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1
A REDUÇÃO DAS EMISSÕES DE CO2
NUMA PERSPECTIVA GLOBALIZADA
SÍNTESE ........................................................................................................................... 2
SIGLAS ............................................................................................................................. 5
1
UTILIDADE DUMA TAXA DE CARBONO ........................................................ 6
1.1
Regular para aumentar a racionalidade do mercado, sempre imperfeito ......... 6
1.2
Efeitos da adopção de taxas de carbono ........................................................... 8
1.3
Necessidade de fiscalidade complementar ..................................................... 10
2
VANTAGENS DOS MERCADOS DE CRÉDITOS DE EMISSÕES .................. 12
2.1
Direitos de emissão versus taxas de carbono.................................................. 12
2.2
Funcionamento dos mercados de créditos de emissão ................................... 14
2.3
Fiscalidade complementar menos explícita, mas exigindo maior harmonização
internacional ............................................................................................... 17
3
MAIOR COOPERAÇÃO GLOBAL ..................................................................... 20
3.1
Mercado quando possível e Estado sempre que necessário, em cooperação e
vigilância recíproca. .................................................................................... 20
3.2
Saldar défice de Regulação supranacional ..................................................... 21
3.3
Objectivos realistas e diferenciados por país .................................................. 23
3.4
Taxas compensadoras nas fronteiras .............................................................. 23
3.5
Redução de emissões com maior cooperação internacional ........................... 25
3.6
Nova ordem fiscal, de adesão gradual e voluntária ........................................ 26
Lisboa, 17 de Março de 2010
«517» - Redução de Emissões de CO2
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A REDUÇÃO DAS EMISSÕES DE CO2
NUMA PERSPECTIVA GLOBALIZADA
2
SÍNTESE
Os resultados da Cimeira de Copenhaga não corresponderam às expectativas e
originaram um sentimento generalizado de frustração e interrogações sobre o futuro do
Protocolo de Quioto e sobre a capacidade da Organização das Nações Unidas (ONU)
para continuar a liderar a cooperação internacional na preservação do ambiente e na
indissociável construção de um mundo mais justo e solidário. Permanece, felizmente,
acesa discussão e alargado debate sobre a forma de combater e travar o aumento da
concentração de gases de efeito estufa (GEE) na atmosfera e de inserir este combate na
caminhada para um mundo mais solidário e pacífico.
Apresento nesta Nota o resultado da reanálise desta questão a que entretanto procedi.
Consta de três capítulos. Os números que figuram entre parênteses junto aos temas
sucessivamente abordados nesta Síntese são apontadores para os sub capítulos onde
estão desenvolvidos. A ordem dos temas é diferente da que figura no índice e seguida
no texto da Nota.
Frustrando esperanças muito ambiciosas, da Cimeira de Copenhaga, pouco mais
resultou do que um ténue compromisso, aliás ainda mal formulado, de limitação do
acréscimo médio da temperatura global a 2ºC, associado a uma modesta promessa de
ajuda dos países mais industrializados aos povos em desenvolvimento (3.2). E não
devemos deixar de mencionar a conclusão de que a humanidade ainda não dispunha das
instituições necessárias ao grau de cooperação internacional exigido pelo ambicionado
mercado de carbono globalizado, nem estava preparada para aceitar este mercado como
a forma mais eficiente de rentabilizar os recursos aplicados na luta contra as
perturbações climáticas (2.2).
Não existindo “plano B”, o combate às perturbações climáticas parece passar pela
adopção generalizada de taxas de carbono diferenciadas por países, alternativa que se
afigura mais fácil de implementar do que um mercado de carbono (3.3). Opção que, no
entanto, também não dispensa a validação destas taxas, apropriada a objectivos
comummente assumidos de redução de emissões e adaptada à corresponsabilidade de
cada país nas elevadas concentrações de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera. Nem
dispensa uma supervisão dos procedimentos e dos resultados. Funções que exigem o
reconhecimento de uma autoridade supranacional. Questão que a Cimeira de Copenhaga
mostrou ser uma enorme dificuldade para alguns grandes países (3.3).
A adopção generalizada duma taxa de carbono constitui uma forma eficaz de reduzir as
emissões de GEE e de proceder ao rateio da utilização da capacidade natural de
processamento de CO2 pelo sistema Terra (1.2). Bem comum da humanidade que era
sobrante até ao início da industrialização, em meados do século XIX, e que entretanto se
«517» - Redução de Emissões de CO2
forum abel varzim
tornou escasso, deixando de limitar a subida da concentração dos GEE na atmosfera,
com as consequentes perturbações climáticas que já estamos a suportar e que se
afiguram muito mais prejudiciais para as gerações futuras.
A diferenciação das taxas de carbono entre países pode justificar-se pela desigual
responsabilização de cada país no aumento da concentração de GEE na atmosfera
terrestre (3.3), mas, induzindo a deslocalização dos investimentos e dos empregos para
os países com menores taxas, deve ser acompanhada pela sujeição das importações a
uma taxa compensadora das diferenças entre as taxas de carbono no país de consumo e
no país de origem (3.4). Taxa que ainda não tem a aceitação da Organização Mundial do
Comércio (OMC), autoridade que rege as trocas internacionais, faltando convencê-la de
que não se prejudica o aproveitamento de qualquer recurso local nem vantagem
competitiva, e de que apenas se pretende obrigar os consumidores a pagar a poluição
que originam, independentemente do lugar onde é feita.
Para acelerar o processo de redução das emissões de GEE, os ambientalistas têm
pretendido que a colecta proveniente das taxas de carbono seja consignada à promoção
de energias limpas e da eficiência energética. Preocupação compreensível na fase inicial
de implementação destas taxas e atendida de forma eficiente pelo mercado de direitos
de emissão de GEE, onde o pagamento efectuado por um emissor de GEE constitui a
compensação do custo da redução dum volume equivalente de emissões noutro poluidor
(2.2).
Aliás, o alargamento deste mercado de carbono a outros países, menos industrializados
ou até ainda não sujeitos ao pagamento direitos de emissão de GEE, enquadrado no
designado Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), acrescenta o objectivo de
intensificar a cooperação internacional ao propósito de consignar a colecta obtida com a
penalização das emissões de GEE ao aceleramento da redução de emissões, transferindo
capitais e tecnologias para países em desenvolvimento (2.3). Transferência que não
deve ser vista como mera ajuda, mas como o ressarcimento aos países menos
desenvolvidos pela utilização excessiva pelos países mais industrializados da
capacidade natural de processamento de CO2 pelo sistema Terra. Sobreutilização que
está originando naqueles países problemas e custos que os mais industrializados não
tiveram quando passaram por igual fase de desenvolvimento (3.5).
Todavia, pelo menos relativamente a alguns grandes países emergentes, este
ressarcimento deve estar sujeito à resolução de outros problemas, específicos e de
grande dimensão. Por um lado, alguns destes países já conseguiram uma acelerada
modernização da sua indústria, procurando tornar-se fornecedores de equipamentos de
alta tecnologia, inclusive nos sectores de preservação do ambiente, situação que deve
ser tratada com reciprocidade. Por outro lado, perseguem a acumulação de exagerados
excedentes nas relações comerciais, sustentados numa moeda subavaliada, em
condições sociais menos favoráveis e em políticas ambientais menos exigentes que as
dos países importadores. Imparidades que também exigem correcção, mas de sentido
contrário (3.5).
Para atingir o objectivo de regressar a concentrações de CO2 próximas das existentes no
início da era industrial, as taxas de carbono terão de atingir valores muito elevados, o
que, para além de exigir transferência da fiscalidade que actualmente incide sobre
outros bens e serviços, faculta uma oportunidade histórica de reconstruir os sistemas
existentes de redistribuição de riqueza, no interior de cada povo e entre todos os povos.
Nesta profunda reforma fiscal, os enormes fluxos gerados pelas taxas de carbono não
«517» - Redução de Emissões de CO2
3
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seriam só destinados à redução de emissões de GEE, mas também à redução das
assimetrias sociais existentes, nomeadamente, através da prossecução dos objectivos do
milénio quando à disponibilização de água potável e de educação básica, e através da
manutenção e alargamento do sistema social de tipo europeu, cujo financiamento
passaria a beneficiar da substituição de receitas obtidas de taxas sobre o factor trabalho,
difíceis de manter neste período de intensa globalização, por receitas obtidas de taxas
sobre o carbono (3.6).
A caracterização fina duma reforma fiscal tão importante, mesmo que só a nível
nacional, necessita da estreita cooperação de muitos serviços de vários ministérios, das
finanças à economia e do ambiente aos assuntos sociais, passando pela energia e pelo
trabalho. E a nível internacional, uma remodelação desta amplitude exige muito tempo e
muita negociação.
Em teoria, a globalização do mercado de carbono permitiria atingir alguns destes
objectivos de aplicação da renda da utilização da capacidade natural de processamento
de CO2 pelo sistema Terra na promoção de energias limpas e da eficiência energética,
mas, como também exigiria um grau de cooperação internacional que não existe, é
ilusório pensar que dispensaria a negociação de muitos dos acordos complementares
necessários ao sistema das taxas de carbono sobre a aplicação das suas colectas.
Acordos complementares que, para além de serem menos complexos do que os
necessários ao desdobramento por país das regras dum mercado de carbono globalizado,
ainda consentiriam maior margem de liberdade para adaptar ritmos e metas às
possibilidades e desejos de cada país, facilitando uma negociação faseada no tempo e no
espaço.
Por outro lado, qualquer mercado, e em particular um mercado de carbono globalizado,
exige uma autoridade que o enquadre, entidade ainda inexistente. Razão porque é
prematuro pretender o alargamento do mercado de carbono da UE. Quanto muito,
parece possível encarar mercados autónomos em regiões supranacionais, onde a adesão
gradual e desfasada no tempo a etapas intermédias parece mais fácil de negociar.
Assim sendo, aceitemos a alternativa de passar por sucessivos acordos parcelares,
sempre de cumprimento compulsivo, sobre:
a) redução de emissões, eventualmente apenas suportada em taxas de carbono
diferenciadas por país ou região, mas sem excluir a eventual e voluntária adesão
complementar a mercados regionais de direitos de emissão;
b) ajuda internacional, explicitando as verbas a doar, não necessariamente só
dependentes das receitas obtidas com as taxas de carbono;
c) protecção dos países mais avançados de aparentes mas falsas vantagens
competitivas que os mais atrasados poderão tentar aproveitar e que mais não são
do que fugas ao pagamento de maiores taxas de carbono, eventualmente através
de taxas compensadoras a aplicar nas importações (3.6).
A União Europeia, apesar de desanimada e frustrada com a Cimeira de Copenhaga, não
deve deixar de prosseguir na senda de uma economia mais respeitadora do ambiente
nem de perseverar na construção de uma sociedade mais solidária. Pode e deve manter o
avanço proporcionado pela adopção de um mercado de carbono, aumentando a
sustentabilidade e a competitividade da sua economia, reajustando a sua política social e
alargando a sua influência política no mundo.
O nosso futuro não é um destino, mas uma continuada opção.
