A criança e a família na máquina da JUSTIÇA que caminhos para os Tribunais das Famílias e das Crianças ? Paulo Guerra Juiz Desembargador e Docente do CEJ Lisboa, 23 de Abril de 2014 JUSTIÇA NA PRIMAVERA Aprendi com a primavera a me deixar cortar e a voltar sempre inteira. Cecília Meireles As time goes by… 3 Mudanças sociais, mudanças na família. Tendências centrais. Por que mudou? O que mudou? 1. Recomposição Social e mudança no século XX, particularmente nos últimos 50 anos. – Crescimento das classes médias (impactos decisivos sobre as relações familiares); – Urbanização (desruralização), desindustrialização e precarização; – Feminização da força de trabalho. 2. Mudanças científico-tecnológicas Revolução contraceptiva, desvinculação entre sexualidade e procriação; Novas formas de procriação (PMA) Relevância da procriação sem sexualidade Como se refletem estas mudanças nas lógicas familiares? SENTIMENTALIZAÇÃO, SECULARIZAÇÃO E INDIVIDUALIZAÇÃO, PRIVATIZAÇÃO; Sentimentalização, valorização da dimensão afectiva: – nas relações entre cônjuges; amor e casamento na mesma dimensão; – na relação pais/filhos. Secularização – perda acentuada da perspectiva do casamento como “sacramento”; descida também acentuada das práticas religiosas formais. Individualização, valorização do bem-estar individual no contexto da família: O casamento funda a família; da família, para o casal; do casal para o indivíduo; Tendência para a desinstitucionalização das relações conjugais e familiares. Igualdade entre homens e mulheres; A criança como sujeito de direitos; Distinção entre capacidade biológica para procriar e competências parentais; Assunção da diversidade das famílias também quanto à homo-conjugalidade e a homo-parentalidade. Estamos no reino da gramática dos afectos e dos cuidados A UM FILHO (Ternura, Firmeza e Bom Trato) Os mitos … Os mitos… “Cada família tem um segredo, e o segredo é o facto de não ser como as outras famílias” São só paredes? Porque há gente lá dentro… As antigas vestes? Onde se descansam os sorrisos… Olhar infantil Espaço lúdico? Já são irmãos e irmãs… Para quem se trabalha num tribunal de FC? São irmãos e irmãs… Podem comportar-se como estranhos mas não o são… Será tudo uma questão de sinaléptica? Orientamos da melhor forma os cidadãos que acorrem à (nossa) Justiça? Os espaços de sempre… Comarcas sem Trib de Família e Menores 746 - 1000 1001 - 2000 2001 - 5000 5178 0 12,5 25 50 75 100 Km Os espaços do melhor Futuro A Justiça quer abraçar a criança e seu familiar, seja ele qual for, fazendo-se compreender, aceitar e justificar Os novos caminhos dos Tribunais de Família e das Crianças – uma justiça amigável para a família e para a criança Realmente especializados e assim valorados pelos respectivos Conselhos Superiores Específica e adequada postura de todos intervenientes processuais Tratando todos os assuntos referentes às Famílias e às Crianças Gravação vídeo de todas as diligências Existência de salas para inquirição de crianças, com espelhos unidireccionais Existência de salas de espera com suficiente atractivo para as crianças (onde os brinquedos e jogos pululassem livremente) Existência, paredes meias, de serviços de psicologia e de mediação familiar, coadjuvantes do labor dos magistrados intervenientes Existência de pontos de encontro familiar, mediadores de contactos entr pais e filhos Onde a audição da criança fosse, de facto, diferente e mais pessoalizada e humanizada Formas de atribuição da confiança de uma criança a adultos – esta pode ser a família de uma criança Guarda de facto – sua relevância 1. Medidas de Promoção e Protecção – – – – – Apoio junto dos pais Apoio junto de outro familiar Confiança a pessoa idónea Acolhimento familiar Acolhimento em instituição – – – – Atribuição do exercício a ambos os pais (em questões de particular importância) - regra Atribuição do exercício ao pai (resident parent) – actos da vida corrente Atribuição do exercício à mãe (resident parent) – actos da vida corrente Atribuição do exercício a terceira pessoa ou a instituição (artigos 1907º, 1908º, 1918º e 1919º do CC) - Limitação do exercício das RP 2. Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais 3. Tutela 4. Apadrinhamento Civil 5. Confiança administrativa com vista a adopção 6. Confiança judicial com vista a adopção 7. Confiança a pessoa seleccionada para a adopção ou a instituição com vista a futura adopção (artigo 35º, n.