Enfermagem Os enfermeiros em cuidados de saúde primários CRISTINA CORREIA FERNANDA DIAS MANUELA COELHO PAULA PAGE PAULO VITORINO A ideia de uma «enfermagem comunitária» centrada no trabalho com as famílias já vem de há muito a ser teorizada e praticada pelos núcleos inovadores da enfermagem em cuidados de saúde primários, mas recebeu novo impulso na recente Conferência Europeia de Munique (2000). Trata-se de uma prática centrada na comunidade, promovendo estilos de vida saudáveis, contribuindo para prevenir a doença e as suas consequências mais incapacitantes, dando particular importância à informação de saúde, ao contexto social, económico e político e ao desenvolvimento de novos conhecimentos sobre os determinantes da saúde na comunidade. Em Portugal a enfermagem é hoje reconhecida como uma profissão que se impôs de forma decisiva nos últimos vinte anos. No entanto, dos cerca de 36 000 enfermeiros em Portugal, só cerca de 17% exercem funções nos centros de saúde e apenas 15% são enfermeiros com a especialidade de saúde pública/comunitária. Apesar destas limitações, existem relatos sobre importantes melhorias quantitativas nas actividades relacionadas com a promoção da saúde nos centros de saúde. Muitos enfermeiros, em diferentes regiões do país, estão também envolvidos em projectos de cuidados continuados. Estes cuidados têm reforçado e valorizado a prática da enfermagem comunitária, para além de terem contribuído para melhorar o acesso das populações aos cuidados de saúde. Perspectiva-se, assim, o desenvolvimento de uma enfermagem da saúde da família capaz de alicerçar a sua intervenção em práticas «baseadas na evidência», correspondendo a neces- Cristina Correia, Fernanda Dias, Manuela Coelho, Paula Page e Paulo Vitorino são enfermeiros na Sub-Região de Saúde de Lisboa. VOLUME TEMÁTICO: 2, 2001 sidades reais, com capacidade para integrar a promoção da saúde e a prevenção das doenças, trabalhar em equipas multidisciplinares e multissectoriais e promover a participação activa dos cidadãos nas decisões sobre a sua saúde. Numa perspectiva internacional, a área da saúde, decorrente das determinações da Organização Mundial de Saúde para a Região Europa, está em processo de mudança, o que traz novas perspectivas para os profissionais que até ao presente têm conseguido, melhor ou pior, funcionar em cenários clássicos que, por razões e interesses diversos, se foram perpetuando. A enfermagem não é excepção; antes pelo contrário, são-lhe colocados contextos e desafios que, a curto prazo, irão muito para além dos modelos tradicionais nos quais tem vindo a funcionar, quer ao nível da formação, quer ao nível dos diferentes locais de trabalho. Estes modelos têm-se mantido, umas vezes, porque essa realidade é imposta e, outras, porque têm tido alguma dificuldade em separar-se de um passado longo e das consequências deste na sua autoconstrução. Isto tem condicionado a sua forma de estar e de procurar formas inovadoras de fazer pesar as suas potencialidades face aos actuais problemas de saúde e aos contextos em que se prestam cuidados. Desde os desafios que se esboçaram no final dos anos 70 com a Declaração de Alma-Ata (International Conference, 1978), que deu origem aos actuais cuidados de saúde primários e à Declaração de Viena (United Nations, 1993), só a Declaração de Munique (WHO 75 Enfermagem Ministerial Conference, 2000), elaborada em Junho de 2000, veio dar um novo fôlego a uma mudança pronunciada que será muito difícil de continuar a adiar. A Declaração de Munique teve como finalidade a identificação de acções específicas, com vista a apoiar e salientar as capacidades dos enfermeiros, no sentido de contribuírem para a saúde e para a qualidade de vida dos cidadãos a quem prestam cuidados. Entre outras coisas, igualmente importantes, surgiu de forma clara uma nova figura de enfermeiro de saúde comunitária, «o enfermeiro de