«517» - Redução de Emissões de CO2
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SIGLAS
€/tCO2
Euro por tonelada de CO2
BT
Baixa tensão
CO2 dióxido de carbono
COP15 Conferência da ONU sobre as Mudanças Climáticas de 2009
G2, G8, G20 ou G192
Grupo de 2, 8, 20 ou 192 países
GEE gás de efeito estufa
IVA imposto sobre o valor acrescentado
MDL Mecanismo de Desenvolvimento Limpo
OMC Organização Mundial do Comércio
ONU Organização das Nações Unidas
OPEP Organização dos Países Exportadores de Petróleo
PIB Produto Interno Bruto
PPEC Plano de Promoção da Eficiência no Consumo de energia eléctrica
ppm partes por milhão
RCE Redução certificada de emissões ou crédito de carbono
UE
União Europeia
«517» - Redução de Emissões de CO2
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1 UTILIDADE DUMA TAXA DE CARBONO
1.1 Regular para aumentar a racionalidade do mercado, sempre
imperfeito
A humanidade está alarmada com as perturbações climáticas, temendo especialmente a
subida da temperatura do ambiente, e atribui estas perturbações ao crescimento
descontrolado da concentração na atmosfera dos gases de efeito estufa (GEE), explicado
pelo facto da capacidade natural de reprocessamento do dióxido de carbono (CO2) pelo
sistema Terra estar saturada e ultrapassada. Desta saturação resulta a necessidade de limitar
as emissões de GEE e de gerir a utilização daquela capacidade, bem como de contrariar a
sua redução e de fomentar a sua ampliação.
A forma mais eficiente de gerir a utilização colectiva de um recurso escasso, neste caso a
capacidade natural de reprocessamento do CO2 pelo sistema Terra, é através da atribuição
dum preço, tabelado (taxa) ou estabelecido através de um mercado bem regulado. Só muito
excepcionalmente, e quase sempre para bens de primeira necessidade em ambiente de
calamidade natural ou de guerra, se recorre a racionamentos quantitativos, o que
geralmente não impede o surgimento de um mercado paralelo, mesmo quando não
desejado e até combatido.
Atendendo a que o CO2 é a componente principal dos GEE, nesta nota utiliza-se quase
indiferentemente GEE e CO2, sem no entanto se deixar preferir o termo que em cada frase
se considere mais adequado.
Muitos bens, enquanto relativamente abundantes, foram sendo considerados de utilização
livre. Posteriormente, quando não sobrantes, passaram a estar sujeitos a regras limitadoras
ou condicionadoras do seu uso. E, quanto insuficientes para satisfazer gratuitamente a
procura, foram sujeitos a concessões onerosas ou a transacções em mercado regulado. São
bons exemplos desta evolução: a água, outrora considerada como um bem natural não
passível de transacção comercial; e o espaço para estacionamento em meio urbano,
inicialmente livre e actualmente gerido através de preços regulados, substituindo meras
disposições condicionadoras de uso ou limitadoras de tempo.
A energia é um outro bom exemplo de que a gestão da utilização de um bem escasso não
pode ser confiada apenas ao preço de mercado, sobretudo se mal regulado. Com efeito,
embora o preço seja geralmente considerado como o critério mais importante para escolher
uma forma de energia, só podemos usar validamente este critério quando estiverem
suficientemente asseguradas e garantidas outras condições de utilização, normalmente
tratadas fora do mercado e nem sempre incluídas no preço pago pelo utilizador, como a
garantia de fornecimento ou a segurança de pessoas e bens, ou, actualmente com grande
relevo, a preservação do ambiente.
Através da Regulação (supranacional e nacional) a oferta de cada tipo de energia foi sendo
sujeita a regras ou normas. E, apesar de muitas destas normas serem meramente
quantitativas, o seu cumprimento reflecte-se no preço pago pelo consumidor, influenciando
a sua preferência por cada tipo de energia.
São exemplos relativamente bem sucedidos deste tipo de regulação:
proibição do chumbo na gasolina;
limitação do aquecimento das águas usadas nas fontes frias das centrais
termoeléctricas;
«517» - Redução de Emissões de CO2
6
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limitação do conteúdo em óxidos de S e de N nos gases resultantes da combustão,
de modo a reduzir chuvas ácidas;
imposição de filtros nos escapes e nas chaminés, reduzindo a emissão de
partículas tóxicas.
Convém distinguir dois grandes modos de regulação:
imperativo, através das variáveis primais ou seja de limitações sobre
quantidades, como nos exemplos acima apresentados;
indicativo, através das variáveis duais ou seja através de taxas ou subsídios
directamente repercutidos sobre os preços.
Notemos que os dois modos de regulação não são distintos, apenas utilizam metodologias
diferentes. Estão um para o outro como as duas faces de uma mesma moeda. O modo
imperativo é mais fácil de aplicar em sociedades pouco organizadas, mas não deixa de
exigir uma autoridade reguladora e não dispensa sistemas, executivo e de fiscalização, que
previnam a fuga e o desvirtuamento das normas. O recurso a multas por não cumprimento
das normas aproxima o modo imperativo do indicativo. Este espera maior colaboração dos
agentes no mercado, e é considerado mais eficiente em sociedades com economias
vigorosas e pouco corrompidas. Embora também não dispense um sistema de fiscalização,
o modo indicativo reduz as oportunidades de corrupção, sendo considerado mais eficaz nas
sociedades desenvolvidas e bem organizadas, exigindo menores custos de execução.
A introdução de uma norma condicionando o livre funcionamento do mercado introduz
quase inevitavelmente um acréscimo do preço pago pelo consumidor final e uma
redistribuição das quotas de mercado a favor das tecnologias menos desfavorecidas pela
norma. Por exemplo, a limitação do conteúdo em enxofre dos combustíveis utilizados em
centrais térmicas reduz a procura dos que têm maior percentagem de enxofre, pois exige o
seu tratamento ou a mistura com combustíveis com menor percentagem de enxofre, que
passam a ter mais procura e a exigir maior preço.
Os preços do petróleo vêm incorporando uma significativa renda, de natureza especulativa
e de escassez a prazo. Acresce que, como os membros da OPEP não se cansam de
assinalar, muitos países consumidores, através de diversas taxas incidindo sobre o petróleo
ou seus derivados, colectam um montante de receitas de valor próximo das rendas que os
produtores de petróleo são acusados de se apropriar1. Sobrepreço de que os produtores de
carvão e de gás natural também se aproveitam, aproximando os preços de venda dos
valores correspondentes aos dos respectivos equivalentes em petróleo, apesar da
perspectiva de escassez daqueles combustíveis ser bem menor. E o mesmo sucede com
qualquer outra forma de energia, incluindo as energias renováveis que, para além de
beneficiarem da existência daquelas rendas, vêm sendo folgadamente subsidiadas.
Qualquer restrição à oferta de um bem ou serviço, natural, administrativa ou por défice de
iniciativa empresarial (que nem sempre significa abuso de poder de mercado mas carência
de acção regulativa para reduzir barreiras à entrada ou incentivar a oferta) gera uma renda.
Em linguagem de programação matemática dir-se-ia que a qualquer restrição, quando
activa, está associada uma variável dual de valor não nulo. E a imposição de uma taxa ou
1
Os dados não abundam e estão pouco sistematizados. Segundo a ADEME, de França, na Europa de 2006, as
taxas implícitas nos preços das energias fósseis correspondiam a um valor médio de 47 euros por tonelada de
CO2, com grandes diferenças de combustível para combustível. Assim, a gasolina super sem chumbo estaria
sujeita a taxas correspondentes ao valor médio de 240 € por tonelada de CO2, o gasóleo a 160 €, o fuelóleo
doméstico a 74 € e o carvão a apenas 1 €.
«517» - Redução de Emissões de CO2
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imposto sobre um bem ou serviço corresponde à apropriação pela autoridade em causa de
uma renda ou parte de uma renda, sendo teoricamente possível calcular a restrição
alternativa a que corresponderia uma variável dual de igual valor.
Quando duas ou mais restrições estão simultaneamente activas, é geralmente muito difícil
determinar a renda associada a cada restrição. Por exemplo, uma taxa sobre o petróleo,
mesmo que cobrada do consumidor, pode apenas transferir para o Estado a receita de uma
renda até aí apropriada pelo produtor ou comercializador. No entanto, através de maior
restrição da oferta, estes podem recuperar o valor da renda anterior… se a regulação não
reagir. Assim, sobretudo nos países com ainda reduzidas taxas sobre os produtos
petrolíferos, é possível esperar que a introdução ou aumento duma taxa de carbono
substitua parte das rendas apropriadas pelos agentes actuando do lado da oferta, e não
recaia só sobre os consumidores finais mas também sobre estes agentes. Aliás, durante a
Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2009 (COP15),
habitualmente designada por Cimeira de Copenhaga, os produtores de petróleo
intensificaram a sua antiga campanha contra o estabelecimento de uma taxa de carbono.
As leis do mercado perfeito não devem ser usadas para prever o funcionamento de
qualquer mercado real, sempre imperfeito, mas para estimar as diferenças entre os
comportamentos do modelo e da realidade e para conceber as medidas que podem
aproximar os resultados.
1.2 Efeitos da adopção de taxas de carbono
Apesar do significativo acréscimo de preço do petróleo e seus derivados, induzido por
rendas e taxas sempre crescentes, a oferta das energias renováveis, e mesmo da energia
nuclear, não tem demonstrado elasticidade suficiente para limitar a procura da energia
fóssil. Assim, só uma taxa de carbono, aliás de valor muito maior do que o das taxas já
existentes, pode forçar a procura de energia fóssil a um decréscimo muito superior ao mero
aumento da oferta das energias limpas. De facto, apesar do preço das energias fósseis ter
vindo sempre a subir, o crescimento da oferta das energias renováveis tem sido
dominantemente obtido por estímulos promovendo directamente o seu aproveitamento, e
não tanto por melhoria da concorrência face às energias fósseis.
A redução de emissões de CO2 induzida pelo aumento do preço da energia através de uma
taxa de carbono nunca será de desprezar, sobretudo nos países que ainda praticam
reduzidas taxas sobre os produtos petrolíferos. No entanto, quer nestes países quer
especialmente naqueles onde já incidem elevadas taxas sobre o preço da energia, o maior
interesse duma taxa de carbono, com a consequente redução de emissões de CO2, resulta
dominantemente da diferenciada e maior incidência desta taxa nas fontes de energia mais
carbono intensivas, induzindo a sua substituição por outras ambientalmente menos
prejudiciais, mas não necessariamente com emissão nula, nem reduzindo a procura de
energia, desde que esta seja limpa. Por outras palavras, o interesse de uma taxa de carbono
está sobretudo na alteração das quotas de cada combustível, prejudicando os mais
poluentes, proporcionalmente ao teor em carbono, e não tanto na inegável redução da
procura total de energia fóssil, por acréscimo do seu preço.
Exemplificando, na produção de electricidade, a taxa de carbono beneficia as energias
limpas, como as renováveis e a nuclear. E, sendo os combustíveis fósseis onerados
proporcionalmente ao seu teor em carbono, as centrais a carvão serão gradualmente
substituídas por centrais a gás natural, emitindo muito menos CO2 para igual energia
térmica. Redução de emissão que, aliás, não é só devida ao menor conteúdo em carbono
«517» - Redução de Emissões de CO2
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mas também ao maior rendimento das centrais com turbinas a gás relativamente às de
carvão. E, para além desta substituição do carvão pelo gás natural, como consequência da
penalização do preço deste combustível pela taxa de carbono, a penetração das energias
renováveis na produção de electricidade também resulta menos difícil.
