Pesquisa: O que é, porque se faz, como se faz e o que se espera. Caio Mário Castro de Castilho Instituto de Física – UFBA. VII SEMPPG – Novembro de 2006 Pesquisa (Houaiss): substantivo feminino 1 conjunto de atividades que têm por finalidade a descoberta de novos conhecimentos no domínio científico, literário, artístico etc. 2 investigação ou indagação minuciosa 3 exame de laboratório. Ciência: substantivo feminino 1 conhecimento atento e aprofundado de alguma coisa Ex.: ter c. das responsabilidades 1.1 esse conhecimento como informação, noção precisa; consciência Ex.: <c. do bem, do mal> <tomei c. das irregularidades administrativas> 1.2 conhecimento amplo adquirido via reflexão ou experiência Ex.: <a c. do bom convívio> <c. dos negócios> 2 processo racional us. pelo homem para se relacionar com a natureza e assim obter resultados que lhe sejam úteis Ex.: a c. da pesca 3 corpo de conhecimentos sistematizados que, adquiridos via observação, identificação, pesquisa e explicação de determinadas categorias de fenômenos e fatos, são formulados metódica e racionalmente Ex.: <homem de c.> <dedicar-se à c.> <os progressos da Porque a natureza da ciência é tão mal compreendida e porque não cientistas apresentam tanta dificuldade em compreender idéias científicas? Esta falta de compreensão parece estar ligada a um certo medo, com respeito à ciência, havendo mesmo uma certa hostilidade à ciência e aos seus resultados. Mas, afinal, o que é mesmo ciência? Ciência = Tecnologia? O mundo moderno, com seus recursos e utilidades, em grande parte resultado da investigação científica, leva a que, com freqüência, se faça a associação entre ciência e tecnologia. Na verdade, até o século XIX, a ciência não teve impacto significativo sobre a tecnologia. Tecnologia é a atividade mediante a qual se manipula a natureza, enquanto com a ciência se aprende sobre a natureza. A ciência produz idéias, enquanto a tecnologia produz objetos úteis. Ciência e tecnologia utilizam alguns procedimentos semelhantes: - observação sistemática; - formulação de hipóteses; - experimentação. Historicamente a tecnologia veio primeiro. A tecnologia começa com a produção de instrumentos de trabalho (ferramentas), que facilitam a ação do homem sobre a natureza e a sua sobrevivência. A tecnologia, no sentido de ser uma capacidade de gerar instrumentos de trabalho, chega a ser um critério de diferenciação entre homens e animais. A tecnologia é tão importante que a ela nos referimos, ainda que indiretamente, para falar da História do ser humano: - a idade da pedra; - a idade do bronze; - a idade do ferro; - ... - a era do conhecimento. A agricultura estava estabelecida (em algumas regiões) por volta de 7 000 AC, quando o homem começou a deixar a sua condição de simplesmente coletor/caçador. Por volta de 1 600 AC a técnica de produção de vidros era conhecida na região em que hoje se situa o Iraque. A produção de cobre era bem desenvolvida no Peru, por volta de 500 AC – mil anos antes da chegada dos espanhóis. Galileo 1564 – 1642 (que aperfeiçoou o telescópio) estava convicto de que o mesmo foi inventado por algum artesão de óculos, tendo isto ocorrido num processo de tentativa e erro. O parafuso e as engrenagens eram conhecidos à época da civilização clássica grega, tendo sido empregados por Aristóteles: 384 – 322 AC. A invenção da roda ilustra bem a diferença entre tecnologia e ciência. Porque a roda facilita o transporte de uma carga? A maior parte do esforço (trabalho) necessário ao transporte de uma carga resulta da dificuldade em superar o atrito entre o objeto a ser movido e a superfície de apoio. A introdução da roda reduz o atrito por duas razões: - a existência de um eixo, que é relativamente liso, reduz o atrito; - a roda possui um movimento de rotação. Esta compreensão, baseada na ciência, é desnecessária, tanto para a invenção da roda como para a avaliação da sua utilidade. A roda não era uma necessidade universal. A evidência de transporte com rodas data de cerca de 2 000 AC. Na América Central ela aparece só com os espanhóis. No sul da África a roda aparece só nos tempos modernos (após as grandes navegações). A tecnologia é gerada em razão da necessidade. Diferentes tecnologias surgiram em diferentes pontos da Terra e em diferentes momentos históricos. A tecnologia, para o seu desenvolvimento, não requer uma explicação, baseando-se assim, em muito, no senso comum. Cozinhar é uma ciência? Ao cozinhar fazemos testes, observamos, repetimos, alteramos, provamos, fazemos hipóteses sobre com apurar ou reduzir um ou outro sabor, .... Até livros e revistas especializadas no tema