ANÁLISE QUANTITATIVA DO RNA MENSAGEIRO DOS RECEPTORES DE DOPAMINA EM ADENOMAS HIPOFISÁRIOS CLINICAMENTE NÃO FUNCIONANTES E EM HIPÓFISES HUMANAS NORMAIS Evelyn de Oliveira Machado Dissertação de mestrado apresentada ao programa de Pós-Graduação em Medicina, área de concentração em Endocrinologia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de mestre em Endocrinologia. Orientadora: Profa. Dra. Mônica Roberto Gadelha 2007 Universidade Federal do Rio de Janeiro Centro de Ciências da Saúde Faculdade de Medicina Curso de Pós-Graduação em Endocrinologia ANÁLISE QUANTITATIVA DO RNA MENSAGEIRO DOS RECEPTORES DE DOPAMINA EM ADENOMAS HIPOFISÁRIOS CLINICAMENTE NÃO FUNCIONANTES E EM HIPÓFISES HUMANAS NORMAIS Evelyn de Oliveira Machado Orientadora: Profa. Dra. Mônica Roberto Gadelha Banca examinadora: Profa.Dra. Prof.Dr. Profa. Dra. 2 Ficha Catalográfica Machado, Evelyn de Oliveira Análise quantitativa do RNA mensageiro dos receptores de dopamina em adenomas não funcionantes e em hipófises humanas normais / Evelyn de Oliveira Machado. – Rio de Janeiro: UFRJ / Faculdade de Medicina, 2007. xx, 106 f. : il. ; 31 cm Orientador: Mônica Roberto Gadelha Dissertação (mestrado) -- UFRJ, Faculdade de Medicina, Programa de Pós-graduação em Medicina, 2007. Referências bibliográficas: f. 85-106 1. Agonistas de dopamina. 2. Receptores dopaminérgicos química. 3. Adenoma - patologia. 4. Adenohipófise. 5. Reação em cadeia da polimerase via transcriptase reversa - métodos. 6. RNA mensageiro. 7. Análise quantitativa. 8. Endocrinologia - Tese. I. Gadelha, Mônica Roberto. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Medicina, Programa de Pós-graduação em Medicina. III. Título. 3 “Aprender é a única coisa de que a mente nunca se cansa, nunca tem medo e nunca se arrepende.” (Leonardo da Vinci) 4 Dedicatória À minha querida e preciosa filha Júlia, que há quatro meses, trouxe tanta luz e alegria para minha vida, que não imagino prosseguir esta caminhada sem seu amor. Aos meus pais, Paulo e Sônia, por terem feito por mim o possível e o impossível, sempre. Que estiveram ao meu lado me apoiando e me ensinando para que eu me tornasse uma pessoa de princípios. Ao meu marido Fabrício, pelo amor sempre presente, que há 10 anos compartilha comigo todos os momentos de sonhos e conquistas. 5 Agradecimentos - A Deus, pois sem ele, com certeza este estudo não teria se concretizado. - Às minhas irmãs Ellen e Erika pela confiança e incentivo em todos os momentos. - A minha querida sobrinha Maria Eduarda pelos momentos de alegria. - Aos meus avós Íris e Octacílio pelo eterno amor. - À minha orientadora, Profa. Mônica Roberto Gadelha, um exemplo a seguir de determinação e competência. Agradeço por jamais ter deixado de confiar e investir em mim, mesmo com a minha gravidez inesperada. Muito obrigado pela amizade e compreensão durante a chegada da minha filha. - Ao corpo docente do serviço de Endocrinologia, por ter me acolhido e me tratado com respeito em todos momentos. - Aos colaboradores Raul Luque e Profa. Rhonda Kineman da Universidade de IIIinois – Chicago, com os quais fiz uma grande amizade, pelos ensinamentos e ajuda na realização da técnica de RT- PCR quantitativa em tempo real. - Às professoras Doris Rosenthal e Denise Pires de Carvalho por terem deixado disposição o Laboratório de Fisiologia Endócrina e possibilitado a realização de parte deste projeto. - Ao serviço de Neurocirurgia do HUCFF – UFRJ, em especial, o professor Dr. Jorge Marcondes, pela colaboração na coleta dos tumores. 6 - À amiga Giselle Fernandes Taboada pelo companheirismo e ajuda incondicional na realização deste projeto. - Ao amigo Leonardo Vieira Neto, que aceitou o desafio de fazer uma viagem internacional com uma gestante de seis meses, sempre me apoiando e preocupado com o meu bem estar. Obrigado pelas sugestões que com certeza aprimoraram este estudo. - Ao nosso grupo de neuroendocrinologia, Alessandra Cassini, Cíntia Marques, Flavia Regina, Giovanna Balarini e Lívia Lugarinho pela ajuda sempre disponível. - À amiga Fabiana Saldanha pela nossa amizade ontem, hoje e sempre. - A Nádia Queiroz, secretária do serviço de Endocrinologia, sempre disponível. - Às alunas da faculdade de Medicina Aline Pegas e Ada Rúbia pelo auxílio neste trabalho. - À Claudia Roxo, minha secretária e amiga, cuja ajuda foi fundamental. - Aos pacientes pela confiança depositada. Pois sem eles este trabalho não seria possível. 7 Resumo Análise quantitativa do RNA mensageiro dos receptores de dopamina em adenomas hipofisários clinicamente não funcionantes e em hipófises humanas normais Evelyn de Oliveira Machado; Mônica Roberto Gadelha A abordagem inicial dos adenomas clinicamente não funcionantes (ACNF) é a remoção cirúrgica do tumor, para aliviar os efeitos de massa sobre as estruturas adjacentes, principalmente o quiasma óptico. Entretanto, devido ao seu tamanho, a cirurgia não é curativa em alguns casos. Nestes pacientes, o tratamento com agonistas dopaminérgicos (AD) pode ser uma opção. O objetivo deste estudo foi avaliar a expressão do RNA mensageiro (RNAm) dos receptores dopaminérgicos em ACNF e hipófises humanas normais por RT-PCR quantitativa em tempo real. Foram incluídos 30 tumores de pacientes portadores de ACNF (16 homens, 54%) e oito hipófises normais obtidas durante autópsias (5 homens, 62%). O receptor mais freqüentemente expresso nos ACNF [mediana (mínimo e máximo)] foi o D2 total [13383 (109-184767)], seguido do D4 [555 (55-11767)], D1 [77 (0-910)], D5 [28 (0-701)]. O número de cópias da isoforma longa de D2 foi de 5952 (0-28342) e a relação D2 longo/D2 total foi de 0,38. Em hipófises humanas normais, o receptor mais freqüentemente expresso também foi o receptor D2 total [29865 (4709-81606)], seguido do D4 [2335 (1149-8231)], D5 [407 (50-3335)], D1 [160 (0-674)]. O número de cópias 8 da isoforma longa de D2 foi de 12591 (1758-25208) e a relação D2 longo/D2 total foi de 0,36. Não foi observada expressão do receptor D3. Hipófises humanas normais apresentaram maior expressão do receptor D4 (p=0,041) e do receptor D5 (p= 0,001) em relação aos ACNF. Em conclusão, o fato de que todos os ACNF expressarem o receptor D2, com o predomínio da isoforma curta deste receptor em 72% dos casos, reforça a possibilidade do emprego dos AD como terapia complementar no tratamento desses tumores. Unitermos: receptores dopaminérgicos, adenomas hipofisários clinicamente não funcionantes, hipófises humanas normais. 9 Abstract Quantitative analysis of messenger RNA for dopamine receptors in clinically nonfunctioning pituitary adenomas and normal human pituitaries Evelyn de Oliveira Machado; Mônica Roberto Gadelha The initial approach of clinically nonfunctioning pituitary adenomas (CNPA) is surgical removal of the tumor, to relieve mass effects on adjacent structures, principally the optic chiasm. However, owing to their size, surgery alone is not curative in some cases. In these patients, treatment with dopamine agonists can be an option. The goal of this study was to evaluate the expression of dopamine receptors D1, total D2, D2 long isoform (D2L), D3, D4 and D5 in CNPA and normal human pituitary by real time RT- PCR. Thirty tumors of patients with CNPA (16 men, 54%) and eight normal human pituitaries obtained during autopsy (5 men, 62%) were included in the study. The most expressed receptor in CNPA [median (min-max)] was total D2 [13383 (109-184767)], followed by D4 [555 (55-11767)], D1 [77 (0-910)], D5 [28 (0-701)]. The D2 long isoform copies number was 5952 (0-28342) and the D2 long/D2 total ratio was 0.38. In normal pituitaries, the most expressed was also total D2 [29865 (470981606)], followed by D4 [2335 (1149-8231)], D5 [407 (50-3335)], D1 [160 (0674)]. The D2 long isoform copies number was 12591 (1758-25208) and the D2 long/D2 total ratio was 0.36. Expression of the D3 receptor was not observed in 10 this group. Normal human pituitaries have higher D4 receptor (p=0,041) and D5 receptor (p=0,001) expression. In conclusion, the fact of all CNPA expressed D2 receptor with the majority of the short isoform of this receptor in 72% of the cases; support the possibility of using DA as a complementary therapy in the treatment of these tumors. Key words: Dopamine receptors, clinically nonfunctioning pituitary adenomas, normal human pituitaries. 11 Lista de Abreviações ACNF: Adenoma clinicamente não funcionantes. ACTH: Adrenocorticotropic hormone – hormônio adrenocorticotrófico. AD: Agonista dopaminérgico. ADC: Adenilato ciclase AMPc: Adenosina monofostato cíclico. BLAST: Basic Local Alignment Search Toll. BRC: Bromocriptina. CAB: Cabergolina. CEP: Comitê de Ética e Pesquisa. COMT: Catecolamina-o-methyltransferase. CONEP: Comissão Nacional de Ética em Pesquisa. ct: threshold cycle. D2L: D2 long- D2 longo. D2S: D2 short- D2 curto. DAG: Diacilglicerol. DR: Receptores dopaminérgicos. EGF: Epidermal growth factor – fator de crescimento da epiderme. ERK: Extracellular-signal regulated kinase – quinase regulada por sinal extracelular. FN: Fator de normalização. FGF: Fibroblast growth factor - fator de crescimento do fibroblasto. . 12 FSH: Follicle-stimulating hormone – hormônio folículo estimulante. GAPDH: Glyceraldehyde-3-phosphate dehydrogenase - gliceraldeído trifosfato desidrogenase. GDP: Guanosina difosfato. GH: Growth hormone – hormônio de crescimento. Gi: Proteína G inibitória. GnRH: Gonadotropin-releasing hormone − hormônio liberador de gonadotrofinas Gs: Proteína G estimulatória. GTP: Guanosina trifosfato. HPRT: Hypoxanthine-guanine phosphoribosyltrasferase – hipoxantina fosforibosiltransferase. HUCCF/UFRJ: Hospital Universitário Clementino Fraga Filho/Universidade Federal do Rio de Janeiro. 123 I-IBZM: 123I-metoxibenzamida. IM: Intramuscular. IP3: 1,4,5-inositol trifosfato. LAN: Lanreotide. LAR: Long action release. LH: Luteinizing Hormone – Hormônio luteinizante. MAO: Monoamina oxidase. MAPK: Mitogen-actvated protein kinase – proteína quinase regulada por mitógenos. MEN1: Multiple Endocrine Neoplasia Type 1 – Neoplasia endócrina múltipla tipo 1. NCBI: National Center for Biotechnology Information. OCT: Octreotide. 13 PGF: Platelet growth factor - fator de crescimento plaquetário. PHDA: Peri-ventricular-hipofisário. PKA: Proteína Kinase A. PKC: Proteína Kinase C. PLC: Fosfolipase C. PRL: Prolactina. PTTG: Pituitary tumor transforming gene - gene transformador de tumores hipofisários. RM: Ressonância magnética. RT-: Reverse transcriptase – transcriptase reversa - (controle negativo) RT-PCR: Reverse transcriptase-polymerare chain reaction – transcriptase reversa - reação em cadeia de polimerase SC: Subcutânea. SR: Slow realease – liberação lenta. SSTR: Somatostatin receptors – receptores da somatostatina. TC: Tomografia computadorizada. TCLE: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. TH: Tirosina hidroxilase. TIDA: Túbero-infundibular. TSH: Thyrotropin-stimulating hormone – Hormônio tireoestimulante. UIC: University of Illinois at Chicago. UV: Ultravioleta. 