Analogamente, na climatização dos edifícios e no mercado de calor de processo, a
penetração do gás natural será acelerada pelo seu menor teor de carbono, substituindo os
outros combustíveis fósseis, designadamente carvão e derivados do petróleo, que se tornam
menos interessantes. No entanto, esta penetração do gás natural será travada pela influência
desta taxa no preço deste gás e pela consequentemente menos problemática concorrência
das energias renováveis, com relevo para a energia termo-solar, passiva ou activa.
Acréscimo de preço do gás natural que igualmente facilitará a prossecução de objectivos
mais ambiciosos de eficiência energética, que irão sendo gradualmente exigidos aos
edifícios.
Nos transportes rodoviários e aéreos, as dificuldades tecnológicas de substituição dos
derivados do petróleo têm sido difíceis de dominar, e nos transportes marítimos pouco ou
nada se tem conseguido, por défice de autoridade supranacional. Para além dos acréscimos
de eficiência energética que continuarão a ser obtidos pelo aumento do preço do petróleo e
seus derivados, apenas a generalização da tracção eléctrica (ou híbrida) proporcionando o
recurso a outras energias primárias, mais limpas, ou a utilização de bio carburantes, desde
que alimentar e ambientalmente sustentáveis, deixam esperar significativos efeitos na
redução de emissões de GEE.
Embora lateral e secundário, outro resultado da introdução de uma taxa de carbono, que
não deve ser desprezado, é a extensão do tempo de utilização das reservas de petróleo, quer
pelo efeito preço quer pela redução da competitividade dos seus derivados face a energias
mais limpas. Resultado favorável aos povos menos desenvolvidos, com maiores
dificuldades de sair do petróleo.
Concluindo, a grande vantagem duma taxa de carbono, relativamente a taxas directas sobre
a energia, é evidenciar que o objectivo prosseguido não se limita a reduzir a procura de
energia mas, sobretudo, a reduzir as emissões de CO22. De facto, como o efeito duma taxa
2
Utilizando a energia solar, presente na atmosfera ou no solo, para aquecimento do ambiente e recorrendo a
bombas de calor actuais, pode esperar-se uma energia útil cerca de 4 vezes maior do que a energia eléctrica
necessária para accionar a bomba. Recorrendo para o mesmo efeito à queima de um combustível, raramente
se consegue aproveitar mais de 90% da energia que contém.
Quando o objectivo prosseguido é a redução das emissões de GEE, e não a redução do consumo de energia, a
opção entre os dois processos não pode basear-se no mero balanço energético mas sim no das emissões de
GEE associadas.
A longo prazo, o custo destas emissões encontrar-se-á incluído no preço das energias comerciais utilizadas e
até no custo dos equipamentos usados. Então, o custo total da energia útil de aquecimento será o melhor
indicador para a escolha, quer do ponto de vista económico quer do ponto de vista ambiental. A curto e
médio prazo, temos de acrescentar o valor das emissões de GEE ainda não incluído nos preços das energias
comerciais usadas, adicional que depende do combustível usado no aquecimento e do mix de produção de
energia eléctrica utilizada na bomba de calor.
Considerando um sistema de aquecimento a gás natural e um sistema eléctrico em que a nova procura é
satisfeita por centrais a gás natural de ciclo combinado, hipótese muito representativa do que se passa
actualmente em Portugal, a melhor opção ambiental, aliás muito próxima da energética, é a bomba de calor.
Com efeito, mesmo que se admita um rendimento total do sistema eléctrico, na geração e na distribuição, só
da ordem de 50%, o gás natural necessário para a geração da electricidade usada na bomba de calor é inferior
a metade do necessário para queima no sistema de aquecimento, para igual energia útil. E a bomba de calor,
apesar do seu maior preço de equipamento, é ambientalmente mais sustentável.
«517» - Redução de Emissões de CO2
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de carbono no preço da energia é proporcional ao conteúdo em carbono dos combustíveis
usados, para além de reduzir as emissões de CO2 por acréscimo do preço da energia, uma
taxa de carbono potencia este efeito por alteração do mix de energias utilizadas, pois
concentra o acréscimo de preço nos combustíveis que são mais responsáveis pela emissão
de CO2, maximizando a redução destas emissões para igual ónus fiscal. Por outro lado,
como proporciona um enorme volume de receitas fiscais, oferece uma rara ocasião de rever
o sistema de distribuição de rendimentos, a não perder, para não só acelerar o
aproveitamento das novas forma de energia e promover a eficiência energética, mas
também para reduzir as assimetrias de riqueza, entre países e no interior de cada povo,
como veremos a seguir.
1.3 Necessidade de fiscalidade complementar
Enquanto a concentração de GEE na atmosfera não regressar a valores climaticamente
aceitáveis3, não só será necessário continuar a incrementar o valor da taxa de carbono
como ainda se justifica acelerar a penetração das energias renováveis e promover a
eficiência energética, atribuindo-lhes subsídios de valor equivalente às taxas de carbono
das emissões evitadas. Subsídios que, para além de se adicionarem aos benefícios
resultantes do acréscimo de preço da energia fóssil originado pela taxa de carbono, se
devem manter enquanto a aplicação desta taxa de carbono for necessária para que a
concentração de GEE na atmosfera regresse a valores inferiores ao limite da capacidade de
processamento natural de CO2 pelo sistema Terra. Só se, a muito longo prazo, a
necessidade de respeitar estes limites deixar de estar activa, hipótese que não só implica
que a concentração dos GEE tenha regressado aos valores existentes antes da era industrial,
como também implica acreditar que entretanto as energias limpas conseguiram dominar o
mercado, sem subsídios ou outras protecções, será possível dispensar a taxa de carbono e
suprimir aqueles subsídios.
Por razões de sustentabilidade ambiental e de eficiência fiscal, interessa ainda que a taxa
de carbono substitua os impostos específicos sobre os combustíveis, evidenciando que o
instrumento fiscal não é desvirtuado nem desviado para outros objectivos ou interesses.
Nomeadamente, o gasóleo e a gasolina devem passar a ter taxas proporcionais aos GEE
que originam, substituindo gradualmente outros impostos ou taxas dependentes dos
destinos dados às colectas que proporcionam.
Tal como qualquer outro imposto, a taxa de carbono pode ser objecto de exonerações,
parciais e temporárias, atenuando o seu impacte, nomeadamente em indústrias ainda
grande emissoras que se admite não poderem suportar estas taxas sem períodos transitórios
de adaptação, e, sobretudo, sem a sua generalização aos restantes países ou sem a
submissão das importações a uma taxa compensadora da diferença entre as taxas de
carbono vigentes no país de consumo e no país de origem.
Este raciocínio também é válido para o aquecimento de águas sanitárias. Todavia, numa análise de
sustentabilidade ambiental, a bomba de calor é batida pelo sistema solar térmico passivo… se a energia
eléctrica utilizada na bomba de calor não for renovável. Numa análise de sustentabilidade económica,
continua a ser necessário considerar os custos totais, nomeadamente, investimento, manutenção e
conservação.
3
Em meados do século XIX, no início da era industrial e antes da utilização intensiva dos combustíveis
fósseis, a concentração do CO2 na atmosfera era próxima de 270 ppm. Actualmente é de 385 ppm. Teme-se
que, se continuar o actual ritmo de crescimento de emissões, se chegue ao fim deste século com o dobro do
valor do início da industrialização, podendo provocar um aumento médio global de temperatura próximo de
6ºC.
«517» - Redução de Emissões de CO2
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Também tem sido defendido alguma neutralização transitória do impacte destas taxas nas
famílias numerosas residentes em zonas sem transportes colectivos, a quem seriam
concedidos créditos de imposto sobre o rendimento4.
Tal como qualquer outra receita fiscal, a colecta proporcionada por uma taxa sobre o
carbono não deve estar consignada a objectivos específicos. No entanto, muitos
ambientalistas, impacientes com os resultados alcançados, ambicionam acelerar o processo
de luta contra as perturbações climáticas e pretendem que aquela colecta seja
exclusivamente destinada à promoção de energias renováveis e da eficiência energética ou,
de forma mais lata e precisa, à redução das emissões de GEE. Diferentemente, uma
corrente de opinião, mais preocupada com as desigualdades de desenvolvimento e com a
correcção de alguns efeitos da globalização em curso, defende que uma fiscalidade de
natureza ambiental, apropriando-se de uma renda proporcionada por um bem comum da
humanidade, a capacidade natural de processamento do CO2 pelo sistema Terra, que era de
utilização livre por todos e que se tornou escasso e de utilização regulamentada, deverá ser
aproveitada para redistribuir recursos entre os povos e no interior de cada povo, corrigindo
assimetrias de distribuição da riqueza, da justiça e da paz, e contribuindo para a resolução
de problemas originados pela globalização.
Entre as aplicações prioritárias, referem a ajuda aos países em desenvolvimento, a
atenuação do IVA para compensar o aumento da carga fiscal originada pela taxa sobre o
carbono e/ou a redução dos encargos sobre o factor trabalho, facilitando a manutenção do
sistema social europeu face a países com mão-de-obra muito barata e com inferior
protecção social5. Ver também 2.3 - Fiscalidade complementar menos explícita, mas
exigindo maior harmonização internacional.
4
A tentativa francesa de introdução duma taxa carbono no início de 2010, de valor igual a 17 euros por
tonelada de CO2, foi impedida pelo Senado que, apesar de reconhecer o progresso ecológico que
representava, alegou que o projecto de lei tinha demasiadas exonerações e não respeitava as garantias
constitucionais de igualdade perante os encargos fiscais.
Diferentemente, a Suécia tem desde 1991 uma taxa sobre o carbono, iniciada com o valor de 27 euros por
tonelada CO2, gradualmente aumentada ao longo dos anos, e passando a 109 euros em 2010. Taxa que tem
reduções da ordem de 79% para a indústria mas nenhuma de natureza social ou geográfica.
Graças a esta política, a Suécia é dos países da UE com menores emissões: 6.7 toneladas de CO 2 por
habitante e por ano, contra 9.3 na UE de 27.
A apreciação das reivindicações de exoneração de taxa de carbono deve ser feita atendendo mais às
condições de competitividade externa e ao desencorajamento de deslocações industriais, a combater por taxas
compensadoras a aplicar nas fronteiras, e atendendo menos aos acréscimos internos dos preços dos produtos
sentidos pelos consumidores finais, que apenas devem ser atenuados em casos pontuais e durante períodos
transitórios, através subsídios ou de créditos de outros impostos. Aliás, entre 1973 e 1981, o acréscimo de
preço do petróleo é estimado como equivalente ao de uma taxa de carbono próxima de 136 euros por
tonelada de CO2, e entre 1999 e 2008, da ordem de 170 €/tCO 2.
5
Notre économie est fondée sur les deux facteurs de production majeurs que sont la main-d'oeuvre et
l'énergie fossile :
- la main-d'oeuvre est renouvelable, nous n'avons pas besoin de l'importer et sa non-utilisation est génératrice
des coûts budgétaires et sociaux du chômage ;
- l'énergie fossile n'est pas renouvelable, nous l'importons en totalité et son utilisation est génératrice des
coûts du changement de climat.
A prélèvements obligatoires constants, une taxe sur l'énergie non renouvelable, dont la croissance serait
progressive et programmée, permettrait de réduire les prélèvements assis sur les salaires, remplaçant une
incitation à économiser la main-d'oeuvre (et donc à créer du chômage) par une incitation à économiser
l'énergie non renouvelable avec un résultat doublement bénéfique : maîtriser le climat, au moindre coût, et
réduire nos coûteuses importations d'énergie fossile.
