanas, ác. Hialurônico e fibronectina; esses elementos servem como suporte para as células envolvidas no processo cicatricial, além de facilitar a interação entre as citocinas e suas células-alvo. A proliferação de células endoteliais, com a formação de rica neovascularização (angiogênese), é um processo de fundamental importância que ocorre na fase proliferativa. O tecido de granulação é formado por esses novos vasos somados a macrófagos que infiltram o local. O processo de angiogênese é estimulado por diversas citocinas como heparina, fator de crescimento de fibroblastos (FGF), TGF- β e pela própria hipóxia tecidual. Com a evolução do processo, ocorre modificação bioquímica da matriz extracelular. A composição do colágeno se altera, com diminuição na proporção de colágeno tipo III em relação ao tipo I, aproximando-se da constituição da derme normal. Esse fenômeno é intenso e macroscopicamente visível na cicatrização por segunda intenção, sendo discreto clinica e funcionalmente no fechamento por primeira intenção. Minutos após a lesão, tem início a ativação dos queratinócitos nas bordas da ferida, fenômeno que representa a epitelização. Ocorre proliferação da camada basal 168 da epiderme, com migração dos queratinócitos por sobre a matriz extracelular. Essas células sintetizam laminina e colágeno do tipo IV, formando a membrana basal. Os queratinócitos então assumem configuração mais colunar e iniciam proliferação em direção vertical (de baixo para cima), arrastando com eles tecido necrótico e corpos estranhos, separando-os da ferida. Assim que a integridade da camada epitelial da ferida é alcançada, as células formam hemidesmossomas (junções firmes e impermeáveis) e iniciam a produção de queratina. 2. FASE DE MATURAÇÃO O último passo no processo de cicatrização é a formação do tecido cicatricial propriamente dito, que histologicamente consiste em tecido pouco organizado, composto por colágeno e pobremente vascularizado. O processo de remodelamento da ferida implica no equilíbrio entre a síntese e a degradação do colágeno, na redução da vascularização e na diminuição da infiltração de células inflamatórias, até que se atinja a maturação da ferida. O processo descrito é longo, e pode ser avaliado clinicamente através da força tênsil da ferida, indicador da quantidade de tração que o tecido cicatricial consegue suportar. Em torno da terceira semana, uma ferida cutânea atinge 30% da força tênsil da pele normal, aumentando rapidamente até a sexta semana; a partir de então, o ganho é bem menos pronunciado, atingindo no máximo, 80% da força da pele íntegra. Tecidos diferentes apresentam velocidades de maturação distintas, como por exemplo, a bexiga, que em três semanas alcança 95% de sua força tênsil prevista. A contração da ferida é um dos principais eventos da fase da maturação. Este fenômeno ocorre por movimento centrípeto de toda a espessura da pele em torno da ferida, aproximando progressivamente suas bordas e reduzindo a quantidade de cicatriz desorganizada. Miofibroblastos parecem ser os responsáveis por esse movimento. Estas células são fibroblastos presentes no tecido de granulação que sofrem diferenciação, apresentando estruturas com actina-miosina (presentes nas células musculares). Como vimos, a cicatrização por segunda intenção depende inteiramente do fenômeno de contração. Em alguns casos, a contração da ferida pode levar a deformidade estética e funcional, fenômeno conhecido como contratura. Como exemplo, citamos a cicatrização de queimaduras e a cicatrização da pele adjacente a articulações. 