família», enquanto entidade imprescindível no quadro da Saúde 21, ou seja, a política adoptada para a Região Europa, em Setembro de 1998, que os governos dos diferentes países europeus ratificaram. A enfermagem de saúde comunitária encontra-se, assim, no processo de receber um legado que exigirá profundas alterações ao nível da preparação destes profissionais de saúde. O «enfermeiro de família» terá necessariamente de saber cruzar e articular de forma harmoniosa o conhecimento de diversos instrumentos de trabalho — oriundos da saúde pública, da prática clínica e dos cuidados de saúde primários — que se foram estabelecendo de formas muito diferentes, com tempo e ritmos desencontrados. Estas exigências não só implicam que se desenvolva uma nova perspectiva de saúde pública, como também a reorganização do ensino e das instituições, no sentido de promover o desenvolvimento de capacidades que são indispensáveis aos novos papéis que os enfermeiros terão de desempenhar. 1. Alguns conceitos para a prática de enfermagem em cuidados de saúde primários Em cuidados de saúde primários, a enfermagem integra o processo de promoção da saúde e prevenção da doença, evidenciando-se as actividades de educação para a saúde, manutenção, restabelecimento, coordenação, gestão e avaliação dos cuidados prestados aos indivíduos, famílias e grupos que constituem uma dada comunidade. Enfermagem comunitária é uma prática continuada e globalizante dirigida a todos os indivíduos ao longo do seu ciclo de vida e desenvolve-se em diferentes locais da comunidade. Poder-se-á dizer que é um serviço centrado em famílias, que respeita e encoraja a independência e o direito dos indivíduos e famílias a tomarem as suas decisões e a assumirem as suas responsabilidades em matéria de saúde até onde forem capazes de o fazerem. Resumindo, é «trabalhar com as famílias» de forma a ajudá-las a desenvolverem capacidades para o 76 desempenho adequado e eficiente das suas funções. A sua prática é de complementaridade com a dos outros profissionais de saúde e parceiros comunitários, responsabilizando-se por identificar as necessidades dos indivíduos/famílias e grupos de determinada área geográfica e assegurar a continuidade dos cuidados, estabelecendo as articulações necessárias. Esta prática assenta em características tais como: • • • • Foco em populações que vivem em comunidade; Uso de estratégias para a promoção e manutenção de estilos/comportamentos saudáveis e prevenção da doença da população, investindo na informação em saúde em larga escala e sua utilização na melhoria da qualidade de vida; Uso de estratégias que têm, necessariamente, em conta o contexto sócio-político em que se inserem; Participação em estudos de carácter epidemiológico e outros que visem a resolução de problemas de saúde da comunidade. Num estudo realizado recentemente (2000) junto de enfermeiros da prestação de cuidados em centros de saúde da Sub-Região de Saúde de Lisboa onde é abordada esta temática foram encontrados valores universais, sobretudo ao nível do «transcuidar», onde o enfermeiro «faz com» a pessoa, procurando sempre o equilíbrio com o contexto de vida real. Ainda neste estudo, os enfermeiros descreveram o conceito de saúde em termos de bem-estar e de crescimento/desenvolvimento. Parece estar a emergir um aspecto da saúde relacionado já com o desenvolvimento, nomeadamente, das potencialidades do indivíduo com vista ao seu bem-estar. Para estes enfermeiros constitui objectivo dos cuidados que prestam serem agentes e, simultaneamente, alvo de transformação. Este conceito está de acordo com o descrito por Kérouac (1994), em que a existência de dois níveis de cuidados nos orienta para a pessoa ou para o contexto em que ela vive, em interacção dinâmica, coincidente com a perspectiva de enfermagem comunitária. No que se refere ao conceito de cuidados de enfermagem identificado naquele estudo, verificou-se que este se centra, essencialmente, naquilo que os enfermeiros fazem, destacando-se acções do tipo «possibilitar» (ensinar, informar, aconselhar). Quando este critério é definido em termos do indivíduo, realça o «desenvolvimento pessoal» e o «bem-estar». 