O Ensino da Matemática em Escolas do Campo em uma Rede Municipal Giselly Karine de Souza1 GD1– Educação Matemática nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental RESUMO: A Educação do Campo é resultado de um processo de discussão que envolveu diversos setores da sociedade brasileira. Todavia a operacionalização da Educação do Campo em redes municipais de ensino, mesmo com avanços na legislação educacional, ainda encontra dificuldades de efetivação. Neste artigo apresentam-se aspectos de uma pesquisa que investigará o ensino de Matemática nos contextos de Educação de uma rede de ensino que possui escolas do campo localizadas na Região Metropolitana do Recife. A pesquisa abordará o uso do livro didático de Matemática em escolas do Campo. Esse tema é particularmente importante porque recentemente o Ministério da Educação publicou o guia do Programa Nacional do Livro Didático do Campo PNLD/Campo 2013, mas não existem estudos que discutam o uso desses livros que foram aprovados nas escolas do campo. O Programa descreve que “O livro didático se constitui em um material de apoio fundamental no desenvolvimento do trabalho docente e no processo de aprendizagem dos educandos”. Professores de Escolas do Campo da rede municipal a ser estudada, que receberam uma das coleções dos livros didáticos selecionados pelo PNLD/Campo 2013 serão participantes da pesquisa. Espera-se com este estudo possa subsidiar as discussões sobre os usos ou não utilização do material disponibilizado para o ensino da matemática nesse contexto. Palavras-chave: Educação do Campo. Educação Matemática. Escolas do Campo. Livro didático de Matemática. Introdução A Educação do Campo é resultado de um processo de discussão que envolveu diversos setores da sociedade brasileira. Todavia, alguns entraves ainda precisam ser vencidos. Por exemplo, a operacionalização da Educação do Campo em redes municipais de ensino, mesmo com os avanços na legislação educacional, ainda encontra dificuldades de efetivação. Para que se possa superar esses obstáculos, também se faz necessário compreender a complexidade de processos que acontecem no âmbito dos contextos de Educação do Campo. Por exemplo, faz-se necessário que sejam desenvolvidos estudos e pesquisas que 1 Mestranda do programa de pós-graduação de Educação Matemática e Tecnológica- EDUMATEC- UFPE, email: [email protected]. Orientador: Carlos Eduardo Ferreira Monteiro. Coorientadora: Mônica Lins. investiguem a Educação do Campo, sobretudo no que refere a conteúdos curriculares básicos tais como Matemática e Língua Portuguesa. No que se referem particularmente as pesquisas que investigam a Educação Matemática no Brasil, verifica-se um crescimento de pesquisadores em desenvolverem trabalhos nesta Área. No entanto, uma pesquisa recente fez uma análise da produção científica presente em 10 edições do Encontro Nacional de Educação Matemática – ENEM que tratam especificamente da Educação Matemática vinculada à Educação do Campo, ficou constatado que os estudos que abordam essa temática são poucos e incipientes. Os autores citam ainda que em grande parte dos trabalhos analisados ocorre a valorização da conexão entre a realidade do aluno camponês e as aulas de matemática, mas destacam que alguns artigos apontam uma desconexão entre o que tem ocorrido nesses contextos escolares e o cotidiano camponês. (BARBOSA; CARVALHO; ELIAS, 2014). O ponto interessante da análise realizada é que existe divergência entre os autores das produções no que se refere à inserção do cotidiano camponês no âmbito escolar, seria ele o ponto de partida para estudar conteúdos matemáticos ou uma possibilidade de ampliar a forma como será a abordagem de assuntos nas aulas de matemática? Associar Educação do Campo à Educação Matemática tem tornado visíveis novos contextos para o desenvolvimento de pesquisas, como tem demonstrado o Grupo de Pesquisa em Educação Matemática nos Contextos da Educação do Campo (GPEMCE) da Universidade Federal de Pernambuco onde se tem buscado subsidiar elementos teóricos e metodológicos para a melhoria da educação em escolas do campo. Outro ponto particularmente importante para o desenvolvimento da pesquisa em andamento é a recente publicação do Ministério da Educação: o Guia de Livros Didáticos do Programa Nacional do Livro Didático do Campo PNLD/Campo 2013 (BRASIL, 2012). O Guia revela que das 16 coleções avaliadas no PNLD Campo 2013, 14 delas (87%) foram excluídas e apenas 02 do total de coleções submetidas (13%) foram aprovadas. O referido documento salienta que tais resultados indicam ser necessário maior investimento na produção de materiais didáticos que atendam as especificidades e os princípios dessa