CLASSIFICAÇÃO E DIAGNÓSTICO DOS DISTÚRBIOS ÁCIDO-BASE Renata Vitorino Frossard R2 – Pediatria Priscila Alves R3 – UTIPed Coordenação: Dra. Márcia Pimentel Hospital Regional da Asa Sul(HRAS)/Hospital Materno Infantil de Brasília (HMIB) www.paulomargotto.com.br Brasília, 22 de setembro de4 2012 Todo desequilíbrio ácido-base decorre apenas de uma alteração na concentração de hidrogênio ionte no LEC. A caracterização de qualquer distúrbio necessita basicamente de três variáveis: pH, pCO2 e H2CO3 A diminuição do pH do sangue é chamada de ACIDEMIA, enquanto o distúrbio que a causou recebe o nome de ACIDOSE. Do mesmo modo, o aumento do pH do sangue, ALCALEMIA, é causado pelo distúrbio chamado de ALCALOSE. Alterações primárias na concentração de bicarbonato são chamados de distúrbios metabólicos e resultam de anormalidades no conteúdo de bases ou ácidos não voláteis no LEC. Alterações primárias na pCO2 são chamadas de distúrbios respiratórios, e são decorrentes de desordens na ventilação pulmonar. Um distúrbio primário na concentração de bicabornato acarreta uma alteração compensatória na pCO2. De modo semelhante, uma alteração primária na pCO2 determina uma resposta renal que altera a concentração de HCO3 no LEC. A compensação sempre ocorre na mesma direção do distúrbio primário, por exemplo, se a concentração de HCO3 diminui por conta de uma acidose metabólica, a compensação respiratória se manifesta por diminuição da pCO2 (hiperventilação) Em distúrbios leves, as respostas compensatórias são suficientes para manter o pH nos limites da normalidade. A completa normalização do ácido-base depende da reversão da anormalidade clínica que causou o desequilíbrio e de tempo suficiente para que os mecanismos homeostáticos normalizem as concentrações de hidrogênio e das substâncias tampões no meio interno. As respostas compensatórias fisiológicas não são consideradas como distúrbios separados, por exemplo, não é correto dizer que o paciente tem acidose metabólica com alcalose respiratória compensatória. O certo seria acidose metabólica com compensação respiratória. O que também é útil na avaliação dos distúrbios de AB (ácido-base), é a estimativa da diferença de aniontes (DA) ou anion gap no plasma obtido pelas fórmulas: DA=Na-(HCO3+CL) ou DA=(Na+K)-(HCO3+CL) VR: 7-10. A diferença de aniontes é útil para revelar a presença de substâncias, geralmente aniontes de ácidos fortes, que podem influenciar o equilíbrio ácido-base. A avaliação de um distúrbio ácido-base começa pela observação do pH do sangue, seguida da PCO2 e HCO3, para determinar qual o distúrbio primário. Por fim, quando necessário, obtém-se a diferença de aniontes ou uma dosagem de eletrólitos urinários para melhor caracterização do distúrbio. Em algumas situações clínicas, geralmente em pacientes graves, a avaliação se torna mais difícil, porque ocorre uma superposição de distúrbios. ACIDOSE METABÓLICA É uma desordem secundária a um acúmulo de ácidos não-voláteis no organismo que, se não for corrigida, resulta em acidemia (pH menor que 7,35). A origem do processo pode ser direta, através do acréscimo de H+, conjugado a uma variedade de aniontes, ou indireta, através da perda de bicabornato. As acidoses metabólicas são divididas em dois grupos: aquelas com diferença de aniontes elevadas e aquelas com diferença de aniontes normal. ACIDOSE METABÓLICA COM D.A ELEVADA Ocorre acúmulo de H+, acompanhado de um anionte diferente do cloro. Enquanto o HCO3 é consumido para tamponar a carga ácida, este novo anionte, que não é medido pelo laboratório, ocupa o lugar do bicabornato. O resultado final é um aumento na D.A, pois o bicabornato diminui e o cloreto não se altera. Ex: insuficiência renal / acidose lática / cetoacidose / rabidomiólise, toxinas (salicilato, metanol) ACIDOSE METABÓLICA COM D.A. NORMAL Neste caso, o bicabornato plasmático é substituído pelo cloreto. Por este motivo também é chamada de acidose hiperclorêmica. Este fenômeno pode ocorrer pela ingestão ou infusão de ácidos com anionte cloreto, ou, mais frequentemente, pela resposta fisiológica renal que compensa a perda de bicabornato, reabsorvendo o cloreto para preservar o volume do LEC. Este tipo de acidose é mais responsivo a administração de substâncias alcalinas como o bicabornato de sódio. Ex: diarréia / fístulas / acidose tubular renal / insuficiência renal leve / alimentação parenteral. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS (ACIDOSE METABÓLICA) Depende da doença de base; Padrão respiratório típico: respiração de Kussmaul (hiperventilação pulmonar com frequência lenta); Depressão do sensório; Arritmias cardíacas; Hipotensão por depressão miocárdica; Resistência à ação pressora das catecolaminas; As acidoses crônicas produzem dissolução do mineral ósseo (nefrocalcinose, etc.) ALCALOSE METABÓLICA Surge principalmente por perda de H+ ou acúmulo de bicarbonato, que se não corrigida, resulta em alcalemia (pH > 7,45). Fase de geração: ocorre um aumento do conteúdo de bicarbonato no LEC. Fase de manutenção: presença de uma anormalidade que aumente a reabsorção tubular renal de bicarbonato e mantém o distúrbio inicial. A manutenção da alcalose metabólica decorre da incapacidade renal de excretar o bicarbonato acumulado em excesso no LEC. SITUAÇÃO CLÍNICA PRINCIPAL MECANISMO BÁSICO Insuficiência renal Diminuição da filtração glomerular Diminuição do volume extracelular Aumento de reabsorção proximal de HCO3 Deficiência de potássio Aumento da PCO2 Aumento da oferta distal de sódio Aumento da atividade mineralocorticóide Aumento de reabsorção proximal de HCO3 Aumento de reabsorção proximal de HCO3 Aumento de reabsorção distal de HCO3 Aumento de reabsorção distal de HCO3 ALCALOSE METABÓLICA RESPONSIVA AO CLORETO É o tipo mais frequente. Ocorre em paciente com depressão de volume. Ex: vômitos ou aspiração nasogástrica / diarréias ricas em cloreto / terapia com diuréticos / após correção de hipercapnia, aniontes pouco reabsorvidos na urina (penicilina, fosfato, sulfato). ALCALOSE METABÓLICA INSENSÍVEL AO CLORETO A maioria das etiologias é decorrente da ação excessiva, não regulada, fisiologicamente de mineralocorticóides. Estes pacientes retém sódio avidamente e são levemente hipervolêmicos, hipertensos e hipopotassêmicos. Ex: hiperaldosteronismo primário, síndrome de Cushing, uso de esteróides, deficiência de potássio e/ou magnésio, disfunção renal com acúmulo de HCO3. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS (ALCALOSE METABÓLICA) Depressão do sistema nervoso central; Hiperexcitabilidade muscular; Diminuição do débito cardíaco (arritmias); Avidez da hemoglobina pelo oxigênio, dificultando a oxigenação dos tecidos. ACIDOSE RESPIRATÓRIA É uma desordem secundária ao acúmulo de CO2 (hipercapnia) que, se não for corrigida, resulta em acidemia. A concentração sérica de bicarbonato pouco aumenta, raramente excedendo 28 mEq/l. Quando o distúrbio primário se perpetua, ocorre tempo suficiente para o aparecimento da compensação renal. Manifesta por aumento da geração de amônia e produção de bicarbonato novo. PRINCIPAIS CAUSAS DE ACIDOSE RESPIRATÓRIA DISTÚRBIO NA ELIMINAÇÃO DE CO2 DISTÚRBIO NO CONTROLE DA RESPIRAÇÃO PERFUSÃO - Parada cardíaca, embolia pulmonar DEPRESSÃO DO SNC - Anestesia, sedativos, parada cardíaca, infecções, traumatismos, etc VENTILAÇÃO - Pneumonia, edema pulmonar, SARA, obstrução de vias aéreas, afogamento, pneumotórax, etc. PROBLEMAS NEUROMUSCULARES - Doenças da medula e nervos periféricos, neurotoxinas (tétano e botulismo), miopatias, etc. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS (ACIDOSE RESPIRATÓRIA) O fundo de olho pode apresentar dilatação dos vasos do sistema venoso e edema de papila em casos severos. Alterações no SNC que pode variar desde ansiedade até narcose e coma. Fácies pletórica (em casos crônicos). ALCALOSE RESPIRATÓRIA Ocorre por aumento da ventilação pulmonar, causando uma diminuição primária de CO2 (hipocapnia) que, se não corrigida, resulta em alcalemia. PRINCIPAIS CAUSAS DE ALCALOSE RESPIRATÓRIA MECANISMOS CENTRAIS - Ansiedade, dor, febre, tumores, processos inflamatórios, hipoxemia, hiperventilação voluntária ESTIMULOS PERIFÉRICOS - Fibrose ou edema pulmonar, irritação de vias aéreas, restrição pulmonar DROGAS OU HORMÔNIOS - Salicilatos, xantinas, catecolaminas, progesterona OUTRAS SITUAÇÕES - Hiperventilação mecânica, sepse, cirrose hepática, correção rápida de acidose metabólica MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS (ALCALOSE RESPIRATÓRIA) Vasoconstrição cerebral com confusão mental e predisposição a convulsões Tonteiras Parestesias periférias Dormência perioral DISTÚRBIOS MISTOS Afastada a possibilidade de erro laboratorial, sempre que a compensação observada parecer menor ou maior que o esperado, ou ocorrer na direção inversa, é quase certo tratar-se de um distúrbio misto. É importante a avaliação dos eletrólitos séricos e da diferença de aniontes ao diagnosticar um distúrbio ácido -base. A combinação de alcalose metabólica e respiratória produzindo alcalemia leve é o distúrbio mais frequente em pacientes após cirurgias e em UTI. Nesta situação atuam em sinergismo, ansiedade e dor, juntamente com o estado de hiperaldosteronismo normal do pós-operatório. Também podem contribuir a hiperventilação induzida por febre e sepse, aspiração nasogástrica e a metabolização do bicarbonato a citrato presente em derivados sanguíneos. BIBLIOGRAFIA: FISIOPATOLOGIA CLINICA BEVILACQUA. BENSIOUSSAN. JANSEN. SPINOLA EDITORA ATHENEU 5A. EDIÇÃO Consultem também: DISTÚRBIOS DO EQUILÍBRIO ÁCIDO-BÁSICO Autor(es): Paulo R. Margotto/ Geórgia Quintiliano Carvalho da Silva GASOMETRIA A LÓGICA DO RACIOCÍNIO (slide) Autor(es): Paulo R. Margotto