2. Quem somos? Os enfermeiros são um importante grupo profissional nos serviços de saúde do país. A enfermagem portu- REVISTA PORTUGUESA DE SAÚDE PÚBLICA Enfermagem guesa é hoje reconhecida social e profissionalmente como uma profissão que se impôs de forma decisiva nos últimos vinte anos. Segundo o Conselho Internacional de Enfermeiras (CIE), num documento que aborda o presente e o futuro da enfermagem, a profissão evoluiu a partir de antecedentes sociais, religiosos, militares, mas já neste século quem mais influenciou a enfermagem foi Florence Nithtingale com o seu sistema de formação de enfermeiras. Um importante estímulo para a mudança na enfermagem foi a iniciativa da OMS «Saúde para todos», lançada em 1978, que insistia na necessidade de que as enfermeiras trabalhassem fora do contexto hospitalar tradicional. Este planeamento de cuidados de saúde primários exigia que a formação em enfermagem mudasse. O Conselho Internacional de Enfermeiras sugeriu então que os planos de estudos se preparassem não só para satisfazer a procura das competências, mas também para formar atitudes de consciência social e desenvolver, entre outras coisas, soluções de problemas e de direcção de equipas multidisciplinares. Em 1989, na Assembleia Mundial da Saúde, a maioria dos Estados membros reconhecia que a alta tecnologia estava a ser prioritária na distribuição dos escassos recursos de enfermagem, ou seja, 80% do pessoal de saúde dispensavam serviços curativos a 20% da população residente nas cidades e estavam sem cuidados os 80% residentes nas zonas rurais. A prestação de cuidados de enfermagem estava, pois, a responder a necessidades curativas em detrimento dos cuidados de promoção da saúde e de prevenção da doença. Foi reconhecido que o ensino acompanhava esta tendência e eram poucas as enfermeiras na docência que tinham a compreensão e a experiência necessárias para ensinar cuidados de saúde primários. Em 1992 continuava actual uma parte desta análise de 1989, mas nas recomendações assinalava-se que «os planos de estudos se reorientaram na direcção dos cuidados de saúde primários e existe uma tendência para o ensino superior». E para preparar as enfermeiras para o futuro a formação em enfermagem deve converter-se num instrumento de apoio à mudança. Portugal, apoiado nas orientações internacionais, procura reorientar o ensino de enfermagem para a mudança, privilegiando nos planos de estudo a abordagem dos cuidados de saúde primários e a passagem ao ensino superior. Neste contexto, existem hoje 35 861 enfermeiros, o que corresponde a 3,6 enfermeiros por mil habitantes, muito abaixo da média da CE (5,2), valor este que fica longe das necessiaddes. Destes, conforme pode verificar-se (Tabela 1), apenas 17% exercem funções nos centros de saúde, a par dos 72% a exercerem funções nos hospitais. A média etária dos enfermeiros a nível nacional é de 38,7 anos, dos quais mais de 60% têm menos de 41 anos, sendo esta ainda superior nos centros de saúde. Em todo o país apenas existem 989 (15%) enfermeiros especialistas em enfermagem de saúde pública/ comunitária (Tabela 2), ou seja, apenas um enfermeiro desta área por cada 10 090 habitantes. O Departamento de Recursos Humanos da Saúde (DRHS) afirma existir um défice de enfermeiros que em 1999 era superior a 9500 e nos próximos cinco anos atingirá um défice de cerca de 12 000 enfermeiros. A escassez de enfermeiros reflecte-se na qualidade dos cuidados prestados aos indivíduos, famílias e grupos e nas relações interprofissionais. No entanto, nos últimos cinco anos as estratégias de saúde nacionais perspectivaram mudanças, desencadeando novas expectativas