Ce redéploiement fiscal de grande ampleur, globalement favorable à notre économie, permettrait en
«517» - Redução de Emissões de CO2
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Na medida que uma taxa de carbono substitua os impostos existentes sobre os
combustíveis, de forma harmonizada a nível internacional, será fácil comparar o esforço
solicitado aos consumidores de energia de cada país. Porém, a comparação deve ser mais
dirigida para os progressos programados e realizados na redução das emissões de GEE do
que para o valor desta taxa. Gradualmente, mas progressivamente, estas taxas de carbono
deverão ser ajustadas de modo a cumprir os objectivos de redução de emissões de GEE
acordados com cada país, transitoriamente desiguais para atender às enormes diferenças de
emissões por habitante, bem como às variações destas emissões por unidade de Produto
Interno Bruto (PIB), mas sempre de forma a obter a prazo uma concentração de CO2 na
atmosfera próxima da existente no início da era industrial, em meados do século XIX, isto
é, não saturando a capacidade natural de reprocessamento do CO2 pelo sistema Terra.
A coexistência de taxas muito diferenciadas de país para país incita a deslocalização das
indústrias mais poluidoras para os países com menor taxa sobre o carbono, com a
consequente maior dificuldade de sobrevivência destas indústrias onde a taxa é maior.
Com o receio de se regredir na liberalização das trocas internacionais, tem sido
considerado difícil fazer aceitar a adopção de uma taxa compensadora das diferenças das
taxas de carbono vigentes nos países exportadores e importadores. Contudo, existem sinais
de que esta oposição está em diminuição. De facto, convém ter presente que não se deseja
prejudicar os produtores nem os países exportadores, e que não está em causa prejudicar o
aproveitamento de qualquer recurso local nem anular nenhuma vantagem competitiva.
Trata-se de fazer pagar aos consumidores finais a poluição que originam,
independentemente do lugar onde esta ocorre. Objectivo que pode ser atingido submetendo
os importadores ao pagamento das diferenças de taxa aplicadas às indústrias em causa nos
dois países, considerando eventuais exonerações existentes em cada país e não só os
valores nominais. Procedimento que aceleraria a harmonização por cima das taxas de
carbono que, embora pagas sempre pelo consumidor final, só são totalmente apropriadas
pelo país de origem na medida em que este pratique o valor mais elevado. Retomaremos
esta questão em 3.4 – Taxas compensadoras nas fronteiras
2 VANTAGENS DOS MERCADOS DE CRÉDITOS DE
EMISSÕES
2.1 Direitos de emissão versus taxas de carbono
Iniciamos esta Nota, recordando que a humanidade vive alarmada pelas mudanças
climáticas em curso, atribuindo-as ao crescimento explosivo da concentração na atmosfera
dos GEE, com a consequente necessidade de reduzir as emissões destes gases e de gerir a
utilização pela humanidade da capacidade natural de reprocessamento do CO2 pelo sistema
Terra, bem como de contrariar a redução desta capacidade e de promover a sua ampliação.
A redução das emissões de GEE não deve ser só obtida pela simples moderação do uso de
combustíveis com elevado teor de carbono, ou pela sua substituição por outros mais
limpos, pois pode também ser obtida de formas muito diversificadas e com custos
outre, s'il est bien conçu, une redistribution des revenus en faveur des ménages modestes. Ainsi, le
gouvernement ne doit exonérer aucune industrie mais peut prévoir de redistribuer une partie des recettes à
certains secteurs : aux entreprises qui optent résolument pour des pratiques écologiques plus responsables et
font la preuve d'une atteinte grave à leur compétitivité internationale. (Yves Martin et Michel Rocard – Le
Monde 9 janvier 2010)
«517» - Redução de Emissões de CO2
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frequentemente inferiores aos resultantes da mera substituição de combustíveis. Com
efeito, para além de substituir combustíveis e de recorrer a energias mais limpas, também
interessa utilizar outros métodos produtivos ou novos procedimentos de utilização de
energia, passando pela mudança de meios de transporte, de sistemas de aquecimento e de
processos de manutenção da temperatura no interior dos edifícios.
Para além dos relevantes comportamentos de reacção a uma taxa sobre o carbono, referidos
em 1.2 – Efeitos da adopção de taxas de carbono, centrados na substituição dos
combustíveis mais poluidores por outros menos poluidores ou por energias mais limpas,
importa pró-activamente estimular qualquer outro comportamento susceptível de diminuir
emissões de GEE. Estímulo que pode concretizar-se na atribuição de um crédito de
emissões ou taxa de carbono negativa que incite à adopção de actividades e processos onde
a redução daquelas emissões seja mais simples e fácil de conseguir. Crédito que pode ser
titulado em certificados negociáveis de redução de emissões de GEE, segundo
procedimentos validados por uma entidade capacitada para o efeito.
Considerando a complexidade e os custos administrativos de gerir centralizadamente as
transacções relativas a taxas de carbono e à aplicação da colecta em incentivos de redução
de emissões de GEE, um mercado de compra e venda de créditos ou direitos de emissão,
além de menos burocratizado e mais eficiente, tem teoricamente menores custos, já
existindo estudos que quantificam esta redução. Neste contexto, comprar créditos equivale
a pagar procedimentos que reduzem emissões de GEE. E se, sob pena de multa, as grandes
unidades industriais de combustão estiverem sujeitas a limites de emissão de GEE
sucessivamente reduzidos, a compra de créditos tem um carácter compulsivo semelhante
ao pagamento duma taxa de carbono. Note-se contudo que a compra de créditos ou direitos
de emissão não significa ficar dispensado de reduzir emissões de GEE, como sucede
através do pagamento de uma taxa ou multa, mas sim ser obrigado a financiar reduções
compensadoras destas emissões em instalações alheias.
Em vez de créditos ou direitos de emissão deveria ser preferida a designação de licenças de
emissão de GEE ou mais apropriadamente de licenças de utilização da capacidade natural
de processamento do CO2 pelo sistema Terra. Deve evitar-se a designação de direitos de
poluir, também frequentemente usada, talvez por conotação com o pagamento de uma taxa
de carbono, mas indutora em erro. Reconhecendo que a designação mais corrente é a de
créditos ou direitos de emissão (de GEE), são estas que privilegiamos nesta Nota.
Integrando o objectivo da preservação do ambiente nas regras de mercado, não só se
aproveitam os seus mecanismos e estímulos para favorecer uma internalização eficiente
dos custos ambientais, como também, graças à pró-actividade própria dum mercado, se
acelera a redução das emissões totais de forma mais eficiente, selectiva e abrangente do
que num sistema de simples imposição duma taxa de carbono, ainda que complementado
por um sistema de consignação das receitas para acelerar o aproveitamento de energias
renováveis e para promover a eficiência energética.
Reduções certamente mais fáceis de serem conseguidas pelo vendedor dos créditos de
emissão do que nas instalações do comprador, caso contrário este não efectuaria tal
compra. No fundo, esta transacção de compra e venda transfere a obrigatoriedade da
redução de emissões de um poluidor para outro, por um preço necessariamente inferior ao
valor das multas que o comprador incorreria por ter ultrapassado as emissões para que
estava autorizado. E, para além do menor custo e sem atrasar a redução das emissões,
concede mais tempo para a substituição das tecnologias mais poluentes, por um preço
«517» - Redução de Emissões de CO2
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fixado pelo mercado e não sob a forma meramente administrativa e arbitrária duma taxa ou
multa, frequentemente geradora de corrupção.
O mercado de créditos de emissão não se limita a induzir meras reacções de fuga a um
pagamento, como sucede com o sistema de taxas de carbono, também incentiva todas as
iniciativas que possam acelerar a atenuação daquelas emissões e, de forma descentralizada
e economicamente racional, promove um rateio mais eficaz da capacidade natural de
processamento de GEE do sistema Terra.
Utilizando coeficientes de conversão dos efeitos estufa, todos os GEE podem ser incluídos
num mesmo sistema de penalizações e incentivos, tendo como referência o valor dos
direitos de emissão duma tonelada de CO26. Sistema que se pode alargar a processos
susceptíveis de aumentar a capacidade natural de processamento do CO2 pelo sistema
Terra, como a reflorestação. E ainda pode integrar qualquer procedimento de redução desta
capacidade, submetendo-o à compra de créditos de emissão de GEE, à semelhança do que
sucede com as grandes unidades de combustão.
A correcção das diferenças internacionais de penalização das industrias mais poluidoras,
através de uma taxa compensadora destas diferenças aplicada às importações, afigura-se
menos clara e segura no âmbito de mercados de créditos de emissão de GEE do que no
contexto de taxas de carbono diferenciadas por país. Aliás, as exonerações de compra de
direitos, em volume ou em preço, são menos transparentes. E o valor dos créditos de
emissão de GEE nos mercados tem mostrado volatilidade e fragilidade perante a
especulação7. No entanto, o estabelecimento paralelo dum regime de taxas de carbono ou a
simples equiparação do valor da taxa de carbono ao valor dos créditos transaccionados
podem orientar as correcções a efectuar, e quebrar a resistência dos defensores da
liberalização das trocas internacionais, contrários a novas taxas. Retomaremos esta questão
em 3.4 – Taxas compensadoras nas fronteiras.
2.2 Funcionamento dos mercados de créditos de emissão
Confirmando a tradição norte americana da sociedade civil se antecipar ao governo na
criação de instituições reguladoras, iniciada na conquista dos novos territórios, foi em
Chicago que em 2003 surgiu o primeiro mercado de emissões de GEE, de adesão
voluntária.
6
Como exemplo, refere-se que a emissão de 1 tonelada de metano (CH4) é considerada equivalente à emissão
de 21 toneladas de CO2, e a de 1 tonelada de óxido nitroso (N2O) a 310 toneladas de CO2.
7Infelizmente, a experiência destes anos mostrou que houve excessiva atribuição de direitos gratuitos às
grandes instalações de combustão, feita até 2012, sem qualquer cláusula ou programa de diminuição gradual
de volume ou de substituição por atribuição a preço bonificado diferente de zero. Alteração que poderia
evitar a apropriação das rendas que entretanto foram resultando das evoluções tecnológicas em curso e do
facto dos concorrentes, directos e indirectos, irem ficando sujeitos ao pagamento de taxas ou direitos de
emissão.
Para além deste efeito indesejado, proporcionando proveitos extraordinários, quando o objectivo era
neutralizar prejuízos, muitas destas grandes unidades beneficiando de mercados em oligopólio, ainda
conseguiram incorporar nos preços dos produtos o valor de mercado dos direitos de emissão utilizados que
lhes tinham sido atribuídos gratuitamente.
Por outro lado, confirmando uma atribuição excessiva daqueles direitos e/ou sua utilização especulativa,
alguns destes direitos desnecessários foram colocados no mercado, provocando uma baixa nos preços
praticados e contrariando a promoção da desejadamente acelerada substituição de combustíveis fósseis e a
estimulação duma mais rápida adopção de medidas de eficiência energética,
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No seguimento do Protocolo de Quioto, negociado em 1997 mas que só entrou em vigor
em 2005, surgiram novos mercados organizados de direitos de emissão de GEE, com poder
coercivo, que submeteram o não cumprimento dos objectivos de redução de emissões de
GEE a multas (cooperação compulsiva).
