XIV CONGRESO INTERNACIONAL DE
HISTORIA AGRARIA
(Badajoz, 7-9 de noviembre de 2013)
Margarida Sobral Neto
(Universidade de Coimbra)
Formas de acesso à posse da terra e à fruição de rendimentos fundiários em
Portugal na Época Moderna: o caso da enfiteuse.
Sesión Simultánea A.2. y B.2.
Los derechos de propiedad sobre la tierra y sus apropiaciones sociales: accesos,
luchas, negociaciones, legitimidades. Los mundos ibéricos.
Formas de acesso à posse da terra e à fruição de rendimentos fundiários em
Portugal na Época Moderna: o caso da enfiteuse.
Margarida Sobral Neto
Universidade de Coimbra (Faculdade de Letras)
Propomo-nos debater neste texto o problema dos direitos de propriedade na época
moderna nomeadamente os que estão consubstanciados na figura jurídica da enfiteuse.
A evidência empírica que suporta a análise e o ensaio de interpretação está
contida na minha tese de doutoramento intitulada Terra e conflito. Região de Coimbra
(1700-1834) e em outros estudos de caso referentes à problemática do regime senhorial
realizados para espaços situados a Norte do Tejo.
As chaves de leitura e interpretação são consentâneas com as expostas na obra
Contexts of Property in Europe. The social Embeddedness of Property Rights in
Historical Perspective editado por Rosa Congost & Rui Santos.
O conceito de embeddedness tal como foi formulado por Karl Polanyi na obra A
Grande Transformação tem no regime jurídico ou no sistema enfiteutico uma particular
aplicabilidade pela sua incrustação nas relações sociais da sociedade portuguesa de
Antigo Regime. Com efeito, a apropriação que foi feita da enfiteuse por diversos estratos
sociais, de forma particular, pelos mais elevados, demonstra a plasticidade deste instituto
jurídico e a sua capacidade de legitimar a distribuição da produção e dos rendimentos
fundiários (socialmente nobilitantes) por diversos grupos e entidades.
Pretende-se ainda demonstrar a convergência, nos usos económicos, sociais e
simbólicos da enfiteuse, das dinâmicas da reciprocidade, do domínio e do lucro.
Abstract
Forms of access to land ownership and enjoyment of land yields in Portugal in the
Early Modern Era: the case of emphyteusis.
Margarida Neto
University of Coimbra (Faculty of Letters)
In this text we will discuss the issue of property rights in the Early Modern Era, in
particular those embodied in the legal entity of emphyteusis.
The empirical evidence that supports the analysis and attempt at interpretation is
contained in my doctoral thesis Terra e conflito. Região de Coimbra (1700-1834) (Land
and conflict. Region of Coimbra (1700-1834)) and in other case studies concerning the
theme of the manorial regime, focusing on spaces North of the Tagus.
The key concepts for understanding and interpretation are in line with those
exposed in the work Contexts of Property in Europe. The social Embeddedness of
Property Rights in Historical Perspective edited by Rosa Congost and Rui Santos.
The concept of embeddedness, in the way it was formulated by Karl Polanyi in the
work The Great Transformation: The Political and Economic Origins of Our Time, has a
particular applicability to the legal system or to the emphyteutic system for its
incrustation into the social relationships of the Portuguese society in the Ancien Régime.
In fact, the appropriation of emphyteusis by various social strata, particularly by the
highest ones, demonstrates the plasticity of this legal entity and its ability to legitimize
the distribution of land yields and revenues (conferring nobility) among various groups
and entities.
We also intend to demonstrate the convergence - in the economic, social and
symbolic uses of emphyteusis - of the dynamics of reciprocity, dominion and profit.
Formas de acceso a la posesión y al disfrute de los rendimientos de la tierra
en Portugal en la Época Moderna: el caso de la enfiteusis.
Margaret Sobral Neto
Universidad de Coimbra (Faculdad de Letras)
En este texto nos proponemos discutir el problema de los derechos de propiedad
en la Época Moderna en particular aquellos inherentes a la figura legal de la enfiteusis.
La evidencia empírica que apoya el análisis y el ensayo de interpretación está
contenida en mi tesis doctoral titulada Terra e conflito. Região de Coimbra (1700-1834)
(Tierra y conflicto. Región de Coimbra (1700-1834)) y en otros estudios de caso sobre el
problema del régimen señorial que tratan de espacios al norte del Tajo.
Las claves de lectura e interpretación están en consonancia con lo expuesto en la
obra editada por Rosa Congost y Rui Santos Contexts of Property in Europe. The social
Embeddedness of Property Rights in Historical Perspective.
El concepto de embeddedness así como fue formulado por Karl Polanyi en su obra
The Great Transformation: The Political and Economic Origins of Our Time tiene en el
ordenamiento jurídico o en el sistema enfitéutico una aplicabilidad particular que se debe
a su incrustación en las relaciones sociales de la sociedad portuguesa del Antiguo
Régimen. En efecto, la apropiación de la enfiteusis fue hecha por distintos estratos
sociales, especialmente por los de más alto rango, lo que demuestra la plasticidad de este
medio legal y su capacidad para legitimar la distribución de la producción y de los
rendimientos de la tierra (que proporcionan nobleza) por diversas entidades y grupos.
Pretendemos también demonstrar la convergencia, en usos económicos, sociales y
simbólicos de la enfiteusis, de las dinámicas de la reciprocidad, del dominio y del
beneficio.
Formas de acceso a la posesión y al disfrute de los rendimientos de la tierra en
Portugal en la Época Moderna: el caso de la enfiteusis.
1. Olhares sobre a enfiteuse
1.1. A abordagem jurídica da enfiteuse
Os estudos sobre história da propriedade iniciaram-se, em Portugal, em finais do
século XVIII, num contexto de contestação antisenhorial. Os seus autores eram juristas:
uns professores universitários – Mello Freire – que produziram argumentos utilizados
fundamentalmente contra os senhores vertidos em manifestos que circularam pelos
campos (caso dos que saíram do punho do abade de Monsarros); outros advogados das
casas senhoriais – Manuel de Almeida de Sousa Lobão e João Pedro Ribeiro.
O contrato enfiteutico esteve no centro deste debate e foi objeto de análise em
vários livros. O grande desafio assumido por estes juristas do tempo das Luzes, herdeiros
do pensamento de Descartes, era tentar separar e identificar os fios cruzados de uma teia
que se configurava, na expressiva frase de João Pedro Ribeiro, como um “todo
monstruoso”. Tendo como ponto principal ponto de referência a legislação produzida ao
longo do tempo – em particular as Ordenações do Reino – e desconhecendo a construção
histórica dos direitos de propriedade, estes autores prosseguiam um objetivo impossível:
o de destrinçar o direito enfiteutico do, por si denominado, “direito feudal”. Não estando
em causa a enfiteuse – entendida como contrato resultante de acordo entre partes – o
sonho prosseguido por estes intelectuais, que se pretendiam orientar pela “razão”, era
depurar este instituto jurídico de “contaminações senhoriais”, provenientes de doações e
de forais régios.
Entre as obras produzidas, as que revelam uma maior aproximação à complexidade
dos direitos de propriedade, na sua espessura histórica (e que melhor conseguem
desconstruir o imbróglio enfiteutico) são as escritas pelo advogado originário de Lobão
(pequena aldeia da Beira Alta) – Manuel de Almeida e Sousa – autor dos argumentos
mais fortes no sentido da legitimação histórica dos direitos dos senhores.
