1 POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO CENTRO DE APERFEIÇOAMENTO E ESTUDOS SUPERIORES CURSO DE APERFEIÇOAMENTO DE OFICIAIS DEFESA CIVIL – O SISTEMA ESTADUAL E AS CONSEQÜÊNCIAS JURÍDICAS DA DECRETAÇÃO DO ESTADO DE CALAMIDADE PÚBLICA Cap PM Airton Alves da Silva São Paulo 1999 2 POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO CENTRO DE APERFEIÇOAMENTO E ESTUDOS SUPERIORES CURSO DE APERFEIÇOAMENTO DE OFICIAIS DEFESA CIVIL – O SISTEMA ESTADUAL E AS CONSEQÜÊNCIAS JURÍDICAS DA DECRETAÇÃO DO ESTADO DE CALAMIDADE PÚBLICA Monografia apresentada no Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais da Polícia Militar do Estado de São Paulo Autor: Cap PM Airton Alves da Silva Orientador: Cel PM Clodomir Ramos Marcondes São Paulo 1999 3 AS DEDICATÓRIAS Todo autor, no pórtico de seus trabalhos, faz uma dedicatória a alguém. Aqui também faço as minhas. Em primeiro lugar dedico-o ao amor: àquela que, junto de mim, por anos e anos, tem me criado uma atmosfera propícia às conquistas do Espírito e da Cultura - minha esposa Ivone. Também às minhas filhas – Débora e Marcela – que, com pequenos gestos de carinho, me incentivam a continuar em busca de meus objetivos pessoais e profissionais. Aos meus pais: - José e Edith - cujos esforços não foram medidos para orientar o curso da minha vida. 4 AGRADECIMENTO A Deus, por me oferecer a oportunidade nesta vida para realização deste trabalho. Ao Sr Cel PM Marcondes, pela orientação certa e segura, auxiliando sobremaneira a busca dos objetivos. Ao Cap PM Roberval Ferreira França, pela amizade e paciência nas incansáveis horas de discussão sobre este trabalho. Aos Srs Cel PM Roberto Lemes, Maj PM Adauto, Capitães PM C.Botelho, Berardinelli, Brito, Soares, Suzuki, Selma e Marli pela prestimosa colaboração. E em especial ao Ten PM Tércius, companheiro da equipe da CEDEC/SP, estudioso do tema. 5 Por mais forte que sopre o vento da adversidade, não permita jamais que apague os seus valores e as suas verdades. ABREVIATURAS 6 CF – Constituição Federal CEDEC - Coordenadoria Estadual de Defesa Civil COMDEC – Comissão Municipal de Defesa Civil CONDEC – Conselho Nacional de Defesa Civil EMFA – Estado Maior das Forças Armadas ESG – Escola Superior de Guerra FUNCAP – Fundo Especial para Calamidades Públicas GEACAP – Grupo Especial para Assuntos de Calamidades Públicas ITR – Imposto sobre a Propriedade Rural LDO – Lei de Diretrizes Orçamentárias ONG’s – Organizações Não Governamentais REDEC – Coordenadoria Regional de Defesa Civil SINDEC – Sistema Nacional de Defesa Civil SUMÁRIO 7 PREFÁCIO.................................................................................................... 9 . RESUMO 12 ....................................................................................................... INTRODUÇÃO ............................................................................................. 13 1 A DEFESA CIVIL 17 .............................................................................. 1.1 A Defesa Civil no Brasil.......................................................................... 17 1.2 A Defesa Civil no Estado de São Paulo................................................. 23 1.3 Defesa Civil – Conceitos e Definições................................................... 27 2 SITUAÇÃO DE EMERGÊNCIA – ESTADO DE CALAMIDADE PÚBLICA ............................................................... 31... 2.1 Competência Legal................................................................................ 31 2.2 Elementos da Situação de Emergência ou Estado de Calamidade ........ Pública, Adotados pelo Estado de São Paulo....................................... 33 2.2.1 Desastre................................................................................................ 33 2.2.2 Dano...................................................................................................... 35 2.2.3 Prejuízo.................................................................................................. 36 2.2.4 Critérios agravantes............................................................................... 36 2.2.5 Necessidade de recursos suplementares............................................ 2.3 37 Declaração de Situação de Emergência ou Estado de Calamidade ........ Pública................................................................................................... 38 2.3.1 Momento da decretação........................................................................ 38 2.3.2 Homologação......................................................................................... 40 2.3.3 Reconhecimento.................................................................................... 41 3 ASPECTOS LEGAIS ...................................................................... 42 3.1 Referências às Disposições Legais em Circunstâncias de Desastre.... 43 3.1.1 Disposições legais aplicáveis em quaisquer circunstâncias de ........ desastre................................................................................................. 45 3.1.2 Disposições legais aplicáveis em situação de emergência e estado de ........ calamidade............................................................................................. 48 8 3.1.3 Disposições legais aplicáveis exclusivamente a estado de calamidade ........ pública.................................................................................................... 49 3.2 Conseqüências jurídicas da não observância dos preceitos ........ doutrinários e legais para decretação da situação de emergência ou ........ do estado de calamidade...................................................................... 55 CONCLUSÃO..................................................................................... 64 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................. 65 BIBLIOGRAFIA................................................................................. 66 . 9 PREFÁCIO Desde os primórdios da civilização o ser humano sempre se preocupou com o socorro do companheiro ferido. A parábola do Bom Samaritano é um exemplo vivo onde um fariseu é atendido e transportado por um viajante cuidadoso. Preparado para atender essas vítimas, continua preocupado em oferecer auxílio e proteção a sua família, a sua vila, a sua cidade, enfim ao seu país. O cenário das guerras e dos cataclismos é uma realidade constante na vida da pessoa solidária. No início da Segunda Guerra Mundial, o Brasil procurou ficar neutro, mantendo equilíbrio entre as grandes potências. Devido ao ataque japonês a PEARL HARBOR no final de 1941 e após o afundamento de cinco navios brasileiros por submarinos alemães, o governo declara-se em estado de beligerância contra a Alemanha e Itália em agosto de 1942. Surgindo a Defesa Civil no Brasil, as tragédias mostram de forma clara o despreparo dos órgãos governamentais e da comunidade para controlar essas catástrofes: 18 de março de 1967, Caraguatatuba – litoral Norte de São Paulo. - deslizamento – 210 mortes, além de 90 desaparecidas 10 24 de fevereiro de 1972, Edifício Andraus – São Paulo – incêndio 17 mortes 1º de fevereiro de 1974, Edifício Joelma – São Paulo – incêndio 186 mortes 14 de fevereiro de 1981, Edifício Grande Avenida – São Paulo – incêndio – 17 mortes 25 de fevereiro de 1984, Vila Socó, Cubatão – São Paulo – explosão seguida de incêndio no oleoduto – 70 mortes 11 de junho de 1996, Osasco Plaza Shopping Center – Osasco – São Paulo – desabamento – 48 mortes. É dez vezes mais perigoso andar pelas ruas do Brasil do que ter sido combatente na Guerra do Vietnã. É quarenta e três vezes mais perigoso andar pelas estradas e ruas brasileiras do ter que sido soldado aliado na Guerra do Golfo. A violência em São Paulo mata mais que a Guerra da Iugoslávia, 3256 homicídios (mortes) no 1º trimestre de 1999, 1500 mortes em 6 semanas na guerra (Jornal da Tarde – 07/Maio/99). Chega de tragédias e mortes ! O Centro de Aperfeiçoamento e Estudos Superiores da Polícia Militar, exige de seus alunos a apresentação de monografia. O Capitão PM AIRTON ALVES DA SILVA, aluno do Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais (CAO-I/99), teve a iniciativa de elaborar sua tese baseada em uma larga experiência profissional, sendo profundo conhecedor do assunto, trouxe os indicativos para a adequação e solução de tão importante tema. 11 Escrita de maneira simples, didática de fácil entendimento e direcionado aos profissionais interessados em reduzir os danos e controlar as emergências, a monografia é roteiro jurídico, seguro, objetivo e inédito. Parabéns ao autor que merece nossos aplausos. Sucesso e realização. ROBERTO LEMES DA SILVA Coronel da Polícia Militar Chefe da APMTJ/SP 12 RESUMO A presente monografia trata dos aspectos jurídicos e decorrências legais da decretação, homologação e reconhecimento da situação de emergência ou estado de calamidade pública. Aborda e explicita critérios adotados pelo Governo do Estado de São Paulo, considerando a envergadura do desastre, do dano e do prejuízo, haja vista a União não tê-los baixados até a presente data. Os dados, conceitos e definições foram obtidos através de pesquisa documental bibliográfica e da coleta de normas legais e regulamentares que disciplinam o assunto. Conclui pela necessidade e oportunidade do fornecimento do embasamento técnico e jurídico aos policiais militares integrantes da Coordenadoria Estadual de Defesa Civil e, como conseqüência, da adequada orientação dos Administradores Públicos Municipais. 13 INTRODUÇÃO Remonta ao século passado, final do segundo Império, a preocupação em socorrer as províncias do Nordeste que vivenciavam grave situação de calamidade pública. Em virtude da grande seca que acometeu a região, o Governo Imperial confiscou alimentos para distribuição aos flagelados; mais adiante, com a participação do Brasil na II Grande Guerra Mundial, dá-se efetivamente o surgimento da Defesa Civil. Denominada à época como Defesa Passiva Anti-aérea, tinha por objetivo preparar a população para defender-se passivamente de possíveis ataques. Preocupava-se, na época, com a construção de abrigos, sistemas de alarme, extinção de luzes, ordens de dispersão e outros procedimentos típicos ao cenário de guerra. Os anos se passaram e felizmente o fantasma da guerra com eles desapareceu. Contudo, por falta de um enfoque governamental sobre a abrangência e importância do tema, a Defesa Civil também desapareceu da tônica das atividades da administração pública. 