existem! Não há (ou usualmente não se faz), no entanto, uma teoria. Não há uma construção racional sobre o ato de cozinhar. Apenas experimentamos, num processo de tentativa e erro, na busca do melhor sabor, e de repetição, nos casos de sucesso.. APENAS? Ciência: Onde tudo começou? A ciência teve origem apenas uma vez na História e em apenas um local: A Grécia. A razão para isto ter sido assim não é absolutamente clara! Thales de Mileto – c.620 – c.555 AC. O primeiro (pelo menos ao que se sabe) a tentar explicar o mundo não a partir de mitos, mas em termos concretos, estes portanto sujeitos à verificação. Pergunta básica de Thales: De que era constituído o mundo? Resposta: Água. Claro que a água está presente na chuva, nas nuvens, nos rios, é essencial à vida, ... Sabemos todos que esta resposta, além de simplista, está errada. O que então há de importante na tentativa de Thales de explicar a constituição de todas as coisas a partir da água? A tentativa de encontrar uma unidade fundamental na natureza. A resposta, ainda que errônea, encerra uma atitude, diante da natureza, muito importante: a de que, sub-jacente às várias formas e materiais existentes na natureza, há a possibilidade de se buscar encontrar um princípio unificador. A possibilidade de encarar a natureza numa perspectiva objetiva e crítica tinha assim começado. Anaximander (611 – 547 AC) achava que a substância fundamental, em lugar da água, seria o ar. Temos aí um novo e essencial ingrediente à prática científica diante da natureza: a proposta e a contra-proposta – o confronto entre idéias opostas. Faltava, no entanto, um outro ingrediente fundamental: O EXPERIMENTO! Com Thales, e mais tarde os gregos, ocorre a transição na atitude de deixar de explicar as coisas a partir de mitos, mas sim a partir de exposições, que eram em si auto-consistentes e abertas a uma análise crítica. Na Grécia a atitude científica é emblematicamente representada por Aristóteles. As suas contribuições em Astronomia, Anatomia, Biologia e Comportamento Animal foram de grande importância. Resta de pouca importância o fato de que muitas das suas explicações estivessem erradas. Estar errado é uma característica constante do fazer ciência. A contribuição de Aristóteles (Escola Peripatética) é expressiva e, para muitos, representa simbolicamente o que de mais importante houve em Ciência na Grécia Antiga. Aristóteles introduz a noção de causa em dois sentidos: - causa como algo que influencia (ou determina) outra coisa; - causa no sentido de que serve a um certo fim. Porque os patos possuem patas com membranas? Para nadar! Explanação Teleológica: substantivo feminino Rubrica: filosofia. 1 qualquer doutrina que identifica a presença de metas, fins ou objetivos últimos guiando a natureza e a humanidade, considerando a finalidade como o princípio explicativo fundamental na organização e nas transformações de todos os seres da realidade; teleologismo, finalismo 1.1 doutrina inerente ao aristotelismo e a seus desdobramentos, fundamentada na idéia de que tanto os múltiplos seres existentes, quanto o universo como um todo direcionam-se em última instância a uma finalidade que, por transcender a realidade material, é inalcançável de maneira plena ou permanente O mundo de Aristóteles era composto por: - terra - fogo - ar - água Cada um destes componentes possuiria duas de quatro qualidades primárias: - Umidade - Secura - Frieza - Quentura Aristóteles nunca chegou, no entanto, a um requisito fundamental da atitude científica: o experimento relacionado à teoria. Não obstante estabeleceu bases para o que mais tarde se veio a denominar de experimento pensado. A Mecânica de Aristóteles. Força constante para um movimento em velocidade constante. E o movimento dos astros? Resposta: Matéria celeste distinta da matéria existente na Terra. Queda dos corpos Um corpo mais pesado cai mais rápido. Isto é verdade? Observação de Galileo: “Duvido que Aristóteles tenha testado, pela experimentação, que um corpo dez vezes mais pesado que outro caia de tal modo que difiram, na mesma proporção, na velocidade com que chegam ao solo. E a praça onde fica a Torre de Pisa foi o cenário para mostrar que as coisas não se passavam do modo que Aristóteles dizia. Resumo Tecnologia e Ciência, ainda que hoje muito relacionadas não são a mesma coisa. Nem nos seus objetivos nem nas suas relações históricas. Enquanto a tecnologia desenvolveu-se em várias partes do mundo, a Ciência tem uma única origem: A Grécia. Diferentemente da Tecnologia, a Ciência exige uma Teoria para justificar as suas afirmativas. A Ciência (atitude científica) tem como