Universidade Federal do Amapá Pró-Reitoria de Ensino de Graduação Licenciatura em Língua Portuguesa e Língua Francesa e suas Respectivas Literaturas Didática da Língua Materna III Prof. Ms. Marcos Paulo Torres Pereira O LIVRO DIDÁTICO DE LITERATURA O livro didático é uma ferramenta didático-pedagógica fundamental ao processo de ensino/aprendizagem de literatura, por concatenar conteúdos a uma reflexão sistemática quanto à construção progressiva de conhecimentos, à proporção que se articulem competências e habilidades que propiciem ao aprendente uma autonomia nos estudos pela materialidade de recursos imanentes a essa ferramenta. A adoção do livro didático, em primeira instância, responde a uma necessidade de ordem operacional nas aulas de literatura: suporte para a apresentação do texto. Sem o LDL, o estudante teria que passar muito tempo da aula copiando o que o professor escrevesse ou transcrevendo o que ele lhe ditasse, perdendo tempo precioso ao desenvolvimento do diálogo epistemológico de aprendizagem. Partindo-se da compreensão de que todos os fenômenos relacionados ao universo literário exigem um público leitor e seguindo a sentença cunhada por Umberto Eco (ECO, 1994, p. 9) de que o texto é uma máquina preguiçosa à espera de um leitor que a movimente, que, cooperativamente, impulsionelhe o sentido, deve o livro didático ser pensado de forma a estabelecer com o estudante um diálogo possível capaz de responder-lhe às necessidades de aprendizagem, reconhecendo os contextos sócio históricos que abrigam a organização de sentidos de enunciados e discursos. O livro didático, partindo do próprio nome, é um recurso destinado exclusivamente ao uso escolar, representando, para muitos professores, o grande aliado das aulas, o ponto de partida e de chegada da aprendizagem. Os conteúdos partem desse recurso e os exercícios propostos fazem o fechamento, quando não são seguidas outras atividades sugeridas pelo livro. As discussões em torno de sua utilização trouxeram aprimoramentos, mas não sua substituição por outros recursos pedagógicos. Cabe ao livro didático de literatura abrir-se a cadeias discursivas que compreendam e que abarquem as diversas noções de língua e emprego dessa linguagem pelo patrocínio de estruturas sociais, de marcas estilísticas, figuras e tropos e de todo o corolário responsável pela caracterização de um texto como literário. O LDL, objetivando a inter-relação ensino/aprendizagem, deve ajustar-se a um modo de funcionamento cognitivo epistemologicamente compatível ao funcionamento da linguagem literária, observando-se sua natureza integrativa, sistêmica e dinâmica de ensino, que compreenda essa linguagem não como algo findado, como um resultado, e sim como uma tessitura variável de experiências, referências do vivido, matizado por sistemas simbólicos de um todo significativo. O PNLD 2012 de Língua Portuguesa, no que tange à definição de orientações curriculares para o ensino de literatura no nível médio, vaticina: as orientações curriculares para esse componente estabelecem a leitura literária, e não os conhecimentos sobre a literatura, como o objeto específico desse componente curricular. Em consequência, a formação de um leitor particular e diferenciado é apontada como o objetivo principal desse ensino, apoiada na construção paralela de um corpo próprio de conhecimentos históricos e linguísticos/literários. Dessa forma, as Orientações abrem à organização do ensino de literatura a possibilidade de que seu objeto e seu objetivo sejam concebidos não como um eixo próprio, mas como um conjunto de elementos bem delimitados dos eixos já estabelecidos, em especial o da leitura e o da construção de conhecimentos linguísticos (BRASIL, 2011, p.13). Frise-se que o trabalho com o texto literário em sala de aula não é visto pelo PNLD 2012, tampouco pelas Orientações Curriculares para o Ensino Médio, como a apreensão de uma historiografia literária, ou como a apreensão simplistas dos cânones das literaturas de língua portuguesa e suas respectivas obras, e sim como elementos a situações didáticas que objetivem a formação do leitor e a construção de conhecimentos linguísticos contextualizados a realidades que lhe são ulteriores. O PNLD 2012 afirmava que as obras apresentadas para a avaliação dos professores daquele ano se adequavam ao momento de transição pelo qual passava (e ainda passa) o Ensino Médio que, antes, tinha o vestibular como guia de avaliação para muitas instituições escolares e que hoje tem o ENEM nessa função. A principal diferença entre estes se dá pela mudança de compreensão do processo de ensino/aprendizagem: antes, o “conteudismo” do vestibular; hoje, atrelada às concepções de competência e habilidade apresentadas na matriz de referência do ENEM. Os resultados do PNLD 2012 dão um claro testemunho do momento de transição em que se encontra o ensino de LP no EM. E evidenciam com nitidez o esforço de todas as coleções aprovadas em assumir esses princípios, traduzindo-os, de diferentes maneiras, como na • organização das coletâneas de textos com base nas quais as propostas de ensino se articulam; • seleção dos tópicos que serão objeto de ensino-aprendizagem, em diferentes momentos; • definição da natureza das atividades e na lógica didáticopedagógica que determina sua sequência; • forma como se programa a progressão do ensinoaprendizagem. Pela organização do livro didático, o