14 Nos anos sessenta, em decorrência das fortes chuvas e sucessivos escorregamentos havidos no Rio de Janeiro, ressurge a Defesa Civil. O êxito obtido no atendimento das vítimas daquele flagelo deixou demonstrada a importância de se ter um órgão específico para coordenação dos esforços dispendidos pelo governo, pelas entidades privadas e pela comunidade. O Estado de São Paulo começa a despertar para o assunto somente em março de 1967, com a ocorrência de deslizamento de morro no município de Caraguatatuba. Contudo, o seu sistema de defesa civil só se organizou após os incêndios dos edifícios Andraus e Joelma, no Centro da cidade de São Paulo, ocorridos, respectivamente, nos anos de 1972 e 1974. Após esta reminiscência histórica, o leitor mais atento e sensível ao problema poderá estar se perguntando: Depois de tragédias dessa dimensão, com centenas de perdas humanas e de prejuízos materiais significativos, dentre outros, o governo, as entidades privadas e a comunidade estão preparadas para as catástrofes? A resposta há de ser fundamentada na análise dos seguintes dados: a. A Assembléia Nacional Constituinte de 1988 estabeleceu, no artigo 84 - inciso VI da CF, que é competência privativa do Presidente da República dispor sobre a organização e funcionamento da Administração Pública Federal; b. o inciso XVIII do artigo 21, da Carta Magna, dá competência à União para planejar e prover a defesa permanente contra as calamidades públicas, especialmente as secas e inundações; e 15 c. a matéria constitucional apresentada deu fundamentação à criação do Sistema Nacional de Defesa Civil- SINDEC, instituído pelo Decreto Federal nº 895/93. Este diploma legal estabelece, em seu artigo 6º- inciso IV, que compete ao Conselho Nacional de Defesa Civil – CONDEC, a aprovação de critérios para declaração, homologação e reconhecimento da situação de emergência ou estado de calamidade pública, dispondo inclusive em seu artigo 12 que a competência para a declaração pertence ao Município, a homologação ao Estado e o reconhecimento à União. Passada mais de uma década sem que o CONDEC normatizasse tais critérios, a Coordenadoria Estadual de Defesa Civil do Estado de São Paulo, premida por inúmeros pedidos de homologação, estabeleceu critérios próprios a fim de viabilizar a análise dos referidos pedidos. Extraiu, de alguns preceitos legais e doutrinários, elementos que pautassem tal análise, em particular aqueles estabelecidos implícita ou explicitamente no Artigo 37 da Constituição Federal: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: ...”. No entanto, surgindo norma federal superveniente, esta será legalmente adotada, uma vez que tal competência é privativa da União, conforme já se destacou. 16 Desta forma, objetiva-se fornecer embasamento técnico e jurídico aos policiais militares integrantes da Coordenadoria Estadual de Defesa Civil, do Estado de São Paulo, para que os mesmos, além de aperfeiçoarem o serviço de assessoramento prestado ao Governador do Estado, possam orientar os Administradores Públicos Municipais no sentido de que passem a analisar a situação desastrosa que vierem a enfrentar de forma análoga à da CEDEC. Essa orientação, poderá abranger, inclusive, os aspectos jurídicos decorrentes do ato de decretação, homologação e reconhecimento da situação de emergência ou estado de calamidade pública. Só o conhecimento muda comportamento. Como, felizmente, a cada dia que passa a Administração Pública persegue melhorias, e a população se conscientiza de seus direitos de cidadania, o presente trabalho monográfico não tem a pretensão de esgotar o assunto, mas de fornecer subsídios para que administradores e administrados estreitem seus caminhos e juntos consigam adotar posturas preventivas na busca de qualidade de vida melhor para todos. 17 1 DEFESA CIVIL 1.1 A Defesa Civil no Brasil A defesa contra eventos excepcionais, de intensa gravidade, que assolam vastas regiões ou grandes núcleos populacionais, não era, nos primórdios da República, tarefa atribuída à União. A Constituição de 1891 1 (art. 5º) autorizava a União a prestar “socorros ao Estado que, em caso de calamidade pública, os solicitar”. Estas solicitações foram tão constantes e repetidas que já em 1897, o governo federal, pelo Ministério do Interior e Justiça, baixava aviso a fim de disciplinar os casos em que cabia tal auxílio 2. A carta Magna de 1934 (art. 7º,II, “in fine”) fazia dever da União “prestar socorros ao Estado que, em caso de calamidade pública, os solicitar”. O envolvimento do Brasil na II Grande Guerra Mundial nos colocou no mapa do teatro de operações como região conflagrada e de beligerância. O afundamento de embarcações em nossas águas marítimas trouxe a reboque o fantasma da fragilidade na defesa organizada de nosso território, suscitando a percepção da limitada, ou até inexistente capacidade de mobilização dos órgãos governamentais e da população civil contra agressões externas. Era imperioso ao Brasil contar com mecanismos de reação e mobilização interna que lhe permitissem atuar no território inimigo com relativa 1 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira de 1988, v. 1,São Paulo: Saraiva, 1990, p.166. 2 HORTA, Raul Machado. Tendências do Federalismo Brasileiro. Revista Brasileira de Estudos Poíticos, 28:11, apud FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira de 1988, v. 1,São Paulo: Saraiva, 1990, p.166. 18 tranqüilidade. Foi nesse contexto que a Defesa Civil conquistou, ainda em 1942, relevância e dimensão tornando-se uma das principais áreas de abrangência da Doutrina de Segurança Nacional. No período da II Grande Guerra Mundial, com o título de Defesa Passiva Anti-aérea3, a infra-estrutura de Defesa Civil foi consolidada com a finalidade de preparar a população a defender-se passivamente de possíveis ataques ao país, determinando a adoção de medidas de proteção, individual e/ou coletiva, a todos os brasileiros e estrangeiros residentes ou que aqui estivessem em trânsito. Com o aumento da tensão no cenário mundial o Governo Brasileiro adotou procedimentos de implemento e adequação às medidas de proteção, criando o Sistema de Defesa Passiva Anti-aérea4, integrado por serviços públicos organizados, pelo aproveitamento e adaptação de órgãos federais, estaduais e municipais, já existentes, e por serviços privados. Para coordenar as ações de proteção desencadeadas, foi criada, em 21 de Setembro de 1.942, como órgão diretor, orientador e consultivo, a Diretoria Nacional do Serviço de Defesa Passiva Anti-aérea5, diretamente subordinada ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores, com sede no Distrito Federal (à época, Rio de Janeiro). No mês seguinte à criação da Diretoria Nacional, o ensino de defesa passiva torna-se obrigatório para os alunos dos estabelecimentos de ensino, públicos ou particulares, existentes no país6: e ainda torna-se obrigatório a todo o 3 Brasil. Decreto-lei n. 4.098, de 6 de fevereiro de 1942, define como encargos necessários à defesa da Pátria, os serviços de defesa passiva anti-aérea.Rio de Janiero: DOU, 1942. 4 .Brasil. Decreto-lei n. 4.624, de 26 de agosto de 1942, cria o Serviço de Defesa Passiva Anti-Aérea e dá outras providências. Rio de Janeiro: DOU, 1942 5 Brasil. Decreto-lei n. 4.716, de 21 de setembro de 1942, dispõe sobre a criação e organização da Diretoria Nacional do Serviço de Defesa Passiva Anti-aérea, com sede no Distrito Federal, e dá outras providências. Rio de Janeiro: DOU, 1942 6 Brasil. Decreto Lei n. 4.800, de 6 de outubro de 1942, torna obrigatório o ensino de defesa passiva e dá outras providências. Rio de Janeiro: DOU, 1942 19 pessoal docente e administrativo dos mesmos estabelecimentos de ensino, o estudo dessa nova disciplina7. Vale lembrar que o serviço de defesa passiva constituía uma obrigação para com o Estado5, à qual estavam sujeitos brasileiros e estrangeiros residentes ou em trânsito no país. Entre os deveres registramos: receber instrução sobre serviços; socorrer seus semelhantes; atender os sinais convencionais de alarme, extinguir ou velar as luzes... etc. Finalmente, em 30 de Setembro de 1.943, o Serviço de Defesa Passiva Anti-aérea passa a denominar-se Serviço de Defesa Civil8. Com o término da II Grande Guerra o Governo Federal não soube reestruturar ou dar novas atribuições à Defesa Civil, e em 17 de Junho de 1.946, simplesmente a extinguiu9. Posteriormente, várias tentativas foram feitas para recriar a Defesa Civil no Brasil: a. em 1949 o Estado Maior das Forças Armadas elaborou Anteprojeto da Lei de Defesa Civil, que não chegou a ser enviado ao Congresso; b. em 1950 a Escola Superior de Guerra apresentou trabalho recomendando a criação de um órgão central, em âmbito federal, e outros regionais, em número equivalente às Regiões Militares, com as quais deveriam manter íntima ligação, e 7 Idem a n.1 Brasil. Decreto Lei n.5.861, de 30 de setembro de 1943, modifica a denominação do Serviço de Defesa Passiva Anti-aérea e da respectiva Diretoria Nacional. Rio de Janeiro: DOU, 1943. 9 Brasil. Decreto Lei n. 9.370, de 17 de junho de 1946, extingue o Serviço de Defesa Civil e dá outras providências. Rio de Janeiro: DOU, 1946 8 20 c. em 1958 o Estado Maior das Forças Armadas encaminhou à Presidência da República um novo Anteprojeto de Lei, não aproveitado. Em 1966 o Rio de Janeiro sofreu inundações, deslizamentos de encostas e desabamento de moradias com dezenas de mortos. Como resultado, foi criada a Comissão Estadual de Defesa Civil, pioneira no Brasil, graças à iniciativa do Governador do Estado da Guanabara. Em 1967, com a reforma administrativa, criou-se o Ministério do Interior10, competindo-lhe: a. o beneficiamento de áreas e obras de proteção contra secas e inundações, e b. a assistência às populações atingidas pelas Calamidades Públicas. Durante algum tempo, os recursos financeiros atribuídos para viabilizar ações governamentais, em benefício das populações atingidas, vinham sendo aplicados de maneira ineficaz, uma vez que tais atividades eram praticadas por órgãos municipais de forma isolada. Em razão da conjuntura apresentada fez-se necessária a implantação de uma coordenação única, em nível federal, a fim de racionalizar e dispor de verba específica para assistência imediata, bem como reembolsar eventuais despesas decorrentes. Criou-se então, em outubro do ano de 1969, o Fundo Especial para Calamidades Pública – FUNCAP, regulamentado Decreto lei n.