modalidade de ensino, e demanda de coleções adequadas a uma proposta pedagógica para as escolas do campo. Neste artigo abordamos aspectos de um projeto de pesquisa que abordará o uso do livro didático de Matemática em escolas do Campo. Neste sentido, este estudo é uma contribuição para a discussão sobre o uso desses livros aprovados em escolas do campo, por parte dos professores. Revisão de Literatura A Constituição Brasileira de 1988 trás a educação como um direito de todos e dever do estado e da família, assim como reforça a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei nº 9.394/96. Considerando as pessoas que vivem no Campo, o direito a Educação para todos e o dever do Estado em ofertar Educação de qualidade que reconheça a especificidade, o direito à igualdade e à diferença desses grupos sociais (BRASIL, 1996), percebemos que ainda existe muito a ser conquistado, apesar de avanços nas políticas públicas voltadas para a Educação do Campo. O termo Educação do Campo conforme apresentado no Dicionário da Educação do Campo (CALDART, 2012, p.259), é um: (...) Fenômeno da realidade brasileira atual, protagonizado pelos trabalhadores do campo e suas organizações, que visa incidir sobre a política de educação desde os interesses sociais das comunidades camponesas. Objetivo e sujeitos a remetem às questões do trabalho, da cultura, do conhecimento e das lutas sociais dos camponeses e ao embate (de classe) entre projetos de campo e entre lógicas de agricultura que têm implicações no projeto de país e de sociedade e nas concepções de política pública, de educação e de formação humana. Configura-se, portanto, como uma categoria analítica para contextos de Educação dos trabalhadores do Campo. Historicamente, tem seu processo de construção iniciado na busca de movimentos sociais camponeses por aquisição, melhorias e adequações dos direitos sociais negados às pessoas que viviam em regiões rurais. Dentre eles, o direito a um ensino de qualidade que ao ser ofertado nos espaços considerados de educação rural, surja da construção pelos e com os sujeitos do campo, entendendo formação humana, como direito e pensada a partir da especificidade do contexto do campo. [...] a educação no meio rural serviu para formar para o contexto industrial e para uma cidadania que desenraiza identidades e aprofunda desigualdades, conduzindo a uma concepção de que o bom é estar na cidade, enfraquecendo-se, desse modo, as identidades dos povos do campo [...]. (SILVA; LEAL; LIMA, 2012, p.9). Os sujeitos do Campo, compreendidos como pertencentes às populações identificadas com o Campo - agricultores, criadores, extrativistas, pescadores, ribeirinhos, caiçaras, quilombolas, seringueiros (BRASIL, 2007) precisam, então, de uma Educação que reconheça e fortaleça a cultura, o modo de vida e a organização social desses indivíduos. Aprovadas pela Resolução CNE/CEB Nº 1, de 03 de abril de 2002, da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo são as primeiras políticas públicas específicas para as escolas do campo, reconhecem o modo próprio de vida social no campo como elemento importante na constituição da identidade da população e a necessidade de definir estratégias próprias para garantir o acesso à educação (BRASIL, 2002). Pouco depois, em 2003, o Ministério da Educação institui um Grupo Permanente de Trabalho para tratar sobre a Educação do Campo, que conta também com a participação dos movimentos sociais e surge para discutir e subsidiar a construção de uma política que respeite a diversidade cultural e as diferentes experiências de educação em desenvolvimento, por todo o país. Em 2008, as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo são ratificadas e complementadas a partir do estabelecimento das Diretrizes Complementares, Normas e Princípios para o Desenvolvimento de Políticas Públicas de Atendimento da Educação Básica do Campo (BRASIL, 2013). Atualmente o Ministério da Educação através da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI), da Diretoria de Políticas de Educação do Campo, Indígena e para as Relações Étnico-Raciais e Coordenação Geral de Políticas de Educação do Campo, legitima e tem demonstrado o interesse público em relação ao desenvolvimento também dessa modalidade da educação básica. Estudos na área destacam a necessidade de atenção à Educação do Campo para qualificação de processos de ensino, de um modo geral e particularmente na Educação Matemática (MONTEIRO; LEITÃO; ASSEKER, 2009). Assim como também discutem a importância de compreender que a Matemática deve trazer as vivências cotidianas dos alunos para o contexto escolar, pois segundo Farias (2010) “dessa forma, os conhecimentos não matemáticos são