e motivações nos enfermeiros, de que resultou um aumento na procura de trabalho nos centros de saúde (por exemplo, na Sub-Região de Saúde de Lisboa entraram, entre 1996 e 1999, 380 enfermeiros). Tabela 1 Distribuição dos locais principais de exercício Tabela 2 Distribuição dos enfermeiros por área de especialidade Primeiro local de exercício profissional Número Percentagem Áreas de especialidade Centros de saúde Hospitais públicos Escolas Superiores de Enfermagem Exercício liberal Serviços de Saúde Mental Outros 16 184 25 764 11 576 11 969 11 132 12 236 117 172 112 113 110 116 Enf. Enf. Enf. Enf. Enf. Enf. Total 35 861 100 Total Fonte: Ordem dos Enfermeiros, Novembro de 2000. VOLUME TEMÁTICO: 2, 2001 médico-cirúrgica de reabilitação saúde infantil e pediátrica saúde materna e obstétrica saúde mental e psiquiátrica saúde pública/saúde na comunidade Número Percentagem 1 117 1 996 1 931 1 528 1 963 1 989 6 524 17,1 15,7 14,3 23,4 14,8 15,2 100 Fonte: Ordem dos Enfermeiros, Novembro de 2000. 77 Enfermagem 3. O que fazemos? A actuação dos enfermeiros em cuidados de saúde primários situa-se em duas áreas distintas, a da saúde pública e a da saúde comunitária, em parte por herança histórica, mas considerando também os problemas de saúde nacionais, as orientações políticas internacionais, nacionais e regionais, a formação e a evolução da profissão. Reconhece-se que o enfermeiro detém um lugar privilegiado nos modelos de equipa pluridisciplinar de saúde que têm sido experimentados entre nós devido às múltiplas oportunidades que tem de conhecer as famílias e os seus «estilos de vida» durante o atendimento das suas necessidades de saúde, assim como dos recursos comunitários. Estas oportunidades conferem-lhe o papel de agente facilitador da mudança que se pretende efectuar. Trabalham integrados em programas ou projectos no CS, no domicílio ou em grupos institucionalizados da zona de implantação geográfica do CS, como promotores ou participantes, a título individual e/ou de forma articulada em grupos multidisciplinares e, por vezes, transectoriais, junto de pessoas, famílias e grupos da população. Neste momento congregam esforços para adoptarem internacionalmente uma linguagem profissional comum e uma classificação das nossas práticas. Para isso estão a ser testados os fenómenos e as intervenções de enfermagem, pretendendo-se avançar para os resultados sensíveis aos cuidados de enfermagem. No nosso país está em curso, no programa SINUS, um registo sistemático dos cuidados prestados no programa nacional de vacinação, prevendo-se para breve o início do módulo clínico de enfermagem. Os enfermeiros em cuidados de saúde primários: • • • • • • 78 São responsáveis pela execução do PNV; Partilham a responsabilidade epidemiológica com as autoridades de saúde, identificando precocemente «casos novos», sobretudo os detectados em grupos comunitários; Efectuam inquéritos epidemiológicos, contribuindo para o diagnóstico e controlo da situação sanitária do ponto de vista endémico e epidémico; Efectuam vigilância de saúde a grupos seleccionados segundo padrões de comportamento ou problemas específicos ou com disfuncionalidades familiares e/ou sociais em aspectos ligados à saúde materna, infantil e escolar, à adolescência e doenças transmissíveis mais relevantes; Estão próximos dos migrantes e imigrantes, dando apoio e orientação em questões de saúde; São promotores ou respondem às solicitações do poder autárquico local ou de associações de • • • bairro, bem como a iniciativas empresariais, no âmbito da saúde no trabalho; Contribuem para a detecção precoce da doença através da realização de rastreios (Mantoux e PIK); Trabalham em articulação, sobretudo com instituições governamentais, nas áreas da educação e da segurança social, mas também com associações na vigilância, acompanhamento e/ou execução do programa de tratamento instituído, de doenças