características: Elemento(s) unificador (es) na formulação das suas explicações. Utiliza a observação, a descrição e a experimentação. Nisto, ciência e tecnologia, apresentam características comuns. Mas, afinal de contas, Ciência é algo bom ou ruim? Porque pesquisar? O que leva as pessoas e as instituições a realizarem pesquisas? Utilidade: - Entender as doenças. - Compreender melhor os fenômenos da natureza e assim fazer melhor uso dos fenômenos e dos recursos naturais. - Construir melhor (edificações, dispositivos eletrônicos, aperfeiçoar meios de transporte, ....) Pesquisa voltada para o bem estar das pessoas. Sempre para o bem estar? Claro que há o poder! Esta motivação para a pesquisa, isto é, uma pesquisa voltada para uma possibilidade de retorno, é relativamente recente. Como vimos, só a partir do século XIX a ciência passou a contribuir mais significativamente para com a tecnologia. Aristóteles achava que a ciência não oferecia outro retorno além da satisfação intelectual. A situação atual, e mesmo o exame da História, mostra que esta é uma visão bastante romântica. O conhecimento (seja conhecimento científico ou conhecimento tecnológico) sempre foi, ao longo da História, utilizado como instrumento de poder. Exemplos de relação entre conhecimento e poder: Os sacerdotes egípcios e os Faraós. Qual a razão das Universidades Brasileiras terem sido criadas tão tardiamente? Os portugueses não eram tolos... A pesquisa que hoje se realiza em empresas é, na sua quase totalidade, objeto de segredo. Nos Estados Unidos da América, à época da escravidão, haviam penas pesadas, reservadas a quem ensinasse um escravo a ler. 1828: Frederick Bayley – menino, negro, arrancado dos braços da mãe, vendido para uma cidade desconhecida: Baltimore. Passa a viver e trabalhar como doméstico na casa do Capitão Hugh Auld. Interessa-se pelos livros do filho do casal. A esposa do capitão (talvez por desconhecer a proibição), auxilia o garoto. O fato chega ao conhecimento do Capitão que, de imediato, proíbe as lições dizendo à mulher: “Um preto deve saber apenas obedecer ao seu senhor – deve cumprir as ordens. O conhecimento estragaria o melhor preto do mundo. Se você ensinar este preto a ler não poderemos ficar com ele. Isso o inutilizaria para sempre como escravo”. O Capitão Auld estava certo numa coisa: O conhecimento inutiliza as pessoas para continuarem a ser escravos! Curiosidade Pesquisa sem vínculo previsível com a utilidade, com a consecução de um produto. Matemática, Astronomia, Astrofísica, Antropologia, Lingüística, Línguas em processo de Extinção, ... Há exemplos (vários) de produtos e processos que advieram de pesquisas inicialmente “desinteressadas”. Pesquisa: O que é, porque se faz, como se faz e o que se espera. Parte II Caio Mário Castro de Castilho Instituto de Física – UFBA. VII SEMPPG – Novembro de 2006 No processo investigativo algumas características e práticas podem ser observadas. A autoridade em ciência. O cientista rejeita, de partida, a autoridade como base última da verdade. Neste aspecto há uma atitude bem distinta do homem enquanto cientista para o homem enquanto religioso. Ainda que utilizando fatos, princípios, dados, etc, produzidos por outros, o cientista reserva a si a decisão sobre a validade, a adequação e a confiabilidade dos resultados. Muitas vezes é seu dever central repetir e testar os resultados de outros, desde que ache necessário ou desejável. O que dá validade ao resultado do trabalho científico? A contrapartida à autoridade individual do cientista é o julgamento coletivo por parte de outros cientistas. É esta concordância coletiva que dá validade ao trabalho individual. O trabalho de outros cientistas, por também testarem, medirem, compararem e racionalmente chegarem a conclusões semelhantes, é o elemento que valida uma conclusão científica. Isto não impede que, às vezes, todos estejam errados e assim permaneçam por longo tempo. “A Ciência está longe de ser um instrumento perfeito de conhecimento. É apenas o melhor que temos”. Carl Sagan, em “O Mundo Assombrado pelos Demônios”. A atividade em Ciência começa com a Observação. A observação implica em seleção. Esta é uma questão temática (o que vai ser observado), mas também de escala (dimensão). Uma floresta pode ser observada como uma floresta, mas não tão facilmente como cem mil árvores. Uma árvore pode ser observada no seu todo mas não tão facilmente como milhares de folhas. Procede-se portanto, diferentemente, se o objeto de estudo é a floresta ou a árvore. Isto resulta de qual é o interesse no objeto de estudo e também da limitação humana. A observação conduz à