Foi num contexto de intensa luta, nos campos e nos tribunais, contra o domínio
universal dos donatários da coroa sobre os recursos da terra que ocorreu a Revolução
Liberal de 1820.
Os juristas liberais verteram no art. 6º. da Constituição de 1822 a seguinte
concepção de propriedade: “a propriedade é um direito sagrado e inviolável que tem cada
português de dispor à sua vontade de todos os seus bens”. Este conceito de propriedade
classificada pelos juristas como “perfeita” fazia com que todas as outras formas de
apropriação social de direitos de propriedade fossem denominadas “imperfeitas” e
“limitadas” – os usos comunitários da terra, as práticas enfiteuticas, os vínculos – e, como
tais, alvo do legislador apostado em colocar na prática o princípio constitucional que
visava tornar os cidadãos (alguns cidadãos) proprietários plenos dos seus bens.
O desiderato do legislador de libertar a propriedade de todas as imperfeições havia
de se configurar de execução muito difícil. Depois de um intenso debate nas cortes
liberais sobre a natureza dos direitos consagrados em foral (que visava separar tributos
provenientes de doações régias das prestações enfiteuticas acordadas em contratos,
teoricamente bilaterais e comutativos), debate que se arrastou por doze anos, os políticos
liberais concluíram pela impossibilidade de reformar o sistema senhorial.
Nestas
circunstâncias, decretaram, através da mão de Mouzinho da Silveira (1832-34), a
extinção dos forais bem a na nacionalização dos bens casas senhoriais religiosas,
masculinas e femininas, beneficiárias, legitimamente ou por usurpação, de doações régias
de terras e de tributos.
A apropriação pelo Estado dos bens das instituições religiosas, e posterior
lançamento de propriedade rústica e urbana no mercado, satisfez os interesses de muitos
– nobres e burgueses – que passaram da condição de enfiteutas, ou mesmo de
subenfiteutas, para a de proprietários, muitos do domínio direto da terra.
A extinção dos forais e a abolição de outros tributos (foros, censos, rações)
impostos em bens da Coroa atingiu, igualmente, casas senhoriais aristocráticas e outras
instituições, alargando o número de enfiteutas proprietários.
Em meados do século XIX, travou-se, em Portugal, um debate sobre a enfiteuse: os
partidários de um ideia de propriedade “perfeita”, adversa de todas as formas de
propriedade “imperfeita”, confrontaram-se com os que lhe reconheciam utilidade social,
de forma particular num momento em que chegavam, a Portugal, os ecos da agitação
social em França que aconselhava uma ligação dos camponeses à terra como forma de
preservar a paz social.
Alexandre Herculano, um grande defensor da pequena propriedade afirmava:
“Para mim o grande meio de progresso [...] no melhoramento das classe
laboriosas, do chamamento do proletário ao gozo da propriedade e, por ela, aos bons
costumes e ao amor da pátria é a enfiteuse”(carta ao Dr. Joaquim M. Da Silva, [s/d],
Cartas, tomo II, Lisboa, 1914, p. 249).
Tendo vencido os partidários da enfiteuse, o Código Civil de 1867 preservou os
prazos particulares, regulando-os no art. 1653. O mesmo código aboliu a subenfiteuse. O
decreto de 30 de setembro de 1892 viria, no entanto, a repô-la, sendo, no entanto,
limitada posteriormente (1895) aos terrenos incultos.
A atividade legislativa liberal foi suportada em textos de juristas – textos
académicos e textos legitimadores de interesses sociais dirimidos nos tribunais –
sistematizadores do direito enfiteutico. Do exposto se conclui que a enfiteuse depurada
das “excrescências” feudais resistiu incólume à legislação liberal, o que constitui um
indicador da sua profunda incrustação social.
O debate sobre a enfiteuse prosseguiu na sequência da 1ª República período em que
se decretou a remissão de foros. Este direito foi consignado no decreto de 23 de maio de
1911, diploma que, segundo o jurista Júlio de Almeida Costa, desferiu o golpe fatal na
enfiteuse, dando sequência a uma “lenda negra anti-enfiteutica” que se gerara em finais
do século XVIII e reforçara ao longo do século XIX1.
Júlio de Almeida e Costa é uma referência na historiografia relativa à história
propriedade em Portugal e, em particular, à história da enfiteuse, sendo autor de um
artigo do Dicionário de História de Portugal subordinado a este tema, no qual traça a
configuração normativa deste instituto até aos anos 60 do século XX, e de um detalhado
estudo positivista sobre As Origens da Enfiteuse no Direito Português, onde analisa a sua
configuração histórica medieval2.
Este eminente professor da Faculdade de Direito de Coimbra interveio no debate
que se desenrolou em Portugal durante o Estado Novo no momento de preparação da
constituição de 1966. O Código Civil saído neste contexto manteve os contratos
enfitêuticos pré-constituídos à entrada em vigor do Código Civil de 1966, determinando,
no entanto, que não seriam permitidos novos contratos de enfiteuse.
Paradoxalmente, a extinção definitiva da enfiteuse viria a ser consignada no texto
da Constituição que emergiu da Revolução do 25 de Abril de 1974: a Constituição de
1976. O Decreto-Lei nº 195-A/76 de 16 de março regulou a extinção da enfiteuse em
prédios rústicos e o nº 233/76 de 2 Abril em prédios urbanos. No preâmbulo do primeiro
1
COSTA, 1962.
2
COSTA, 1957.
3
ROCHA, 705.
4
NETO, 2003.
5
Livro IV da Collecção de Cortes com suas respostas e algumas Leys que dellas
decreto pode ler-se: “A enfiteuse relativa a prédios urbanos é um instituto jurídico que
não desempenha, nos tempos actuais, qualquer função social útil”.
A assembleia constituinte, em matéria de propriedade, havia de centrar o debate
sobre a propriedade comunitária (baldios) da qual os povos tinham sido esbulhados na
sequência da política de colonização interna do Estado Novo.
O debate sobre a enfiteuse continuaria nos tribunais, sendo acionado por
proprietários de foros descontentes com as indemnizações.
Como decorre do atrás exposto na historiografia sobre a enfiteuse destacam-se os
especialistas em direito que escreveram as suas obras tendo como fontes principais os
textos normativos. Os seus estudos revelam-nos uma parte importante da vida desta
instituição, a construção jurídica, sendo, no entanto, muito insuficientes para
compreender as profundas razões da sua longa duração: o seu enraizamento social.
1.2. A historiografia económico-social
Até aos anos 70 do século XX a história rural não se constituiu como objeto de
investigação universitária em Portugal. Constituem exceções os estudos realizados por
Albert Silbert sobre o Alentejo e a Beira Baixa e a obra de A. Oliveira Marques intitulada
Introdução à História da Agricultura em Portugal, estudo que só viria a ter impacto nos
meios académicos após 1970.
A partir de 1970. operou-se uma profunda mudança na historiografia portuguesa
que passa a tratar temas contidos na agenda historiográfica da denominada História Nova
de Marc Bloch. A existência de bons núcleos documentais sobre casas senhoriais
religiosas levaram alguns historiadores medievalistas e modernistas a abordarem o campo
da história económico-social a partir dessas fontes, adequadas a aproveitamentos seriais.