Para os países que subscreveram o Protocolo de Quioto, a emissão de GEE, anteriormente
livre e sem custos, ficou sujeita a licenças de emissão distribuídas gratuitamente por país,
por sector, por indústria e por grande instalação de combustão. Quem, por renúncia ou por
substituição de processos produtivos, não utilize os direitos correspondentes às licenças
atribuídas, pode cedê-los. Pelo contrário, quem exceder os limites atribuídos, paga uma
multa se entretanto não adquirir os direitos complementares necessários.
A entidade competente para emitir ou validar os direitos de emissão de GEE deverá reduzir
gradualmente as licenças atribuídas gratuitamente por país, por sector, por indústria e por
grande instalação de combustão (ou subir o seu preço) de modo a dar cumprimento ao
programa acordado de redução das emissões de GEE. Prosseguindo este objectivo, aquela
entidade, através do volume e do preço das licenças concedidas, disciplinará o seu preço no
mercado de créditos de emissão de modo a que não se torne demasiado baixo, o que
desincentivaria a procura de novos processos produtivos com menores emissões, nem
demasiado alto, o que perturbaria gravemente os equilíbrios económico-financeiros das
actividades emitindo quantidades significativas de GEE, sobretudo em actividades sujeitas
à concorrência de países não aderentes ao programa de redução de emissões de GEE8.
Como já assinalamos em 2.1– Direitos de emissão versus taxas de carbono, a atribuição
onerosa destas licenças equivale à aplicação de uma taxa sobre o carbono, mas um
mercado de créditos de emissão, para além de alargar o âmbito da integração de agentes
sujeitos a penalidades e incentivos, tem a vantagem de proporcionar um processo
descentralizado de determinação do valor equivalente da taxa de carbono a aplicar.
Intervindo de forma indirecta neste processo descentralizado de fixação do valor dos
direitos de emissão, a regulação do mercado poderá e deverá actuar sobre o volume e a
distribuição dos direitos atribuídos, não necessariamente gratuitos nem de igual preço,
facilitando a harmonização e/ou modulação do impacte da taxa entre diferentes países e
diferentes indústrias. Objectivo que, embora também possa ser prosseguido através do
sistema de taxas de carbono, actuando sobre a diversificação do seu valor e das regras de
exoneração, é aí mais difícil de explicar e de fazer aceitar do que neste sistema, por menor
transparência e falta de informação sobre o preço e o volume dos direitos de emissão no
mercado, para além do inerente maior risco de corrupção.
À semelhança da exoneração de taxas de carbono para grandes indústrias utilizando
intensivamente combustíveis fósseis, também às grandes unidades de combustão, para
respeitar expectativas existentes antes do estabelecimento do mercado de direitos de
8
Com o objectivo de promover uma boa harmonização de preços dos direitos de emissão, a revisão periódica
das quantidades anuais de licenças atribuídas deverá atender ao volume e ao preço de direitos negociados. As
novas quantidades atribuídas por país e por indústria deverão favorecer a convergência dos preços praticados
em cada mercado (regional ou indústria) e atenuar os desequilíbrios de pagamentos entre regiões e indústrias.
E o preço médio deverá orientar o custo de atribuição das licenças. Processo de harmonização que procura
emular o funcionamento normal dum mercado, acelerando a sua evolução para um equilíbrio.
Num mercado não é possível fixar simultaneamente as quantidades negociadas e os preço praticados, mas a
regulação do mercado pode e deve actuar sobre o valor das duas grandezas, desde que o faça no sentido de os
fazer convergir para o ponto de equilíbrio do mercado, acelerando esta convergência.
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emissão e para reduzir a oposição ao seu estabelecimento, foram gratuitamente atribuídos
generosos volumes de direitos de emissão e por prazos demasiado longos.
No entanto, se as regras de revisão de preços e de quantidades forem adequadas, o preço
inicial de atribuição das licenças influi pouco nos valores praticados no mercado alguns
anos depois dos prazos de atribuição gratuita terem terminado. E a integração destas
unidades no regime de mercado pode ser conduzida de forma mais transparente e
previsível, e menos sujeita a decisões subjectivas e arbitrárias, do que num regime de taxas
de carbono.
Tal como foi referido relativamente à aplicação de uma taxa de carbono na produção de
electricidade, ver 1.2 – Efeitos da adopção de taxas de carbono, a instituição de um
mercado de carbono beneficia as energias limpas, como as renováveis e a nuclear,
relativamente aos combustíveis fósseis. E, como estes são desigualmente onerados, as
centrais a carvão serão gradualmente substituídas por centrais a gás natural, emitindo
muito menos CO2 para igual energia eléctrica produzida.
Como é impossível queimar carvão sem produzir CO2, a continuidade da utilização das
centrais térmicas a carvão exigirá o pagamento de direitos de emissão de preço crescente
no tempo, inevitável e indispensável para que a emissão de GEE se reduza e se aproxime
da capacidade natural de processamento do sistema terra. Porém, considerando a
abundância de reservas de carvão e a eventualidade do seu preço descer por menor
utilização, examina-se a possibilidade de sequestrar o CO2 resultante da combustão em
jazigos minerais garantindo perenidade. Operação que só se justificará se realizada a um
custo inferior ou igual ao valor dos direitos necessários à combustão do carvão e à
sequestração do CO2 associada.
As instalações ou equipamentos de combustão demasiado pequenos para participarem no
mercado, como as domésticas e de transporte, serão integradas neste sistema de redução de
emissões de GEE através de, na importação ou produção dos combustíveis utilizados, estes
serem sujeitos a taxas de carbono de valor harmonizado com os preços dos créditos de
emissão praticados no mercado.
E, tal como se atribuíram direitos gratuitos a grandes instalações industriais, protegendo
expectativas anteriores à introdução dos limites de emissão, também não é de excluir a
atribuição de créditos fiscais às famílias mais numerosas ou residentes em áreas sem
transportes públicos. Créditos fiscais que não deverão ser considerados como direitos
adquiridos, mas transitórios e sujeitos a atenuação gradual, até que as práticas de mercado
forem proporcionando processos alternativos reagindo à introdução das licenças de
emissão de GEE e das taxas de carbono complementares e que as famílias forem
encontrando as substituições mais convenientes.
Na climatização dos edifícios e no mercado de calor de processo, a penetração do gás
natural será acelerada por, graças ao menor teor de carbono, exigir menos direitos de
emissão de GEE e consequentemente substituir outros combustíveis fósseis que se vão
tornando menos interessantes, designadamente carvão e derivados do petróleo. No entanto
e como assinalamos a propósito da taxa de carbono, por a combustão do gás natural estar
sujeita ao pagamento de direitos de emissão, também a sua penetração no mercado será
atenuada pelo pagamento destes direitos, o que facilita a entrada das energias renováveis,
com relevo para a energia termo-solar, passiva ou activa.
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Analogamente, este acréscimo do custo de utilização do gás natural também facilitará o
alcance de objectivos mais ambiciosos de eficiência energética que gradualmente irão
sendo exigidos aos edifícios.
À semelhança do já assinalado a propósito das taxas de carbono, as novas fontes de
energias renováveis vão fruindo do preço sucessivamente crescente das energias fósseis,
com que estão em concorrência. Vantagem que aliás beneficia todas as fontes de energia
limpa presentes no mercado, novas ou antigas.
Para além desta vantagem e na medida em que ainda não forem competitivas, isto é, que
não seriam realizadas sem subsídios, as novas fontes de energia renovável e a promoção da
eficiência energética devem poder transaccionar no mercado os créditos correspondentes à
redução de emissões que proporcionam, requantificando os subsídios que actualmente lhes
são atribuídos.
Teoricamente, esta lógica de subsidiar uma decisão conducente a redução de emissões de
GEE também poderia ser aplicada às novas centrais nucleares. Contudo, quer por se
excluir a hipótese da escolha destas centrais não ser baseada na sua competitividade, quer
por ainda terem problemas mal resolvidos, nomeadamente quanto à disposição final dos
resíduos radioactivos, o que equivale a um subsídio a pagar no futuro, muitos autores
contestam a concessão às centrais nucleares de subsídios correspondentes à redução de
emissões por substituição de centrais queimando energias fósseis, e recordam que já
beneficiam da vantagem das centrais concorrentes, nomeadamente as queimando carvão,
serem gradual e fortemente oneradas pelo pagamento de direitos de emissão.
2.3 Fiscalidade complementar menos explícita, mas exigindo
maior harmonização internacional
Tal como uma taxa de carbono, o mercado de licenças de emissões de GEE penaliza a
utilização dos combustíveis fósseis mas, através do reconhecimento de créditos de emissão
negociáveis, também subsidia a utilização das energias renováveis e a eficiência energética
na proporção das emissões evitadas, ao mesmo tempo que garante transparência e
sustentabilidade económica e ambiental no cálculo dos subsídios atribuídos.
Conseguidos através do mercado de emissões, estes subsídios resultam automaticamente
financiados pela receita da venda de créditos de emissão, ou seja por pagamentos feitos
pelos compradores poluidores, na medida em que poluem. E, deste modo, não só se
satisfaz uma das reivindicações dos ecologistas que pretendem que as receitas destas
vendas sejam prioritariamente destinadas a promover a redução de emissões, como ainda
se evita ter de recorrer a outras formas de angariar fundos, nem sempre bem recebidas por
aqueles que têm de os pagar, como acontece actualmente com a promoção das energias
renováveis e da eficiência energética dominantemente financiada através do sobrepreço da
electricidade de baixa tensão9.
9
A comparação internacional evidencia que os consumidores portugueses de BT estão a ser mais solicitados
que os espanhóis ou europeus para promover as energias renováveis e a eficiência energética, bem como
outros objectivos de interesse geral.
A concentração destes financiamentos sobre os consumidores de BT, pretende atenuar a sua incidência na
indústria, com a preocupação de não a prejudicar na concorrência internacional, mas esquece que esta acaba
por ser atingida através dos aumentos salariais induzidos pelo encarecimento da energia doméstica, com a
agravante de não fomentar a adopção nas empresas de processos industriais mais adaptados a um contexto
económico em que a energia será inevitavelmente mais cara.
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O financiamento das energias renováveis e das medidas de eficiência energética através
das receitas de venda dos créditos de emissão de GEE correspondentes às reduções a que
dão origem também resolve outros problemas. Em primeiro lugar, proporciona uma
métrica objectiva e ambientalmente eficiente de cálculo dos subsídios a atribuir, baseada
nos custos de redução de emissões de GEE e proporcional a estas reduções, e não nos
custos da energia economizada. Em segundo lugar, proporciona recursos financeiros mais
abundantes e adequados à prossecução de objectivos mais ambiciosos, recolhidos de todos
os utilizadores de energia, através dos direitos de emissão pagos e repercutidos nos
respectivos preços de venda, e portanto na proporção da poluição que originam e não da
quantidade de energia que consomem.
O conjunto de consumidores finais de bens ou serviços abrangidos pelo mercado de
emissões de GEE é muito mais extenso do que qualquer grupo de consumidores de
energia, nomeadamente os de energia eléctrica em BT, proporcionando maior diluição da
incidência individual destes financiamentos. O que não só permite recolher as verbas
necessárias a ritmos de redução de emissões de GEE muito mais ambiciosos como também
alarga o universo das medidas de promoção da utilização mais eficiente da energia a
sectores menos directamente ligados com a oferta da energia, como o imobiliário e a
organização das cidades (urbanização e transportes). Maior capacidade de financiamento
que crescerá com a gradual subida do preço dos créditos de emissão transaccionados no
mercado, consequência da redução da excessiva quantidade de direitos inicialmente
atribuídos gratuitamente.