descrição. Há aqui a necessidade de uma linguagem concisa, específica e adequada. Definições precisas são essenciais, de modo que o que é dito por um cientista signifique o mesmo para outro cientista da mesma área. Isto às vezes soa como pedantismo. Contudo, cada termo possui significado específico para as observações realizadas. A precisão da linguagem é um dos elementos que diferenciam o conhecimento científico do conhecimento vulgar. A observação leva à descrição e esta exige a existência de registros. O registro não é o registro na memória do pesquisador. A memória humana é falha demais para ser confiável numa atividade de pesquisa. Registra-se mediante: - caderno de laboratório (“log-book”); - um gravador; - um sistema eletrônico de aquisição de dados. Simples ou sofisticado, antigo ou moderno, o registro do que se observa é parte essencial da investigação. No observar e no descrever há, inevitavelmente, componentes pessoais do investigador: - a “inclinação” escola de pensamento, preconceitos, ... - os resultados “desejados”. Não há neutralidade absoluta por parte do cientista. A despeito disto, sugerir “não isenção” e préjulgamento, resta inevitável e até mesmo desejável (não deve ser confundido com fraude na observação). Há que se ter uma hipótese anterior. De outra forma, como saber o que se vai observar? O fundamental é que as condições de observação sejam adequadas, de modo que os “desejos” do observador não distorçam as observações. A melhor garantia de que os desejos e vícios de um pesquisador não comprometam as suas conclusões é que outros pesquisadores repitam e confirmem/neguem as suas conclusões. Neste sentido, o pesquisador, enquanto tal, nunca teme (mas até deseja) que outros verifiquem os seus resultados. Não sejamos, no entanto, ingênuos: O pesquisador deseja ser o primeiro a descobrir algo. Exatamente isto, deseja. E o deseja fortemente! A vaidade é ingrediente sempre presente no dia-adia da atividade científica. A descrição não pode ser apenas qualitativa. Precisa, de alguma forma, ser traduzida em números (análise quantitativa). Lord Kelvin dizia que uma ciência que não pode ser traduzida em números não é ciência. Assim, é necessário medir. Produzir números. Mas, o que é medir? Medir é comparar quantidades da mesma espécie. Não é, no entanto, igualmente fácil de medir os vários objetos de estudo. Dificuldades na Medicina. Dificuldades nas Ciências Humanas. A medida não pode ser realizada exclusivamente confiando-se nos órgãos dos sentidos. É necessário o uso de instrumentos na observação. Os instrumentos estão sujeitos a testes, calibração, níveis de confiabilidade, etc. Neste sentido, o papel de instrumentos, simples ou sofisticados, é o mesmo. Causa e Efeito Estritamente falando um evento é único. Não pode assim ser observado de novo. Em termos práticos, no entanto, vários eventos podem apresentar entre si similaridades, em um grau que os tornam “idênticos”, sendo assim possível que sejam tratados de modo similar. Podem ser então provocados, repetidos várias vezes, e então lhes ser aplicados um tratamento estatístico. Há eventos que se sucedem. Ocorrendo um, um outro ocorre em seguida. Neste caso, muitas vezes, o primeiro é dito causa do segundo ou, de outra forma, o segundo é efeito do primeiro. A sucessão entre eles não é, no entanto, suficiente para a sua caracterização como causa e efeito. Um mesmo evento pode ser conseqüência de distintas causas. Em Ciência (Ciências Naturais, pelo menos) buscamos, no estudo de um fenômeno: 1. O conhecimento – no sentido da existência do mesmo. 2. O descrever 3. O controlar (nem sempre possível) 4. O predizer Isto constituiria a “explicação”de um fenômeno. Se uma conexão entre eventos é percebida, de modo que: Se um evento se realiza (ou é provocado) e o outro necessariamente se segue, e Se o primeiro não ocorrendo (ou não se permitindo a sua ocorrência), o segundo também não acontece: O primeiro evento é dito causa do segundo. Análise e Síntese Qualquer fenômeno é suficientemente complexo para que possa ser explicado em completo detalhe. Assim: Ignoramos uma série de aspectos do evento e discutimos uma versão idealizada do mesmo. Quão adequada é esta versão depende: Da precisão que se deseja na análise; Da possibilidade de, de fato, ser factível conceber esta versão de modo que a mesma faça sentido. Neste contexto, portanto, mesmo as Ciências ditas Exatas, são de fato: Ciências Aproximadas. Além da necessidade da “versão idealizada”, muitas vezes temos de “quebrar” o objeto de estudo em partes para que se proceda um tratamento em separado. É necessário ANALISAR o problema. A