PNLD define que as obras se apresentam como compêndio e como manual. O texto de referência do MEC afirma que o compêndio visa, primordialmente, a • expor e discutir, de forma sistemática, todos os objetos de ensino mais relevantes da disciplina, num determinado segmento de ensino; • recomendar e orientar — de forma mais ou menos detalhada — as práticas didáticas mais compatíveis com os pressupostos teóricos e metodológicos assumidos pela obra; • oferecer, em maior ou menor quantidade, subsídios para o trabalho de sala de aula, como atividades e exercícios de referência, modelos, sugestões de trabalho, textos complementares etc. (BRASIL, 2011, p. 14). O Manual se organiza, basicamente, como uma sequência de “passos” e de atividades. Essas últimas, concebidas, elaboradas e ordenadas de acordo com uma certa prática docente, o que envolve o tratamento didático — transmissivo ou reflexivoconstrutivo — dado aos objetos de ensino propostos. Cada seção ou unidade de um manual corresponde, em geral, a uma aula; ou, com mais frequência, a uma sequência de aulas, articuladas em torno de um determinado tópico. A série completa dessas unidades e seções contém, em princípio, a programação de todo um ano ou série de um determinado segmento do ensino. Por essas características, um manual contém um planejamento de ensino próprio, implicado na sequência de unidades, ainda que essa sequência permita alguma escolha ou adaptação por parte do professor (BRASIL, 2011, p. 14) Quanto à metodologia apresentada pelas obras listadas pelo PLND 2012, percebe-se que estas se realizam sob os seguintes caminhos: Transmissiva: A metodologia se mostra transmissiva quando a proposta de ensino assume que a aprendizagem de um determinado conteúdo deve se dar como assimilação, pelo aluno, de informações, noções e conceitos, organizados logicamente pelo professor e/ou pelo próprio material didático. Bons resultados, nesse tipo de abordagem, exigem, antes de mais nada, uma organização rigorosamente lógica da matéria, respeitando-se, entre outras coisas, a cronologia dos fatos examinados (na história da literatura, por exemplo) e as relações hierárquicas entre noções e conceitos (no estudo da gramática, entre outros). É imprescindível, ainda, uma adequada transposição didática de informações, noções e conceitos, que leve em conta o patamar de conhecimentos em que o aluno se encontra e as suas possibilidades. Construtivo-reflexiva: A metodologia pode ser considerada construtivoreflexiva se o tratamento didático dos conteúdos leva o aprendiz a, num primeiro momento, refletir sobre certos dados ou fatos, para posteriormente inferir, com base em análises devidamente orientadas pelo professor e/ou pelo material didático, o conhecimento em questão. A eficácia desta alternativa demanda uma organização, tanto de cada atividade considerada isoladamente, quanto da sequência proposta, que reproduza o movimento “natural” da aprendizagem, e não a “lógica da matéria”. O processo deve possibilitar que o próprio aluno sistematize os conhecimentos, demonstrando que domina o que aprendeu. Assim, se consideramos que a aprendizagem da escrita procede da apreensão das funções sociais e do plano sequencial de um gênero para o domínio de alguns mecanismos típicos de coesão e coerência, este deverá ser, também, o percurso de ensino proposto. O livro didático adquire especial importância quando se ostenta para o fato de que ele pode ser, muitas vezes, o único livro com o qual a criança tem contato. Considerando-se o fato de que, ao deixar a escola, pode ocorrer que jamais tornem a pegar os livros, percebendo-se que, para muitos cidadãos, o livro didático termina por ser “o livro” (Molina, 1988, p. 18). Apontamentos para a escolha do livro didático de literatura: Que concepções de sujeito, linguagem-língua e texto que norteiam a obra? Essas Concepções da obra são condizentes com as escolhas do professor e da instituição? O material é acessível ao público-alvo? O material é coeso e, ainda assim, heterogêneo? O material e sua apresentação privilegiam a formação de um leitor (professor e estudante) ativo e sócio-históricoculturalmente responsivo/responsável? O material tem qualidade editorial (papel, impressão, ilustrações, suporte à pesquisa autônoma e à produção de conhecimento)? O material contempla o conteúdo proposto para a série/ciclo e para os objetivos de ensino e de aprendizagem? O material poderá ser utilizado por alguns anos seguidos sem cair na desatualização? Os textos propostos são integrais e/ou fragmentos coerentes? Os exercícios, questões, roteiros ou atividades propostas são diversificados, contextualizados, transdisciplinares e apresentam graus distintos de dificuldade? O material integra as distintas dimensões dos textos e dos circuitos e sistemas em que estão inseridos? REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARTHES, Roland. Aula. Tradução de Leyla PerroneMoisés. São Paulo: Editora Cultrix, 1998. BRASIL. Guia de livros didáticos: PNLD 2012: Língua Portuguesa. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2011. _______. Linguagens, códigos e suas tecnologias. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2006. ECO, Umberto. Seis passeios pelos bosques da ficção. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. MOLINA, Olga. Quem engana quem – Professor X livro didático. 2ª ed. Campinas: Papirus, 1988.