Dessas investigações resultaram fundamentalmente estudos sobre as seguintes temáticas:
património fundiário (nas vertentes de composição, organização e gestão), produção
agrícola, formas de acesso à terra, contratos e renda agrária.
As fontes que suportaram estes trabalhos foram sobretudo escrituras notariais e
cadastros de propriedade, denominados tombos, que se revelaram particularmente
adequadas para o estudo da propriedade enfiteutica tanto nos seus aspetos estruturais
(tombos) como conjunturais (escrituras notariais). A partir dos tombos foi possível
conhecer a natureza e dimensão das terras aforadas, as prestações que incidiam sobre
cada uma das parcelas, a organização das terras em função do pagamento dos direitos
senhoriais (casais ou terrachã), as condições de exploração da terra e pagamento da renda
(tipo de contrato, regime de sucessão, exigências senhoriais relativas à beneficiação das
terras), direitos e deveres de senhorios diretos e úteis. Por sua vez, as escrituras notariais,
complementavam as informações dos tombos permitindo estudar a enfiteuse em
diacronia, nomeadamente a evolução dos aforamentos e as renovações de prazos.
No que diz respeito as “condições de realização” da enfiteuse as escrituras notariais
e os tombos apresentavam muitas respostas, deixando, no entanto, em aberto muitas
perguntas.
Atendendo ao elevado custo financeiro que a feitura de um tombo implicava estas
operações realizavam-se com um intervalo temporal que podia ir até aos 80 anos, sendo
efetuadas em períodos nos quais as casas senhoriais se apercebiam de quebras nas rendas
decorrentes de não possuírem instrumentos atualizados que permitissem aos
contratadores de rendas, e outros agentes senhoriais, cobrá-las de forma eficaz. Uma
conclusão que se tira deste facto (suportada por informação contida nos tombos e nas
escrituras notariais e sentenças judiciais) é que os senhorios diretos das terras, em alguns
casos senhorios universais de comunidades, não conseguiam exercer um controlo das
suas terras e dos enfiteutas, sobretudos dos mais poderosos.
Não sendo os tombos uma boa fonte para o estudo do perfil social de uma
comunidade, já que são parcos em informações de natureza socioprofissional,
identificam, no entanto, os senhores úteis de estatuto social elevado que aparecem, em
pessoa ou através dos seus procuradores, a declarar as terras que possuíam e a reconhecer
o senhorio direto. Perante dados desta natureza, o desafio colocado ao historiador era
conhecer as modalidades de exploração da terra cujo domínio útil pertencia a membros
do clero, da fidalguia ou das nobrezas.
O cruzamento de fontes levou à formulação de outros problemas. Em territórios de
senhorio universal de casas religiosas como explicar a feitura, em tabeliães públicos, de
escrituras de arrendamento, de aforamento, de compra e venda, de constituição de dote
para casamento ou para ingresso na carreira eclesiástica sem que fosse feita qualquer
referência ao senhorio direto ou a pagamento de direito senhorial, nos casos em que era
devido (ex. laudémio nas compras)?.
Com explicar igualmente a existência de propriedade vinculada em regime de
morgadio ou capela em terras exploradas sob o regime da enfiteuse?
Das cláusulas de todas as escrituras de aforamento constava a proibição, sob pena
de comisso (perda do bem), da venda de terras “a pessoas poderosas e defesas em direito”
bem como a exigência da autorização do senhorio direto para a concessão da terra em
dote, doação intervivos ou causa mortis ou vinculação a morgadio ou capela. Todavia, as
evidências da formulação dos pedidos, bem como da concessão das respetivas licenças
não se encontravam expressas nos documentos.
Perante estas perguntas, impunha-se procurar a documentação de natureza judicial
bem como a referente a diversas formas de resistência passiva ou ativa nos campos,
caminho prosseguido por José Tengarrinha, Nuno Monteiro e por mim própria. Este
caminho levou a confrontar a norma com as práticas, desvendando múltiplas apropriações
sociais que se configuraram no interior da enfiteuse, tema que abordaremos em seguida.
2. As “condições de realização” (Rosa Congost) da enfiteuse.
2.1. A imbricação entre a enfiteuse e o regime senhorial (feudal)
Como já referimos, João Pedro Ribeiro, jurista e historiador que viveu em finais do
século XVIII e inícios do século XIX, referiu-se à imbricação entre direito feudal e
direito enfiteutico como um “todo monstruoso”. O conhecimento histórico disponível
permite-nos afirmar que se trata de um “todo indissociável”.
Um dos problemas com que se confrontaram os juristas e políticos liberais no
debate sobre os direitos de propriedade foi a dificuldade de identificação e clarificação da
proveniência dos bens das instituições, isto é, distinguir os provenientes de doações
régias dos patrimoniais (adquiridos por doações de particulares, compras, ou vendas);
outra dificuldade ainda maior residia na dificuldade de clarificar a natureza dos diversos
tributos que integravam a renda agrária.
Com efeito, ao longo do tempo tinha-se estabelecido uma confusão entre tributos
foraleiros, consignados em forais (leis régias) e prestações consignadas em contratos
enfitêuticos, teoricamente resultantes de negociação e acordo entre as duas partes,
senhorio direto e útil.
A interpenetração entre direito enfiteutico e foraleiro remonta aos tempos da
Reconquista. Uma forma utilizada pelas casas senhoriais, sobretudo eclesiásticas, para
atrair populações aos seus territórios (obtidos maioritariamente através de doações
régias), e promover o seu povoamento, arroteamento e beneficiação de terras, consistiu na
concessão de aforamentos coletivos a um conjunto de casais (famílias).
As disposições deste tipo de contrato viriam, posteriormente, a ser vertidas em
contratos individuais, de aforamento perpétuo ou em vidas, normalmente três.
A comissão encarregada da reforma dos forais medievais por D. Manuel I atribuiu
foral novo a comunidades organizadas com base nessas concessões coletivas de terras,
alterando, assim, a natureza jurídica das rendas: de prestações enfiteuticas assumiram a
natureza jurídica de tributos régios.
A articulação entre forais e enfiteuse decorreu, igualmente, do facto de os títulos
manuelinos se terem constituído, a partir da sua publicação, como padrão para a definição
de rendas consignadas em escrituras enfiteuticas, “neles [documentos] prevalecia um
elemento estranho aos contratos que era o fiscal”3. A interpenetração entre disposições de
contratos enfitêuticos e forais, sobretudo no que concerne á tributação, constitui um
elemento estruturante do regime de propriedade na época moderna.
2.2. Dois domínios – direto e útil – um feixe de direitos.
A definição consagrada de enfiteuse é: o contrato pelo qual o senhor de um prédio
concede a outro o domínio útil dele com reserva do domínio direto. Cada um destes
domínios se desdobrava num feixe de outros direitos.
Ao senhor direto cabiam os direitos seguintes:
1.
receber as prestações consignadas no contrato;
2.
ser consultado em todas as situações que envolvam mudança do titular do
domínio útil, cabendo-lhe uma parte do valor da transação no caso de venda;
3.
consolidar o domínio direto com o útil mediante o pagamento do montante
oferecido ao enfiteuta;
3
ROCHA, 705.
4.
exigir a beneficiação das terras sob pena da sua perda por parte do foreiro.
