Produção Literária Nacional
Prof. Ricardo Parolo Junior
Alguns Temas da Literatura
Nacional
• O índio;
• O negro;
O índio
Pardos, nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas.
Traziam arcos nas mãos, e suas setas. Vinham todos rijamente em
direção ao batel. E Nicolau Coelho lhes fez sinal que pousassem os
arcos. E eles os depuseram. Mas não pôde deles haver fala nem
entendimento que aproveitasse, por o mar quebrar na costa.
Somente arremessou-lhe um barrete vermelho e uma carapuça de
linho que levava na cabeça, e um sombreiro preto. E um deles lhe
arremessou um sombreiro de penas de ave, compridas, com uma
copazinha de penas vermelhas e pardas, como de papagaio. E
outro lhe deu um ramal grande de continhas brancas, miúdas que
querem parecer de aljôfar, as quais peças creio que o Capitão
manda a Vossa Alteza. E com isto se volveu às naus por ser tarde e
não poder haver deles mais fala, por causa do mar.
Ali andavam entre eles três ou quatro
moças, bem novinhas e gentis, com
cabelos muito pretos e compridos
pelas costas; e suas vergonhas, tão
altas e tão cerradinhas e tão limpas das
cabeleiras que, de as nós muito bem
olharmos, não se envergonhavam.
As Meninas da Gare
Oswald de Andrade
Eram três ou quatro moças bem moças e bem gentis
Com cabelos mui pretos pelas espáduas
E suas vergonhas tão altas e tão saradinhas
Que de nós as muito bem olharmos
Não tínhamos nenhuma vergonha
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi:
Sou filho das selvas,
Nas selvas cresci;
Guerreiros, descendo
Da tribo Tupi.
Da tribo pujante,
Que agora anda errante
Por fado inconstante,
Guerreiros, nasci;
Sou bravo, sou forte,
Sou filho do Norte;
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi.
Além, muito além daquela serra, que ainda
azula no horizonte, nasceu Iracema. Iracema, a
virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos
mais negros que a asa da graúna e mais longos
que seu talhe de palmeira. O favo da jati não era
doce como o seu sorriso; nem a baunilha
rescendia no bosque como seu hálito perfumado.
Mais rápida que a ema selvagem, a morena
virgem corria o sertão e as matas do Ipu, onde
campeava sua guerreira tribo, da grande nação
tabajara. O pé grácil e nu, mal roçando, alisava
apenas a verde pelúcia que vestia a terra com as
primeiras águas.
No fundo do mato-virgem nasceu Macunaíma, herói
de nossa gente. Era preto retinto e filho do medo da
noite. Houve um momento em que o silêncio foi tão
grande escutando o murmurejo do Uraricoera, que a
índia tapanhumas pariu uma criança feia. Essa crianç a
é que chamaram de Macunaíma.
Já na meninice fez coisas de sarapantar. De
primeiro passou mais de seis anos não falando. Si o
incitavam a falar exclamava:
Ai! que preguiça!...
e não dizia mais nada. Ficava no canto da maloca,
trepado no jirau da paxiúba, espiando o trabalho dos
outros e principalmente os dois manos que tinha,
Maanape já velhinho e Jiguê na força de homem. O
divertimento dele era decepar cabeça de saúva. Vivia
deitado mas si punha os olhos em dinheiro, Macunaíma
dandava pra ganhar vintém.
Erro de português
Quando o português chegou
Debaixo duma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena! Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português
Brasil
O Zé Pereira chegou de caravela
E preguntou pro guarani da mata virgem
— Sois cristão?
— Não. Sou bravo, sou forte, sou filho da Morte
Teterê Tetê Quizá Quizá Quecê!
Lá longe a onça resmungava Uu! ua! uu!
O negro zonzo saído da fornalha
Tomou a palavra e respondeu
— Sim pela graça de Deus
Canhém Babá Canhém Babá Cum Cum!