valorizados e agregados aos conhecimentos matemáticos para a construção de novos conhecimentos”. Portanto, a Educação Matemática voltada para as pessoas do Campo precisa estar em consonância com realidade cultural delas. Nos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN (BRASIL, 1997) a Matemática é considerada componente importante na construção da cidadania, na medida em que a sociedade se utiliza, cada vez mais, de conhecimentos científicos e recursos tecnológicos, dos quais os cidadãos devem se apropriar. Considera ainda, ser de fundamental importância para processo de ensino aprendizagem que ocorra a valorização do saber matemático, intuitivo e cultural, aproximando o saber escolar do universo cultural no qual o aluno está inserido. Os conteúdos que fazem parte do currículo de Matemática para os anos iniciais do Ensino Fundamental são divididos em quatros grandes Eixos Temáticos: Números e Operações, Geometria, Grandezas e Medidas, e Tratamento da Informação. Trabalhados também dessa forma nas escolas do campo, em atendimento a exigência de se ter um currículo baseado no currículo do ensino regular, mas considerando suas especificidades. Uma recente conquista para a Educação do Campo foi a primeira edição do Guia de Livros Didáticos do Plano Nacional do Livro Didático Campo 2013, que se fundamenta na lei 11.947, de 16 de junho de 2009 quanto à produção de recursos didáticos, pedagógicos, tecnológicos, culturais e literários que atendam as especificidades formativas das populações do campo. As obras que foram selecionadas apenas para os anos iniciais do ensino fundamental estão em concordância com os princípios das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica das Escolas do Campo. A primeira iniciativa de selecionar obras didáticas para escolas do campo é uma ação política importante. O PNLD Campo 2013 descreve que “O livro didático se constitui em um material de apoio fundamental no desenvolvimento do trabalho docente e no processo de aprendizagem dos educandos”. Mas a utilização do livro didático por estar diretamente ligada a prática pedagógica, requer atenção, porque ainda que sejam utilizados livros com características voltadas para os alunos do campo, o educador precisa utiliza-los com competência, para que o livro didático possa se tornar um recurso auxiliar no processo ensino-aprendizagem de valor inestimável (ALVES; MONTEIRO, 2011). Então, investigar a utilização do livro didático proposto pelo PNLD Campo 2013, considerando as variáveis: escolas do campo, livros didáticos específicos para escolas do campo e a prática dos professores que atuam nesses contextos educacionais, remete ao que Macedo (2010) coloca como relevante para elaboração de elementos que contribuam para a discussão sobre o ensino da matemática: a compreensão da efetividade dos recursos humanos, material e cultural envolvidos no ensino desse componente curricular. Metodologia O universo da pesquisa conta com professores que atuam nos anos iniciais do Ensino Fundamental de escolas do Campo, os quais serão entrevistados e terão suas aulas observadas, buscando investigar elementos sobre como os livros de uma das duas coleções específicas para ensinar em contextos do campo estão sendo utilizados nas aulas de matemática. Os participantes da pesquisa serão professores do terceiro ano do Ensino Fundamental de uma rede municipal de ensino que possui escolas do Campo que estão localizadas na Região Metropolitana do Recife. A escolha por docentes do terceiro ano justifica-se por esse ser o último ano do Ciclo de Alfabetização do Ensino Fundamental. Em relação às escolas, além do fato de serem Escolas do Campo foram escolhidas tanto porque já receberam uma das coleções dos livros didáticos selecionados pelo PNLD/Campo 2013 como por ser um estudo que dá continuidade aos estudos que vêm sendo realizados nesse mesmo contexto. Pretende-se trabalhar com análises de atividades de Estruturas Aditivas, baseada na Teoria dos Campos Conceituais proposta por Gerard Vergnaud (MAGINA, 2001) teoria que permite uma melhor compreensão de como se dá o aprendizado de conceitos matemáticos referentes às operações de adição e subtração. Para o processo de reconhecimento do campo de pesquisa e a posterior coleta de dados a serem utilizados na produção desse estudo, foi realizada uma visita inicial em duas escolas o Campo da rede municipal. O objetivo da visita foi de entrar em contato como alguns dos docentes e gestores dessas escolas como forma de viabilizar a realização da pesquisa. Durante a visita, um fator que chamou à atenção foi o fato de as pessoas com as quais tivemos contato fazerem referência à escola ser do Campo apenas porque a mesma se