possibilidade da análise depende da existência ou não de partes aproximadamente independentes ou, no máximo, interagentes entre si de uma maneira relativamente simples. Exemplo: O funcionamento do organismo dos animais pode ser feito considerando: O sistema circulatório; O sistema digestivo; O sistema respiratório; O sistema urinário; Etc. Estes sistemas, claro, não são completamente independentes! Quando as partes do problema foram resolvidas é necessário, é necessário considerar o “funcionamento coletivo”. Aproxima-se portanto da situação “real” mediante a síntese das partes relativamente mais simples. Para que o resultado da síntese guarde semelhança com o fenômeno concreto, é necessário que as interações entre as partes tenham sido adequadamente consideradas. Após a seleção, a observação e a descrição do objeto de estudo, é necessário: Formular a Hipótese, i. e., a idéia tentativa de conexão entre os fenômenos observados. A seqüência referida, na verdade, não é cronológica. A hipótese, às vezes, antecede às observações ou é construída simultaneamente com elas. Hipóteses diferem em engenhosidade e criatividade. Às vezes são meras generalizações das observações. Outras, mais complexas, postulam conexões entre eventos e o encadeamento entre causas e efeitos. Há, e isto é freqüente, casos em que o resultado da pesquisa é a negação da hipótese. E, mesmo esta conclusão, a de que a pesquisa resulta na negação da hipótese, tem valor científico. A qualidade, a criatividade e mesmo a “genialidade” do cientista tem a sua melhor oportunidade de manifestar-se justamente na formulação da hipótese. A possibilidade de formular hipóteses resulta da suposição de que há, “alguma ordem” na natureza. Se duas hipóteses distintas são igualmente adequadas às observações, usualmente se faz a opção pela mais simples (pelo menos até que algo venha a sugerir o contrário). Não há razão para assim ser, mas é o que usualmente se faz. A hipótese é apenas uma idéia tentativa. Uma possibilidade a ser verificada. Pouco mais que uma conjectura. Não pode ser confundida com uma Lei, pelo menos enquanto não for exaustiva e sistematicamente testada. Em algumas áreas (Ciências Sociais e Medicina, por exemplo) tem sido freqüente o abreviamento desta “fase de testes”, com conseqüências às vezes trágicas. Plausibilidade não pode ser confundida com evidência! O método básico da ciência é a generalização, i. e.: INDUÇÃO Indução – operação mental que consiste em se estabelecer uma verdade universal, ou uma proposição geral, com base no conhecimento de certo número de dados singulares ou de proposições de menor generalidade. Neste processo, retiramos conclusões sobre toda uma classe a partir da observação de parte dos seus membros. Não é fácil justificar a indução, do ponto de vista filosófico, no entanto é prática corrente entre os humanos. Não encontramos, facilmente, pessoas que esperem que amanhã a Lei da Gravidade deixará de funcionar. Funciona há tempos, funcionou ontem, funciona hoje. Deverá funcionar amanhã! Dedução. Dedução – Processo pelo qual, com base em uma ou mais premissas, se chega a uma conclusão necessária, em virtude da correta aplicação das Regras da Lógica. A - Todos os corpos celestes próximos à Terra brilham continuamente (não “piscam”) B – Todos os planetas são corpos próximos da Terra. Logo: Todos os planetas são corpos que brilham continuamente. Quando uma hipótese é concebida e se mostra adequada às observações realizadas, torna-se possível a aplicação das regras da Lógica Formal e então deduzir várias conseqüências. Lógica e Matemática estão intimamente relacionadas. Em muitos ramos da Ciência formas de Matemática existem e são adequadas para deduzir as conseqüências das observações científicas. Se isto acontece, pode-se usar o grande potencial da notação matemática e dos seus métodos. Isto permite que deduções sejam feitas de forma mais simples. A Ciência é mais do que um corpo de conhecimento. É um modo de pensar. Pesquisa: O que é, porque se faz, como se faz e o que se espera. Parte III Caio Mário Castro de Castilho Instituto de Física – UFBA. VII SEMPPG – Novembro de 2006 PESQUISA Porque? Para que? Compreensão do ser humano sobre o que se passa ao redor (em história, em oportunidades, em recursos), vez que o que se passa ao redor é, provavelmente, universalmente único. Necessidade, conveniência e possibilidade da ciência e da tecnologia de contribuírem para o progresso do ser humano, na sua dimensão mais ampla. Dimensão Social Dimensão Histórica Dimensão Econômica A tecnologia na verdade, historicamente, antecede a ciência, e não ao