Este mercado também elimina o problema de se ter de definir quem paga os subsídios à
redução das emissões de GEE, e de dirimir os consequentes conflitos de interesses entre os
candidatos à obtenção das receitas correspondentes. De facto, abrindo a possibilidade dos
agentes de mercado se candidatarem a aquisição de créditos de emissão de GEE através da
realização de projectos ou acções proporcionando redução destas emissões, incentiva-se e
acelera-se a sua redução, onde é mais fácil e barato, descentralizadamente. E, utilizando a
competição no mercado, orientada pelos preços dos créditos, por sua vez comandados
pelas quantidades de direitos atribuídos centralizadamente, dispensa-se o estabelecimento
de prioridades subjectivas ou a imposição de normas imperativas, o que reduz os custos de
regulação e reforça a sua eficácia10.
Para além disso, através da integração no mercado de direitos de emissão dos GEE dos sub
mercados de certificados verdes, dedicados ao financiamento das energias renováveis, e de
10
O financiamento autónomo do PPEC, Plano de Promoção da Eficiência no Consumo de energia eléctrica,
da ERSE, deixa de ter sentido, havendo toda a vantagem em proceder à sua integração no mercado de direitos
de emissão, substituindo a atribuição de subsídios por créditos de carbono. Para além do acesso a uma muito
maior capacidade de financiamento, permitindo abranger um leque mais largo de medidas de promoção, o
peso do financiamento deste programa deixaria de estar concentrado nos consumidores de BT passando para
o universo dos poluidores, na proporção das suas emissões de GEE. Universo onde aqueles consumidores de
BT também se encontram mas não isolados nem dominantes. Por outro lado, o objectivo do programa
passaria a estar mais focado na redução das emissões e menos na economia de energia. Economia que, na
medida em que os custos da energia se encontram correctamente internalizados no mercado, não seria
ignorada pelos agentes interessados.
Por outro lado, como temos sido importadores de créditos de carbono, esta integração no mercado do carbono
não só melhoraria a nossa balança de pagamentos como transformaria pagamentos ao exterior em
pagamentos internos, substituindo importações virtuais de créditos de carbono pela sua criação em Portugal,
através de acções concretas de redução de emissões, criando investimentos e emprego.
Na valorização e selecção das medidas de promoção de eficiência energética, o PPEC está bem concebido,
mas deve passar a aproveitar as maiores possibilidades de financiamento proporcionadas pelo mercado de
carbono e alargar o âmbito de aplicação.
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certificados brancos, dedicados à promoção de medidas de eficiência energética, não só se
dá racionalidade e transparência ao valor destes certificados, como se consegue
solvabilidade e liquidez para estes sub mercados, e ainda se dispensam ou se reduzem os
custos correspondentes à sua manutenção autónoma.
Como a atmosfera terrestre é única, faz sentido alargar as candidaturas de realização de
projectos ou acções proporcionando redução de emissões de GEE para além das fronteiras
dos estados que cooperam num mesmo mercado de direitos de emissão de GEE, o que
estabelece um fluxo de ajuda internacional partindo das actividades compradoras de
direitos, mais poluidoras e sitas no interior deste espaço de cooperação, com destino a
projectos redutores de emissões localizados em países em desenvolvimento que obedeçam
a regras precisas, constantes no designado Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL).
Com efeito, desde que a um projecto seja reconhecido contribuir para reduções certificadas
de emissões (RCE), pode vender os créditos correspondentes, assim se estabelecendo um
fluxo financeiro de ajuda internacional, com origem nos países mais ricos e poluidores e
destinado à promoção de um desenvolvimento mais sustentável em países emergentes ou
menos desenvolvidos. Fluxo que pode ser regulado em volume e destino através das regras
do MDL, que, sem contrariar o desejo dos ambientalistas de reservar as receitas de venda
de direitos de emissão de GEE para o combate a estas emissões, também pode satisfazer os
desejos dos preocupados com a ajuda aos países em desenvolvimento e com a correcção de
efeitos perversos da globalização.
Como a transacção de direitos no mercado direcciona as receitas para a redução das
emissões nos processos que originam a titularidade dos créditos vendidos, devemos
reconhecer que, enquanto não terminar a atribuição gratuita de direitos de emissão, um
desvio mais voluntarista e explícito das receitas dos créditos transaccionados no mercado,
para fins diferentes do combate às alterações climáticas, como a redução das desigualdades
de distribuição da riqueza ou a resolução de problemas gerados pela globalização, é menos
fácil com um mercado de direitos de emissão do que com uma taxa de carbono.
Todavia, como não se espera que a curto e médio prazo a evolução tecnológica
proporcione suficiente redução de emissões para que a concentração de GEE na atmosfera
recupere rapidamente os valores existentes no início da era industrial, o que provocaria
uma abundante oferta de créditos de emissão e baixaria o seu preço no mercado, as
actividades poluidoras não encontrarão direitos suficientes no mercado secundário, sendo
necessário continuar com a emissão de novos. Atribuição que deverá passar a ser onerosa,
embora eventualmente efectuada a preços inferiores aos do mercado secundário, pondo-se
fim à excessiva atribuição gratuita de direitos de emissão às actividades mais poluentes11.
O preço no mercado secundário continuará a depender da quantidade total de direitos
atribuída no mercado primário, mas a distribuição pelas actividades mais poluidoras das
quantidades atribuídas a preço reduzido, deixaria de obedecer apenas ao propósito de
atenuar o impacte do custo dos direitos de emissão no equilíbrio económico destas
actividades, passando também a impedir a apropriação de rendas proporcionadas por
excessiva e prolongada atribuição de direitos de emissão a preço inferior ao de mercado.
Preço que, embora influenciado pela oferta no mercado secundário, pode e deve ser
comandado pelo preço e volume total de direitos atribuídos no mercado primário. Volume
que será comandado de forma a manter um preço suficientemente alto para encorajar a
redução descentralizada de emissão de GEE, por substituição de combustíveis, por opção
11
Ver nota 8
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de energias renováveis e por adopção de procedimentos ambientalmente mais eficientes.
Redução que deve cumprir os programas e as metas acordados internacionalmente.
Para além do volume total de direitos emitidos no mercado primário, comandando o preço
dos créditos no mercado secundário de forma a cumprir os objectivos de redução de
emissões assumidos pelos países aderentes ao mercado de carbono, há que regular a
distribuição destes direitos, por país e por indústria, bem como a diferenciação do
respectivo preço reduzido, de forma a dar cumprimento ao programa de reduções de cada
país sem ultrapassar um volume de compra de direitos no mercado secundário que
inviabilize indústrias ainda economicamente defensáveis ou vitais para o país em causa.
Cumpridos estes objectivos, as receitas esperadas da atribuição não gratuita dos direitos de
emissão de GEE, enormes apesar de reduzidas pelos financiamentos concedidos ao abrigo
do MDL, poderão ser encaminhados para fins diferentes do combate às perturbações
climáticas, nomeadamente para o financiamento de programas voluntaristas de redução das
desigualdades de distribuição da riqueza, da justiça e da paz, ou para a resolução de
problemas gerados pela globalização, como já referido a propósito da taxa de carbono e
como desenvolveremos em 3.6 – Nova ordem fiscal, de adesão gradual e voluntária.
3 MAIOR COOPERAÇÃO GLOBAL
3.1 Mercado quando possível e Estado sempre que necessário,
em cooperação e vigilância recíproca.
O Mercado tem demonstrado ser um bom sistema de selecção de processos produtivos e de
alocação de recursos. E até originou uma onda de excesso de confiança na capacidade de
se auto regular e de gerar desenvolvimento para todos. Bolha que se extinguiu
repentinamente causando a crise de 2008 de que ainda nos não livramos.
Para bem funcionar, há necessidade de atenuar defeitos e falhas, como insuficiente
concorrência e excessivas concentrações de poder económico, e de combater
procedimentos que deteriorem a coesão social ou desfavoreçam as famílias e os indivíduos
com menos possibilidades de actuar no mercado ou mais desprovidos.
Por isso, o Mercado não pode funcionar bem sem um Estado que defina obrigações e
regras, e que assegure o respectivo cumprimento, através dum sistema judicial eficaz, bem
como o respeito de acordos complementares livremente negociados. Por outro lado, de
acordo com o princípio da subsidiariedade, por respeito da liberdade dos cidadãos e
enquanto a prossecução dos objectivos não resulte prejudicada, o Estado deve delegar e
descentralizar as funções de governação e de regulação, apoiando e coordenando os
centros de decisão, públicos ou particulares, sem os privar das suas competências e tendo
sempre em vista a prossecução do bem comum.
Para o sector energético, por exemplo, há questões, como as da garantia de fornecimento,
da segurança e da preservação do ambiente, que, antes de serem microeconómicas e
poderem ser confiadas ao Mercado, são políticas, e devem ser tratadas pela Regulação,
nacional e supranacional. Razão porque a delimitação do âmbito de acção do Mercado e a
compensação das suas falhas e imperfeições têm sido confiadas a instituições
especializadas, com a designação genérica de Reguladores, que actuam na interface entre o
Mercado e o Estado, desejavelmente com grande autonomia dos poderes económico e
político-partidários.
«517» - Redução de Emissões de CO2
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Incluímos na Regulação as questões de Governação mais restritas ou de nível táctico,
exercidas em colaboração com as entidades responsáveis pelas decisões estratégicas.
A Regulação, autónoma mas não independente, deve subordinar-se às instituições do
Estado e obedecer às suas directivas e leis, de que assegura o desdobramento e a
concretização no respectivo campo de actuação, através de regulamentos e normas.
Embora ferindo o princípio da segregação das funções entre a elaboração das normas e a
sua fiscalização, a Regulação também tem sido incumbida de assegurar esta função de
fiscalização, bem como a penalização das desobediências ou a resolução de conflitos entre
interpretações e interesses diferentes. Segregação que, no mínimo, deverá ser certificada na
estrutura interna da Regulação, e sem que a fiscalização não deixe de estar sujeita a recurso
para o poder judicial do Estado.
A crise que atravessamos não pode ser só atribuída ao abuso do poder económicofinanceiro ou ao excesso de confiança nos agentes do Mercado. Por défice e omissão, a
função Regulação também foi responsável por muitos desacertos. É certo que vinha sendo
sucessivamente desvalorizada pelo poder económico… e pelas autoridades políticas que
alinharam na onda de que o Mercado era auto-suficiente. Falava-se demasiado em
desregulação e de menos em nova regulação, adaptada e actualizada para os novos
mercados, mais globalizados e com agentes mais poderosos. E, em vez de reforçada e
coordenada, a capacidade dos reguladores foi sendo sucessivamente reduzida, impedindo a
sua participação em decisões de natureza estratégica, limitando a alçada dos seus poderes e
repartindo as funções por diversos organismos sem política envolvente e sem capacidade
de intervenção conjunta. Motivo porque a Governação, que engloba e a enquadra a
Regulação e que deveria velar pela sua vitalidade, cooperando e apoiando, sem a limitar
nem destruir, também deve ser responsabilizada pela crise.