Por sua vez, o domínio útil consubstanciava quatro componentes: direito (o direito
de ser interlocutor do senhorio); domínio e posse (direito de possuir o bem e de o
transmitir); a ação (o direito de defender o bem judicialmente). Estes direitos assumiam
as expressões seguintes:
1.
a “faculdade de cultivar e tirar toda a utilidade” (Coelho da Rocha) do bem
aforado durante a vigência do contrato;
2.
a possibilidade de o transmitir por herança respeitando as normas de
sucessão exaradas no contrato e respeitando o princípio que determinava ser o “foro”
indivisível, podendo as terras serem, no caso de enfiteuse perpétua, sujeitas a divisão
entre coerdeiros que se ajustavam no sentido de um deles assumir o compromisso de
pagamento do foro;
3.
requerer autorização senhorial para vincular em morgadio ou capela,
conceder em dote de casamento ou de entrada no convento ou carreira eclesiástica;
4.
requerer autorização senhorial para conceder o bem em subenfiteuse
(partilhando com o senhorio direto a renda) ou onerá-lo com um censo (vinculando-o a
um empréstimo hipotecário);
5.
a faculdade de defender em tribunal os seus direitos contra o senhorio ou
contra outros enfiteutas;
6.
a possibilidade de unir parcelas no sentido de aumentar a dimensão da
exploração;
7.
A possibilidade de entregar a outrem a exploração do prédio rústico ou a
fruição do urbano mediante arrendamento.
No contexto dos direitos sobre a terra, embora não se integrando nas categorias
classificativas estabelecidas, nomeadamente nos designados domínios diretos e útil, há
ainda a referir os direitos consuetudinários que as populações exerciam sobre as terras
cultivadas após ser retirada a colheita, nomeadamente o compáscuo (direito de os gados
utilizarem as pastagens) ou o rabisco (direito da comunidade usufruir de restos da
produção de olivais, vinhas, soutos e outras terras de cultura)4.
2.3. Enfiteuse perpétua: uma quasi-propriedade.
Os primeiros contratos de aforamento, que tinham como objetivo promover o
arroteamento e a beneficiação das terras, assumiram a forma de coletivos e perpétuos.
Este tipo de contratos continuou a ser considerado, até ao final do século XIX, como a
forma mais adequada para incentivar o arroteamento de terras, sendo a modalidade mais
usada pelas casas senhoriais e pelas instituições – câmaras, misericórdias e Estado – para
conceder em aforamento terras incultas. Foi igualmente utilizada por grupos de
indivíduos, ou por comunidades, para salvaguardarem a posse de espaços de utilização
coletiva em contextos de escassez de oferta de terra e ameaça de privação desse tipo de
bens, como foi o século XVII.
Outra modalidade de enfiteuse assumia a forma de contrato em vidas, sendo
predominante o de três, considerando-se o pai e a mãe como duas vidas, sendo a terceira
a pessoa nomeada pela segunda.
A partir do século XIV, as instituições eclesiásticas iniciaram a prática de
concessão de aforamentos em vidas. Esta modalidade desagradou, de imediato, aos
povos. Nas cortes de Évora de 1490 manifestaram o seu desagrado ao rei. A igreja
4
NETO, 2003.
prosseguiu, no entanto, esta sua política de aforamento, inserindo-a como recomendação
nas constituições dos bispados publicadas no século XVI. O prazo de vidas era, de facto,
a modalidade mais adequada ao controlo periódico dos bens da Igreja, bem como à
atualização das rendas. Estes documentos episcopais reconheciam, no entanto, as
vantagens, para os foreiros, dos aforamentos perpétuos aconselhando-os como incentivo
para arrotear maninhos, ou secar pauis, transformar terras incultas em pomares, vinhas ou
terras de pão.
As desvantagens dos prazos de vidas voltaram a ser apresentadas pelos povos nas
cortes de 1581, em que solicitaram a sua mudança para fateusins.
«Padecem os Vassalos de Vossa Majestade muitos trabalhos e vexações
pelas dúvidas e pendências que cada dia têm sobre os prazos Eclesiásticos.
Pedem a Vossa Majestade seja servido suplicar a sua Santidade faça estes
prazos fateosins»5.
Por sua vez, Duarte Nunes do Leão, numa obra dedicada à apresentação dos
recursos e das dificuldades do país, a Descripção do Reino de Portugal, apresentou o
aforamento em vidas como uma das causas da «decadência» da agricultura em Portugal.
«Junta-se a isto uma cousa mui principal, que em Portugal se colhem
menos frutos do que as terras poderão dar, e os campos se cultivam menos,
por muitos bens e heranças (ao menos de certas regiões do reino) serem
enfiteuticos e foreiros às igrejas, mosteiros, hospitais, e outros lugares pios,
os quais pela maior parte se não dão senão até três gerações, e podem
facilmente cair em comisso, ou ficarem devolutos aos senhores por as vidas
acabarem, e não fazem neles os colonos enfiteutas os benefícios e cultura que
fariam em bens próprios seus: porque cuidam que trabalham em bens
alheios. Pelo que vem grandes heranças a se danificarem, assim em dano dos
5
Livro IV da Collecção de Cortes com suas respostas e algumas Leys que dellas
resultarão que contem as que foram feitas pelos senhores Reys Dom João III, Dom
Filipe I e Dom João IV ordenadas chronologicamente no anno de 1788. Manuscrito da
Sala Gama Barros, Faculdade de Letras, Coimbra.
direitos, como dos úteis senhorios, de que se podiam colher grandes
novidades»6.
Este texto que aparentemente defende a propriedade plena é considerado, no
entanto, uma defesa da enfiteuse perpétua. Entretanto, destacados juristas do século XVI
– Caldas, Gabriel Pereira – consideravam a não renovação dos prazos de vidas “uma
escandalosa injustiça”.
Com o tempo, também as autoridades seculares começaram a aforar em vidas os
seus bens. As cortes de 1641, ocorridas após um longo tempo em que os povos não eram
ouvidos, funcionaram no dizer de António Hespanha como “uma caixa de ressonância de
problemas locais. Em matéria de direitos de propriedade os povos apenas solicitaram a
mudança, agora nos prazos seculares, dos contratos de vidas para perpétuos.
O crescimento demográfico ocorrido no século XVIII, conjugado com os interesses
sociais no património fundiário, refletiram-se num aumento de procura de terra.
Nesta circunstâncias, as entidades senhoriais optaram pela concessão sistemática de
exploração de terras em prazo de vidas. A preferência por esta modalidade levou
inclusivamente ao aforamento em vidas de parcelas que os foreiros iam acrescentando
nos limites (testadas) de terras submetidas a regime de aforamento perpétuo,
denominados os "acrescidos".
Esta política senhorial desagradava aos enfiteutas por preferirem a estabilidade que
o prazo perpétuo lhes dava, bem como a garantia de transmissão aos seus descendentes.
Com efeito, os prazos de vida não integravam os patrimónios familiares. A propriedade
enfiteuta nos prazos fateusins era menos limitada, assemelhando-se em termos de
sucessão aos bens alodiais. A entidade senhorial apenas exigia o encabeçamento do foro
6
LEÂO, 1602, 64.
num dos coerdeiros, para evitar a sua fragmentação e consequente perigo de não
pagamento.
As entidades senhoriais impunha, entretanto, os seus interesses: sublinhando o
carácter precário do prazo de vidas, as escrituras de aforamento celebradas no cartório do
mosteiro de Santa Cruz de Coimbra indicavam ser o possuidor da terceira vida um
"simples colono e inquilino".
