UNIDADE 7
DIFERENÇA E IDENTIDADE
E DIREITO À DIFERENÇA
Módulo 1 - Aspectos gerais da educação e das relações étnico-raciais
Unidade 7 – Diferença e identidade e direito à
diferença
Objetivos:
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Estabelecer relações entre igualdade e diferença e entre identidade e diferença
Apontar para as relações de poder como construtoras da igualdade e da diferença
Analisar o multiculturalismo à luz das relações de poder
Discutir o reconhecimento da diferença
Discutir o direito à diferença
1. Introdução
O direito à igualdade, se incontestável do ponto de vista dos direitos humanos e das leis convive, atualmente, com o direito à diferença. Somos diferentes e almejamos ter nosso direito de
sê-lo reconhecido por todos. Contudo, tanto o pensamento igualitarista quanto aquele que se
bate pelo direito à diferença nos reservam armadilhas se não os problematizarmos. Se, por um
lado, a igualdade universalista é um risco, justamente por desconsiderar as diferenças sociais
e culturais, por outro, a crença no direito à diferença pode se fundamentar na premissa de que
os seres humanos são naturalmente desiguais e podem ser tratados de forma desigual.
Ao que se sabe, e a historiografia recente sobre os totalitarismos europeus do
século XX tem ido nessa direção, os judeus não foram tratados daquela inconcebível forma pelo fato de serem considerados iguais a todos os seres humanos,
abstraídos de “todas as outras qualidades e relações específicas”. Ao contrário.
Foi precisamente pelo ódio à sua especificidade de “judeus” – à sua diferença.
Foi por heterofobia, por fobia à sua alteridade irredutível. E uma vez reconhecido
o fato bruto da alteridade, da diferença incomensurável, foi por desvalorização
da diferença reconhecida, cuja existência neste mesmo ato é reafirmada para ser
negada, expelida, exterminada. (PIERUCCI 2008: 22)
Muitos discursos de respeito à diferença são fundamentadores da segregação e, mesmo, do
racismo, fazendo da desigualdade de fato uma desigualdade de direito, comumente assentada
na ideia de uma desigualdade natural. Mas, é importante ter-se em conta que, apesar da mobilização da ideia de diferença nesse tipo de discurso levar à consequências humanisticamente
inaceitáveis, ela não é única. Na própria agenda de diferentes organizações sociais e grupos
políticos vemos hoje expressões como “direito à diferença” e “respeito às diferenças”. Igualdade e diferença não são conceitos que possam ser tratados em absoluto, sem que se considere
um e outro, do mesmo modo que identidade e diferença também não. Tratar das relações
entre igualdade e diferença e oferecer subsídios para que se problematize essas relações é o
objetivo desta unidade.
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Disciplina 2 - Identidade, Diferença e Racismo
2. Diferença, identidade e direito à diferença
Vive-se no mundo contemporâneo uma profusão de diferentes culturas, de diferentes identidades; muitas dessas surgem e desaparecem em uma velocidade singular, apontando, por vezes,
para seu caráter efêmero e circunstancial. Muitas outras logram maior perenidade, evidenciando o reconhecimento e o estabelecimento da diversidade cultural. De modo paradoxal,
essa mesma diversidade parece conviver com um desejo, por vezes, de sermos culturalmente
iguais, de nos identificarmos com as mesmas coisas. Não se pode negar o fato de que a televisão, por exemplo, exerce significativa influência na vida das pessoas. Pelo reconhecimento de
si no outro ou pelo desejo de identificação, quantas pessoas não se apresentam parecidas nos
modos de viver, agir, se vestir etc. com personagens das tramas de ficção, como as novelas.
Quantas vezes o figurino de um(a) protagonista não é incorporado por milhares de pessoas
que passam a se vestir de forma igual ou similar. Faça o exercício de observar o quão parecidas são as pessoas em seu modo de vestir indo a um shopping e olhando ao seu redor.