E o comprometimento de grupos privados bem organizados e com fortes acções de
lobbying, sobre os centros de decisão em geral e sobre a Regulação em particular, também
não pode ser esquecido nem menosprezado. Igualmente, o poder cultural, detentor do
conhecimento e defensor dos valores éticos e do bem comum, não soube ou não pode
apoiar-se em meios de comunicação independentes dos poderes económicos e políticos
para impedir ou limitar a crise.
Na reacção a ameaças então eminentes, o poder político exagerou nos recursos, auto
dispensou-se das regras de transparência e de prudência sobre delimitação de riscos, e
também ultrapassou os limites da prudência e da confiança, prolongando a crise. O que
evidenciou que quer o poder económico quer o poder político se devem manter separados,
autónomos, equilibrados, democraticamente distribuídos e subordinados a regras
supranacionais e constitucionais de delimitação de esferas de competência e de recíproca
moderação e fiscalização. E devem cooperar no prosseguimento do Bem comum, sem
procurar o predomínio de um sobre o outro.
3.2 Saldar défice de Regulação supranacional
Uma Regulação a nível nacional, de modo indicativo ou imperativo, não dispensa o apoio
de uma Governação exercida a nível supranacional, com os necessários desdobramentos
por Estado. E mesmo os grandes países sabem por experiência que até para alcançar
objectivos nacionais é muitas vezes insuficiente contar unicamente com políticas internas,
sem o apoio de acordos, regras e instituições internacionais, capazes de fixar e fazer
«517» - Redução de Emissões de CO2
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respeitar normas de transparência e de prudência12. Por maioria de razão, a soberania
nacional não é suficiente para enfrentar as perturbações climáticas, de dimensão global. E a
falta de uma autoridade supranacional forte e operacional foi outro grande défice
evidenciado pela Cimeira de Copenhaga, aliás ainda longe de estar colmatado.
Com efeito, demonstrando mais uma vez que a actual Organização das Nações Unidas
(ONU) ainda não é capaz de exercer esta função nem de preparar os consensos necessários
à resolução dos grandes problemas que condicionam o futuro da humanidade, a Cimeira de
Copenhaga não conseguiu ultrapassar a barreira das independências nacionais, mormente
as dos grandes países, como a dos Estados Unidos da América, impossibilitados de decidir
sem uma posição validada pelo Congresso, ou as da China, do Brasil e da Índia, resistindo
à imposição exterior de políticas fortemente estruturantes em matérias que consideram da
sua estrita soberania.
A Cimeira também mostrou não estar preparada nem em condições para reconhecer a
operacionalidade e a oportunidade de alargar a experiência europeia do mercado de direitos
de emissões de GEE baseada no Protocolo de Quioto e nas posteriores Directivas da UE.
E, sem menosprezar a extemporaneidade de terem sido propostos objectivos demasiado
ambiciosos e mal defendidos, a inexistência de suficiente autoridade supranacional deve
ser considerada como a causa determinante do reduzido sucesso da Cimeira de Copenhaga,
mormente, da não adopção de um mercado global de GEE13.
Apesar da União Europeia já ter decidido reduzir de 20% as suas emissões de GEE até
2020, o que facilitaria o prolongamento do Protocolo após 2012, e apesar do Mecanismo
de Desenvolvimento Limpo (MDL) assegurar uma expressiva ajuda ao desenvolvimento
dos países do Sul, favorecendo a não oposição destes países, a UE nem sequer conseguiu
que o Protocolo de Quioto fosse referido no acordo de Copenhaga, que se limitou a um
fraco compromisso de alguns países reduzirem quantitativamente as emissões de GEE e de
modestamente contribuírem para fundos de ajuda aos países emergentes14. Acordo com
numerosos problemas jurídicos, pois não estava assinado nem tinha o carácter dum tratado.
Para além disso, não se realizou no interior de nenhuma instituição internacional que
assegure recurso sobre o incumprimento ou esclarecimento de dúvidas sobre os seus
textos.
12
É mesmo desejável alcançar soluções de soberania compartilhada, inspiradas na experiência da integração
europeia, a partir de problemas concretos, no contexto de uma visão de paz e de prosperidade, radicada em
valores compartilhados. E compete à comunidade internacional e aos governos nacionais dar os justos sinais
para contrastar de modo eficaz, no uso do ambiente, as modalidades que resultem danosas para o mesmo.
Para proteger o ambiente e tutelar os recursos e o clima é preciso, por um lado, agir no respeito de normas
bem definidas, mesmo do ponto de vista jurídico e económico e, por outro, ter em conta a solidariedade
devida a quantos habitam nas regiões mais pobres da terra e às gerações futuras. (Bento XVI - CV7).
13
O objectivo de Copenhaga seria o de encontrar um novo regime climático mundial, que impedisse rupturas
e vazios quando o Protocolo de Quioto terminar em 31 de Dezembro de 2012. Esse objectivo desdobra-se em
muitos outros de natureza sectorial: metas e calendário de redução das emissões (mitigação); uso de
mecanismos de mercado (o comércio de emissões, por exemplo); a transferência de tecnologia e de recursos
financeiros para os países emergentes e menos desenvolvidos (para que as suas emissões aumentem menos
do que o estimado); criação de estratégias sectoriais globais de redução das emissões (cimento, papel,
siderurgia, etc.); apoio à adaptação; estímulo ao combate à desflorestação, promovendo a gestão sustentável
das florestas. Viriato Soromenho-Marques - Brotéria 169 (2009) 749-759
14
Washington apenas contribui com 3.5 gigadólares para o fundo de ajuda até 2012, enquanto que a Europa e
o Japão contribuirão com 10 gigadólares, cada um.
«517» - Redução de Emissões de CO2
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As Nações Unidas ainda são a instituição mais adequada para coordenar todas as acções e
iniciativas dos seus 192 Estados membros. Os G2, G8, G20 podem ajudar a abrir e a
preparar caminhos e acordos, mas só a nível da ONU, que é muito mais do que um G192,
poderemos obter o tratado global e compulsivo necessário. Esforcemo-nos para que a ONU
consiga auto reformar-se para o conseguir preparar e negociar.
3.3 Objectivos realistas e diferenciados por país
Apesar de não ter correspondido às expectativas, a Cimeira de Copenhaga não deve ser
considerada um desastre mas sim como a indispensável passagem de um tormentoso cabo
numa viagem que, em maior contexto cooperativo, deverá conduzir a um regime
internacional vinculativo de redução das emissões de GEE.
Com efeito, a Cimeira de Copenhaga alcançou a promessa de importantes países não
signatários do Protocolo de Quioto reduzirem as suas emissões, e prenuncia um conjunto
de normas internacionais permitindo o acompanhamento de acções de cada um. Assim, por
exemplo, a referência a um limite de 2ºC de elevação da temperatura média implica a
aprovação dum nível máximo de concentração de GEE na atmosfera, o que pode ser
entendido como a aceitação de um compromisso preciso e concreto, embora ainda sem
data, por grandes países como Estados Unidos da América, China, Índia e Brasil. E sem
estes países não fazia sentido prosseguir, pois o seu peso em emissões é dominante. Aliás,
não só estes, mas também outros países, reconheceram a necessidade de cooperar no
combate às perturbações climáticas e, embora de forma ainda precária e pouco ambiciosa,
declararam aceitar compromissos quantitativos de redução de emissões de GEE.
Sem uma Regulação supranacional competente e forte, que não existe, e sem maior
redução das grandes assimetrias existentes entre os povos, ainda não conseguida,
condições necessárias ao funcionamento eficiente de qualquer mercado global de direitos
de emissão de GEE, a marcha tem de ser mais lenta e os objectivos não podem ser tão
ambiciosos. Há metas preliminares que devem ser formuladas e alcançadas antes de se
poder pensar em mercados de direitos de emissão, mesmo regionais e pouco coordenados
entre si.
Não podemos dispensar um acordo internacional compulsivo mas, atendendo à população
e ao produto interno bruto (PIB) por habitante, este acordo poderá passar pela fixação
diferenciada de limites de emissões de GEE por país. Outra alternativa possível, sob uma
aproximação dinâmica que já parece ter alguma aceitação por parte dos países emergentes,
seria a redução das emissões de GEE ao mesmo ritmo com que aumentam a sua riqueza:
1% de redução por cada 1% de acréscimo do PIB.
Acordados os objectivos de emissões a não ultrapassar e os meios de verificar o seu
cumprimento, poderão ser aceites taxas de carbono diferenciadas por região ou país, quer
quanto ao valor quer quanto a exonerações, protegendo actividades locais ou segmentos de
população mais sensíveis, como veremos a seguir.
3.4 Taxas compensadoras nas fronteiras
A diferenciação regional das taxas de carbono origina um forte risco de deslocalização de
investimentos e de empregos dos países de maior taxa para os de menor taxa, pelo que a
adopção desta diferenciação implica que a Organização Mundial do Comércio (OMC)
aceite a existência de taxas compensadoras das diferenças entre as taxas de carbono
vigentes nos países exportadores e importadores, considerando as exonerações existentes e
não só os valores nominais.
«517» - Redução de Emissões de CO2
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Não se trata de prejudicar os produtores nem os países exportadores, nem de prejudicar o
aproveitamento de qualquer recurso local ou de anular qualquer vantagem competitiva.
Apenas se pretende que os consumidores paguem a poluição que originam,
independentemente do lugar onde esta ocorre. E, embora esta taxa compensadora não
possa nem deva ser confundida com um meio disfarçado de proteccionismo, também não
deve deixar de satisfazer os requisitos da OMC quanto a formalidades a cumprir e quanto a
pagamentos gerados a não exceder.
Por outro lado, apesar de poder configurar dumping, para reduzir o risco de deslocalizações
de investimentos e de empregos, não se deve excluir a possibilidade desta taxa
compensadora ser negativa. A liberalização das trocas internacionais e a integração dos
países num comércio justo e respeitador dos seus direitos também é um objectivo a
prosseguir que deve ser compatibilizado com o da protecção do ambiente.
Infelizmente, o combate ao acréscimo de emissões de GEE através dum mercado de
direitos de emissão, devido à atribuição de direitos gratuitos e à existência de especulação,
proporciona menos transparência sobre o valor dos pagamentos efectuados por cada
indústria na aquisição destes direitos e, por isso, não se presta tanto à implantação de uma
taxa compensadora que atenda às diferenças efectivamente existentes entre países.
Todavia, como alguns países já fazem, não é de excluir a coexistência de um sistema de
taxas de carbono com um mercado de direitos de emissão.
Para poder aplicar uma taxa compensadora na fronteira, os países no interior de um
mercado de direitos de emissão de GEE, teriam de também possuir um sistema de taxas de
carbono incidindo sobretudo nas indústrias de bens e serviços originando maior poluição.
E, para além de a estas indústrias serem atribuídos direitos de emissão, gratuitos ou não,
seria o valor efectivo médio desta taxa que serviria de base para o cálculo da taxa
diferencial a aplicar aos produtos importados.
A aquisição no mercado de créditos de emissão complementares continuaria a estimular a
opção por métodos e processos de utilização de bens e serviços mais limpos, sempre que o
custo associado fosse inferior ou igual ao valor dos créditos correspondentes às emissões
evitadas.