infecciosas, oncológicas, mentais, entre outras; Integrados em movimentos sinergéticos transectoriais, participam em programas e projectos específicos, estabelecidos em rede ou em parceria, no controlo de doenças civilizacionais e nas denominadas life style. As práticas dos enfermeiros centram-se, como vimos, sobretudo na pessoa, inserida numa família e integrada em determinado contexto ambiental e social. Assim, e em síntese, os enfermeiros cuidam de indivíduos, famílias e grupos, no CS, no domicílio, ou em organizações comunitárias, acompanhando-os ao longo do ciclo de vida, próximos dos problemas e anseios das pessoas. O papel do enfermeiro na comunidade consiste em «possibilitar» a autonomia, criar com sabedoria a oportunidade, reforçando crenças e capacidades, respeitando as decisões e os ritmos de aprendizagem, fomentando, a partir da célula familiar, a reprodução e herança de modelos comportamentais e experiências de saúde individuais, num processo de crescimento e desenvolvimento. Num recente trabalho de investigação realizado com enfermeiros de centros de saúde na Região de Lisboa e Vale do Tejo, quanto ao processo de cuidar, os enfermeiros valorizam sobremaneira a função possibilitar, fornecendo a informação necessária, que é geradora de alternativas, que permitirá à pessoa a tomada de decisão, efectuar opções de vida, de forma livre, autónoma, consciente e responsável. Referem-se também à função «conhecer», procurar informação centrada no cliente, evitando ideias preconcebidas, apreciando, por antecipação, os sinais e problemas inerentes às pessoas nas várias etapas da vida. Mencionam ainda a importância de «estar com», no sentido de acompanhar, estar junto dos indivíduos e famílias, envolvidos numa parceria, em presença plena, de forma competente, congruente e empática, na partilha de sentimentos e experiências. Assinalam também o «executar», preservando a dignidade no cuidar, ou seja, realizar uma acção terapêutica, de forma parcial ou total, temporária ou permanente, a uma pessoa, substituindo, incentivando e REVISTA PORTUGUESA DE SAÚDE PÚBLICA Enfermagem preparando um familiar ou outro prestador informal a cuidar. Salientam ainda o ajudar a «manter a crença», a «desenvolver a auto-estima» e a «adoptar atitudes de esperança e de optimismo realista». Por fim, «utilizar o sistema de saúde», pois os enfermeiros referenciam, encaminham ou direccionam os utentes para os diferentes recursos. A título exemplificativo, apresentam-se (Quadro I) algumas intervenções dos enfermeiros na comunidade, muitas delas em articulação com parceiros sociais e/ou instituições. Muitos enfermeiros, em diferentes regiões, desenvolvem também actividades no «projecto de cuidados continuados». O relatório (2000) deste projecto refere o aumento significativo de visitas domiciliárias realizadas por enfermeiros, assim como a melhoria da qualidade e dos meios postos ao alcance dos profissionais. Num trabalho realizado pela Agência de Contratualização da ARSLVT (1999) sobre a satisfação dos utentes utilizadores dos cuidados continuados concluiu-se que 87% dos inquiridos estão satisfeitos com os cuidados recebidos e mais de metade referem terem melhorado a sua qualidade de vida após os cuidados que lhes são prestados no domicílio. No âmbito da promoção da saúde, da prevenção da doença e da prestação de cuidados globais a populações inseridas em «bolsas de pobreza» destaca-se o projecto de intervenção especial em saúde materno-infantil e planeamento familiar, que utiliza unidades móveis. Este projecto foi distinguido em 1998, no 50.o aniversário da OMS, por boas práticas comunitárias dirigi- das à saúde das mulheres e das crianças e igualmente em 2000 com o II Prémio Europeu de Promoção da Saúde, pela abordagem que privilegiou o empowerment da comunidade local, o respeito pela cultura local, a metodologia interdisciplinar, a abordagem holística, a formação