Não conseguindo obter da coroa uma legislação que eliminasse os prazos de vida,
muitos enfiteutas tornavam-nos na prática perpétuos ao não solicitar a renovação das
vidas. Indicia este facto o
número diminuto de contratos de renovação de vidas
registados nos livros notariais, bem como a frequente detecção por parte dos juízes dos
tombos de prazos em situação irregular.
A crise económica pombalina suscitou uma reação por parte de casas senhoriais e
de indivíduos interessados em aumentar do património fundiário; as primeiras decidiram
alargar as áreas de reserva senhorial passando a consolidar, para o efeito, o domínio
direto com o útil, quando terminava o contrato de aforamento de terras próximas das suas
quintas; os segundos envidaram esforços no sentido de investir capitais na terra. Como
não havia mercado de propriedade alodial, disputavam a aquisição de domínios úteis,
através de contratos de enfiteuse e de subenfiteuse
Ao verem restringido o acesso à terra devido à política senhorial de consolidações,
as casas senhoriais eclesiásticas foram acusadas de violarem as leis contra a amortização
de bens. Neste contexto conflitual, foi publicada uma lei (23 de julho de 1766) que visava
impedir irregularidades praticadas por câmaras municipais na administração dos seus
bens – lesiva dos interesses da coroa por diminuir os impostos (terças) a ela devidos –
sendo uma delas o aforamento de bens dos concelhos a parentes e amigos dos
vereadores7.
Esta lei devido a “um mecanismo perverso”8 foi utilizada para denunciar alegados
abusos cometidos pelas casas senhoriais, nomeadamente o aforamento de terras que não
lhes pertenciam.
Neste contexto de forte contestação anti-senhorial que envolvia enfiteutas de
diversas condições, destacando-se os mais poderosos, foi publicada a lei de 4 de Julho de
1768 que veio declarar "nulas, abusivas e de nenhum efeito" as consolidações nos prazos
pertencentes às igrejas, ordens, mosteiros e quaisquer outros corpos de mão morta, quer
se tivessem feito por "devoluções, comissos, opções, ou por qualquer outro modo". No
seu preâmbulo, explicava-se que o diploma se inseria na legislação sobre desamortização.
O Rei concedia, agora, a "mercê" aos referidos corpos que tivessem consolidado
bens, desde 1611, de os poderem voltar a aforar, dentro de um ano, pelos mesmos foros e
laudémios dos últimos contratos. Permitia, ainda, a redução a aforamentos perpétuos dos
prazos feitos em bens possuídos ilegitimamente ou aforados contra "o espírito das leis".
No caso da região de Coimbra eram todas as propriedades aforadas após a reforma
manuelina dos forais (1520).
A interpretação da lei de 4 de Julho levantou controvérsias que o alvará de 12 de
Maio de 1769 tentou esclarecer. Este diploma determinou que os prazos dos Mosteiros,
feitos em bens de fundação ou dotação, que nunca tivessem sido consolidados, se
ocorresse uma situação de consolidação, deviam continuar "sem mudança ou alteração
alguma na sua primordial natureza, ou sejam familiares, de livre nomeação, perpétuos ou
em vidas, sempre com os mesmos foros e laudémios".
7
NETO, 1984.
8
Santos e Serrão, 2004.
Quanto aos prazos consolidados desde 1611, prescrevia-se que fossem aforados
sem obrigação, no entanto, de serem celebrados contratos com parentes dos possuidores
ao tempo da consolidação. Quanto às prestações a pagar, seriam as do tempo da
consolidação, não sendo necessário recuar a 1611.
Este alvará concedia, entretanto, aos corpos de mão morta a possibilidade de
poderem consolidar os prazos durante o período de um ano "somente para o efeito de se
tornarem a emprazar".
O cumprimento da lei, nomeadamente a que previa que todas os bens integrados
nas reservas senhoriais desde 1611, fossem aforados, constituía uma impossibilidade.
Ainda que o quisessem cumprir, as casas senhoriais não dispunham de meios para obter
informações nos seus cartórios. Nesta conjuntura, os bens das casas religiosas da região
de Coimbra foram sujeitas a sequestro. Ao mesmo tempo, os bens denunciados por
poderosos locais foram-lhes entregues.
Por sua vez, a lei de 9 de setembro de 1769 concedeu aos herdeiros dos prazos de
vidas seculares o direito de pedir a renovação do prazo, o que na prática os tornou
igualmente perpétuos.
De notar, no entanto, que a legislação pombalina agiu, por um lado, no sentido do
reforço da enfiteuse perpétua limitando, por outro, a sua aplicação. É a leitura que
fazemos dos seguintes diplomas: por alvará de 3 de novembro de 1757, decretou-se que
“todo o arrendamento que não fosse aforamento em fatiota pera sempre, ou ao menos por
três vidas não passava de locação, onde não há transferência do domínio útil”; por sua
vez a lei de 4 de julho de 1776 declara que “o contrato enfiteutico essencialmente
consiste em aforar terrenos para edificar casa ou terras incultas para abrir, diferindo assim
do contracto de locação [...] que consiste em aforar casas, quintas e terras frutíferas”.
A legislação pombalina comporta outras contradições como a referente a vínculos:
ao mesmo tempo que determina a abolição dos morgados insignificantes, abre a
possibilidade de se conceder licença para criar vínculos de morgadio (lei de 3 de agosto
de 1770) a quem se distinguisse na promoção do desenvolvimento agrícola, comercial e
industrial, isto é a poderosa burguesia ou nobreza que adquirira avultados capitais nos
“negócios” do império.
2.4. A renda: um peso socialmente desigual
Durante a vigência do contrato, era exigido ao enfiteuta que se comportasse como
"proprietário pleno", no concernente ao bom aproveitamento dos recursos da terra bem
como à realização de benfeitorias. Competia-lhe, ainda, mover e custear demandas
relacionadas com a terra aforada. A condição de mero detentor do domínio útil era
marcada pela duração do contrato, no caso de prazo de vidas e, fundamentalmente, pelo
conjunto de encargos que o enfiteuta era obrigado a entregar ao senhor direto, sob pena
de perder a posse da terra.
As prestações enfiteuticas, também denominadas direitos dominiais, podiam ser
muito diversas. O foro, ou cânone, era uma prestação fixa, em dinheiro ou em géneros,
em regra "módica", existente em todos os contratos de aforamento, por ser inerente à
"substância" da enfiteuse. Este encargo era pago pelos detentores do domínio útil da terra,
"não em compensação dos frutos" (Mello Freire), mas em reconhecimento do domínio.
Na Época moderna, coexistiam diversas formas de pagamento do foro:
O foro "predial" incidia sobre as terras organizadas em casais, ou constituindo
unidades autónomas: foro global de casal e foro por jeira.
O foro "pessoal" recaía sobre todos os cultivadores, variando o seu montante em
função da posse de meios de produção: foro de lavrador (encargo suportado por aquele
que possuía uma ou mais juntas de bois), direito que podia assumir a designação de
jugada nas terras da Coroa; foro de seareiro (pagamento devido por aquele que lavrava
com bois alheios ou cavava com enxada; neste caso assumia, por vezes, o nome de cavão;
o foro de fogo (tributo que recaía sobre o possuidor de uma habitação tinha como função
o reconhecimento do senhorio territorial ou jurisdicional do lugar onde se morava, ainda
que a atividade exercida não fosse ligada à exploração ou aproveitamento dos recursos da
terra, caso de instalações comerciais ou artesanais.