5) CITOCINAS E CICATRIZAÇÃO Os estudo das citocinas, substâncias responsáveis pela orquestração de todas as fases descritas, representa grande avanço na compreensão do processo cicatricial. Hoje em dia, trabalhos experimentais e ensaios clínicos vêm sendo conduzidos com o uso desses mediadores. Um exemplo é a administração de INF-γ em pacientes com quelóides. Todavia, o entendimento por completo de todo o mecanismo de cicatrização ainda está longe de ser atingido, uma vez que as citocinas são em grande número e apresentam diversas interações e funções, além de várias células-alvo. Na Tab.1, encontram-se resumidas as principais citocinas com suas funções mais relevantes. A principal citocina presente na cicatrização é a TGF-β, uma vez que é identificada em todas as fases do processo cicatricial. 169 6) FATORES QUE INTERFEREM NA CICATRIZAÇÃO Diversos fatores comprometem o processo de cicatrização de feridas, sendo importante seu conhecimento para um manejo adequado do paciente cirúrgico. 3. INFECÇÃO A causa mais comum no atraso do processo cicatricial é a infecção da ferida operatória. Contaminação bacteriana, representada por mais de 105 unidades formadoras de colônia (CFU) por miligrama de tecido, ou presença de estreptococo beta-hemolítico na ferida, são fatores que impedem a evolução do processo cicatricial. Nesses casos, a cicatrização não acontecerá mesmo com auxílio de enxertos cutâneos ou retalhos. A infecção bacteriana prolonga a fase inflamatória e interfere nos processos de epitelização, contração e deposição de colágeno. Clinicamente manifesta-se através de sinais flogísticos acompanhados, geralmente, de drenagem purulenta. A conduta envolve exposição da ferida, com retirada das suturas, cuidados locais e administração de antibióticos, quando indicados. 4. DESNUTRIÇÃO A ingestão calórica inadequada leva a um aumento da degradação de proteinas (proteólise), o que interfere no processo cicatricial. Curiosamente apenas níveis de albumina inferiores a 2,0 g/dl prejudicam a cicatrização e se relacionam a uma maior probabilidade de deiscências. O início de uma dieta adequada com reposição proteica reverte essas complicações. A carência de ácido ascórbico (vitamina C), conhecida como escorbuto, prejudica a cicatrização. Sabemos que esta vitamina atua como cofator em reações envolvidas na síntese do colágeno. O processo é interrompido na fase de fibroplasia. Doses de 100 a 1.000 mg/dia corrigem a deficiência. 170 A vitamina A (ácido retinóico) exerce funções benéficas no processo cicatricial. As principais alterações incluem: aumento na resposta inflamatória (por desestabilizar a membrana de lisossomos), aumento no influxo de macrófagos para a ferida (com sua posterior ativação) e aumento na síntese de colágeno. A administração de vitamina A melhora a evolução da cicatrização em diabéticos, em vítimas de lesões graves e em pacientes submetidos a radioterapia ou quimioterapia; além disso, é capaz de reverter os efeitos prejudiciais dos glicocorticóides sobre a cicatrização. Concluimos que a deficiência desta vitamina causa prejuízo em quase todas as etapas do processo de cicatrização. Entretanto, dois efeitos são mais evidentes: diminuição da ativação de monócitos e macrófagos e distúrbios nos receptores de TGF- β. A vitamina K é um cofator na síntese de determinados fatores de coagulação (protrombina ou fator II, fator VII, fator IX e fator X). Sua deficiência é encontrada em pacientes com síndromes colestáticas, em desnutridos e em cirróticos. A primeira fase da cicatrização pode ser prejudicada por níveis reduzidos desta vitamina. Carência de vitaminas do complexo B parece não interferir no processo cicatricial. A deficiência de zinco compromete a fase de epitelização da ferida. Este oligoelemento atua como cofator para RNA polimerase e DNA polimerase. A carência de zinco é rara, estando presente em queimaduras extensas, trauma grave e cirrose hepática. Ainda é controversa a relação entre deficiência de ferro e prejuízo à cicatrização. 