contrário. Contudo, a realidade de hoje exige tecnologia, conhecimento, no sentido de agregar valor, competitividade aos produtos, aos processos, às empresas, às pessoas ... Como? Recursos humanos competentes Desta maneira, este é o primeiro nó a ser desatado. Recursos materiais Equipamentos, material de consumo, manutenção, etc Regularidade no aporte, PREVISIBILIDADE e simplificação de procedimentos. A atividade de pesquisa requer uma liderança científica. A atividade sistemática e regular de investigação não é portanto um processo anárquico. Caráter gregário da pesquisa: grupos de pesquisa. Cada dia mais, são mais raros os exemplos de publicações científicas com um único autor. Quem fornece o “selo de qualidade” à pesquisa? Ainda não inventaram um mecanismo melhor que o da avaliação por pares. Pareceres, árbitros de publicações conceituadas, patentes, livros e as editoras que os publicam, etc A contrapartida à autoridade individual do cientista é o julgamento coletivo por parte de outros cientistas. É esta concordância coletiva que dá validade ao trabalho individual. O trabalho de outros cientistas, por também testarem, medirem, compararem e racionalmente chegarem a conclusões semelhantes, é o elemento que valida uma conclusão científica. Acontece que quem confere o selo de qualidade (outros cientistas), não é quem decide sobre o financiamento da pesquisa (os gestores de C & T). Qual o papel do gestor de C & T ? Que perfil deve ter este gestor? Que critérios deve adotar ao decidir? Não basta que os políticos e os gestores públicos sejam honestos e bem intencionados quando decidem sobre o que, e em que intensidade, pretendem financiar a pesquisa. Afinal de contas eles não praticam a pesquisa e é natural que assim seja. Não podem, no entanto, dispensar a opinião de quem entende (de quem “é do ramo”), se querem decidir bem. Exemplo do Egito. Qual o critério de prioridades que deve ser adotado pelo gestor? Prioridade 1: A pesquisa prioritária é a pesquisa de qualidade. Há riscos, e sérios, quando o interesse econômico, aplicabilidade imediata, possibilidades de “spin off”, .... , passam à frente dos critérios de qualidade. Mas há o reverso. Os recursos públicos previstos para aplicação em pesquisa não são recursos dos cientistas! São recursos do contribuinte que, uma vez destinados para a pesquisa, deixaram de ir para outras atividades também importantes: educação fundamental, infraestrutura, assistência materno-infantil, .... Mecanismos de avaliação são pois imprescindíveis! O cientista realmente produtivo deseja, ou deve sempre desejar, que o seu trabalho seja avaliado. Contínua e sistematicamente. Não há pois razão para que atividade do cientista não deva ser cuidadosamente também avaliada no que concerne ao uso, o mais eficiente e eficaz possível, dos recursos investidos na sua realização. Em 1889 (Proclamação da República) tínhamos apenas 5 Faculdades: Duas de Direito; Duas de Medicina; Uma Politécnica. Nenhuma delas com atividade de pesquisa regular ou semelhança de uma estrutura universitária, no sentido que a compreendemos atualmente. A Universidade Brasileira foi criada, no papel, por Epitácio Pessoa, com o objetivo de conceder o título de Doutor Honoris Causa a um soberano europeu. A primeira universidade criada no Brasil (no sentido moderno) data de 1934. Neste mesmo ano foi promulgada uma constituição, com caráter inovador (possuía já um capítulo sobre a ordem econômica e social e sobre a família), mas não havia nela referência à atividade de pesquisa. O mesmo ocorre com a constituição de 1946. O número de cientistas no Brasil, à época, era muito pequeno. Criação da SBPC em 1947 A atividade de pesquisa no Brasil não tem início nas universidades mas sim nos institutos de pesquisa. Este início está sempre associado a pragas: Praga em Santos e Instituto Butantã: 1889 Febre Amarela no Rio de Janeiro e Instituto Osvaldo Cruz: 1900 Broca do Café e Instituto Biológico em São Paulo. No plano federal as primeiras ações mais efetivas com respeito a Ciência e Tecnologia ocorrem no segundo Governo Vargas: Criação do CNPq; Criação da CAPES; Investimentos em pesquisa em Física Nuclear (tema altamente estratégico à época) Onde se realiza a pesquisa? Qual o seu papel institucional? Universidades Institutos de Pesquisa Empresas Como a pesquisa é conduzida? Por grupos de pesquisa. A realização da pesquisa tem um caráter gregário. Gregário: adjetivo 1 relativo a grei 2 diz-se de animal que faz parte de uma grei, de um rebanho 3 que tende a viver em bando Quais são as agências brasileiras de financiamento à pesquisa? Como os recursos públicos chegam