º 1, alínea g) da LPCJP) 8. Adopção A Justiça gera exclusão social? EXEMPLOS de Primavera na Justiça… A LEI QUER MUDAR COMPORTAMENTOS FAMILIARES E JUDICIÁRIOS… Há necessidade de RERP: Divórcio Separação de facto entre cônjuges União de facto rompida Concepção sem coabitação Sempre que há dissociação familiar… Vale o que está escrito com letra de lei – o caminho é por aí Lei nº 61/2008, de 31.10 Maior reconhecimento política de maior responsabilização parental dos direitos das crianças dos deveres dos pais da família da sociedade DEUSES A CRIANÇA Já foi propriedade ESTADO PAI SÉCULO XX Declaração universal dos Direitos da Criança Convenção sobre os Direitos da Criança Recomendação R (84) 4 sobre as responsabilidades parentais Constituição República Código Civil – Art. 1906º/5/7 Legislação avulsa LPCJP SUPERIOR INTERESSE QUERO AMBOS! O Interesse de cada Criança cujos Pais deixam de conviver como companheiros de vida é: 1. Manter ambos os Pais ao leme da sua vida. 2. Manter o património familiar de ambas as famílias, isto é, manter o contacto estreito com a sua família alargada, por quem a criança tenha afecto. 3. Manter uma vida o mais parecida possível com aquela que ela tinha anteriormente, isto é, com o mínimo de mudança. (slide de Maria Saldanha Pinto Ribeiro) CONTEÚDO DA REGULAÇÃO ►Exercício das responsabilidades (quanto às questões de particular importância) CONJUNTO como regra! ► Fixação da residência ► Concretização do direito de convívio/contactos/organização dos tempos da criança ► Fixação de alimentos Alguns critérios para determinar o interesse superior da criança Opinião e preferência da criança Existência de comportamentos violentos por parte dos pais que afetem a segurança da criança Natureza e estabilidade da relação da criança com cada um dos pais Necessidades físicas, emocionais e psicológicas da criança Interesse superior da criança Capacidade dos pais em comunicar e cooperar nas matérias que afetem a criança Capacidade dos pais de cuidar da criança e responder às suas necessidades Capacidade dos pais em promover os contactos da criança com ambos Estabilidade das relações da criança com irmãos e outros familiares próximos RESIDÊNCIA ALTERNADA Regime ajustado em situações cada vez menos excepcionais Capacidade de cooperação entre os pais Relação afectiva sólida Capacidade de avaliação dos interesses do filho Capacidade de colocar de parte diferendos pessoais Capacidade de dar prioridade às necessidades dos filhos Respeito e confiança mútuos Vontade de cooperar Identidade de estilos de vida e valores Capacidade de acordo em programa educativo da saúde, ensino, religião Proximidade de residências Flexibilidade de horários dos pais (com base em análise jurisprudencial) O QUE QUEREMOS EVITAR MENINOS TRISTES MENINOS REVOLTADOS MENINOS ANSIOSOS FENÓMENOS DE REJEIÇÃO ALIENAÇÃO PARENTAL APROXIMAÇÃO AO CONCEITO ELIMINAR vínculo entre uma criança e um dos pais meio: programação do filho alvo:o outro INDICADORES: Campanha de difamação do progenitor alienado Racionalizações frágeis, absurdas ou frívolas dos comportamentos de depreciação Ausência de ambivalência: um dos pais é completamente bom; o outro completamente mau Fenómeno de independência: afirma ausência de influência Defesa do progenitor alienado – pacto de lealdade Ausência de remorso ou de culpa quanto à difamação, crueldade ou desprezo dirigidos ao progenitor alienado Conta situações que manifestamente não viveu Rejeita familiares e amigos do progenitor alienado ESTRATÉGIAS DE ALIENAÇÃO Desqualificar o outro progenitor de várias formas Impor limitações ou interferir nas visitas ou noutro tipo de contacto físico com o outro progenitor Interferir nos contactos por telefone ou por e-mail Deitar fora presentes ou roupa comprada pelo outro Proibir a criança de falar do outro progenitor Impedir o outro progenitor de ter acesso a informações sobre a criança, recusando acesso a informações escolares, médicas Manipular emocionalmente a criança, levando-a a exprimir lealdade em relação a si e rejeitar o outro progenitor Cultivar uma aliança doentia com a criança, favorecendo a dependência (espiar o progenitor alienado). A SAÍDA: DIMINUIR CONFLITO Medidas de carácter pedagógico – Existência de plano educativo partilhado para facilitar comunicação e estratégias de minimização do conflito – Orientar para psicoterapia os pais que manifestem necessidade Medidas de carácter repressivo – criminalização de condutas de incumprimentos O QUE O TRIBUNAL DEVERIA CONSEGUIR Obrigar/LEVAR os progenitores a Intervir concertadamente