5. HIPÓXIA TECIDUAL E ANEMIA A cicatrização de feridas é caracterizada por atividade sintética intensa, fenômeno que exige um aporte contínuo e adequado de oxigênio. Quando a PO2 cai abaixo de 40mmHg, a síntese de colágeno é intensamente prejudicada. A perfusão tecidual depende basicamente de três fatores: volemia adequada, quantidade de hemoglobina e conteúdo de oxigênio no sangue arterial. Doença cardiopulmonar prejudica a cicatrização de feridas, principalmente em pacientes com insuficiência cardíaca descompensada, condição onde o tônus adrenérgico se encontra elevado, ocasionando vasoconstricção de leitos arteriais. Anemia prejudica o processo cicatricial. Redução da infiltração de leucócitos na ferida, diminuição de fibroblastos e da produção de colágeno e redução da angiogênese são alterações observadas em anêmicos. O valor de hematócrito abaixo do qual esses distúrbios ocorrem parecem ser de 15% (HB entre 5 e 6 g/dl). Por aumentar o teor de monóxido de carbono no sangue e ocasionar vasoconstricção, o tabagismo também interfere na cicatrização. 6. DIABETES MELLITUS Todas as fases da cicatrização estão prejudicadas em pacientes diabéticos. Os principais fatores que contribuem para isso são a neuropatia autônoma, a aterosclerose e a maior predisposição à processos infecciosos. A neuropatia diabética, que afeta fibras sensitivas e motoras, predispõe a traumas repetidos com muitos episódios não percebidos pelo paciente. A aterosclerose acelerada leva ao estreitamento do lúmen arterial com hipoperfusão tecidual. Quimiotaxia reduzida, somada a resposta inflamatória atenuada e incapacidade de atuar sobre microorganismos agressores, justifica a maior probabilidade de infecção. 171 Além do envolvimento arterial pela aterosclerose, diabéticos apresentam também doença da microcirculação; esta tem como uma de suas características espessamento da membrana basal dos capilares, com prejuízo na liberação de oxigênio para a ferida. 7. IDADE AVANÇADA Os idosos apresentam um processo de cicatrização mais lento quando comparados a indivíduos mais jovens. Deiscência de ferida operatória é uma complicação mais encontrada na idade avançada, uma vez que qualidade e quantidade das fibras colágenas pioram com o tempo. Diminuição da epitelização, da angiogênese e da síntese de colágeno são distúrbios observados experimentalmente, mas acredita-se que ocorram em humanos senescentes. Outros fenômenos encontrados em idosos incluem infiltração tardia da ferida por macrófagos e diminuição da ação fagocítica dessas células, distúrbios que alteram a fase inflamatória. 8. GLICOCORTICÓIDES, QUIMIOTERAPIA E RADIOTERAPIA Devido a seu efeito anti-inflamatório, os glicocorticoides prejudicam intensamente a primeira fase da cicatrização. Todavia, não é só a fase inflamatória que é comprometida pela droga. Distúrbios na síntese de colágeno, na epitelização e na contração da ferida são fenômenos observados. A administração de glicocorticoides após três a quatro dias de pós-operatório parece afetar com menor intensidade o processo cicatricial. Como vimos antes, os efeitos ocasionados pelos glicocorticoides podem ser revertidos, total ou parcialmente, com a administração de vitamina A. Por comprometer o fenômeno de divisão celular, a quimioterapia citotóxica interfere em todas as fases do processo cicatricial. Sendo assim, ocorre prejuízo importante na proliferação de fibroblastos, de endoteliócitos, de macrófagos, de queratinócitos e de outros tipos celulares. Ciclosfosfamida, metotrexato, BCNU e adriamicina (doxorrubicina) são as medicações que mais prejudicam a cicatrização; essas drogas devem ser evitadas nos primeiros cinco a sete dias do pós-operatório, período crítico na evolução do processo cicatricial. O tamoxifen é um agonista parcial do estrogênio, que funciona como antagonista estrogênico nas células do câncer de mama; é empregado com frequência no tratamento desta neoplasia maligna. A droga interfere na cicatrização, reduzindo a proliferação celular e a produção de TGF-β; este último efeito está envolvido na diminuição da força tênsil da cicatriz. Além de seus efeitos negativos no processo cicatricial semelhantes à quimioterapia, a radioterapia traz prejuízo à cicatrização por causa da endarterite. Esta condição leva à obliteração de pequenos vasos, com isquemia e fibrose de tecidos. 