Para além duma taxa compensadora poder reduzir as dificuldades dalguns países se
envolverem e colaborarem nas negociações internacionais de redução de emissões de GEE,
tem ainda o mérito de acelerar a convergência por cima das taxas de carbono adoptadas por
cada um. O consumidor final, principal responsável pelas emissões, paga sempre a taxa
vigente no seu país, em princípio adaptada ao seu grau de desenvolvimento e de
responsabilização na luta contra as perturbações climáticas, mas o país exportador só se
apropria da taxa aí vigente, incentivando-o a adoptar uma taxa de carbono suficientemente
elevada para minimizar a perda da taxa diferencial na entrada do país importador.
Note-se que a existência desta taxa compensadora não contraria a aplicação das receitas
das taxas de carbono na promoção de fontes de energia mais limpas nem de processos de
utilização de energia ambientalmente mais eficientes. E, como foi referido a propósito dos
mercados de direitos de emissão de GEE, a adopção de objectivos de redução destas
emissões sucessivamente mais exigentes, até valores pré-industriais, exigirá a prática de
taxas de carbono cada vez mais elevadas e/ou a acelerada substituição da atribuição
gratuita de direitos por atribuição onerosa, proporcionando uma rara oportunidade para
profunda revisão do sistema fiscal, a nível nacional e supranacional, como veremos a
seguir.
«517» - Redução de Emissões de CO2
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3.5 Redução de emissões com maior cooperação internacional
A maior parte dos países do sul, e em particular os mais pobres e desprovidos, já estão a
ser vítimas de alterações climáticas e não têm os meios adequados para agir. Por razões de
justiça, não se lhes deve solicitar esforços que os países industrializados não sentiram
quando passaram pela mesma fase de crescimento. Estes países menos industrializados
pouco mais podem fazer do que imitar ou adoptar as tecnologias verdes previamente
desenvolvidas pelos países do norte… se as tiverem acessíveis e disponíveis a preço
reduzido. Assim, para além de deverem ser dispensados de taxas de carbono enquanto as
suas emissões de GEE por habitante forem inferiores a limiares a acordar, estes países mais
pobres ainda devem beneficiar de ajuda nos esforços a realizar para limitar o ritmo de
crescimento destas emissões.
Auxílio que deve ser entendido como o pagamento duma dívida das populações mais
industrializadas para com as menos desenvolvidas e muito prejudicadas pela deterioração
do ambiente. Pagamento que deve proporcionar transferências financeiras, de tecnologia e
de organização, suficientes para ajudar aquelas populações a vencer dificuldades que as
mais avançadas não tiveram quando passaram pela mesma fase de desenvolvimento.
Transferências que podem ser alimentadas pelas receitas das taxas de carbono e da venda
de créditos de emissão de GEE, colectadas nos países mais industrializados, à semelhança
do previsto através do MDL, referido a propósito dos mercados de carbono em 2.3 –
Fiscalidade complementar menos explícita, mas exigindo maior harmonização
internacional.
Todavia, há que reconhecer que nem todas as transferências de recursos financeiros e de
tecnologia podem ser inseridos nos mesmos esquemas de ajuda. Para os grandes países
emergentes há outros problemas a considerar, mais complexos e delicados. A China, a
Índia e o Brasil já estão envolvidos no comércio internacional e nos processos de inovação
global. E com a China ainda existem outros problemas, específicos e de grande dimensão.
Acumula exagerados excedentes nas relações comerciais com os países desenvolvidos,
sustentados numa moeda subavaliada, e em condições sociais menos favoráveis ou em
políticas ambientais menos exigentes que as dos países importadores. Simultaneamente,
prossegue uma acelerada modernização da sua indústria procurando tornar-se fornecedora
de equipamentos de alta tecnologia, inclusive nos sectores de preservação do ambiente15.
Não se trata de travar o acesso da China nem de outros grandes países emergentes a novas
tecnologias, mas é preciso adaptar as modalidades de cooperação, sem perder as
contrapartidas financeiras devidas pelas transferências de tecnologia efectuadas para estes
países, sem expor as quotas de mercado dos países mais desenvolvidos a concorrências
15
Para além de uma leal solidariedade entre as gerações, há que reafirmar a urgente necessidade moral de
uma renovada solidariedade entre os indivíduos da mesma geração, especialmente nas relações entre os
países em vias de desenvolvimento e os países altamente industrializados: «A comunidade internacional tem
o imperioso dever de encontrar as vias institucionais para regular a exploração dos recursos não renováveis,
com a participação também dos países pobres, de modo a planificar em conjunto o futuro». A crise ecológica
manifesta a urgência de uma solidariedade que se projecte no espaço e no tempo. Com efeito, é importante
reconhecer, entre as causas da crise ecológica actual, a responsabilidade histórica dos países industrializados.
Contudo os países menos desenvolvidos e, de modo particular, os países emergentes não estão exonerados da
sua própria responsabilidade para com a criação, porque o dever de adoptar gradualmente medidas e políticas
ambientais eficazes pertence a todos. Isto poder-se-ia realizar mais facilmente se houvesse cálculos menos
interesseiros na assistência, na transferência dos conhecimentos e tecnologias menos poluidoras. Bento XVI Dia Mundial da Paz-2010
«517» - Redução de Emissões de CO2
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favorecidas por menores taxas de carbono e por condições sociais menos favoráveis, e sem
neutralizar o incentivo que estas diferenças constituem para a deslocalização dos
investimentos.
3.6 Nova ordem fiscal, de adesão gradual e voluntária
As novas tecnologias de crescimento sustentável são fundamentais para a economia de
amanhã. E, tal como a atmosfera terrestre, a economia mundial, cada vez mais globalizada,
é única e tem a mesma necessidade urgente de menos competição e de mais cooperação.
Simultaneamente com a recomposição das relações geopolíticas exigida pelas mudanças
climáticas, também é necessário alterar o sistema económico e social, que não poderá
suportar as assimetrias e desigualdades de distribuição da riqueza, de justiça e de bem estar
vigentes no início deste século. Não se trata de generalizar para complicar, mas para mais
seguramente determinar a melhor e mais segura solução para os ansiados objectivos de
redução concertada de emissões de GEE e para uma globalização que não faça crescer
pobreza e desigualdade16.
Regressando à Cimeira de Copenhaga, também devemos referir o contributo da sociedade
civil, positivo e muito promissor. Através da presença forte e activa das organizações não
governamentais, mais uma vez foi manifestado o seu enorme empenho na preservação do
ambiente e no avanço das negociações necessárias. Para além disso, os movimentos alteromundialista e ecologista aliaram-se e colocaram a questão climática entrosada com
questões de justiça social, nomeadamente com os infelizmente pouco recordados
Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, adoptados pela ONU, em Setembro de 2000.
Assim, para além de se utilizar os enormes fluxos potencialmente gerados pelas taxas de
carbono apenas para a promoção de reduções de emissões de GEE, importa que também
sejam usados para reduzir as assimetrias de riqueza existentes, nomeadamente através da
prossecução dos objectivos do milénio quando à disponibilização de água potável e
educação básica.
Todavia, também relativamente a este problema, o resultado da Cimeira de Copenhaga não
pode ser considerado satisfatório. A consignação das receitas da taxa sobre o carbono ou
da venda de direitos de emissão já vinha sendo objecto de profunda reflexão e de acesa
discussão, desde longa data e não apenas durante a Cimeira. De facto, como temos
referido, muitos autores, considerando que as receitas recolhidas não serão suficientes para
a resolução dos problemas ambientais e não se apercebendo ou menosprezando as enormes
consequências das taxas de carbono (ou da venda de direitos de emissão) na redistribuição
dos rendimentos, querem que a colecta seja reservada para aquele efeito. Posição que
parece estar a perder força face à de outros autores que, considerando indispensável uma
enorme reforma do sistema fiscal, pensam que a instituição destas taxas oferece uma rara
ocasião de melhorar os efeitos redistributivos deste sistema, quer no interior das nações
quer nas relações internacionais, envolvendo uma profunda revisão do sentido da economia
e dos seus objectivos.
16
Adequadamente concebidos e geridos, os processos de globalização oferecem a possibilidade duma grande
redistribuição da riqueza a nível mundial, como antes nunca tinha acontecido; se mal geridos, podem, pelo
contrário, fazer crescer pobreza e desigualdade, bem como contagiar com uma crise o mundo inteiro. É
preciso corrigir as suas disfunções, tantas vezes graves, que introduzem novas divisões entre os povos e no
interior dos mesmos, e fazer com que a redistribuição da riqueza não se verifique à custa de uma
redistribuição da pobreza ou até com o seu agravamento, como uma má gestão da situação actual poderia
fazer-nos temer (Bento XVI - CV 42).
«517» - Redução de Emissões de CO2
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Assim, para além duma ajuda aos países mais pobres, não limitada à redução das emissões
de GEE, incluem nesta profunda reforma do sistema fiscal a manutenção e o alargamento a
outros países do sistema social de tipo europeu, cujo financiamento, actualmente baseado
em forte tributação do factor trabalho, se considera difícil de manter face à concorrência
dos países emergentes, com abundante mão de obra e ainda sem iguais preocupações de
justiça social. Manutenção que passaria a beneficiar da substituição de receitas obtidas de
taxas sobre o factor trabalho, por receitas obtidas de taxas sobre o carbono.
Receitas que correspondem a rendas resultantes da utilização da capacidade natural de
processamento do CO2 pelo sistema terra, bem comum da humanidade, anteriormente
sobrante e de utilização livre, mas que se tornou escasso, proporcionando rendas, que não
devem ser apropriadas apenas por alguns povos, mas distribuídas por todos, incluindo os
mais pobres, respeitando-os como reais comproprietários.
A caracterização fina dum dispositivo fiscal tão importante necessita, a nível nacional, da
estreita cooperação de muitos serviços de vários ministérios, das finanças à economia, e do
ambiente aos assuntos sociais, passando pela energia e pelo trabalho. Cooperação nacional
que não dispensa negociações e entendimentos a nível supranacional. E, como aconteceu
em Copenhaga, é ilusório e frustrante pretender procedimentos comuns, uniformes e de
aplicação simultânea e rápida para todos os países, ignorando interesses prejudicados e
sem dar tempo para acordar processos, etapas intermédias e meios de controlo, nem para
estabelecer as instituições adequadas a estas funções e serviços. Não se constrói um mundo
melhor apenas com a proposição de objectivos muito bons e com acusações a quem não os
aceita e segue.
A adesão gradual a etapas intermédias é mais segura e fácil de conseguir com sucesso.
Aceitemos passar por acordos de cumprimento compulsivo sobre: a) redução de emissões,
eventualmente apenas baseados em taxas de carbono mas sem excluir a adopção
complementar de mercados de direitos de emissão; b) de ajuda internacional, explicitando
as verbas a doar, eventualmente dependentes das receitas obtidas com as taxas de carbono;
e c) de protecção dos países mais avançados de aparentes vantagens competitivas que os
mais atrasados poderão tentar aproveitar e que mais não são mais do que fugas ao
pagamento de maiores poluições, protecção eventualmente efectuada através duma taxa
compensadora a aplicar nas importações.
A União Europeia, embora desanimada e frustrada com a Cimeira de Copenhaga, não deve
deixar de perseguir uma economia mais respeitadora do ambiente nem de perseverar na
construção de uma sociedade mais solidária. Pode e deve manter o avanço proporcionado
pela adopção de um mercado de carbono, aumentando a sustentabilidade e a
competitividade da sua economia, reajustando a sua política social e alargando a sua
influência política no mundo. O nosso futuro não está predestinado, depende de escolha
permanente.
Lisboa, 17 de Março de 2010
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