de promotores e mediadores de saúde, o impacto positivo nas estruturas, e pelo excelente trabalho de equipa. Dos resultados positivos e dos constrangimentos encontrados surgiram recomendações para outros projectos neste âmbito. Pode dizer-se que: • • • • • • • • • Estes projectos têm permitido reforçar o trabalho comunitário; As unidades móveis são uma boa estratégia de aproximação à comunidade; Aumentam o conhecimento da realidade local; Valorizam as diferentes culturas existentes, a participação comunitária e o empowerment; Utilizam novos espaços comunitários; Geram relações de proximidade (e de afecto) entre técnicos e comunidade; Desenvolvem e criam novas parcerias; Organizam recursos dirigidos às necessidades identificadas e sentidas como importantes para as populações; Melhoram o acesso aos cuidados de saúde. Ainda no âmbito da promoção da saúde e da prevenção da doença, os enfermeiros desenvolvem na área da saúde escolar um importante trabalho. Um relatório de avaliação destas actividades na Região de Lis- Quadro I Intervenções de enfermagem na comunidade Projecto Intervenção especial materno-infantil e planeamento familiar (unidades móveis) Amora em mudança — a festa da saúde Intervenção de enfermagem nas famílias em continuidade de cuidados Equipas nucleares — a enfermeira de família Intervenção comunitária por área geográfica Enfermeiro de família Enfermagem familiar A criança, a família e a toxicodependência Cuidados de saúde na comunidade de Vale do Forno Intervenção comunitária no Bairro das Galinheiras Prevenção de acidentes infanto-juvenil Promoção da saúde na escola Continuação de cuidados pediátricos no domicílio a crianças com doença crónica Educação sexual/planeamento familiar grupo APPC Promoção da saúde na escola — jovens ao COTA Estudo diagnóstico de saúde familiar Adolescência alerta Luta contra a imobilização do idoso VOLUME TEMÁTICO: 2, 2001 Regiões Lisboa e Vale do Tejo e Norte Lisboa e Vale do Tejo Lisboa e Vale do Tejo Norte Norte Centro Norte Lisboa e Vale do Tejo Lisboa e Vale do Tejo Lisboa e Vele do Tejo Alentejo Lisboa e Vale do Tejo Centro Centro Lisboa e Vale do Tejo Lisboa e Vale do Tejo Norte Algarve 79 Enfermagem boa (2000) destaca o aumento da cobertura vacinal global de 65% para 73%, registando, nos anos lectivos de 1997-1998 e de 1998-1999, ao nível do ensino pré-escolar, taxas de 84% e 97%. Na área da promoção da saúde, o mesmo relatório refere o aumento, no ano lectivo de 1999-2000, do número de horas atribuídas a esta actividade (mais 5000 horas), reflectindo uma maior sensibilização e implicação de todos os profissionais em actividades de âmbito comunitário. • ciplinar, como seria desejável. No relatório de avaliação das actividades do projecto de cuidados continuados atrás mencionado afirma-se que em algumas equipas os cuidados prestados são exclusivamente de enfermagem; A avaliação das actividades dos enfermeiros não é ainda efectuada segundo indicadores que possam efectivamente medir o impacto dos seus cuidados nos ganhos em saúde. 5. Que perspectivas? 4. Que constrangimentos? Vários são os constrangimentos profissionais, situando-se estes desde o nível da formação até às práticas, para além dos bloqueios organizacionais e das limitações impostas pelo próprio sistema de saúde: • • • • • • 80 Constitui grande constrangimento a reconhecida escassez de enfermeiros, a nível nacional, para dar resposta às necessidades de determinadas populações e ao alargamento de horários e crescimento de instituições e serviços; Não foram até agora encontrados mecanismos eficazes para suprir a carência de enfermeiros de modo que possam ser acatadas as exigências do novo sistema jurídico dos centros de saúde (centros de saúde de terceira geração); Por outro lado, o planeamento das actividades de enfermagem tem sido anárquico, casuístico, não tendo em conta um ratio enfermeiro/indivíduo/ população, nem