encontra afastada do centro urbano. Método As etapas para a coleta iniciará com entrevista a ser realizada com professores do ensino fundamental de apenas uma das escolas do campo do município, para que ocorra a validação do instrumento de coleta de dados. Posteriormente a validação, teremos a realização da entrevista com os professores do terceiro ano do Ensino Fundamental das escolas do campo da rede municipal de ensino. Como forma complementar de coleta, serão realizadas observações de aulas/ transcrição de dados. Os itens pensados para elaboração do questionário a ser utilizado para a realização das entrevistas que servirão para validar o instrumento de coleta dos dados, encontram-se a seguir: Item 1- O livro didático para ensinar Matemática em escolas do Campo tem sido utilizado? Item 2- De que maneira o livro didático para ensinar Matemática em escolas do Campo tem sido utilizado? Item 3- De que maneira as atividades do livro didático para ensinar Matemática em escolas do campo têm sido utilizadas? Item 4- As atividades relacionadas às estruturas aditivas propostas pelo livro didático para ensinar matemática em escolas do campo apresentam uma abordagem diferenciada e/ou voltada ao ensino da matemática em contextos do campo? ___SIM ou ___Não Item 4.1- Por quê? Na sequência, teremos a validação do instrumento e a nova coleta de dados, já com o instrumento validado. Após a coleta de dados da pesquisa serão utilizados os referenciais teóricos desse estudo para uma discussão e reflexão a cerca do uso, pelos professores, dos livros que foram aprovados pelo PNLD Campo/2013 e adotados nas escolas do campo. Considerações Finais Neste trabalho foram trazidos alguns aspectos de uma pesquisa que investigará o ensino de Matemática nos contextos de Educação do Campo. Espera-se que este estudo possa subsidiar as discussões sobre os usos ou não utilização do material disponibilizado para o ensino da matemática nos anos contemplados com o PNLD Campo/2013 e em contextos onde a prática docente foca em uma proposta pedagógica voltada para a Educação do Campo. Referências Bibliográficas ALVES, Iane; MONTEIRO, Carlos Eduardo. Escola Ativa: Analisando os Guias de Aprendizagem de Matemática de 1a a 4a série. Revista TCC - Revista de divulgação científica do Curso de Pedagogia, Belém, v.2, p.1-24, 2011. BRASIL. Ministério da educação. Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo. Brasília, 2002. ________. Ministério da Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica. Brasília, 2013. ________. Ministério da Educação. Guia de livros didáticos: PNLD Campo 2013. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão. Brasília, 2012. ________. Ministério da educação. Educação do Campo: diferenças mudando paradigmas. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. CADERNOS SECAD 2. Brasília, 2007. ________. Ministério da Educação. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, 1996. ________. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais: matemática. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília, 1997. CALDART, Roseli Salete. Educação do Campo. In: CALDART, R.S.; PEREIRA, I.B.; ALENTEJANO, P.; FRIGOTTO, G.. (Orgs.) Dicionário da Educação do Campo. Rio de Janeiro, São Paulo: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Expressão Popular, 2012. DE BARBOSA, Línlya Natássia Sanchs Camerlengo; CARVALHO, Diego Fogaça; ELIAS, Henrique Rizek. AS RELAÇÕES ESTABELECIDAS ENTRE O COTIDIANO CAMPONÊS E A AULA DE MATEMÁTICA: análise da produção científica em 10 edições do Encontro Nacional de Educação Matemática. EM TEIA| Revista de Educação Matemática Matemática e Tecnológica Iberoamericana, v.5, n.1, 2014. FARIAS, Marcela Rafaela Barbosa de. O acompanhamento pedagógico e o ensino de matemática em escolas rurais: analisando concepções e práticas. Pós Graduação em Educação Matemática e Tecnológica, UFPE. Dissertação de Mestrado. Recife, 2010. MACEDO, Michela Caroline. Concepções de estudantes do campo sobre recursos para aprender matemática. Pós Graduação em Educação Matemática e Tecnológica, UFPE. Dissertação de Mestrado. Recife, 2010. MAGINA, Sandra et al. Repensando adição e subtração: contribuições de teoria dos campos conceituais. 2. ed. São Paulo: PROEM, 2001. MONTEIRO, Carlos Eduardo; LEITÃO, Valdenice; ASSEKER, Andreika. Ensinando matemática em contextos sócio-culturais de educação. Dossiê Relações entre a Pesquisa e Prática Docente, v. 27, n.1, p. 69-78, 2009. SILVA, José Nunes; Leal, Telma Ferraz; LIMA, Juliana de Melo. Diferentes realidades, diferentes modos de organização: o planejamento escolar. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Unidade 2, p. 8-22. Brasília, 2012.