Zero Hora/RS, 13 de janeiro de 2003
STF | Ministros Aposentados | Ministro Paulo Brossard
A guerra de todos contra todos
Artigo - PAULO BROSSARD, jurista, ministro
aposentado do Supremo Tribunal Federal
Li e apreciei o discurso proferido pelo presidente da
República perante o Congresso Nacional na sessão
de posse, não porque contivesse novidades, mas porque a reafirmação solene e categórica de proposições
mais ou menos conhecidas definiu com clareza as linhas fundamentais do novo governo. Uma proposição, sem ser a mais relevante, em particular
chamou-me a atenção. Afirmando que "enfrentaremos os desafios da hora atual como o
terrorismo e o crime organizado", adianta, um tanto
triunfalistamente, que "temos uma mensagem a dar
ao mundo. Temos de colocar o nosso projeto nacional, democraticamente, em diálogo aberto com as
demais nações do planeta. Porque nós somos o novo", e faz este registro: "é verdade que a deterioração
dos laços sociais do Brasil nas últimas duas décadas decorrente de políticas econômicas que não favorecem o crescimento - trouxe uma nuvem ameaçadora ao padrão tolerante da cultura nacional.
Crimes hediondos, massacres e linchamentos crisparam o país e fizeram do cotidiano, sobretudo nas
grandes cidades, uma experiência próxima da guerra
de todos contra todos".
O flagrante fixado pelo presidente, em momento de
expecional solenidade, a meu juízo é impecável; conjugando a simplicidade com a energia, fixou com propriedade a realidade apontada, de um lado a
deterioração, senão a ruptura, de laços sociais tradicionais no meio brasileiro, a ponto de fazer "do
cotidiano, sobretudo nas grandes cidades, uma experiência próxima da guerra de todos contra todos".
O que vem ocorrendo no Rio, por exemplo, não tem
precedentes na vida do país e em tudo e por tudo se assemelha a uma "guerra de todos contra todos"; sobre
uma mesma base territorial, mais de um poder exerce
sua "soberania", faz a respectiva lei e a aplica privativa e inapelavelmente, e isto é de uma gravidade
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inexcedível. Daí porque o registro presidencial, em
momento singular, parece-me de indisfarçável significação.
A interpretação materialista está longe de esgotar
a perturbadora realidade escrita pelo novo presidente
Há um ponto, porém, em que não posso acompanhar
o pensamento oficial: é quando ele esclarece que esse
quadro dramático, para não dizer trágico, que chega à
"deterioração de laços sociais no Brasil", "ameaçadora ao padrão tolerante da cultura nacional",
seja "decorrente de políticas econômicas que não favorecem o crescimento". Na gênese e no desenvolvimento dos fatos sociais é difícil segregar
seus elementos e atribuir a um deles esta ou aquela relevância, senão sua exclusividade. Longe de mim
negar a influência do fator econômico na generalidade deles, longe de mim louvar as políticas
econômicas que têm sido adotadas em nosso país,
mas não posso anuir ao pensamento presidencial ao
identificar nelas a causa do penoso fenômeno apontado; dizendo como disse que a "deterioração dos laços sociais do Brasil" atingira o "padrão tolerante da
cultura nacional", levando o cotidiano do país a "uma
experiência próxima da guerra de todos contra todos", bom seria que fosse exata a explicação veiculada pelo Presidente, segundo a qual o fenômeno
seria "decorrente de políticas econômicas que não favorecem o crescimento". Fosse assim, insisto, e bem
mais simples seria a correção do desvio, pois novas
políticas econômicas geradoras de crescimento bastariam para reverter o quadro realistamente apontado
pelo Presidente em seu discurso de posse.
Embora aceite o fator econômico como relevante, entendo que outros, variados e complexos, influíram e
têm influído na geração e amplitude da delicada diátese social retratada com felicidade pelo chefe do governo. Aliás, saliente-se, a última administração
estadual, de resto, ligada ao pensamento presidente,
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Zero Hora/RS, 13 de janeiro de 2003
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Continuação: A guerra de todos contra todos
também no fator econômico esgotava sua explicação
do fenômeno. E o resultado não há quem o ignore. Jamais a insegurança geral e a quebra brutal de padrões
de convívio e cordialidade progrediram tanto também no Rio Grande do Sul e não só nas suas grandes
cidades. A interpretação materialista, penso eu, está
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longe de esgotar a perturbadora realidade descrita
com mão de mestre pelo novo presidente, ao prometer combate eficaz à emergência funesta.
Por PAULO BROSSARD
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