sendo compatível com as necessidades das populações nem com os novos apelos que são feitos aos enfermeiros de saúde comunitária; As organizações onde os enfermeiros trabalham não atribuem valor primordial ao conhecimento/ avaliação das necessidades da população, e na definição de estratégias de saúde não é valorizado o papel da enfermagem, criando muitas vezes limitações despropositadas ao desempenho das suas funções; A rápida evolução profissional também suscita especificidades difíceis de gerir, designadamente quanto à percepção do controlo interno. As actuais necessidades de saúde da população exigem novos desafios nas áreas conceptuais e metodológicas. Esta situação, ansiogénica, por si só, exige constantes adaptações nos processos de mudança em curso; Uma parte significativa dos cuidados de enfermagem é prestada em articulação com estruturas comunitárias e outros técnicos. Todavia, não representa verdadeiramente um trabalho multidis- A primeira geração de centros de saúde estava orientada para a saúde pública e para a medicina preventiva. Era organizada por valências e dava prioridade à saúde materno-infantil. A partir de 1983, a segunda geração de centros de saúde integra a primeira rede de centros de saúde com os postos das caixas de previdência (ex-SMS) e implementa a carreira médica de clínica geral. Estes centros são organizados por serviços e grupos profissionais. Os problemas de saúde comunitários e a evolução da prestação dos cuidados de saúde exigem hoje a reorganização das instituições e de métodos de trabalho, enfatizando a constituição de equipas multidisciplinares para optimizar as respostas às necessidades da população. O sentido da mudança é enquadrado pelo Decreto-Lei n.o 157/99, de 10 de Maio, que preconiza uma organização descentralizada. Neste sentido, esta reestruturação cria, entre outras, a unidade de cuidados na comunidade (UCC). Esta unidade é constituída por uma equipa multidisciplinar, articula-se, sobretudo, com as unidades de saúde familiares e com a unidade operativa de saúde pública, mobilizando em simultâneo recursos existentes e pretendendo que integre todas as intervenções comunitárias. A OMS vem reforçar esta ideia ao introduzir o conceito de enfermeiro de saúde familiar, traçando os objectivos para este século, contando com o seu papel na equipa multidisciplinar. Neste contexto, pretende-se que a UCC se direccione para a comunidade e alcance as pessoas que apresentam dificuldades para procurarem a ajuda dos serviços de saúde. A sua inserção familiar exige uma intervenção de carácter domiciliário e a delimitação de áreas geográficas. Assim sendo, serão alvo dos cuidados de enfermagem: • As famílias com disfunções familiares e/ou sociais que sejam identificadas como vulneráveis a problemas de saúde; REVISTA PORTUGUESA DE SAÚDE PÚBLICA Enfermagem • • • As famílias cujo ciclo de vida possa originar risco evolutivo, nomeadamente as grávidas e recém-nascidos; As famílias que vivam crises disruptivas, designadamente por marcada dependência bio-psico-social, com doença crónica e/ou comportamental, e requeiram acompanhamento próximo, regular e continuado. • O enfermeiro de família será então responsável por um grupo de famílias, combinando actividades de promoção da saúde e de prestação de cuidados, actuando no seio da família e da comunidade, em articulação com todos os sectores. Este papel multifacetado e a proximidade das famílias colocam o enfermeiro em situação privilegiada para constituir a interface entre todos os profissionais que intervêm no processo dos cuidados (Figura 1). Na Declaração de Munique a OMS exorta as autoridades da Região Europeia: • • A criarem oportunidades para que enfermeiros e médicos estudem em conjunto a nível da formação inicial e de pós-graduação, para assegurarem maior cooperação e fomentarem o trabalho interdisciplinar; A procurarem oportunidades para