E fizeram o Carnaval
Uma feita a Sol cobrira os três manos duma
escaminha de suor e Macunaíma se lembrou de tomar
banho. Porém no rio era impossível por causa das
piranhas tão vorazes que de quando em quando na luta
pra pegar uma naco de irmã espedaçada, pulavam aos
cachos pra fora d'água metro em mais. Então
Macunaíma enxergou numa lapa bem no meio do rio
uma cova cheia d'água. E a cova era que-nem a marca
dum pé gigante. Abicaram. O herói depois de muitos
gritos por causa do frio da água entrou na cova e se
lavou inteirinho. Mas a água era encantada porque
aquele buraco na lapa era marca do pezão do Sumé, do
tempo em que andava pregando evangelho de Jesus pra
indiada brasileira. Quando o herói saiu do banho estava
branco louro e de olhos azuizinhos, água lavara o
pretume dele. E ninguém não seria capaz mais de
indicar nele um filho de tribo retinta dos Tapanhumas.
Nem bem Jiguê percebeu o milagre, se atirou na
marca do pezão do Sumé. Porém a água já estava muito
suja da negrura do herói e por mais que Jiguê
esfregasse feito maluco atirando água pra todos os
lados só conseguiu ficar da cor do bronze novo.
Macunaíma teve dó e consolou:
- Olhe, mano Jiguê, branco você ficou não, porém
pretume foi-se e antes fanhoso que sem nariz.
Maanape então é que foi se lavar, mas Jiguê
esborrifara toda a água encantada pra fora da cova.
Tinha só um bocado lá no fundo e Maanape conseguiu
molhar só a palma dos pés e das mãos. Por isso ficou
negro bem filho da tribo dos Tapanhumas. Só que as
palmas das mãos e dos pés dele são vermelhas por
terem se limpado na água santa. Macunaíma teve dó e
consolou:
- Não se avexe, mano Maanape, não se avexe não,
mais sofreu nosso tio Judas!
E estava lindíssimo na Sol da lapa os três manos
um louro um vermelho outro negro, de pé bem erguidos
e nus.
O negro
Era um sonho dantesco... o tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho.
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros... estalar de açoite...
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar...
Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras moças, mas nuas e espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs!
E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais ...
Se o velho arqueja, se no chão resvala,
Ouvem-se gritos... o chicote estala.
E voam mais e mais...
CAPÍTULO LXVIII / O VERGALHO
TAIS ERAM as reflexões que
eu vinha fazendo, por aquele
Valongo fora, logo depois de ver e
ajustar a casa. Interrompeu-mas
um ajuntamento; era um preto que
vergalhava outro na praça. O outro
não se atrevia a fugir; gemia
somente estas únicas palavras: -"Não, perdão meu senhor; meu
senhor, perdão!" Mas o primeiro
não fazia cada súplica, respondia
com uma vergalhada nova.
-- Toma, diabo! dizia ele; toma mais perdão, bêbado!
-- Meu senhor! gemia o outro.
Cala a boca, besta! replicava o vergalho.
Parei, olhei... Justos céus! Quem havia de ser o do
verganho? Nada menos que o meu moleque Prudêncio, o
que meu pai libertara alguns anos antes. Cheguei-me; ele
deteve-se logo e pedir e a bênção; perguntei-lhe se
aquele preto era escravo dele.
-- É sim, nhonhô.
-- Fez-te alguma cousa?
-- É um vadio e um bêbado muito grande. Ainda hoje
deixei ele na quitanda, enquanto eu ia lá embaixo na
cidade, e ele deixou a quitanda para ir na venda beber.
-- Está bom, perdoa-lhe, disse eu.
-- Pois não, nhonhô. Nhonhô manda, não pede. Entra
para casa!
Os leitores devem já estar fatigados de histórias de
travessuras de criança; já conhecem suficientemente o que
foi o nosso memorando em sua meninice, as esperanças
que deu, e o futuro que prometeu. Agora vamos saltar por
cima de alguns anos, e vamos ver realizadas algumas
dessas esperanças. Agora começam histórias, se não mais
importantes, pelo menos um pouco mais sisudas.
Como sempre acontece a quem tem muito onde
escolher, o pequeno, a quem o padrinho queria fazer clérigo
mandando-o a Coimbra, a quem a madrinha queria fazer
artista metendo-o na Conceição, a quem D. Maria queria
fazer rábula arranjando-o em algum cartório, e a quem
enfim cada conhecido ou amigo queria dar um destino que
julgava mais conveniente às inclinações que nele descobria,
o pequeno, dizemos, tendo tantas coisas boas, escolheu a
pior possível: nem foi para Coimbra, nem para a Conceição,
nem para cartório algum; não fez nenhuma destas coisas,
nem também outra qualquer: constituiu-se um completo
vadio, vadio-mestre, vadio-tipo.
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