Assumir atitude de co-responsabilização activa Participar activamente na vida dos filhos Prevenir conflitos Colocar de parte dos seus diferendos pessoais Manter níveis de comunicação razoáveis A dar prioridade às necessidades dos filhos Mas, por ora, temos: Cível Alterações com fundamento em cumprimento sucessivo – art. 182º nº 1, da OTM alteração da residência alteração forma contactos Incidentes de incumprimento - 181º, da OTM – tanto o pai que não contacta o filho, podendo, como o pai que não deixa que o outro contacte o filho multa (irrisória e ineficaz) cumprimento coercivo Criminal Artigos 249º e 250º, do Código Penal a vitimação secundária Promoção e Protecção Art. 3º; 4º e 35º da Lei nº 147/99, de 1.9 Mediação Familiar Não é sinónimo do Conciliação (actividade do JUIZ, ainda a tempo de provocar acordos) Nem de Terapia Familiar (ainda a tempo de salvar a convivência marital ou conjugal) APESAR DO CONFLITO existente entre quem se amou e se deixou de amar, o que queremos para as nossas crianças? Atitude básica de ligação ao mundo Relaciona-se com o desenvolvimento de uma orientação positiva relativamente a si próprio, aos outros, à comunidade e natureza. É o que confere sentido, valor à educação, estando na base de uma orientação pro-social e construtiva do mundo. Emancipação OS OUTROS valores, democracia, poder SOCIEDADE CONSIGO O cidadão emancipado… …será alguém autêntico na interacção que estabelece com o Mundo, emocionalmente saudável, evidenciando vitalidade, com uma atitude fortemente exploratória, aberta ao mundo externo e interno, com um sentido de pertença e de ligação, e uma forte motivação para contribuir para a qualidade de vida e o universal processo de criação, respeitando o Homem e a Natureza (Laevers, 1995) valores, democracia, poder Resolução do CM n.º 37/2013 Acolhimento Adopção ACOLHIMENTO FAMILIAR - APOSTA Artigo 46.º Definição O acolhimento familiar consiste na atribuição da confiança da criança ou do jovem a uma pessoa singular ou a uma família, habilitadas para o efeito, visando a sua integração em meio familiar e a prestação de cuidados adequados às suas necessidades e bem-estar e a educação necessária ao seu desenvolvimento integral. Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se que constituem uma família duas pessoas casadas entre si ou que vivam uma com a outra há mais de dois anos em união de facto ou parentes que vivam em comunhão de mesa e habitação. Esta medida deve ser preferencialmente aplicada a crianças com idade até aos 3 anos. Artigo 48.º Modalidades de acolhimento familiar O acolhimento familiar é de curta duração ou prolongado. O acolhimento de curta duração tem lugar quando seja previsível a integração da criança ou do jovem numa família, natural ou adoptiva, em prazo não superior a seis meses. O acolhimento prolongado tem lugar nos casos em que circunstâncias supervenientes exijam um acolhimento de maior duração. Porque, afinal, NUMA INSTITUIÇÃO UMA CRIANÇA CONTINUA EM PERIGO… Mas… Mais do que mudar a lei, há que, muitas vezes, mudar as mentalidades/preconceitos e as práticas… Quando nasci, era preto. Quando cresci, era preto. Quando pego sol, fico preto. Quando sinto frio, continuo preto. Quando estou assustado, também fico preto. Quando estou doente, preto. E, quando eu morrer continuarei preto ! E tu, cara branco. Quando nasce, é rosa. Quando cresce, é branco. Quando pega sol, fica vermelho. Quando sente frio, fica roxo. Quando se assusta, fica amarelo. Quando está doente, fica verde. Quando morrer, ficará cinzento. E vem me chamar, a mim, homem de cor ? (Escrito por uma criança Angolana) Mandamentos chineses Trata todos os que se apresentarem no teu tribunal de igual forma. Os bagos de arroz numa malga são todos iguais: os do topo são os primeiros a serem comidos, mas os do fim também o são Sê rápido nas tuas decisões. Se deixares o chá no bule demasiado tempo, ele amargará Esquece os teus ódios e amores. Quando saíres para o tribunal deixaos no jarrão da entrada. Quando regressares, ainda lá os encontrarás. Estuda todos os dias. O saber cabe numa caixa mas se nela nada guardares, nada acharás Mantém o teu equilíbrio. Se puseres demasiadas flores na jarra ela perde a harmonia e poderá tombar As aparências são enganadoras. No prato mais bonito serve-se a pior refeição e num caco falhado a melhor 59 As pessoas não se importam com o quanto você sabe, até saberem o quanto você se importa… Obrigado pela vossa atenção! Paulo Guerra [email protected]