º 66.204, de 13 de fevereiro de 1970. por meio do 21 Em outubro de 1970, o Governo Federal criou o Grupo Especial para Assuntos de Calamidades Públicas – GEACAP, com objetivo de coordenar e orientar, em todo o território nacional, as atividades relacionadas à prevenção de calamidades públicas, de assistência às populações atingidas e recuperação das áreas flageladas. Praticamente todos os Ministérios do Governo Federal estavam representados no GEACAP. Cada um atuando dentro do campo de atividades peculiares a sua pasta. Graças à atuação do GEACAP, a estrutura básica de defesa civil acabou implantada em todas as Unidades da Federação, demonstrando sua operacionalidade em todos os eventos anormais ocorridos nas diversas regiões brasileiras. E em decorrência dessa atuação, em 13 de agosto de 1979, quando da reestruturação do Ministério do Interior11, em sua Secretaria Geral há a criação da Secretaria Especial de Defesa Civil – SEDEC, com a finalidade de exercer, em todo o território nacional, a coordenação das atividades relativas às medidas preventivas, assistenciais e de recuperação dos efeitos produzidos por fenômenos adversos de quaisquer origens, bem como, aquelas destinadas a preservar o moral da população e o restabelecimento da normalidade da vida comunitária. A SEDEC, também ficou incumbida de dar apoio técnico e administrativo ao GEACAP. Com a repetição e desenvolvimento de “fatos adversos”, por todo o Brasil, os Municípios, os Estados e a União foram percebendo a necessidade prática de se manterem interligadas as estruturas de defesa civil nos três níveis: 10 Brasil. Decreto Lei n. 200, de 25 de fevereiro de 1967, dispõe sobre a organização da Administração Federal, estabelece diretrizes para a Reforma da Administrativa e dá outras providências. Rio de Janeiro: DOU, 1967 22 a. Municipal – através das COMDEC – Comissões Municipais de Defesa Civil, b. Estadual – via CEDEC – Coordenadorias Estaduais de Defesa Civil, e c. Federal – pela atuação da Secretaria Especial de Defesa Civil e suas Coordenadorias Regionais, especialmente se considerarmos os fatores de apoio material e financeiro. Em dezembro de 1988, a então Secretaria dá lugar ao Sistema Nacional de Defesa Civil – (SINDEC)12, extingue-se o GEACAP, que tem sua estrutura e destinação absorvidas pelo novo Sistema. Em agosto de 1993 o SINDEC é reorganizado13, e, em 30 de Janeiro de 1995, a matéria Defesa Civil é relacionada como área de competência do novo Ministério do Planejamento e Orçamento14, ficando ligada à Secretaria Especial de Políticas Regionais, o que se confirma em 1998, quando da recente reforma ministerial15. Com o início de um novo mandato presidencial, houve uma nova reestruturação ministerial, a Secretaria de Defesa Civil continuou integrando a Secretaria Especial de Políticas Regionais, a qual passou a vincular-se diretamente à Presidência da República, em decorrência da extinção do Ministério do Planejamento e Orçamento. 11 Brasil. Decreto-lei n. 83.839, de 13 de agosto de 1979, dispõe sobre a estrutura básica do Ministério do Interior, e dá outras providências. Brasília: DOU, 1979. 12 Brasil. Decreto n. 97.274, de 16 de dezembro de 1988, dispõe sobre a organização do Sistema Nacional de Defesa Civil (SINDEC), e dá outras providências. Brasília: DOU, 1988. 13 Brasil. Decreto n.895, de 16 de agosto de 1993, dispõe sobre a organização do Sistema Nacional de Defesa Civil ( SINDEC), e dá outras providências. Brasília: DOU, 1993 14 Brasil. Medida Provisória n. 886, de 30 de janeiro de 1995, dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios, e dá outras providências. Brasília: DOU, 1995 15 Brasil. Lei n. 9.649, de 27 de maio de 1998, dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios, e dá outras providências. Brasília: DOU n. 100, de 28 de maio de 1998 23 1.2 A Defesa Civil no Estado de São Paulo “... e o Homem principiou a compreender que não deveria temer apenas e tão somente a guerra e a fúria dos elementos, mas, e sobretudo, as catástrofes que chegavam sem qualquer aviso e deixavam, em seu funéreo eclodir, a marca indelével da dor, do pranto, do luto. E tanto mais sua preocupação aumentou, quanto mais se percebeu que, em muitos momentos de tragédia, poderia ter minorado os sofrimentos, minimizado perdas, diminuído óbitos, se preparado estivesse para se defender do acontecido”16. Conforme demonstrado, a organização de sistemas de defesa passiva, embriões da defesa civil, deu-se em decorrência de situação de guerra e, tão logo essa se findou, os sistemas surgidos desapareceram. Não tinham os governantes a clareza de que problemas adversos que pudessem surgir, decorrentes ou não de atitudes humanas, não teriam sua solução e/ou superação vinculadas tão somente aos mecanismos administrativos da própria estrutura governamental. Não vislumbravam que “Governo nenhum, diante de determinadas catástrofes tem capacidade para sozinho fazer frente a esses eventos, havendo a necessidade de que povo mais Governo realizem o Bem-Estar da Comunidade”17. Com o surgimento de situações adversas, em que se evidenciou a incapacidade governamental de enfrentar por si só todos os problemas, o que somente se deu com a mobilização da comunidade, é que se constatou a necessidade de se estabelecerem medidas para a preparação e emprego racional de recursos humanos, materiais e financeiros, dando origem à Defesa Civil. 16 RAMOS, Dr. Fábio Vidal, Defesa Civil - Apostila 24 No Estado de São Paulo, com a ocorrência de deslizamento de um morro um na cidade de Caraguatatuba, em 1967, em decorrência de fortes chuvas, é que se inicia a constatação, por parte do governo, da necessidade de dispor-se de uma estrutura para dar suporte técnico e operacional em tais eventos. Começa-se a verificar que no atendimento de desastres o improviso deve ser evitado. Em 1969, repete-se a ocorrência de fortes chuvas na Capital e em algumas cidades do interior, determinando a criação, pelo Governador, da 1ª Comissão de Defesa Civil, vinculada à Secretaria de Promoção Social, devido ao flagelo da comunidade, cuja duração foi episódica. Duas outras catástrofes demonstraram o despreparo e a falta de organização: os incêndios dos edifícios Andraus e Joelma, em 1972 e 1974 respectivamente, ambos com número elevado de vítimas. Após o incêndio do edifício Joelma, foi constituído, na Secretaria de Economia e Planejamento, um Grupo de Trabalho para estudar a Prevenção de Incêndios em São Paulo. O item relativo à mobilização foi entregue à Casa Militar, que concluiu pela necessidade de um trabalho mais amplo, abrangendo outros tipos de eventos desastrosos; e ainda, que o enfrentamento de tais situações dependia necessariamente da participação comunitária. É em 1975, com a reorganização da Casa Militar, que se lhe atribui a responsabilidade e competência para promover a organização e coordenação do Sistema de Defesa Civil18; marco do surgimento do Sistema Estadual de Defesa Civil19, órgão do Gabinete do Governador, com a finalidade de coordenar as medidas destinadas a prevenir as conseqüências nocivas de eventos desastrosos e a socorrer as populações e as áreas atingidas por esses eventos. 17 Apud RAMOS, Dr. Fábio Vida;. Defesa Civil - Apostila Brasil. Decreto n. 5.796, de 5 de março de 1975, reorganiza a Casa Militar do Gabinete do Governador. São Paulo: DOE, 1975 18 25 Atualmente, o Sistema Estadual de Defesa Civil 20 encontra-se articulado com os órgãos do Sistema Nacional de Defesa Civil – SINDEC, e é formado por órgãos e entidades da Administração Pública Estadual e dos municípios, por entidades privadas e pela comunidade, sob a coordenação da Coordenadoria Estadual de Defesa Civil – CEDEC, cuja direção é exercida pelo Governador do Estado por meio de seu Secretário, Coronel PM-Chefe da Casa Militar. Os objetivos do Sistema Estadual de Defesa Civil são: a. planejar e promover a defesa permanente contra desastres naturais ou provocados pelo homem, b. atuar na iminência e em situações de desastres, c. prevenir ou minimizar danos, d. socorrer e e. assistir populações atingidas e recuperar áreas afetadas por desastres. Para atingir os objetivos colimados, o Sistema Estadual de Defesa Civil dispõe da seguinte estrutura: a. Órgão Central: a Coordenadoria Estadual de Defesa Civil , a qual dispõe de uma Diretoria Executiva junto à Casa Militar; b. Órgãos Regionais: as Coordenadorias Regionais de Defesa Civil – REDEC, distribuídas no interior do Estado e na Região Metropolitana da Grande São Paulo, vinculadas à CEDEC; c. Órgãos Municipais: as Comissões Municipais de Defesa Civil – COMDEC, uma em cada município do Estado, que manifestar oficialmente interesse em integrar o Sistema, d. Órgãos Setoriais: os órgãos e entidades da Administração Pública Estadual, envolvidos nas ações de defesa civil e 1919 Brasil. Decreto n. 7550, de 9 de fevereiro de 1975, dispõe sobre o Sistema Estadual de Defesa Civil. São Paulo:: DOE, 1976 20 Brasil. Decreto n.40.151, de 16 de junho de 1995, reorganiza o Sistema Estadual de Defesa Civil, e dá outras providência. São Paulo: DOU n. 114, de 17 de junho de 1995. 26 e. Órgãos de Apoio: entidades públicas e privadas. Por entidades privadas entendem-se Organizações não Governamentais – ONGs, clubes de serviços e associações diversas, que venham prestar ajuda aos órgãos integrantes do Sistema Estadual de Defesa Civil e que manifestarem oficialmente interesse em integrar referido Sistema Estadual. Com os objetivos delineados e a estrutura apresentada pelo Sistema Estadual, a CEDEC passa a atuar da seguinte forma: a. coordenando e supervisionando as ações de defesa civil; b. mantendo atualizadas e disponíveis as informações relacionadas à defesa civil; c. elaborando e implantando planos, programas e projetos de defesa civil; d. prevendo recursos orçamentários necessários às ações assistenciais, de recuperação ou de recursos da União, na forma da legislação vigente; e. capacitando recursos humanos para as ações de defesa civil; f. mantendo o órgão central do SINDEC informado sobre as ocorrências de desastres e atividades de defesa civil, g. propondo à autoridade competente a decretação ou homologação de situação de emergência e de estado de calamidade pública, observando os critérios estabelecidos pelo Conselho Nacional de Defesa Civil – CONDEC e h. providenciando a distribuição e o controle dos suprimentos necessários ao abastecimento em situações de desastres. Integram-se à CEDEC um representante de cada Secretaria de Estado; um representante da Polícia Militar; um representante da Polícia Civil e um representante do Fundo de Solidariedade do Estado de São Paulo. 1.3 Defesa Civil – Conceitos e Definições 27 Ao longo de décadas, diferentes conceitos sobre Defesa Civil foram formados; contudo, todos assemelham-se na essência. Na década de 50, a legislação estabelecia que: Defesa Civil é o conjunto de medidas que tem por finalidade prevenir e minimizar, em situações de guerra ou de paz, os riscos e perdas a que estão sujeitas a população, os recursos e bens materiais de toda a natureza, por ação inimiga ou em conseqüência de calamidades quaisquer. Compreende, também, medidas para reparar ou restaurar os serviços públicos essenciais e preservar a moral da população. A convenção de Genebra, Suíça, adotou a seguinte definição: Defesa Civil é o conjunto de medidas preventivas, de socorro, assistenciais e recuperativas, destinadas a evitar conseqüências danosas de eventos previsíveis ou imprevisíveis, preservar a moral da população e restabelecer o moral da população e restabelecer o bem-estar social quando da ocorrência desses eventos. O Centro de Treinamento de Defesa Civil Internacional, com sede em Benex (Genebra/Suíça) cita que: A Defesa Civil é necessária durante a calamidade, indispensável em caso de guerra e útil todos os dias. O Comitê Internacional da Cruz Vermelha, opinando sobre Defesa Civil, afirma: Defesa Civil engloba as tarefas humanitárias destinadas a salvaguarda da população civil contra os efeitos que surjam de atos hostis ou calamidades, para assegurar sua sobrevivência e para prover as condições necessárias a sua existência. O Estado Maior das Forças Armadas – EMFA, assim a conceitua: Defesa Civil é um conjunto de medidas que tem por finalidade limitar, em situação de guerra ou de paz, os riscos e perdas a que estão sujeitos a 28 população, os recursos e bens materiais, por ação inimiga ou em conseqüência de