7) CICATRIZAÇÃO ANORMAL 1. CICATRIZES PROLIFERATIVAS- QUELÓIDES E CICATRIZES HIPERTRÓFICAS 172 Os queloides e as cicatrizes hipertróficas resultam de um processo cicatricial anômalo, caracterizado por síntese excessiva, além de pouca degradação de colágeno. Essas complicações são mais comuns em afrodescendentes, em asiáticos e em qualquer indivíduo que tenha a tonalidade da pele mais pigmentada. Parece existir um componente genético. Enquanto as cicatrizes hipertróficas permanecem nos limites da ferida e regridem ao longo do tempo, o queloide se estende além dos limites da ferida e comumente não regride. A cicatriz queloide tende a ocorrer acima da clavícula, no tronco, em membros superiores e em face. A cicatriz hipertrófica pode ser observada em qualquer local. Existem em ambas as condições uma produção excessiva de colágeno (principalmente nos queloides) e prejuízo em sua degradação. Os níveis de metaloproteinases, como a colagenase (MMP-1) e a gelatinase (MMP-9), esta última envolvida em remodelação tecidual, se encontram reduzidos. A TGF-β participa de forma menos clara, mas também parece implicada na gênese de queloides e cicatrizes hipertróficas. Fibroblastos de cicatrizes queloides possuem quantidade aumentada desta citocina. Além disto, existe uma resposta mais acentuada na produção de colágeno quando fibroblastos de tecido queloide ou de cicatrizes hipertróficas (principalmente em áreas queimadas) são expostos à TGF-β. Estudos com anticorpos dirigidos contra a TGF-β estão em andamento; esta terapia, quando plenamente desenvolvida, facilitará o manejo futuro de cicatrizes hipertróficas e queloides. O tratamento dos queloides pode envolver excisão cirúrgica, quando a lesão é esteticamente inaceitável ou quando se necessita recuperar função de um determinado segmento. Infelizmente, a taxa de recorrência é alta após o procedimento. A injeção intralesional de triancinolona tem sido empregada com algum sucesso para lesões pequenas, com amolecimento da lesão e melhora do prurido e dor. Por ser um inibidor da síntese de colágeno, o INF-γ vem sendo utilizado em alguns ensaios clínicos em pacientes com queloides; o resultado parece ser satisfatório com redução, em média, de 30% na espessura da cicatriz. Parece existir um estímulo proveniente do aumento de tensão das feridas para a proliferação excessiva de fibroblastos, um fenômeno que explicaria parcialmente a gênese das cicatrizes hipertróficas. Cicatrizes perpendiculares à orientação das fibras musculares são submetidas a uma menor tensão, o que pode atenuar a produção de colágeno. É só relembramos um conceito importante: quando o músculo esquelético se contrai, suas células encurtam, o que aproximaria as bordas de uma cicatriz perpendicular a orientação das fibras musculares. 2. FERIDAS CRÔNICAS QUE NÃO CICATRIZAM 173 Estudos realizados em feridas crônicas de difícil cicatrização, como as úlceras de pressão, têm demonstrado alguns achados interessantes. Por exemplo, níveis de citocinas pró-inflamatórias persistem nessas lesões, como o TNF-α, a IL-1 e a IL-6. Normalmente o que ocorre em feridas com boa evolução é a queda dos níveis desses mediadores à medida que a cicatrização evolui normalmente. Evidências recentes nos mostram que degradação proteolítica mantida, provavelmente estimulada por TNF- α, é uma característica de feridas que não cicatrizam. Nessas lesões, encontramos níveis de MMP elevados; estas são enzimas que degradam diversos componentes da MEC. Além disso, inibidores dessas proteinases estão reduzidos, principalmente o inibidor tecidual das MMP (TIMP). A proteólise excessiva provoca liberação de componentes do tecido conjuntivo que, por si só, estimulam a inflamação, mantendo esse círculo vicioso. Concluímos que a inflamação persistente impede que o processo cicatricial evolua. Um detalhe importante: feridas cronicamente inflamadas predispõem ao surgimento de carcinoma de células escamosas. Um exemplo clássico é a úlcera de Marjolin em queimaduras. Outras lesões que também apresentam esse risco incluem úlceras de estase venosa, úlceras de presão, hidradenite e até mesmo osteomielite. 