estabelecerem e sustentarem programas e serviços de enfermagem comunitária centrados na família, incluindo, quando apropriado, a enfermeira de saúde da família; A reforçarem o papel dos enfermeiros em saúde pública, na promoção da saúde e no desenvolvimento comunitário. Em síntese A prática de enfermagem familiar é uma área em desenvolvimento e constituirá no futuro aspecto significativo dos cuidados de saúde. Face a uma complexidade crescente dos problemas relacionados com a saúde, e no momento em que esta é repensada, os enfermeiros são considerados elementos fundamentais nas estratégias e reformas a A garantirem a participação dos enfermeiros na tomada de decisão a todos os níveis do desenvolvimento e implantação das políticas de saúde; Figura 1 O enfermeiro de saúde familiar sob o «chapéu» da saúde pública e dos cuidados de saúde primários O enfermeiro de saúde familiar, a saúde pública e os cuidados de saúde primários SAÚDE PÚBLICA CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS Medicina Enfermagem Enfermagem obstétrica Médico de família Centro de saúde Serviço social O enfermeiro de saúde familiar Serviços hospitalares Enfermeiros especialistas Outros ambientes de acção para a saúde Outras instituições Médicos especialistas Outros sectores Famílias e indivíduos VOLUME TEMÁTICO: 2, 2001 Outros profissionais «O enfermeiro de saúde familiar sob o ‘chapéu’ da saúde pública e dos cuidados de saúde primários», adaptado de 2.a Conferência da OMS para a Enfermagem e Enfermagem Obstétrica, Munique, Alemanha, 15-17 de Junho de 2000. A enfermagem da saúde familiar — contexto, quadro conceptual e currículo. 81 Enfermagem implementar. É premente adoptar escalas de níveis de dependência da família, de diagnóstico e avaliação de saúde das populações. Cabe-nos então fazer um esforço para transpor para a prática as directivas mundiais de âmbito comunitário, contribuindo para que a saúde das pessoas e populações constitua uma mais-valia na economia do país. Há, portanto, que manter uma perspectiva de avaliação contínua dos objectivos traçados, das actividades desenvolvidas e das metodologias adoptadas. Há que desenvolver bases de informação que permitam aos enfermeiros melhorar o planeamento e a utilização dos recursos existentes, explorando e rentabilizando potencialidades. Há que instalar novas metodologias de trabalho que permitam a recolha e interpretação sistemática da informação. A investigação começa agora a impor-se como prática quotidiana porque nasce da necessidade de reflexão e questionamento. É hora de emergirem as ciências sociais a partir dos contextos em que as pessoas vivem. Há uma grande riqueza metodológica a explorar e que desafia a enfermagem. Os enfermeiros estão conscientes dos problemas efectivos de saúde pública/comunitária e pretendem desenvolver programas e projectos para darem solução aos mesmos. Nesse sentido, a temática abordada exige que trabalhemos de forma diferente e fundamentada nos seguintes pressupostos: • • • • • • Basear a nossa actuação em necessidades reais; Utilizar intervenções evidence-based; Integrar e articular a promoção de saúde e a prevenção da doença; Trabalhar em equipas multidisciplinares e multissectoriais; Promover a participação activa dos indivíduos e comunidades nas decisões sobre os seus próprios cuidados de saúde; Desenvolver competências essenciais ao trabalho com as famílias e planear as actividades em função dos ganhos em saúde. Bibliografia BASTO, M. 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Many nurses are currently engaged in projects with the chronically ill on a community basis. This is contributing to improve access to health care by those most in need and is creating a renewed appreciation of community nursing care in the profession. This can be a very valuable basis for the development of a Portuguese family health nurse. REVISTA PORTUGUESA DE SAÚDE PÚBLICA