calamidades quaisquer. A Escola Superior de Guerra – ESG, apresenta a seguinte definição: Defesa Civil é o conjunto de medidas destinadas a prevenir e limitar os riscos e as perdas, aos quais ficam sujeitos a população e os recursos materiais da Nação em decorrência de Guerras (atos hostis) ou de calamidades públicas. Compreende, também, medidas tomadas para a reparação dos serviços vitais do País e para a preservação da moral da população. Na atualidade, quando o Governo Federal organizou o Sistema Nacional de Defesa Civil, adotou nova definição de Defesa Civil, a qual foi recepcionada pela Coordenadoria Estadual de Defesa Civil do Estado de São Paulo, e forneceu outros conceitos que a complementam e a caracterizam, tornando mais claro seu entendimento: a. Defesa Civil: o conjunto de ações preventivas, de socorro, assistenciais e recuperativas destinadas a evitar ou minimizar os desastres, preservar o moral da população e restabelecer a normalidade social; b. Preventiva: é a primeira fase, desenvolvida em períodos de normalidade. É o período de elaboração de exercícios simulados destinados ao desenvolvimento e aperfeiçoamento do sistema de autodefesa, conforme os riscos de cada região ou município; c. Socorro: dependem diretamente do treinamento e planejamento realizados na fase preventiva. Atua diretamente nos efeitos do desastres com emprego coordenado de pessoal treinado. É a fase, por exemplo, da extinção do incêndio, resgates de vítimas, evacuações, remoções etc.; d. Assistencial: os trabalhos da fase assistencial ocorrem concomitantemente ou logo após o impacto violento da emergência. Constituem-se, dentre outras medidas, na alimentação, assistência médica, abrigo da população vitimada; 29 e. Recuperativa: recuperar as instalações, obras de arte, etc. é a fase mais longa e onerosa. É o período dos investimentos objetivando a volta à normalidade da área atingida, restabelecendo as condições anteriores da vida comunitária. Após concluída a fase recuperativa, fecha-se o ciclo do atendimento emergencial e inicia-se a prevenção de sua repetição; f. Desastres: o resultado de eventos adversos, naturais ou provocados pelo homem, sobre um ecossistema, causando danos humanos, materiais ou ambientais e conseqüentemente prejuízos econômicos e sociais; g. Situação de Emergência: o reconhecimento pelo poder público de situação anormal, provocada por desastres, causando danos superáveis pela comunidade afetada e h. Estado de Calamidade Pública: o reconhecimento pelo poder público de situação anormal, provocada por desastres, causando sérios danos à comunidade afetada, inclusive a incolumidade ou à vida de seus integrantes. O Governo do Estado de São Paulo, ao recepcionar as definições e conceitos adotados pelo Sistema Nacional de Defesa Civil, entendeu ser oportuno explicitar que as Comissões Municipais de Defesa Civil, instituídas mediante legislação municipal, poderão constituir unidades-base e de execução de ações de defesa civil; pois, em situações de desastres, as atividades assistenciais e de recuperação serão de sua responsabilidade, cabendo posteriormente ao Estado, as ações supletivas, quando comprovadamente esgotadas a capacidade de atendimento da Administração local. A atuação dos órgãos federais, estaduais e municipais na área atingida, far-se-á sempre em regime de cooperação, cabendo a coordenação à Comissão Municipal de Defesa Civil. Daí a importância de se estimular o trabalho das Comissões Municipais de Defesa Civil no sentido de permanente integração das áreas municipais entre si e com órgãos regionais da esfera estadual, federal, organizações privadas e a 30 comunidade em geral. Desse trabalho é que se obterá o maior ou menor grau de capacidade tempo/resposta do município que vier a sofrer um desastre. SITUAÇÃO DE EMERGÊNCIA – ESTADO DE 2 CALAMIDADE PÚBLICA 2.1 Competência Legal A Assembléia Nacional Constituinte de 1988 definiu no artigo 84 inciso VI, da Constituição Federal, que é competência privativa do Presidente da 31 República “dispor sobre a organização e funcionamento da Administração Pública Federal”; dispôs ainda, no artigo 21 inciso XVIII, da Carta Magna, que é da competência da União “planejar e promover a defesa permanente contra as calamidades públicas, especialmente as secas e inundações”. Em decorrência de tais preceitos Constitucionais foi editado, em 16 de Agosto de 1993, o Decreto Federal n.º 895, que organizou o Sistema Nacional de Defesa Civil, o qual traz em seu artigo 6o inciso IV, que compete ao Conselho Nacional de Defesa Civil – CONDEC, a aprovação de critérios para a declaração, homologação e reconhecimento da situação de emergência ou do estado de calamidade pública, dispondo inclusive em seu artigo 12, que a competência para a declaração pertence ao Município, a da homologação ao Estado e o reconhecimento à União. No entanto, passado mais de uma década, inexiste norma acerca de tais critérios que ampare os mencionados atos da Administração Pública. A Coordenadoria Estadual de Defesa Civil do Estado de São Paulo, ao receber inúmeros pedidos de homologação, deparou-se com uma situação administrativa delicada: se de um lado não encontrava critérios técnicos que viabilizassem qualquer tipo de análise, por outro deparava-se com situação fática de possível repercussão jurídica e social. Diante de tal quadro, extraiu de alguns preceitos legais e doutrinários critérios que pautassem tal análise, critérios esses contidos implícita ou explicitamente no Artigo 37 da Constituição Federal 21 : “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: ...”. 21 Constituição Federal, DOU, 1988 32 No entanto, surgindo norma federal superveniente, esta será legalmente adotada, naquilo que couber, uma vez que tal competência é privativa da União, conforme já se destacou. Com tal adoção, pode a CEDEC analisar cada pedido de homologação impedindo-a de tornar-se “devedora de falsos credores”. Isto porque no desenvolvimento das análises encontramos prefeituras que confundem Estado de Calamidade Pública, em sua essência, com a exclamação popular calamidade pública; outras procuram utilizar-se da decretação como resposta política a seus munícipes e como meio de tentar pressionar, as demais esferas de governo, a liberar recursos financeiros e/ou materiais para executar obras, cuja responsabilidade lhe é originária. Entretanto, o ponto mais delicado é que aqueles que se dispõem a tal prática desconhecem os efeitos jurídicos que podem dela decorrer. A bem da verdade não lhes ocorre que poderão estar causando sérios prejuízos à própria Administração Pública e aos munícipes. 2.2 Elementos da Situação de Emergência ou Estado de Calamidade Pública adotados pelo Estado de São Paulo Da análise dos conceitos de Situação de Emergência e de Estado de Calamidade Pública, oferecidos anteriormente, encontram-se os termos: desastre, dano e prejuízo, os quais foram adotados pela CEDEC/SP22 da seguinte forma: 2.2.1 Desastre 22 São Paulo. Resolução C. Mil 4.610-CEDEC, de 16 de novembro de 1995, estabelece critérios para Homologação da Declaração de Situação de Emergência ou de Estado de Calamidade Pública no Estado de São Paulo.DOE,1995 33 Desastre é o resultado de eventos adversos, naturais ou provocados pelo homem sobre um ecossistema vulnerável, causando perdas humanas, danos materiais e ambientais e conseqüente prejuízos econômicos e sociais, qualificados de acordo com sua magnitude (gravidade) e grau de vulnerabilidade do sistema receptor. Desastre de Nível I Acidentes e ou desastres de pequeno porte, características: a) danos pouco importantes, mais facilmente suportáveis e/ou superáveis, pela comunidade afetada; b) não são caracterizadores de situação anormal (situação de emergência ou estado de calamidade pública); c) prejuízos pouco vultosos. Desastre de Nível II Desastre de médio porte, características: a) os danos podem ser suportáveis (ou superáveis) por comunidades bem preparadas, b) prejuízos mediamente vultosos, ou apenas significativos e c) não são, em princípio, causadores de situação anormal, no entanto, podem atingir uma faixa limítrofe com a situação de emergência, para tanto devem ser observados os critérios agravantes. Desastre de Nível III Desastres de grande porte, características: a) causam danos suportáveis e/ou superáveis por uma comunidade bem preparada, além de prejuízos vultosos, 34 b) a situação de anormalidade pode ser superada com recursos do município reforçada ou suplementada por meios estaduais e/ou federais e c) caracteriza a situação de emergência. Desastre de Nível IV Desastres de muito grande porte, características: a) danos sérios, dificilmente suportáveis e/ou superáveis pela comunidade local, causadores de prejuízos vultosos, b) a volta da situação de normalidade depende de substancial ajuda de fora da área atingida e c) caracteriza o estado de calamidade pública, sendo possível em casos excepcionais a decretação do Estado de Defesa (art. 136 CF). 2.2.2 Dano Dano é a medida que define a intensidade ou severidade de um acidente ou desastre, classificação: Quanto à dificuldade de retorno à situação de normalidade a) raramente serão suportáveis e superáveis pelas comunidades locais; b) danos sérios: têm caráter irreversível ou de recuperação muito difícil; e c) danos suportáveis e/ou superáveis: têm caráter reversível ou de recuperação menos difícil, são mais facilmente suportáveis pela comunidade local. 35 Quanto ao objeto a) humanos: desalojados, desabrigados, deslocados, desaparecidos, feridos gravemente, feridos levemente, enfermos e mortos, b) materiais: edificações, instalações e outros locais e c) meio ambiente: medidos em função do volume de recursos necessários para reabilitação do meio ambiente. 2.2.3 Prejuízo Prejuízo é a medida que define o volume de perdas econômicas ou sociais provocadas por desastres, classificação: Quanto à intensidade a) pouco vultosos: provocado por desastres de pequeno e médio porte (nível I e II); b) mediamente vultosos: podem ser provocados por acidentes de médio porte (nível II), c) vultosos: provocados por desastres de porte (nível III) e d) muito vultosos: provocados por desastres de muito grande porte (nível IV). Quanto ao objeto a) econômicos: aferidos pelo PIB (Produto Interno Bruto) em função – da agricultura, pecuária, indústria, comércio, mineração, transportes e b) sociais: interrupção de funcionamento ou colapso nos serviços públicos essenciais (ex.: saúde, transporte, segurança pública, distribuição de energia elétrica, esgoto, águas pluviais, coleta de lixo, etc.). 36 Obs.: Os danos e prejuízos são critérios preponderantes que irão caracterizar a intensidade do desastre e a necessidade ou não de recursos suplementares, para o retorno da situação de normalidade. 