8) CICATRIZAÇÃO DE FERIDAS EM FETOS A cicatrização em fetos abaixo de 20 semanas evolui para regeneração, ou seja, não há cicatriz formada o tecido retorna por completo a sua estrutura anterior a cirurgia. Com isso, muitos pesquisadores estudam essa evolução até certo ponto “mágica”. Atualmente algumas diferenças marcantes entre a cicatrização fetal e a de crianças e adultos já foram identificadas. A cicatrização em fetos apresenta uma fase inflamatória mais atenuada. Existe uma diminuição local do número de neutrófilos, além de uma infiltração tardia da ferida por um menos número de macrófagos. Um menor número de células da inflamação tem como consequência redução dos níveis de fatores de crescimento, como TGF-β e FGF. Este fenômeno justifica em parte uma quantidade diminuída de tecido cicatricial. Sabemos que uma das principais citocinas que estimulam um aumento na produção de tecido cicatricial é a TGF- β. O ambiente relativamente hipoxêmico no qual os fetos sobrevivem, explica parcialmente a diminuição nos níveis desse mediador. Outra teoria é que isoformas diferentes de TGF-β, ou seja, algumas não relacionadas à proliferação da cicatriz, estariam presentes nessas feridas. A presença de ácido hialurônico no líquido amniótico estimula a função e mobilidade de fibroblastos. Estas células produzem um colágeno mais frouxo e menos denso do que o observado em adultos. Em fetos, o colágeno predominante no processo de regeneração é o tipo III. A relação colágeno tipo III com o tipo I é maior do que a observada em crianças e adultos. O processo de epitelização ocorre em uma velocidade maior em fetos. Além disso, os fibroblastos induzem o epitélio a formar os apêndices da derme, como folículos pilosos e glândulas. Este fenômeno não está presente em crianças e adultos. À medida que conhecemos mais a cicatrização fetal, novos horizontes vão se abrindo para o cirurgião. Em um futuro próximo, esse aprendizado poderá nos ajudar a controlar e a intervir, de maneira conscienciosa, em um processo cicatricial anômalo. 174 Capítulo 17 Gasometria Arterial Júlio César Silva de Albuquerque DEFINIÇÃO A gasometria é a medição dos gases dissolvidos em uma amostra de sangue (nesse caso, arterial) por meio de um gasômetro. Tipicamente, os valores gasométricos são obtidos quando o quadro clínico do paciente sugere uma anormalidade na oxigenação, na ventilação e no estado ácido-básico. Os níveis dos gases arteriais também são obtidos para avaliar alterações na terapia que podem afetar a oxigenação, tal como a mudança na concentração de oxigênio inspirado (FiO2), níveis aplicados de pressão expiratória final positiva (PEEP), pressão das vias aéreas, ventilação (mudança de frequência da respiração ou alterações do volume corrente) ou equilíbrio ácido-básico (administração de bicarbonato de sódio ou terapia com acetazolamida). INDICAÇÕES O procedimento é indicado sempre que queremos medir a troca gasosa pulmonar – a ventilação e a oxigenação – e quando se suspeita de qualquer alteração do equilíbrio ácido-básico. A gasometria arterial basal é aquela que se realiza em condições de repouso para o paciente, respirando ar ambiente (FiO2 = 0,21); a mais realizada, no entanto, é aquela feita em pacientes sob o uso de ventilação mecânica, para verificação dos níveis gasosos e possível mudança nos parâmetros da ventilação (nesse caso, é importante salientar o registro da FiO2 em uso no aparelho de ventilação). Não há contraindicação para a sua realização – deve-se evitar, entretanto, diante de