Sendo o foro, por natureza, um encargo "módico", o quantitativo pago não era,
todavia, uniforme: variava de acordo com a qualidade do terreno. Assim, enquanto
foreiros de terras menos férteis podiam pagar meia galinha por cada jeira de terreno que
arroteassem, os que possuíam terras de campo poderiam pagar meio alqueire por jeira.
Seguindo uma tradição que remontava à Idade Média, o foro fixo podia assumir,
simultaneamente, a função de partilha de rendimentos provenientes da transformação de
produtos, caso dos moinhos, lagares, fornos de telha e cal.
De notar que um montante fixo em dinheiro era a única prestação paga por alguns
foreiros poderosos e absentistas, que possuíam o domínio útil de terras situadas em terras
de campo bem como nas periferias da cidade . Este tipo de foro constituía, deste modo,
um sinal de distinção de enfiteutas de condição social elevada, normalmente absentistas.
Outra prestação recorrente no contrato enfiteutico era a ração, uma quota
proporcional à colheita, paga “em remuneração dos frutos”.
A estas duas prestações (foro e ração) que integravam a substância da enfiteuse,
podiam juntar-se, outras, como serviços pessoais e outros encargos.
2.5. Das normas às práticas: os tombos como observatórios privilegiados das
apropriações sociais da enfiteuse.
A partir da evidência empírica colhida em tombos elaborados por casas senhoriais
nos inícios do século XVIII, em particular pelo Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra,
pretendemos apresentar aspetos das práticas enfiteuticas nas férteis planícies dos campos
do Mondego, na região centro do país9.
No processo de elaboração dos tombos eram levados para o terreno livros de tombo
e escrituras notariais que deviam ser confrontadas com os documentos em posse dos
enfiteutas. Quando o procurador dos Cónegos Regrantes solicitou aos foreiros os títulos
comprovativos dos contratos agrários verificou muitos não os possuíam; outros estavam
ilegíveis. Para além disso, havia, de uma forma geral, um desajustamento entre as
medições que constavam nas escrituras e as áreas efetivamente cultivadas: tratava-se de
"tomadias" e "acrescidos" que denunciavam um movimento de arroteamento de terras
feito, em parte, à revelia da entidade senhorial.
Por sua vez, terras recentemente arroteadas não pagavam foros devido ao facto de o
arroteamento não ter sido precedido de pedido de licença, nem legalizado,
posteriormente, através da realização do contrato. O mesmo acontecia em terras
integradas em antigos casais das quais os enfiteutas não pagavam foro, "por tudo andar
confuso e alienado e os possuidores não saberem a quem haviam de pagar nem a quantia
de foro que lhes cabia".
Detetaram-se igualmente situações de incumprimento das cláusulas das escrituras
de aforamento. Uma delas era a que prescrevia que: "não poderá o inquilino vincular as
propriedades deste prazo a capelas, morgados, nem por lhe encargo de missas ou censos,
9
NETO, 1997.
ainda que seja em sua vida somente, pelo gravíssimo prejuízo que resulta a este Mosteiro
nos laudémios". Na verdade, contrariando esta disposição inserta em todos os contratos
de aforamento foram encontradas, nas zonas mais férteis dos campos do Mondego,
muitas terras afectas a confrarias e conventos bem como vinculadas a capelas e
morgados.
Detectada as irregularidades, o senhorio direto agiu e tentou libertar o domínio útil
das suas terras de todos os encargos que limitavam os seus direitos. Em alguns casos, os
foreiros assumiram o compromisso de pôr as terras livres de encargos. A outros foram
movidas demandas.
Entre os foreiros demandados por terem onerado terras com encargo de capelas
destacavam-se:
Pascoal Pessoa de Lemos e Carvalho de Tavarede; Gonçalo de Souza e
Vasconcelos, de Coimbra; D. Águeda de Souza (Maiorca) ; António Rodrigues Togeiro
(Alhadas) ; Dr. José de Torres Correia (Maiorca); Francisco de Almeida Xavier Castelo
Branco (Verride).
E com terras vinculadas a morgados:
Bernardo Vaz da Cunha e Mello, Fidalgo da Casa de Sua Majestade; Dr. Ventura
Luís Pereira, cavaleiro professo na Ordem de Cristo; Marçal Afonso Pinto Pereira.
A integração de terras em morgados à revelia da entidade senhorial era um
problema com que se debatiam outras casas senhoriais: o Cabido fazia diligências no
sentido de desanexar prazos que a Casa dos Cogominhos trazia vinculados a um
morgado.
Os foreiros poderosos não se limitavam a impor, ou a aceitar que se impusessem,
vínculos, ignorando as entidades senhoriais. Também as ignoravam quando não pagavam
foros ou recusavam a satisfação de outros deveres contratuais, comportando-se como
proprietários alodiais. Entre eles destacavam-se membros da nobreza de Montemor-oVelho e Tavarede.
João de Mello Pina, fidalgo, possuía várias terras, junto a uma reserva senhorial, a
quinta de Foja. Apesar da proximidade dos frades, comportava-se como proprietário
pleno. Não zelava pelo bom estado das terras que trazia aforadas, nem pagava foros e
rações: em 1714, fora condenado a abrir as valas de enxugo nas 50 jeiras de terra no
Campo de "Cortes", junto à quinta de Foja, e a pagar rações de 15/1. Em 1720, o
procurador do Convento verificou que este foreiro não pagava, havia 20 anos, o foro
anual de 24 alqueires de pão meado do prazo de Quinhendros. Detectou, ainda, uns
"pardieiros" (que antigamente tinham sido casas, moendas e azenhas) junto à ponte do
Barco. Este prazo devia pagar um foro de 6 alqueires anuais, o que não era cumprido
havia 52 anos.
O foreiro que possuía a maior extensão de terra nos campos de Maiorca era, no
entanto, Bernardo Vaz da Cunha e Mello, Fidalgo da Casa de Sua Majestade. Este
poderoso enfiteuta não pagava foro de 110 jeiras de terras. Para além disso, recebia
metade dos laudémios provenientes de vendas e trocas de terras das quais era enfiteuta.
Por sua vez, Pêro Lopes de Quadros e Sousa, possuidor do domínio útil do prazo de
Lares, cobrava indevidamente os foros de lavrador e seareiro que pertenciam ao senhorio
direto.
De notar que foram igualmente identificados incumprimentos de foreiros de
condição social inferior, mas de que eram coniventes, e principais beneficiários, os
mais desafogados, concretamente casos de censo consignativo, decorrentes de
empréstimos hipotecários. Encontravam-se nesta situação André Luís e sua mulher,
foreiros que tinham vendido um censo de 16 alqueires de trigo a António José
Saldanha, da Abrunheira, e de Maria Álvares que, por sua vez, havia vendido um foro
de 10 alqueires a Francisco Xavier, do Louriçal. Estes dois casos apenas deixam
entrever um fenómeno do qual desconhecemos a real dimensão na região de Coimbra.
Em situação irregular foram encontrados também alguns conventos e confrarias
que tinham adquirido o domínio útil de terras, sem pedirem licença e realizarem o
respectivo contrato de aforamento.
Um dos direitos praticados por enfiteutas poderosas era o de eubenfiteuticar
ou de subemprazar.