2.2.4 Critérios agravantes São outros eventos ocorridos após o desastre, agravando a situação anormal da comunidade assolada, dificultando o retorno desta à situação de normalidade; são eles: Padrão evolutivo do Desastre, classificam-se: a) súbitos: ocorrem de forma inesperada e surpreendente, podendo ser inclusive previsíveis, se forem de natureza cíclica e de caráter sazonal; b) por somação: somação de efeitos, parciais, considerados a longo prazo. Ocorrência de Desastres Secundários: a) desastres secundários que agravam a situação anormal provocada pelo desastre primitivo. Níveis de Preparação e Eficiência: - da Administração Pública e da Defesa Civil, aferidos de acordo com a capacidade de resposta aos desastres e sobre o restabelecimento da situação de normalidade. Grau de Vulnerabilidade do cenário do desastre e da comunidade local: a) senso de percepção de riscos; b) grau de segurança da população aferido pelos órgãos formadores da opinião pública 37 c) vontade da Administração Pública Municipal em aumentar a segurança da população; d) responsabilidade e nível de competência da Administração municipal. 2.2.5 Necessidade de recursos suplementares A necessidade de Recursos Suplementares terá como caracterizador os danos e os prejuízos provocados pelo evento desastroso, classificam-se: a) não significativa: provocados por danos pouco importantes e prejuízos pouco vultosos, facilmente superáveis e suportáveis pela comunidade afetada; b) pouco significativa: provocados por danos superáveis e/ou suportáveis e por prejuízos pouco vultosos, necessitando o município de pequeno suplemento de recursos para retornar à normalidade; c) significativa: provocado por danos superáveis e/ou suportáveis e por prejuízos vultosos, necessitando de um suplemento expressivo para o retorno da situação de normalidade; d) muito significativa: provocados por danos sérios e por prejuízos muito vultosos, necessitando de substancial destinação de recursos suplementares. 2.3 Declaração da Situação de Emergência ou de Estado de Calamidade Documento oficial (Decreto) que registra e divulga uma situação anormal provocada por desastre, com danos suportáveis ou não pela 38 comunidade. São competentes para tal declaração, os Prefeitos e o Governador do Distrito Federal. 2.3.1 Momento da decretação da situação de emergência ou estado de calamidade pública A finalidade da Administração Pública resume-se em um único objetivo, o bem comum, ou seja, proporcionar uma série de condições físicas e morais que permitam a manutenção e aprimoramento da vida humana, para tanto a declaração de situação de emergência ou do estado de calamidade pública é ato necessário para desencadear procedimentos administrativos, com uma destinação final que é o retorno da normalidade da comunidade assolada por qualquer evento desastroso. Para tanto, os atos motivadores da decretação da situação de emergência ou do estado de calamidade pública, pelo município, devem estar fundamentados em situações de fato e de direito que tipifiquem a situação anormal, exigindo-se correlação lógica entre evento e a situação desastrosa a qual motivou aquele procedimento desta forma, sendo que tal motivação deve ser contemporânea ao fato que lhe deu causa (evento desastroso), pois se não observado tal disposto o ato estará viciado. Assim, por exemplo, estaria viciado o ato e passível de anulação ou revogação pela própria Administração Pública ou anulado pelo poder judiciário, a decretação de situação de emergência ou de estado de calamidade, no mês de julho de fato desastroso de médio porte ocorrido no mês de janeiro do mesmo ano, sendo que o município não se encontra mais vitimado pela situação anormal, assim esta decretação estaria razoavelmente em desacordo com critérios aceitáveis do ponto de vista racional, isto é incoerente, desarrazoada, sendo, além de inconveniente, ilegítima. 39 Desta forma, não pode o administrador praticar o presente ato, com intuito de conquistar certas finalidades dele decorrentes, pois estará impregnando-o de total vício, o que não coaduna com sua destinação legal e doutrinária. Para tanto, o decreto de declaração de situação de emergência ou de estado de calamidade pública deve estar devidamente alicerçado pelos princípios componentes do ato administrativo, sobretudo os consagrados no artigo 37 da CF, ou seja, legalidade, impessoalidade, moralidade e da publicidade. Aliada a decretação da situação de emergência ou do estado de calamidade pública, temos a necessidade legal, da homologação, por parte do Governo do Estado, e o reconhecimento, este pelo Governo Federal. Tais atos são necessários para o desencadeamento legal das providências que cada caso pode vir a requerer. Esta homologação, bem como o reconhecimento, ratificam a situação declarada, assegurando, assim, a execução das providências legais necessárias, de competência de cada ente federativo envolvido; para tanto, tais atos devem estar cingidos pelos mesmos motivos que dão origem à declaração, caso contrário também estarão contaminados pelo vício, tornando os atos executivos deles decorrentes como que praticados com total desvio de finalidade pública, sujeitos, além da sua anulação ou revogação, as demais conseqüências e responsabilizações legais. Concluindo, a decretação, homologação e o reconhecimento da situação de emergência ou do estado de calamidade pública, devem ter como fundamento um fato contemporâneo, isto é, durante o frigir dos acontecimentos, além de estarem dotados de natural razoabilidade, para não se tornarem inconvenientes e ilegais, bem como proporcionais na sua extensão e intensidade, requisitos necessários igualmente para atingirem o interesse público de retorno à situação de normalidade, uma vez que as possíveis restrições a liberdade ou à propriedade dos administradores deles decorrentes, só serão obrigatórios para satisfação deste interesse; assim, se a medida for inadequada, estará inadequada com relação à própria finalidade da lei. 40 2.3.2 Homologação da situação de emergência ou estado de calamidade pública Aprovação e confirmação da situação declarada habilitando-a a produzir os efeitos jurídicos próprios. A competência de tal homologação pertence ao Governo Estadual, estando o Distrito Federal por razões próprias dispensado da homologação. Para ser oportuno, tendo em vista as peculiaridades da própria Administração Pública, esta terá o prazo razoável de 120 horas para avaliar a situação desastrosa, homologando ou não a declaração formalizada pelo município. 2.3.3 Reconhecimento da situação de emergência ou estado de calamidade Portaria do Ministro da Secretaria Especial de Políticas Regionais reconhecendo e proclamando a legitimidade da declaração e homologação da situação anormal para produção dos seus efeitos jurídicos. 41 3 ASPECTOS LEGAIS Na medida em que vai se consolidando o amadurecimento social, sedimenta-se a certeza de que a responsabilidade pelo bem-estar social não pode e nem deve ser atribuída em caráter exclusivo ao governo. É essa mesma certeza que tem impulsionado a sociedade na direção de uma maior conscientização e envolvimento com o problema. Esse grau de conscientização apresenta como decorrência um paradoxo: ao mesmo tempo em que a sociedade civil organizada torna-se mais 42 solidária, o cidadão, individualmente, e os grupos sociais, coletivamente, exigem dos órgãos governamentais maior responsabilidade resolutiva. Já vai longe o tempo em que a sociedade se comprazia em receber justificativas superficiais, declarações vazias e promessas vagas. Cada vez mais o usuário dos serviços públicos prepara-se para exigir seus direitos e cobrar responsabilidades dos gestores da coisa pública. Ao mesmo tempo em que o cidadão é mais solidário, ele espera e exige do governo mais efetividade na prevenção ou minimização dos efeitos dos desastres. Ciente de seus direitos e bem informado quanto às responsabilidades dos órgãos governamentais, o cidadão comum não hesita em buscar a responsabilização judicial dos responsáveis pela prevenção dos desastres, exigindo-lhes ampla cobertura de socorro e assistência às vítimas e pronta recuperação da área flagelada. Cada vez mais recrudesce a predisposição pela interposição de ações de responsabilidade civil contra o Estado e Municípios, com os pleitos por indenizações decorrentes de perdas e danos materiais ou morais, por exemplo, dentre outros instrumentos jurídicos. Evitar ou minimizar desastres, preservar o moral da população e restabelecer a normalidade social são, com certeza, os fins e a razão de ser da Defesa Civil. Na medida em que se amplia a incidência de eventos desastrosos, com uma freqüência cada vez maior, cogita-se também, por vezes, pelo próprio Ministério Público, a responsabilização de prefeitos e governadores por improbidade administrativa em face da omissão na implementação de medidas preventivas. Por essas razões, o tratamento do tema requer mais do que uma abordagem meramente retórica, onde declarações de princípios jamais encontram lugar ou efeito prático no cotidiano e na vida das pessoas. 43 É com esse ímpeto que passamos a fornecer elementos para nortear decisões da Administração Pública acerca das responsabilidades legais de seus atos e suas conseqüências. 3.1 Referências às Disposições Legais em Circunstâncias de Desastres Ao longo dos anos, numerosas disposições legais foram estabelecidas na legislação brasileira, com a finalidade de facilitar o restabelecimento da situação de normalidade, em circunstâncias de desastres Tanto as disposições legais como as medidas administrativas estabelecidas por ocasião de desastres podem ser classificadas como: Genéricas, quando estabelecidas em legislação corrente e ordinária. Nesses casos, por terem caráter geral, são aplicáveis em quaisquer circunstâncias de desastre, em função do nível de abrangência definido pela decretação de situação de emergência ou de estado de calamidade pública. Restritas ou específicas, quando estabelecidas em legislação específica ou para atender a um desastre determinado. Nesses casos, embora a norma tenha sido prevista para ser utilizada apenas quando julgada necessária, pode estabelecer precedente jurídico e caracterizar jurisprudência firmada. Tanto as disposições genéricas como as específicas são aplicáveis em três níveis de abrangência decrescente: 44 Disposições aplicáveis em qualquer circunstância de desastre, mesmo que não se decrete situação de emergência ou estado de calamidade pública. Disposições aplicáveis nos casos em que se decretou situação de emergência ou estado de calamidade pública. Disposições aplicáveis apenas nos casos em que se decretou estado de calamidade pública É necessário que os especialistas em defesa civil e as autoridades administrativas conheçam todas as possíveis implicações jurídicas relacionadas com a decretação de situação de emergência ou estado de calamidade pública; pois a decretação dessas situações de anormalidade implica a geração de direitos e a isenção de obrigações, e, conseqüentemente, seu desconhecimento pode surpreender o administrador com redução da arrecadação ou com a geração de despesas imprevistas. 3.1.1 Disposições legais aplicáveis em quaisquer circunstâncias de desastre As disposições legais e medidas administrativas apresentadas nesta seção são aplicáveis em quaisquer circunstâncias de desastre, independentemente da decretação de situação de emergência ou estado de calamidade pública. Disposições de caráter genérico: Constitucionais: ............ Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a 45 inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos seguintes termos: ............ XI – a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em casos de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro ou, durante o dia, por determinação judicial; XXV – no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá dispor de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano; ............ Para garantir esses direitos, em caso de desastre, ou para prestar socorro, o agente de defesa civil está autorizado a penetrar nas casas, de dia ou de noite, mesmo sem consentimento do morador, sem que seja necessário mandado judicial ou a decretação de situação de emergência ou estado de calamidade pública. Nos casos de perigo público iminente, mesmo antes da ocorrência do desastre, a autoridade competente poderá dispor (usar livremente, utilizar, determinar, fazer o que se quer de alguma coisa) de propriedade particular, cabendo a indenização apenas naqueles casos em que resultar dano ou prejuízo, em conseqüência do uso. Nesses casos, para garantir o direito à vida, a autoridade pode, inclusive, determinar a evacuação compulsória de residências. Decreto 895, de 16 de agosto de 1993 - Dispõe sobre a organização do Sistema Nacional de Defesa Civil – SINDEC, e dá outras providências. ................. Art.13 – Em situações de desastres, as atividades assistenciais e de recuperação serão da responsabilidade do Governo Municipal ou do Distrito Federal, cabendo ao Estado e, posteriormente, à União as 46 ações supletivas, quando comprovadamente empenhada a capacidade de atendimento da administração local. § 1º - Caberá aos órgãos públicos, localizados na área atingida, a execução imediata das medidas que se fizerem necessárias. § 2º - A atuação dos órgãos federais, estaduais e municipais, na área atingida, far-se-á sempre em regime de cooperação, cabendo a coordenação ao órgão local de defesa civil. Disposições de caráter específico: Caracterização da Omissão de Socorro como Crime Culposo A omissão de socorro em casos de emergências médico-cirúrgicas caracteriza crime culposo. Podem incorrer em crime culposo, por omissão de socorro em casos de emergências médico-cirúrgicas, os médicos, enfermeiros, cirurgiões dentistas, auxiliares de enfermagem, socorristas, diretores de hospitais e de serviços e demais profissionais relacionados com a assistência médicacirúrgica e/ou com atendimento hospitalar e pré-hospitalar (APH) de urgência. Omissão de Socorro em Circunstâncias de Naufrágio e de Outros Sinistros com Embarcações O Brasil é signatário de acordos e tratados internacionais relacionados com a navegação, que definem a obrigatoriedade de prestar socorro em circunstâncias de naufrágio e de outros sinistros com embarcações. A legislação, decorrente da regulamentação desses acordos e tratados, caracterizou como crime culposo a omissão do socorro nessas circunstâncias. 47 Podem incorrer nesse crime os comandantes e as tripulações das embarcações omissas e seus proprietários, caso tenham sido cientificados previamente e concordaram com a decisão de omissão. Omissão de Socorro em Circunstâncias de Desastre O art.5º. incisos XI e XXV, da Constituição Federal de 1988, trata da questão enunciada. O art. 2º do Decreto n.º 895/93 estabelece que são objetivos do SINDEC: I. Planejar e promover a defesa permanente contra desastres naturais ou provocados pelo homem; II. Atuar na iminência e em situações de desastre; III. Prevenir ou minimizar danos, socorrer e assistir populações atingidas e recuperar áreas deterioradas por desastres. Em conseqüência, o agente de defesa civil que se omitir de suas obrigações de prestar socorro e de ordenar a evacuação de moradias em situação de risco iminente, em conseqüências de desastre, incorre em crime culposo. 3.1.2 Disposições legais aplicáveis em situação de emergência e estado de calamidade pública As disposições legais e as medidas administrativas apresentadas nesta seção são aplicáveis nos casos em que forem decretados situação de emergência ou estado de calamidade pública. 48 Disposições de caráter genérico: Licitações A Lei n.º 8.666/93 – e suas alterações, regulamenta o Art. 37, inciso XXI da Constituição Federal, instituindo normas para licitações e contratos da Administração Pública. O Art. 24, da referida lei, em seu inciso IV, em situações definidas neste, dispensa a licitação para aquisição de bens e para a contratação de obras e serviços, os quais devem estar concluídos no prazo de 180 dias consecutivos e ininterruptos da ocorrência do fato que motivou a declaração de emergência ou Estado de Calamidade. O art. 89 do mesmo dispositivo legal tipifica o crime e sua pena no caso de dispensar licitação fora dos casos da Lei. Então a caracterização da Situação de Emergência ou Estado de Calamidade deve coadunar, de tal forma, com os requisitos legais e doutrinários para não conduzir o administrador à prática do fato típico, previsto nesse artigo. Disposições de caráter específico: Decretos e Atos Administrativos do Poder Público As praxes administrativas aplicáveis, tanto em situações de emergência como em estado de calamidade pública, estão fundamentadas no Decreto n.º 1080, de 8 de março de 1994, que regulamenta o FUNCAP. Destacamos as seguintes: - suprimento de recursos materiais disponíveis nos órgãos do SINDEC ou que possam ser adquiridos com recursos financeiros previstos em orçamento; 49 - transferência de recursos financeiros, previstos em orçamento, mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos previstos por bancos oficiais; - concessão de créditos subsidiados por bancos oficiais; - prorrogação de prazos para o pagamento de débitos a bancos oficiais. 3.1.3 Disposições legais aplicáveis exclusivamente a estado de calamidade pública Quando for decretado estado de calamidade pública, são aplicáveis todos os dispositivos citados anteriormente e mais os que serão apresentados no prosseguimento: Disposições de caráter genérico: Dispositivos Constitucionais Os artigos n.º 62, 136, 148 e 167, da Constituição Federal, são pertinentes ao estado de calamidade pública, no contexto de defesa civil. Decreto n.º 895/93 ............. Art.3º....... IV – estado de calamidade pública: o reconhecimento pelo poder público de situação anormal, provocada por desastre, causando sérios danos à comunidade afetada, inclusive à incolumidade ou à vida de seus integrantes. .......... 50 Art.14 – Na situação definida no inciso IV do Artigo 3º, ou na iminência de sua ocorrência, o Secretário de Políticas Regionais, ou autoridade a quem o Órgão Central do SEINDEC estiver subordinado, poderá requisitar temporariamente servidores de órgãos ou entidades integrantes do SINDEC, bem como contratar pessoal técnico especializado para a prestação de serviços eventuais nas ações de defesa civil, observando o disposto no Título VII da Lei n.º 8112, de 11 de dezembro de 1990. Parágrafo único – O servidor público requisitado na forma do “caput” deste artigo ficará à disposição do SINDEC, sem prejuízo do cargo ou função que ocupe e da remuneração e dos direitos respectivos, à conta do órgão cedente, não fazendo jus a retribuição ou gratificação especial, salvo recebimento de diárias e transporte, em caso de deslocamento. Art.15 – Para o cumprimento das responsabilidades que lhes são atribuídas neste Decreto, os órgãos e entidades públicos federais integrantes do SINDEC utilizarão recursos próprios, objeto de dotações orçamentárias específicas, as quais poderão ser suplementadas através da abertura de crédito extraordinário, na forma do art. 167, parágrafo 3º, da Constituição. ............ Fundo Especial para Calamidades Públicas (FUNCAP) O FUNCAP, regulamentado pelo Decreto n. 1.080/94, tem por objetivo financiar as ações de socorro, de assistência à população e reabilitação de áreas atingidas por calamidades públicas. Sua dotação no orçamento da União, aumenta a flexibilidade do SINDEC e reduz a necessidade de se recorrer com freqüência às medidas provisórias. 51 Art.1º - O Fundo Especial para Calamidades Públicas – FUNCAP, criado pelo Decreto-lei n.º 950, de 13 de outubro de 1969, e ratificado, nos termos do art. 36 do Ato das Disposições Transitórias, pelo Decreto Legislativo n.º 66, de 18 de dezembro de 1990, tem por finalidade financiar ações de socorro, de assistência à população e de reabilitação de áreas atingidas. Parágrafo único – As aplicações de recursos do FUNCAP destinam-se: a) suprimento de: 1. alimentos; 2. água potável; 3. medicamentos, material de penso, material de primeiros socorros e artigos de higiene individual e asseio corporal; 4. roupas e agasalhos; 5. material de estacionamento ou de abrigo, utensílios domésticos e outros; 6. material necessário à instalação e operacionalização e higienização de abrigos emergenciais; 7. combustível, óleo e lubrificantes; 8. equipamentos para resgate; 9. material de limpeza, desinfecção e saneamento básico emergencial; 10. apoio logístico às equipes empenhadas nas operações; 11. material de sepultamento; b) pagamento de serviços relacionados com: 1. desobstrução, desmonte de estruturas definitivamente danificadas e remoção de escombros; 2. restabelecimento emergencial essenciais; 3. outros serviços de terceiros; 4. transporte; dos serviços básicos 52 c) reembolso de despesas efetuadas por entidades públicas ou privadas prestadoras de serviços e socorros. Art. 2º - A condição para a aplicação dos recursos nas ações estabelecidas no artigo 1º deste Decreto é o reconhecimento do estado de calamidade pública pelo Governo Federal. Parágrafo único – O estado de calamidade pública, observados os critérios estabelecidos pelo Conselho Nacional de Defesa Civil – CONDEC, será reconhecido por portaria assinada pela autoridade a quem o Órgão Central do SINDEC estiver subordinado, à vista do decreto do Governador do Distrito Federal ou do Prefeito Municipal, homologado este pelo Governador do Estado. Desapropriação por Utilidade Pública O Decreto-lei n.º 3.365, de 21 de junho de 1941, é que dispõe sobre a desapropriação por utilidade pública. Examinemos alguns artigos pertinentes ao tema: Art.1º - A desapropriação por utilidade pública regular-se-á por esta lei, em todo o território nacional. Art.2º - Mediante declaração de utilidade pública, todos os bens poderão ser desapropriados pela União, pelos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios. Art.5º - Consideram-se casos de utilidade pública: ............ d) o socorro público em caso de calamidade; ............ Portanto, em caso de estado de calamidade pública, todos os bens poderão ser desapropriados pelos Municípios, Distrito Federal, Territórios, 53 Estados e/ou União, mediante declaração de utilidade pública, com a finalidade de facilitar as ações de resposta aos desastres e reconstrução. É desejável que, nessas oportunidades, sejam desapropriadas as áreas de riscos intensificados de desastres, para reduzir a necessidade de socorro público, quando da ocorrência dos próximos eventos adversos. Imposto sobre a Propriedade Rural – ITR O Decreto n.