De uma perspectiva maior e mais global, os meios de comunicação transpuseram todas as
barreiras e, hoje, a velocidade das informações faz de exemplos que antes seriam regional ou
circunstancialmente isolados casos que transcendem países e culturas, apontando para uma
espécie de homogeneidade cultural. Eis o paradoxo! A convivência da diversidade cultural e
da diferença com a homogeneização cultural. Analisar essa contraposição tendo-se em conta
o multiculturalismo e suas ligações intrínsecas com as relações de poder parece-nos uma estratégia interessante.
Para Tomaz Tadeu da Silva, o multiculturalismo:
“transfere para o terreno político uma compreensão da diversidade cultural que esteve restrita, durante muito tempo, a campos especializados como o da Antropologia. Embora a própria Antropologia não deixasse de criar suas próprias relações de saber-poder, ela contribuiu
para tornar aceitável a ideia de que não se pode estabelecer uma hierarquia entre as culturas
humanas, de que todas as culturas são epistemológica e antropologicamente equivalentes.
Não é possível estabelecer nenhum critério transcendente pelo qual uma determinada cultura
possa ser julgada superior a outra. Nessa visão, as diversas culturas seriam o resultado das
diferentes formas pelas quais os variados grupos humanos, submetidos a diferentes condições
ambientais e históricas, realizam o potencial criativo que seria uma característica comum
de todo ser humano. As diferenças culturais seriam apenas a manifestação superficial de características humanas mais profundas. Os diferentes grupos culturais se tornariam igualados
por sua humanidade. Essa visão liberal ou humanista de multiculturalismo é questionada por
perspectivas que se poderiam caracterizar como mais políticas ou críticas. Nestas perspectivas, as diferenças culturais não podem ser concebidas separadamente de relações de poder. A
referência do multiculturalismo liberal a uma humanidade comum é rejeitada por fazer apelo
a uma essência, a um elemento transcendente, a uma característica fora da sociedade e da
história. Na perspectiva crítica não é apenas a diferença que é resultado de relações de poder,
mas a própria definição daquilo que pode ser definido como “humano”. A perspectiva crítica
de multiculturalismo está dividida, por sua vez, entre uma concepção pós-estruturalista e
uma concepção que se poderia chamar de “materialista”. Para a concepção pós-estruturalista,
a diferença é essencialmente um processo linguístico e discursivo. A diferença não pode ser
concebida fora dos processos linguísticos de significação. A diferença não é uma característica
cultural: ela é discursivamente produzida. Além disso, a diferença é sempre uma relação: não
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Módulo 1 - Aspectos gerais da educação e das relações étnico-raciais
se pode ser “diferente” de forma absoluta; é-se diferente relativamente a alguma coisa, considerada precisamente como “não diferente”. Mas essa “outra coisa” não é nenhum referente
absoluto, que exista fora do processo discursivo de significação: essa “outa coisa, o “não diferente”, também só faz sentido, só existe, na “relação de diferença” que a opõe ao “diferente”.
Na medida em que é uma relação social, o processo de significação que produz a “diferença”
se dá em conexão com relações de poder. São as relações de poder que fazem com que a “diferença” adquira um sinal, que o “diferente” seja avaliado negativamente relativamente ao “não
diferente”. Inversamente, se há sinal, se um dos termos da diferença é avaliado positivamente
(o “não diferente”) e o outro, negativamente (o “diferente”) é porque há poder. (...) Uma perspectiva mais “materialista”, em geral inspirada no marxismo, enfatiza, em troca, os processos
institucionais, econômicos, estruturais que estariam na base da produção dos processos de
discriminação e desigualdade baseados na diferença cultural. Assim, por exemplo, a análise
do racismo não pode ficar limitada a processos exclusivamente discursivos, mas deve examinar também (ou talvez principalmente) as estruturas institucionais e econômicas que estão na
sua base. O racismo não pode ser eliminado simplesmente através do combate a expressões
linguísticas racistas, mas deve incluir também o combate à discriminação racial no emprego,
na educação, na saúde”
Essa passagem do livro “Documentos de Identidade” nos auxilia a perceber, em parte, os principais percursos do pensamento multiculturalista e suas principais orientações e críticas. As
perspectivas críticas indicadas apontam para um entendimento, hoje, muito mais elaborado
do multiculturalismo, ligando, por um lado, à produção da diferença em meio às relações de
poder e, por outro, às estruturas institucionais e econômicas. Em sua perspectiva humanista,
o multiculturalismo, ainda que com premissas relevantes para a luta política dos grupos minoritários (entendidos como diferentes), a partir do momento em que lhes reconhece direitos,
não pode ser desvinculado das ideias de tolerância e respeito. Essas ideias, se aplicadas à interpretação das culturas e à análise da diferença carecem de uma problematização maior a seu
respeito, o que implica levá-las ao limite de sua interpretação. O significado de tolerância tal
qual o conhecemos remonta, pelo menos, ao século XVII, e estava ligado à ideia de suportar
algo ou alguém diferente de nossa cultura ou de nós mesmos. Voltaire ilustra, no Dicionário
filosófico, sua utilização: “Quando os romanos foram mestres da mais bela parte do mundo,
sabemos que eles toleraram todas as religiões”. Tolerar alguém em sua diferença implica
aceitar esse alguém em seus termos, como é. O sentimento de tolerância confere, àquele que
tolera, um lugar privilegiado na relação com o outro, um lugar estabelecido por uma relação
de poder, que evidencia, em geral, a “grandeza” do que tolera face à diferença do outro.