“Direito de subemprazar, que consiste em o emphyteuta, por um
novo contracto, transferir para um terceiro uma parte do seu domínio útil,
estipulando novas condições; ficando, porém, responsável para com o
senhorio directo pelas obrigações contrahidas. Póde, pois, o emphyteuta
convencionar um maior fôro, de qua ainda lhe fique lucro, depois de
satisfeitos os encargos devidos ao senhorio directo, que em todo o caso
devem ficar salvos”10.
A subenfiteuse significava, na prática, a criação de situações muito complexas
de regime de propriedade, nomeadamente, o exercício por parte do detentor do
domínio útil de direitos inerentes ao detentor do domínio direto, nomeadamente a
cobrança de uma parte dos direitos senhoriais.
Em 1713, acusava-se o padre Francisco Cardoso de "se introduzir" a cobrar
foros e rações de um prazo em Quiaios. O foreiro demonstrou, através de contrato,
que possuía o direito de cobrar a ração de sexto, depois de os enfiteutas pagarem aos
contratadores de rendas senhoriais a ração de oitavo.
Uns anos mais tarde, a mãe deste padre voltou a ser acusada de receber rações
de sexto de terras que não pertenciam ao prazo subenfiteuticado. Comprovada, agora,
a acusação, o conservador da Universidade condenou-a a desistir da cobrança das
referidas prestações.
10
ROCHA, 79-80
Para extinguir situações abusivas, os Cónegos Regrantes de Santo Agostinho
só permitiam a recepção de rações ou foros, por parte dos enfiteutas, perante a
apresentação de documento comprovativo da concessão de licença para a
subenfiteuse. Na Ribeira de Bandos (Maiorca), Manuel Gonçalves Saltão cobrava
duas partes da ração de oitavo que havia adquirido por compra. A situação foi
detectada no momento da realização do tombo e o foreiro convocado para apresentar
título comprovativo do referido direito. Como não o fez teve de desistir da cobrança.
Com o objectivo de anularem situações legais de partilha de rações e foros, os
frades recorriam, sempre que lhes foi possível, à compra do domínio útil de terras
com encragos de subenfiteuses. Assim, em 1726, adquiriram a Álvaro Pereira de
Sampaio, morador na Geria, por 240.000 réis, o domínio útil dum prazo que consistia
"em que ele enfiteuta, como seus antecessores, cobrasse as meias rações dos
inquilinos e caseiros do mesmo prazo".
A cobrança, por parte de enfiteutas, de direitos, podia criar situações
paradoxais como a que a seguir apresentamos. Por sentença do conservador da
universidade de 9 de Junho de 1745, os cónegos regrantes de Santa Cruz de Coimbra
foram condenados a pagar foros de 9 jeiras de terra no campo de Anquinhos ao
herdeiro do capitão Manuel da Costa Oliveira. Com efeito, o senhorio havia adquirido
as terras consolidando o domínio útil com o direto, ignorando a existência de um
contrato de subenfiteuse que atribuía o foro de uma quarta de trigo e uma de milho ao
referido capitão. Perante a apresentação do documento comprovativo da posse de
cobrar foros a Manuel da Costa Oliveira, os frades tiveram de assumir o pagamento
dos citados foros. Este caso é bem expressivo da complexidade do regime de
propriedade no contexto do Antigo Regime, em especial no que concerne à partilha de
direitos. Verificamos, assim, que um encargo que recaía sobre a terra, decorrente de
um contrato de subenfiteuse, impediu o detentor do domínio direto de assumir o
domínio pleno de uma propriedade, obrigando-o a assumir a condição de subenfiteuta.
“Com o tempo, o enfiteuta foi-se convertendo em proprietário não porque
dispusesse do direito pleno de propriedade, mas porque era muito difícil ao senhor
direto continuar a continuar a cobrar os censos e as pensões”11 . Esta conclusão
aplica-se às práticas enfiteuticas em Portugal, assumindo um significado particular em
tempos de intensa contestação anti-senhorial, períodos em que os contratadores de
rendas não assumiam o risco da cobrança das rendas senhoriais, ficando os senhorios
diretos impossibilitados de as receber devido a não disporem de estruturas adequadas
e eficazes.
Conclusão
Apresentámos neste texto alguns aspetos da configuração jurídica e das “condições
de realização” da enfiteuse que consideramos aplicáveis a contextos de domínio de casas
senhoriais. A problemática das relações sociais no campo, nomeadamente das redes que
se organizaram em função da exploração dos recursos da terra no quadro da enfiteuse, é
um campo de investigação que é necessário prosseguir com perspetivas de análise da
história social e cultural.
Atrevemo-nos a enunciar, entretanto, algumas ideias:
A enfiteuse permitiu a fruição de direitos de propriedade por diversos grupos
sociais. Com efeito ela tanto suportou usos sociais típicos de estratos sociais elevados –
posse de rendimentos socialmente nobilitantes; constituição de vínculos, morgadios e
capelas; dotes para ingresso nas ordens religiosas ou carreiras eclesiásticas –; constituiu
11
CONGOST, 2000, 76
garantia, através de hipotecas ou de crédito hipotecário, de exercício de negócios por
parte de estratos da burguesia –; permitiu o acesso à exploração da terra e a constituição
de patrimónios de camponeses, pescadores e artesãos.
Podemos, assim, afirmar que a enfiteuse se incrustou na sociedade portuguesa
sustentando relações de reciprocidade (as decorrentes de aforamentos coletivos de bens),
de domínio (o poder que se alicerçava na terra e nos rendimentos fundiários) e de lucro
(as decorrentes de subenfiteuses ou da atividade de arrematação de rendas).
APÊNDICE
Um Contrato de Aforamento em Três Vidas
“Prazo de Domingos Dias e de sua mulher moradores no lugar de Cativos,
concelho de Couto de Esteves, digo e sua mulher Sabina Rodrigues moradores no lugar
de Cativos, concelho de Couto de Esteves.
Paga de Renda sinquoenta reis em dinheiro
Lutuoza sinquoenta reis
Dominio de des hum.
Em nome de Deos amen. Saibão quantos este publico instrumento de novo
emprazamento feito em tres vidas de tres pessoas cumpridas e acabadas e mais virem que
no anno do nascimento de nosso Senhor Jesus Christo de mil setecentos e oito annos em
os treze dias do mez de Outubro do dito anno nesta villa de Arouca dentro da Caza da
Grade do Despacho do Mosteiro desta sua dita villa que he da Ordem do Patriarca de
Sam Bernardo onde eu escrivão ao diante nomeado que estando aly presentes da parte de
dentro da dita grade as senhoras madres, a muito illustre senhora abbadessa D.[Maria] de
Almeyda Telles, dona abadessa do mosteiro, senhora donataria da dita villa e de villa
Meam do Burgo e da de Estarreja e seus coutos e a madre Magdalena de Abreu, prioressa
e a madre D. Escholastica de Lyma, subprioressa e a madre D. Damiana Claudia de
Miranda deputada e a madre Donna Cristina Theresa de Vasconcellos, deputada e a
madre Marianna de Barros, deputada e a madre Joanna Brazem, deputada e outras muitas
senhoras donas e discretas do dito convento e todas as sobreditas ordenadas em cabbido
pera os ditos cargos e oficios e pera todas as cousas tocantes ao dito seu mosteiro e pera
este seu prazo chamadas a dita caza da grade com o som de campa tangida como tudo
quem tem dever bom e rellegioso e antigo uso e da parte de fora da dita grade tambem
presentes comigo escrivão e testemunhas, tudo ao diante nomeado, estavão prezentes o
muito reverendo padre frey Manuel de Mello feitor e procurador do dito mosteiro e bem
assim Domingos Dias, morador que diz ser do lugar de Cativos, villa de Couto de Esteves
pellos quais foi digo pelo qual foi dito a ellas senhoras madres e reverendo padre feitor e
procurador do dito mosteiro que elle era possuidor de huas propriedades sitas no dito
lugar as quais erão foreiros ao dito seu mosteiro a quem pagavão foro dellas que era em
cada hum anno quarenta reis em dinheiro e de lutuoza sinquoenta reis e porque erão
acabadas as vidas do prazo velho a ellas pertensia a renovação do dito prazo pedia a ella a
dita senhora madre Abbadessa e a mais deputadas do seu convento e ao dito padre
procurador e feitor que lhe fizessem mercê de mandar lhe fazer renovação de novo prazo
por quanto de tais propriedades se tinha feito appegação e vedoria por mandado dellas e
de seu procurador frei Paschoal de São Bernardo e que visto por estas ditas senhoras
madres e reverendo feitor e procurador do dito mosteiro dicerão que visto seu pedir ser
justo e ser em utilidade12e conservação de suas rendas […].