º 84865, de 6 de maio de 1990, regulamenta a Lei n.º 6746, de 10 de dezembro de 1979, que trata do Imposto sobre a Propriedade Rural, e dá outras providências. Art.13 – Nos casos de intempérie ou calamidade de que resulte frustração de safras ou destruição de pastos, o Ministério da Agricultura poderá determinar que o percentual de redução referido no art. 8º seja: a) calculado com base em dados do ano anterior ao da ocorrência; b) fixado genericamente para todos os imóveis que comprovadamente estejam situados na área da intempérie ou da calamidade. Parágrafo único: Nos casos de estado de calamidade pública, decretado pelo Poder Público Federal; ou Estadual, a redução de que trata o artigo 8º poderá ser de 90% (noventa por cento), desde que o imóvel tenha sido efetivamente atingido pelas causas determinantes daquela situação. A redução prevista no parágrafo único, do artigo 13 desse Decreto aplica-se aos casos em que o estado de calamidade pública, observados os critérios estabelecidos pelo CONDEC, foi reconhecido por portaria da autoridade administrativa a quem o Órgão Central do SINDEC estiver subordinado, à vista do 54 decreto do Governador do Distrito Federal ou do Prefeito Municipal, homologado este pelo Governador do Estado. O decreto pelo qual se declarar o estado de calamidade pública determinará o tempo de sua duração e especificará as áreas afetadas pelo desastre que o provocou. Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO A LDO, aprovada anualmente pelo Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente da República, trata das transferências de recursos da União para os Estados, Distrito Federal; e Municípios, na forma da legislação vigente, ressalvadas aquelas transferências destinadas a atender a estado de calamidade pública legalmente reconhecido por ato ministerial. Nos casos de estado de calamidade pública, a LDO estabelece que: - os municípios ficam isentos de apresentação de documentos comprobatórios de regularidade ( CND, CADIM, SIAFI etc.). - a isenção de contrapartida por parte do município aplica-se apenas às transferências de recursos destinados ao financiamento das ações de resposta aos desastres e de reconstrução. Código de Processo Civil Conforme o disposto nos arts. 177 e 182, do citado código, a decretação do Estado de Calamidade Pública poderá interferir nos prazos dos atos processuais inclusive os peremptórios, contribuindo para a lentidão da justiça, pois neste caso os prazos processuais poderão ser prorrogados pelo Juiz, no prazo superior a 60 dias. 55 3.2 Conseqüências Jurídicas da não observância dos preceitos doutrinários e Legais para a Decretação da Situação de emergência ou do Estado de Calamidade A inobservância dos preceitos doutrinários ou legais de Defesa Civil, que definem a ação Supletiva do Estado e/ou União nos Municípios assolados por desastres que configurem a situação de emergência ou estado de calamidade, ou destinação supletiva de recursos, a fim de atenderem obras preventivas, no intuito de prevenir ou minimizar as conseqüências danosas de eventos previsíveis, podem sujeitar a Administração Pública bem como os administradores às seguintes medidas jurídicas: Responsabilidade Civil do Estado A responsabilidade do Estado foi consagrada pela primeira vez no art. 194 da Constituição Federal de 1946, sendo confirmada e aperfeiçoada no § 6º do art. 37 da Carta Magna atual, impondo-lhe uma teoria extremamente rígida no que diz respeito ao dever indenizatório: As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. “Hoje a teoria dominante é a teoria da responsabilidade objetiva por risco. Em outras palavras, como o Estado mobiliza instrumentos de grande potencial lesivo, ao assim fazer, está ele de antemão assumindo o risco pelos danos que daí advenham. 56 A moderna teoria do risco administrativo, de Hely Lopes Meirelles23, faz surgir a obrigação de indenizar o dano do ato lesivo e injusto causado à vítima pela administração. “Aqui não se cogita de culpa da Administração ou de seus agentes, bastando que a vítima demonstre fato danoso e injusto ocasionado por ação ou omissão do Poder Público. Tal teoria, como o nome está a indicar, baseia-se no risco que a atividade pública gera para os administrados e na possibilidade de acarretar dano a certos membros da comunidade, impondo-lhes um ônus não suportado pelos demais. Para compensar essa desigualdade individual criada pela própria Administração, todos os outros componentes da coletividade devem concorrer para reparação do dano, através do erário, representado pela Fazenda Pública24. O risco e a solidariedade social são, pois, suporte desta doutrina que, por sua objetividade e partilha dos encargos, conduz à mais perfeita justiça distributiva”. A abrangência da responsabilidade civil do Estado atinge qualquer ato causador de dano. A redação constante do § 6º do art. 37 traz a palavra agente, que é denotadora de qualquer pessoa que pratica função pública, ainda que irregularmente investida, como é o caso de funcionário de fato; podemos, pois, afirmar que não resta ato provindo do Estado, nas suas diversas expressões, assim como pessoas privadas que cumprem função pública que não se encontre sancionada pela responsabilidade civil. Agente, ainda, é mesmo aquele servidor que extravase a sua competência. Não importa que tenha atuado abusivamente. Se o fez a 23 MEIRELLES, Hely Lopes. apud BASTOS, Celso Ribeiro, in Comentários à Constituição do Brasil São Paulo: Saraiva, 1992, p.171 24 A 3ª Câmara deste Pretório (TJSP), aos 26-05-1977, decidiu à unanimidade, Ap.n.260.146,Capital: “Responsabilidade civil do Estado. Inundação de casa decorrente de forte aguaceiro. Evento devido à falta de conservação de bueiros e galerias. Indenização devida pela Prefeitura Municipal. Tanto à doutrina como a jurisprudência dominante nos tribunais já assentaram que o Poder Público deve responder pelos danos sofridos pelos particulares, em razão do mau funcionamento dos serviços públicos”. (São Paulo, Revista dos Tribunais, 1985, v.3, p.132-5). 57 partir de uma situação que lhe propiciava a própria Administração, agente é. ...................... Há que se notar que hoje não se aceita mais a doutrina que fazia distinção entre atos de império e atos de gestão25. Como a reparação civil do Poder Público visa restabelecer o equilíbrio rompido com o dano causado individualmente a um ou alguns membros da comunidade, não há falar em indenização coletiva. ......................... Aqui os Poderes Públicos não são propriamente causadores do dano, visto que não há nexo de causalidade entre omissão e o surgimento do prejuízo. Verifica-se, tão-somente, que pela sua inércia a Administração possibilitou o dano. A sua não-atuação tornou-se uma condição para que o ato lesivo se consumasse. É bom frisar, no entretanto, que mesmo na teoria do risco é possível aos responsabilizados por ela fazerem prova de culpa ou dolo da vítima. Nestas hipóteses desaparece a responsabilidade administrativa, quer totalmente, no caso de a culpa ter sido exclusiva da vítima, quer concorrentemente, no caso de a culpa desta ter sido meramente parcial. A parte final do preceito sob comento assegura àqueles que respondem patrimonialmente nos seus termos um direito de regresso 25 Em acórdão unânime da 1ª Câmara decidiu nosso Tribunal de Justiça: “O que domina a nossa doutrina e jurisprudência atuais é o princípio da responsabilidade absoluta da pessoa jurídica de direito público interno pelos atos que, direta ou indiretamente, causem danos a terceiros, independentemente da consideração de se tratar de ato praticado jure imperi ou jure gestionis, e sem se cuidar, outrossim, se houve culpa dos prepostos da administração. Desde que o ato desta acarretou prejuízos a terceiros, sem que estes tenham concorrido exclusivamente para eles, impõe-se a sua responsabilidade pelo Poder Público”( RT, 238:163). 58 contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. Isto significa que aquelas hipóteses em que os Poderes Públicos e concessionários são condenados a reparar o dano, em sendo possível identificar um ou alguns servidores responsáveis por ele e tendo ainda estes agido com dolo ou culpa, deverão sofrer uma ação de regresso, isto é, ser acionados pelo agente responsável a fim de haver o ressarcimento da indenização paga. Essa ação de regresso só é cabível depois de ter havido a condenação dos Poderes Públicos ou concessionários26 Dever de Probidade O dever de probidade está constitucionalmente integrado na conduta do administrador público como elemento necessário à legitimidade de seus atos. O velho e esquecido conceito romano do “probus” e do “improbus” administrador público está presente na nossa legislação administrativa, como também na Constituição da República, (art. 37, § 4º), que pune a improbidade na Administração com sanções políticas, administrativas e penais, nos seguintes termos: “Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao Erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível“. No atual Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União (Lei 8.112/90), como nas demais normas que incidem sobre a conduta dos agentes públicos em geral, são encontradiças disposições coibitivas da improbidade no trato dos bens que lhes são confiados para gestão, sujeitando-os, pelo mau emprego ou dilapidação, a responsabilização administrativa, civil ou criminal, conforme o caso e a categoria do agente. A Lei n.º 8.429, de 2.6.92, dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de improbidade administrativa, que 26 BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil. Saraiva. São Paulo, 1992, 3º volume – tomo III, p.168 –187. 59 classifica em três espécies: a) os que importam enriquecimento ilícito (art.9º): b) os que causam prejuízo ao Erário (art.10); e c) os que atentam contra os princípios da Administração Pública (art.11). As sanções estão previstas no art. 12 e a lei determina que o Judiciário deve aplicá-las levando em conta a extensão do dano e o proveito patrimonial obtido pelo agente. Paralelamente a esse preceitos, a lei reguladora da ação popular (Lei 4.717/65), em conformidade com a instituição constitucional (art. 5º, LXXIII), explicitou os atos passíveis de anulação por esta via judicial, desde que ilegais e lesivos ao patrimônio público, assim considerados não só os das entidades estatais autárquicas como, também, os das fundacionais, paraestatais e até os dos estabelecimentos particulares subvencionados com dinheiro público. Assim, o ato administrativo praticado com lesão aos bens e interesses públicos também fica sujeito a invalidação pela própria Administração ou pelo Poder Judiciário, por vício de improbidade, que é uma ilegitimidade como as demais que nulificam a conduta do administrador público. Ao lado do dever de probidade e como seu complemento natural está sempre o dever de prestar contas27. Mandado de Segurança 27 MEIRELLES, Hely Lopes.. Direito Administrativo Brasileiro, 24. Ed.. São Paulo: Malheiros 1999, p. 92 e 93. 60 Previsto no Art. 5º, inciso LXIX, assim como na Lei Complementar n.