“Apesar de seu impulso aparentemente generoso, a ideia de tolerância, por exemplo, implica
também uma certa superioridade por parte de quem mostra “tolerância” Por outro lado, a
noção de “respeito” implica um certo essencialismo cultural, pelo qual as diferenças estão
sendo constantemente produzidas e reproduzidas através de relações de poder. As diferenças
não devem ser simplesmente respeitadas ou toleradas. Na medida em que elas estão sendo
constantemente feitas e refeitas, o que se deve focalizar são precisamente as relações de poder
que presidem sua produção.”(SILVA 2005: 86)
A tolerância e o respeito são conceitos sempre aplicados ao trato com a diferença.
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Disciplina 2 - Identidade, Diferença e Racismo
Somos todos iguais ou somos todos diferentes? Queremos ser iguais ou queremos
ser diferentes? Houve um tempo em que a resposta se abrigava, segura de si, no
primeiro termo da disjuntiva. Já faz um quarto de século, porém, que a resposta se
deslocou. A começar da segunda metade dos anos 70, passamos a nos ver envoltos
numa atmosfera cultural e ideológica inteiramente nova, na qual parece generalizar-se em ritmo acelerado e perturbador a consciência de que nós, os humanos,
somos diferentes de fato, porquanto temos cores diferentes na pele e nos olhos,
temos sexo e gênero diferentes além de preferências sexuais diferentes , somos diferentes na origem familiar e regional, nas tradições e nas lealdades, temos deuses
diferentes, diferentes hábitos e gostos, diferentes estilos ou falta de estilo; em suma,
somos portadores de pertenças culturais diferentes. Mas somos também diferentes
de direito. É o chamado “direito à diferença”, o direito à diferença cultural, o direito de ser, sendo diferente. The righttobe diferente!, é como se diz em inglês o
direito à diferença. Não queremos mais a igualdade, parece. Ou a queremos menos.
Motiva-nos muito mais, em nossas demandas, em nossa conduta, em nossas expectativas de futuro e projetos de vida compartilhada, o direito de sermos pessoal e
coletivamente diferentes uns dos outros. (PIERUCCI 2008: 07)
PARA REFLETIR
É possível engajar-se politicamente numa luta de direito à diferença
sem abrir mão da igualdade?As diferenças são naturais ou são
produzidas? Por que?
Considerações Finais
Pudemos observar nesta seção questões importantes no que se refere à ideia de diferença,
particularmente aquelas relacionadas à sua produção social e cultural. Ter ciência de que essa
construção é mediada por relações de poder e, também, informada pela relação dos indivíduos
com as estruturas institucionais e econômicas aporta maior complexidade ao entendimento
das diferenças. Esse entendimento nos leva a uma outra compreensão de ideias como a de
respeito e tolerância.
Referências
PIERUCCI, Antonio Flávio. Ciladas da diferença. São Paulo: Editora 34, 1999.
SILVA, Tomaz Tadeu da.Documentos de Identidade: uma introdução às teorias do currículo.
Belo Horizonte: Autêntica, 2005.
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