aos pesquisadores, instituições e estudantes? CNPq, CAPES, FINEP, MCT, FAPs, FAPESB, ... O que vem a ser tudo isto? Com o fim da II Guerra mundial, uma série de fatos contribuiu para uma reorganização da atividade de pesquisa no Brasil: Queda da ditadura Vargas; A crise européia e a ascensão dos EUA como potência dominante; A dualidade leste-oeste na política mundial; Uma maior inserção do Brasil no cenário mundial e o surgimento de propostas “nacionalistas”; CNPq Conselho Nacional de Pesquisa Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico Criado pela Lei 1.310, de 15/01/1951. Como opera o CNPq? Ação direta junto ao pesquisador; Editais Bolsas, Taxas de bancada, ... CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Ensino Superior Fundação CAPES Criada em 1951 Evolução do papel da CAPES Avaliação dos Cursos de Pós-graduação BNDES e FINEP BNDE – Início do fomento por agência do sistema bancário do Governo Federal BNDES FINEP – Financiadora de Estudos e Projetos FNDCT FAPs Fundação para o Desenvolvimento das Ciências FAPESP FAPESB Com as constituições de 1947, são previstas Fundações de Amparo à Pesquisa nos Estados da Bahia e de São Paulo. A Fundação para o desenvolvimento da Ciência (Bahia) funciona até a década de 60. A FAPESP, prevista em Lei de 1947, passa a funcionar na década de 60, sendo hoje a fundação, deste tipo, referência para o país. Outras FAPs são posteriormente criadas: FAPEMIG, FAPERGS, FAPERJ. Com as constituições estaduais de 1989, há um movimento nacional para criação de FAPs em outros estados: FACEPE, FAPEAL, FAPEMA, FUNCAP, ... Sucesso relativo! Persistem problemas de recursos liberados abaixo do previsto em Lei, dificuldades operacionais, processo decisório inadequado, etc. Nas décadas de 60, 70 e 80 alguns fatos contribuíram para mudar significativamente a situação da pesquisa no Nordeste Brasileiro: Institucionalização da Pós-graduação no Brasil; Criação da EMBRAPA; Criação de várias universidades; Investimentos maciços em alguns centros (Física da UFPE e Geofísica da UFBA, Engenharias na UFPb, por exemplo); Fluxo de estudantes do Nordeste em direção ao Sul para Mestrado e Doutorado (neste caso também para o exterior); Programa de recursos humanos da SUDENE. Nº de Cursos segundo as regiões, 1996-2004. Região MESTRADO Sudeste Sul Nordeste Centro-Oeste Norte Total % Distribuição % dos cursos de MESTRADO segundo as regiões 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 2 5 14 15 3 6 16 63 55 1996 2004(maio) 20 Sudeste Sul Nordeste Centro-Oeste Norte 1996 685 166 155 53 24 1.083 2004 (21/maio) 1.076 384 305 126 68 1.959 Taxa Geométrica (% aa 1/ ) 6,3 12,0 9,6 12,4 15,1 8,3 Porcentagens 1996 2004 (21/maio) 63,3 15,3 14,3 4,9 2,2 100,0 54,9 19,6 15,6 6,4 3,5 100,0 1/ Prazo: 7 anos e 5 meses. Fonte: CAPES/MEC. Nº de Cursos segundo as regiões, 1996-2004. Região Sudeste Sul Nordeste Centro-Oeste Norte Total DOUTORADO 1 2 4 9 90 80 2 4 10 17 70 % 60 50 83 40 67 30 20 10 0 1996 Sudeste Sul Nordeste 2004(maio) Centro-Oeste 450 50 22 12 7 541 2004 (21/maio) 689 177 107 42 19 1.034 (% aa 1/ ) 5,9 18,6 23,8 18,4 14,4 9,1 Porcentagens 1996 2004 (21/maio) 83,2 9,2 4,1 2,2 1,3 100,0 66,6 17,1 10,3 4,1 1,8 100,0 1/ Prazo: 7 anos e 5 meses. Fonte: CAPES/MEC. Distribuição % dos cursos de DOUTORADO segundo as regiões 100 1996 Taxa Geométrica Norte Há assim um aumento expressivo dos recursos humanos para a pesquisa no Nordeste. CRISE DOS ANOS 80-90! Centros ainda não completamente consolidados começam a “patinar”! A redemocratização do país trouxe não apenas a possibilidade de Eleições Diretas! O país foi posto diante de um processo de competição e de abertura econômica. A mão de obra barata deixou de ser uma vantagem comparativa para o país no seu processo competitivo com outras nações. O preço das “commodities” despencou, os subsídios à produção foram reduzidos e CONHECIMENTO passou a ser componente importantíssimo na agregação de valor aos produtos e processos. A crise do petróleo “criou” o carro a álcool, já que temos terras e cana. É necessário produzir mais soja por hectare, hectares estes disponíveis no serrado, onde o solo é ácido. As sementes americanas aqui não servem. Temos que ir buscar petróleo onde ele existe: abaixo de mil metros de lâmina de água. Para exportar carne esta tem que satisfazer aos padrões sanitários dos compradores. Abaixo a aftosa! As cidades não param de crescer e os problemas urbanos idem. São Paulo precisa parar (de crescer)! As desigualdades regionais chegaram a um nível que compromete a unidade política do país. Precisamos de políticas regionais. Somos um país. Somos um povo? De