º 1.533/51, confere aos indivíduos, admitindo-se também as entidades de direito público, instrumento legal para se defenderem de atos ilegais ou praticados como abuso de poder, por parte do poder público. Assim por exemplo, se reconhecido o Estado de Calamidade Pública, fica autorizada de acordo com o Art. 5º do Decreto Lei 3.365/41, a desapropriação por utilidade pública de qualquer bem. Suponhamos, a título ilustrativo, que o prefeito de determinado município queira que, com a decretação do Estado de Calamidade Pública devidamente reconhecido (antes já homologado pelo Governador do Estado) para atingir desafeto político, desaproprie-se sua propriedade. Assim o ato, embora eivado de forma legal, está totalmente contaminado pelo desvio de finalidade, podendo a partir da decretação do Estado de Calamidade pelo município, ser objeto de mandado de segurança o qual terá como autoridades coatoras, as responsáveis pela decretação, homologação e reconhecimento do Estado de Calamidade Pública. Da mesma forma, a declaração ou manifestação do não atendimento com recursos suplementares por parte do Estado e/ou União quando homologada e reconhecida a Situação Anormal (Situação de Emergência ou Estado de Calamidade), poderá acarretar mandado de segurança, pois, segundo os aspectos legais e doutrinários, não há de se contestar nestas situações a falta do atendimento, pois trata-se de direito líquido e certo, uma vez que não há dúvidas quanto a verdadeira situação de fato. Ação Popular 61 Prevista no Art. 5º LXXIII, da C.F., e regulamentada em nível infraconstitucional pela Lei 4.717/65, dá capacidade a qualquer cidadão em promovêla, por exemplo, no intuito de anular ato lesivo ao patrimônio público ou à moralidade pública. Para tanto entende-se como patrimônio público bens e direitos de valor econômico, artístico, estético ou histórico. Ressalta-se que o mandado de segurança não obsta a possibilidade da promoção da ação popular ( súmula 101 do STF). Assim, quando se destina recurso suplementar do Estado e/ou União, por intermédio da Defesa Civil, sem contudo observar a tipicidade legal e doutrinária que possibilita tal destinação, faz com que as autoridades públicas que promovem o atendimento dos petitórios municipais, bem como estes, fiquem sujeitos a fiscalização popular, através da citada ação. Para tanto, a documentação pertinente fica à disposição de qualquer cidadão, estando as entidades públicas obrigadas a fornecerem certidões e informações no prazo de 15 quinze dias, sendo que, no caso de desobediência estarão sujeitas às penas da Lei. Aliada a anulação do ato lesivo ou imoral, ocorrerá a responsabilização administrativa, ficando o Ministério Público obrigado a promover a devida responsabilização civil ou criminal das partes envolvidas, no caso contra as autoridades públicas, funcionários ou administradores que autorizaram, aprovaram, ratificaram ou praticaram o ato impugnado, ainda que por omissão, tiverem dado a oportunidade à lesão e contra os beneficiários diretos do mesmo. Ação Civil Pública Prevista na Lei n.º 7.347/85, responsabiliza sem prejuízo da ação popular os danos causados, por exemplo, ao patrimônio público que atinjam 62 qualquer interesse difuso28 ou coletivo29. Uma diferença entre a ação popular e a ação civil pública é que qualquer cidadão pode promover a primeira, já a segunda, só pode ser promovida pelos legitimados no Art. 5º da retrocitada Lei (Ministério Público, União, Estado, Município, Autarquia, Empresa Pública, Fundação, Sociedade de Economia Mista ou Associação, que esteja constituída pelo menos há um ano e inclua, entre as suas finalidades institucionais, a proteção ao Meio Ambiente, ao consumidor, ao patrimônio Artístico, Estético, Histórico, Turístico e Paisagístico ou a qualquer outro interesse difuso ou coletivo). Da mesma forma o atendimento descabido, em desacordo com a legislação e doutrina de Defesa Civil, aliado aos outros efeitos civis, criminais e administrativos, acarretará a anulação do ato. Por exemplo, o repasse de recurso suplementar do Estado e/ou União ao município através dos órgãos de Defesa Civil, sem contudo este não estar em situação legal que autorize o auxílio. Neste caso, poderá ser o ato jurídico alvo de uma Ação Civil Pública. Emprego Irregular de Verbas ou Rendas Públicas É um tipo penal, previsto no Art. 315 do Código Penal Brasileiro, que tem como objetivo manter os atos jurídicos que envolvam o Erário em consonância com a sua destinação legal. Assim, a destinação de recursos pela Defesa Civil em desacordo com a sua doutrina e legislação poderá desencadear fato típico previsto no citado dispositivo de Lei. Quando a autoridade praticante do ato lesivo ao Erário, for o Prefeito Municipal, deverá observar-se o contido no Art.1º, inciso III do DecretoLei n.º 210/67. 28 Interesse Difusos – Interesses que sejam titulares pessoas indetermindas e ligadas por uma circunstância de fato. 29 Interesse Coletivos – Interesses que sejam titulares grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si; ou com parte contrária por uma razão jurídica base. 63 CONCLUSÃO O desenvolvimento do tema “Defesa Civil – O Sistema Estadual e as Conseqüências Jurídicas da Decretação do Estado de Calamidade Pública” foi realizado por meio de pesquisa bibliográfica, onde se constatou que, apesar do não estabelecimento de critérios que efetivamente norteiem a análise do referido decreto, por parte do Governo Federal, as bases legais e doutrinárias adotadas 64 pela CEDEC têm dado o suporte técnico necessário para tal análise; constatouse, ainda, a excepcionalidade do ato homologatório e do reconhecimento do decreto municipal. Indicou-se o amparo legal para as atividades de Defesa Civil, bem como, a legislação que deve ser observada pelos gestores da coisa pública, de modo que os policiais militares, no desempenho de suas atividades junto à CEDEC, possam aperfeiçoar seus conhecimentos e os disponibilizarem não só no assessoramento que prestam ao Governador do Estado, mas também na orientação dada aos administradores públicos municipais, clientes do Sistema Estadual. A triste constatação de que, atualmente, 68 prefeitos estão sendo processados por improbidade administrativa e vários outros estão no Tribunal de Justiça tentando justificar a falta ou irregularidades em licitações levadas a efeito para a aquisição de bens ou serviços destinados ao atendimento de desastres, por si só evidencia a carência dos dirigentes municipais de uma orientação técnica e jurídica adequada. Por força de tal constatação, recomenda-se a análise deste trabalho monográfico pela CEDEC, dele extraindo-se os conceitos técnicos e jurídicos apresentados para a elaboração de manuais, impressos ou qualquer outro meio que possa ser utilizado com o escopo de orientar os dirigentes municipais, tendo em vista o desconhecimento da matéria pelos mesmos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS A FORÇA POLICIAL – São Paulo: IMESP, Revista n. 16, out/nov/dez. 1997. GIL, A,C., MARCONI, M.A. Metodologia Científica. São Paulo; Habra, 1996. 65 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1986. RUIZ, João Álvaro. Metodologia Científica. 1ª ed., Atlas, São Paulo. Atlas, 1978. ____Decreto n.º 40151, de 16 de junho de 1995. Reorganiza o Sistema Estadual de Defesa Civil e dá outras providências. DOE, 1995. ____Decreto n.º 40069, de 2 de maio de 1995. Autoriza a Coordenadoria Estadual de Defesa Civil – CEDEC, a celebrar convênios com municípios do Estado, objetivando a transferência de recursos financeiros destinados à execução de obras preventivas e de recuperação de defesa civil. DOE, 1995. JORNAL O ESTADO DE SÃO PAULO – MP vai apurar culpa de Estado e Prefeitura, São Paulo: 3 de março de 1999, p. 5. JORNAL O ESTADO DE SÃO PAULO – Ações Integradas podem pôr fim às enchentes na cidade, São Paulo: 8 de março de 1999, p. 5. BIBLIOGRAFIA BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil. Saraiva. São Paulo, 1992. BRASIL. Constituição Federal. DOU, 1988. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira de 1988, v. 1,São Paulo: Saraiva, 1990. 66 GOBBATO. Tito Alberto. Defesa Civil – Apostila. HORTA, Raul Machado. Tendências do Federalismo Brasileiro. Revista Brasileira de Estudos Poíticos, 28:11, apud FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira de 1988, v. 1,São Paulo: Saraiva, 1990. SECRETARIA DE DEFESA CIVIL. Manual para a Decretação de Situação de Emergência ou Estado de Calamidade Pública. Março, 1999. MEIRELLES, Hely Lopes.. Direito Administrativo Brasileiro, 24. Ed.. São Paulo: Malheiros 1999. RAMOS, Dr. Fábio Vidal, Defesa Civil, Apostila. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1985, v.3, p.132-5. SÃO PAULO. Constituição Estadual. São Paulo: DOE, 1989. ____. Decreto-lei n. 4.098, de 6 de fevereiro de 1942, define como encargos necessários à defesa da Pátria, os serviços de defesa passiva anti-aérea.Rio de Janeiro: DOU, 1942. ____. Decreto-lei n. 4.624, de 26 de agosto de 1942, cria o Serviço de Defesa Passiva Anti-Aérea e dá outras providências. Rio de Janeiro: DOU, 1942 ____. Decreto-lei n. 4.716, de 21 de setembro de 1942, dispõe sobre a criação e organização da Diretoria Nacional do Serviço de Defesa Passiva Anti-Aérea, com sede no Distrito Federal, e dá outras providências. Rio de Janeiro: DOU, 1942 ____. Decreto Lei n. 4.800, de 6 de outubro de 1942, torna obrigatório o ensino de defesa passiva e dá outras providências. Rio de Janeiro: DOU, 1942 ____. Decreto Lei n.5.861, de 30 de setembro de 1943, modifica a denominação do Serviço de Defesa Passiva Anti-Aérea e da respectiva Diretoria Nacional. Rio de Janeiro: DOU, 1943. ____. Decreto Lei n. 9.370, de 17 de junho de 1946, extingue o Serviço de Defesa Civil e dá outras providências. Rio de Janeiro: DOU, 1946 ____. Decreto Lei n. 200, de 25 de fevereiro de 1967, dispõe sobre a organização da Administração Federal, estabelece diretrizes para a Reforma da Administrativa e dá outras providências. Rio de Janeiro: DOU, 1967 ____. Decreto-lei n. 83.839, de 13 de agosto de 1979, dispõe sobre a estrutura básica do Ministério do Interior, e dá outras providências. Brasília: DOU, 1979. ____. Decreto n. 97.274, de 16 de dezembro de 1988, dispõe sobre a organização do Sistema Nacional de Defesa Civil (SINDEC), e dá outras providências. Brasília: DOU, 1988. 67 ____. Decreto n.895, de 16 de agosto de 1993, dispõe sobre a organização do Sistema Nacional de Defesa Civil ( SINDEC), e dá outras providências. Brasília: DOU, 1993 ____. Medida Provisória n. 886, de 30 de janeiro de 1995, dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios, e dá outras providências. Brasília: DOU, 1995 ____. Lei n. 9.649, de 27 de maio de 1998, dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios, e dá outras providências. Brasília: DOU n. 100, de 28 de maio de 1998 ____. Decreto n. 5.796, de 5 de março de 1975, reorganiza a Casa Militar do Gabinete do Governador. São Paulo: DOE, 1975 ____. Decreto n. 7550, de 9 de fevereiro de 1975, dispõe sobre o Sistema Estadual de Defesa Civil. São Paulo:: DOE, 1976 ____. 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