suspeita de Infarto Agudo do Miocárdio (IAM) ou fibrinólise. MATERIAL Seringa pré-heparinizada, com agulha; Luvas de procedimento; Gazes estéreis; Algodão umedecido com álcool; Anestésico (uso não-obrigatório); PROCEDIMENTO 175 Lavar as mãos e colocar as luvas; Selecionar o local de punção, palpar o pulso da artéria; Limpar o local com algodão umedecido; Localizar, utilizando os dedos indicador e médio, a artéria em questão, deixando o ponto de impulsão entre eles; Segurar a seringa como se fosse uma caneta e, lentamente, introduzir o bisel no ponto de impulsão, num dado ângulo (+/- 45 graus em artéria radial e +/- 90 graus em artérias umeral e femoral); Continuar a introdução da agulha lentamente, em linha reta, até o sangue fluir para a seringa – não puxar o êmbolo da seringa; Manter a seringa imóvel até conseguir a amostra de sangue (+/- 2 mL); Em caso de não achar a artéria, retirar a agulha em linha reta e reintroduzir num novo direcionamento – é importante não mudar a direção da agulha ainda dentro do corpo para não se lesionar outras estruturas (vasos, nervos); Retirando a amostra, retirar a agulha e pressionar o local de punção até a parada do sangramento; Colocar a amostra no gasômetro em tempo hábil – no máximo, 15 minutos (o contato com ar altera os valores após esse tempo). Observação: Evitar áreas com hematomas ou com múltiplas punções (risco de dilatação aneurismática local); Nunca rodear com esparadrapo o local – evitar o efeito torniquete. Em caso de locais de punção mais profunda, aumentar o tempo de compressão; VALORES DE REFERÊNCIA INTERPRETAÇÃO DA GASOMETRIA pH => Determina se está presente uma acidose ou uma alcalose. Um pH normal não indica necessariamente a ausência de um distúrbio ácido-básico, dependendo do grau de compensação. O desequilíbrio ácido-básico é atribuído a distúrbios ou do sistema respiratório (PaCO2) ou metabólico. • PaO2 => A PaO2 exprime a eficácia das trocas de oxigênio entre os alvéolos e os capilares pulmonares, dependendo diretamente da pressão parcial de oxigênio no alvéolo, da capacidade de difusão pulmonar desse gás, da existência de Shunt anatômicos e da reação ventilação / perfusão pulmonar. Alterações desses fatores constituem causas de variações de PaO2. 176 • • PaCO2 => A pressão parcial de CO2 do sangue arterial exprime a eficácia da ventilação alveolar, sendo praticamente a mesma do CO2 alveolar, dada a grande difusibilidade deste gás. Seus valores normais oscilam entre 35 e 45 mmHg. Se a PaCO2 estiver menor que 35 mmHg, o paciente está hiperventilando e se o pH estiver maior que 7,45, ele está em Alcalose Respiratória. Se a PCO2 estiver maior que 45 mmHg, o paciente está hipoventilando e se o pH estiver menor que 7,35, ele está em Acidose Respiratória. HCO3- => As alterações na concentração de bicarbonato no plasma podem desencadear desequilíbrios ácido-básicos por distúrbios metabólicos. Se o HCO3- estiver maior que 28 mEq/L com desvio do pH > 7,45, o paciente está em Alcalose Metabólica. Se o HCO3- estiver menor que 22 mEq/L com desvio do pH < 7,35, o paciente está em Acidose Metabólica. TRANSTORNOS RESPIRATÓRIA DO EQUILÍBRIO ÁCIDO-BÁSICO DE ORIGEM Acidose Respiratória (Aumento da PCO2): Qualquer fator que reduza a ventilação pulmonar, aumenta a concentração de CO2 (aumenta H+ e diminui pH) resultando em acidose respiratória. Hipoventilação respiratória Hipercapnia (PCO2 > 45mmHg) Acidose Causas de Acidose Respiratória: • Lesão no Centro Respiratório (AVE, TCE, tumor); • Depressão no Centro Respiratório (intoxicações, anestésicos, sedativos, lesões, narcóticos); • Obstrução de Vias Aéreas (Asma, DPOC, secreção, corpo estranho); • Infecções agudas (Pneumonias); • Edema Pulmonar; • SDRA, Atelectasias, Pneumotórax, Fibrose Pulmonar; • Trauma torácico, deformidades torácicas severas; • P.O. de cirurgia abdominal alta, toracotomias; • Distensão abdominal severa; • Doenças Neuromusculares (Poliomelite, Polirradiculoneurites); • Tromboembolia Pulmonar; • Fadiga e falência da musculatura respiratória. Segue abaixo, um exemplo de uma acidose respiratória: • _ pH = 7.30 • _ PaO2 = 140 177 • • • • _ PaCO2 = 50 _ HCO3 = 24 _ BE = -6 _ SatO2 = 99% Alcalose Respiratória (diminuição da PCO2): Quando a ventilação alveolar está aumentada a PCO2 alveolar diminui, consequentemente, haverá diminuição da PCO2 arterial menor que 35mmHg, caracterizando uma alcalose respiratória (diminuição de H+, aumento do pH). Hiperventilação respiratória Hipocapnia (PCO2 < 35mmHg) Alcalose Causas de Alcalose Respiratória: • Hiperventilação por ansiedade, dor, hipertermia, hipóxia, grandes altitudes; • Hiperventilação por VM; • Lesões do SNC, tumores, encefalites, hipertensão intracraniana; • Salicilatos e sulfonamidas; • Alcalose pós-acidose. A principal característica clínica é a hiperventilação. Em casos graves, pode ser observada tetania com sinais de Chvostek e de Trousseau, parestesia circumoral, acroparestesia e câimbra nos pés e mãos (resultante de baixas concentrações de Cálcio ionizado no soro). Segue abaixo, um exemplo de uma alcalose respiratória: • pH = 7.58 • PaO2 = 50 • PaCO2 = 23 • HCO3 = 22 • BE = +5 • SatO2 = 87% TRANSTORNOS DO EQUILÍBRIO ÁCIDO-BÁSICO DE ORIGEM METABÓLICA Acidose Metabólica (diminuição de HCO3-): Causas de Acidose Metabólica: • Insuficiência Renal; • Cetoacidose diabética; • Ingestão excessiva de ácidos; • Perdas excessivas de bases (diarreias); • Elevação de ácido láctico na glicogenólise muscular (aumento do trabalho respiratório); 178 • Hipóxia (insuficiência respiratória, choque circulatório); • Hipertermia, doenças infecciosas, anorexia. Na acidose metabólica leve, as manifestações clínicas são aquelas decorrentes da própria intoxicação. Nos casos de acidose mais grave (pH < 7.2, bicarbonato < 13 mEq/L), independente da causa de base, podem ser produzidos efeitos diretos cardiovasculares, respiratórios, gastrointestinais e em SNC. A contratilidade do miocárdio é afetada e pode progredir para choque circulatório. A respiração se torna anormal, mais profunda e então, mais frequente. A depressão de SNC evolui para o coma. Dor abdominal e náusea podem estar presentes. Hipercalemia é uma complicação da acidose, que resulta em potencial risco de vida. Segue abaixo, um exemplo de uma acidose metabólica: • pH = 7.32 • PaO2 = 89 • PaCO2 = 38 • HCO3 = 15 • BE = -7 • SatO2 = 97% Alcalose Metabólica (aumento de HCO3-): Causas de Alcalose Metabólica: • Oferta excessiva de bicarbonato; • Perda de suco gástrico por vômitos ou aspirações de sondas gástricas; • Uso abusivo de diuréticos e corticosteroides; • Insuficiência respiratória crônica (retentores crônicos de CO2). A manifestação clínica na alcalose metabólica pode vir acompanhada de história recente de perda excessiva do conteúdo gástrico, administração de altas doses de diurético de alça ou sobrecarga de álcali em pacientes com falência renal, irritabilidade, hiperexcitabilidade, confusão mental (às vezes semelhante a intoxicação alcoólica), bradipneia, cianose (às vezes extrema), fraqueza muscular, redução do peristaltismo gastrointestinal e poliúria, sugerindo depleção associada de K+ . Tetania pode ocorrer devido à diminuição de cálcio ionizado no soro. Segue abaixo, um exemplo de uma alcalose metabólica: • pH = 7.50 • PaO2 = 93 • PaCO2 = 43 • HCO3 = 31 • BE = +3 • SatO2 = 96% Referências bibliográficas: 179 PARSONS, P. E.; HEFFNER, J. E.. Segredos em Pneumologia: respostas necessárias ao dia-a-dia em rounds, na clínica, em exames orais e escritos. Ed. Artmed – Porto Alegre 2000. http://www.msd-brazil.com/msd43/m_manual/mm_sec4_32.htm http://www.intox.org PRESTO, B. L. V.; PRESTO, L. D. N.. Fisioterapia Respiratória: Uma nova visão. Ed. Bruno Presto – Rio de Janeiro 2003. SILVEIRA, I. C.; O Pulmão na prática médica. 3º ed – Rio de Janeiro. Ed. de Publicações Médicas, 1992. 180