onde viemos exatamente? Quem somos? Europeus, negros, índios? Ou tudo isto? Onde está a nossa História? Estas e outras perguntas demandam respostas que exigem pesquisa. E pesquisa custa dinheiro. Como pagar por isto? Novos mecanismos de financiamento são necessários ou apenas mais recursos? Fundos setoriais? Um novo CNPq? As FAPs são uma solução? Fomos capazes de levar a pesquisa aos campos, agrícola e de petróleo. Seremos capazes de colocá-la nas fábricas? Neste novo modelo de financiamento, forçado por questões do tipo citado trazem novos condicionamentos e novos problemas: Editais excessivamente direcionados a uma parceria Universidade-Indústria, uma prática ainda pouco comum na Universidade Brasileira. Possibilidade de marginalização de alguns temas de pesquisa, em razão do seu caráter mais fundamental. Editais para financiamento à pesquisa complexos, de difícil entendimento e preenchimento, mais adequados a propostas de financiamento empresarial, etc. Quotas definidas para as regiões Ne e CO com possibilidade de efeito sifão para centros tradicionais. Pulverização de recursos: Socialização da miséria. Não seria bom que, em lugar de CNPq, CAPES, FINEP, Fundações Estaduais, etc... os recursos para a pesquisa viessem diretamente para as Universidades que, internamente, os distribuiriam segundo as suas necessidades? NÃO ? O que caracteriza um Grupo de Pesquisa? Um tema, um objeto de interesse. Uma liderança científica. A autoridade científica é um ingrediente essencial à atividade de pesquisa. A pesquisa não é uma realização democrática! Convém não confundir autoridade com autoritarismo! Que pesquisa deve ser realizada? Pesquisa de Qualidade! O selo de qualidade tem emissão externa. É o reconhecimento da comunidade científica externa (no seu sentido mais amplo) que atesta a qualidade do trabalho científico. A Ciência é internacional. Não há uma Física baiana, uma Medicina nordestina, uma Biologia brasileira. E internacional precisa ser a sua qualidade. É possível fazer Ciência de qualidade no Terceiro Mundo? É possível fazer Ciência de qualidade no Brasil? É possível fazer de qualidade no Nordeste? É possível fazer Ciência de qualidade na Bahia? A resposta a todas estas perguntas é clara, e uma só: SIM! O que então é necessário para a realização local da pesquisa? Pesquisadores com competência. Temas propostos que sejam atuais, viáveis e factíveis, face às condições objetivas do local. Uma liderança científica. Um ambiente de liberdade intelectual que possibilite o exercício pleno da criatividade. Não estaria faltando algo? $$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$ Sim, claro que são necessários recursos, financiamento, apoio em dinheiro. Mas de nada adiantam recursos, ainda que expressivos, sem que as características anteriores pré-existam! Pergunta de Maria, hipotética estudante de Biologia: A possibilidade de me envolver com uma atividade de pesquisa me fascina. Que devo fazer? Sou apenas um estudante de graduação... Que temas a interessam? Fisiologia Vegetal, Biologia Marinha, Animais Peçonhentos, Bio-monitoramento, ... Dentre os temas, inicialmente interessantes, em qual deles há pessoas na instituição que com eles trabalham? Sim, há alguns... Quem? Veja o seu curriculum. Veja o LATTES: www.cnpq.br Publica regularmente? Tem orientado, com sucesso, outras pessoas? É exigente? Se sim, é uma boa indicação. Se for exigente demais, melhor ainda! Trabalha duro? Idem. Os critérios para a escolha de um orientador não podem ser os mesmos que presidem um concurso de simpatia, nem deve ser reflexo da popularidade! O seu orientador, não necessariamente, precisa ser o seu melhor amigo, ou com quem você mais gosta de tomar uma cerveja ou ir à praia. Estas características podem haver e não são prejudiciais, mas, certamente, não são essenciais. Qual a importância que tem a realização de pesquisas, para o país, para a região? O conhecimento da História, das comunidades, dos recursos naturais, das relações de trabalho, da cultura, .... Enriquece a sociedade em vários planos. O conhecimento agrega valor ao trabalho. O conhecimento é fator de independência. O conhecimento disponível numa sociedade auxilia na solução dos seus problemas, sociais e individuais. O conhecimento aumenta a competitividade das pessoas e das nações. “Os povos sem ciência estão condenados a serem aguadeiros dos povos civilizados”. E. Rutherford, premio Nobel de Química. A apresentação realizada neste seminário estará disponível para “download” no seguinte endereço, a partir da próxima semana: www.superficie.ufba.br Muito Obrigado pela atenção e pela paciência.