<Vidas >13
[…] Dicerão que davão e emprazavão as propriedades contheudas na
appegação que ellas senhoras e seu convento tem no lugar de Couto de Esteves a saber a
elle Domingos Dias e a sua mulher Sabina Rodrigues a elles ambos os dous em primeira
e segundas vidas e pera hum filho ou filha de entre ambos nascido em terceira vida […] e
não sendo filho ou filha poderão da mesma maneira nomear em derradeira vida huma
12
Repete a palavra utilidade.
13
A palavra Vidas encontra-se escrita na margem do documento.
pessoa leiga que não seja de maior condição que elles caseiros […] e acabadas as ditas
tres vidas do dito Domingos Dias e da dita sua mulher logo ficarão humas e outras
propriedades vagas e devolutas a ellas senhoras madres e seu mosteiro pera delllas
fazerem o que bem lhes parecer ou as emprazarem a quem de direito for e a pessoa qual
suceder em terceira vida neste prazo por fallecimento dos ditos Domingos Dias e da sua
mulher […].
<Renda>14
Na dita apegação em cada hum anno a saber por dia de S. João Baptista15
sinquoenta reis em dinheiro de prata corrente neste Reino e Senhorios de Portugal pellos
dias e tempos de cada hum anno assima dito e todo este foro serão cabeças e possoeiros
elles Domingos Dias e a dita sua mulher e a pessoa que lhes suceder em terceira vida as
quais cada hum em seus tempos pagarão ao dito mosteiro todo o dito foro junto e por
inteiro pellos ditos dias e tempo de cada hum anno para o que arrecadão dos outros
possuidores se os ouver o que a cada hum couber pagar do dito foro por justa repartição.
Se ouver divizão nas ditas propriedades e ainda que o não cobrem e arrecadem por sua
mora ou negligencia […] não pagando pellos ditos dias e tempos de cada hum anno sem
mais outra sitação serão pinhoradas pagarão mais a pessoa que andar na dita arrecadação
a duzentos reis por dia que se contarão desde o dia que para pagar forão requeridos athe a
entrega do proprio foro e na mesma forma poderão os ditos cabeças e possoeiros cobrar e
arrecadar aos outros possuidores seus inclinos […] e não pagando os ditos cazeiros o dito
foro e renda dous annos continuos logo pello mesmo cazo cahirão em comisso e perderão
este prazo e as ditas propriedades e qualquer direito que tenhão com todas as bemfeitorias
14
A palavra Renda encontra-se escrita na margem do documento.
15
Dia 24 de Junho
que nelas declararem feitas pera o dito mosteiro seu directo senhorio fazer dellas o que
quizer […].
<Lutuoza>16
[os caseiros] pagarão de lutuoza ao fallecimento digo por fallecimento de cada
huma das ditas tres vidas sinquoenta reis em dinheiro de prata corrente neste reino a qual
lutuoza ajudão a pagar os mais inclinos se os ouver […] e serão obrigados a segunda e
terceira vida dentro de trinta dias ao depois do fallecimento da primeira ou segunda vidas
pagarem a dita lutuoza por inteiro ao mosteiro e assim o herdeiro ou herdeira da outra
terceira vida que suceder nas ditas propriedades com penna de pagar as ditas lutuozas em
dobro e não poderão os ditos cazeiros nem seus sucessores durando as ditas tres vidas
dar, doar, trocar, alienar, escambar nem outro partido fazer das ditas propriedades nem de
parte
dellas sem especial licença e authoridade do dito mosteiro directo senhorio dellas e
querendo as vender lho farão primeiro saber […].
<Dominio>17
[…] Das rendas que fizerem das propriedades vendidas elles pagarão ao dito
mosteiro o seu dominio que vem a ser de des hum do preço porque forem vendidas e
farão os ditos cazeiros bemfeitorias e que em nenhum cazo poderão os ditos cazeiros e
seus sucessores nenhum encargo, foro, tença, ou legado pio, nem prazo ainda que sejão
missas ou sufragios nem obrigallos ou deixallos a alguma confraria ou hospital […].
[…] Domingos Dias e todos os seus herdeiros e sucessores aceitarão este
prazo com todas as suas clazulas comdições pennas e obrigações […] e assim requererão
a mim escrivão este instromento nesta nota fizesse e delle passasse outras cartas
16
A palavra Lutuoza encontra-se escrita na margem do documento.
17
A palavra Dominio encontra-se escrita na margem do documento.
necessarias que ortogarão huma pera o cartorio digo e outra pera os cartorios tudo a custa
delles e eu escrivão como pessoa publica e authentica estipulante e aceitante estipullei e
aceitei com nome de pessoa ou pessoas a que tocar quando em direito posso e devo e
requerer sendo a tudo testemunhas presentes que tudo virão e ouvirão ler e de18 declarar
Manuel Correa de Morgado, sachristão do dito mosteiro
e Manuel Nugueira […],
moradores na Rua d’Arca desta dita vila que todos aqui assignarão e a rogo da dita
cazeira assignou Pero da Silva da dita vila por esta o pedir e rogar por ser mulher e não
saber ler nem escrever e a Manuel de Sequeira, escrivão dos Prazos e authoridade do dito
real mosteiro que o escrevi e perante as partes e testemunhas e o li na forma da ley// D.
Maria de Almeida Telles, D. Abadessa// D. Magdalena de Abreu, prioressa// D.
Escholastica de Lima, subprioressa// D. Damiana Claudia de Miranda, deputada//
Mariana de Barros, deputada// Joana Marcella, deputada// D. Catarina Tereza, deputada//
Frey Manuel de Mello, feytor// de Domingos Dias huma cruz// Pedro da Silva //Manuel
Correa Morgado// Manuel Nugueira//.19 O coal instrumento eu sobredito escrivão aqui fiz
tres cartas bem e fielmente do meu livro de notas em fee de que me assignei aqui de meu
sinal […].
Manoel de Sequeira”
A.U.C., Mosteiro de Arouca – Livro de Treslado de Escrituras (1701-1708), fls.
86-89.
18
Repete as palavras e de.
19
As linhas que se seguem foram traçadas pelo próprio punho de Manuel Sequeira que assina o documento.
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