14 Sumário I - Introdução..................................................................................................20 II - Revisão de literatura..................................................................................22 1. Adenomas hipofisários clinicamente não funcionantes (ACNF)...........................................................................................................22 1.1. Epidemiologia.........................................................................................23 1.2. Patogênese.............................................................................................23 1.3. Diagnóstico.............................................................................................26 1.4.Tratamento..............................................................................................27 1.4.1. Cirurgia...............................................................................................27 1.4.2.Radioterapia.........................................................................................28 1.4.3 Medicamentoso....................................................................................30 A) Agonistas Dopaminérgicos..............................................................30 B) Análogos da Somatostatina.............................................................38 C) Análogos do GnRH.........................................................................42 D) Novas perspectivas.........................................................................43 2 . Dopamina.................................................................................................45 2.1. Síntese e metabolismo...........................................................................45 2.2. Mecanismo de ação................................................................................48 2.2.1. Receptores da dopamina.....................................................................48 2.2.1.1. Receptor da dopamina tipo 1 (D1)....................................................50 2.2.1.2. Receptor da dopamina tipo 2 (D2)....................................................50 2.2.1.3. Receptor da dopamina tipo 3 (D3)....................................................53 2.2.1.4. Receptor da dopamina tipo 4 (D4)....................................................54 15 2.2.1.5. Receptor da dopamina tipo 5 (D5).................................................54 2.2.2. Proteínas G........................................................................................55 2.2.3. Segundo mensageiros e vias efetoras..............................................57 2.3. Ações da dopamina na adenoipófise...................................................60 2.3.1. Atividade anti-secretora.....................................................................60 2.3.2. Atividade anti-proliferativa.................................................................61 III - Objetivo..................................................................................................66 IV - Pacientes e métodos.............................................................................67 4.1. Pacientes e amostras...........................................................................67 4.2. Métodos................................................................................................69 4.2.1. Extração do RNA e transcrição reversa............................................69 4.2.2. Seleção dos iniciadores (primers).....................................................70 4.2.3. Avaliação da especificidade do iniciador...........................................72 4.2.4. PCR quantitativo em tempo real........................................................75 4.2.5. Controle interno.................................................................................79 4.2.6. Análise estatística..............................................................................80 V - Resultados.............................................................................................81 5.1. Caracterização da casuística................................................................81 5.2. Caracterização histológica....................................................................81 5.3. Validação dos resultados da PCR........................................................82 5.4. Perfil de expressão dos genes constitutivos e dos receptores de dopamina.....................................................................................................82 5.5. Comparação da expressão dos DR nos ACNF e hipófises humanas normais........................................................................................................90 16 VI - Discussão.............................................................................................95 VII - Conclusões..........................................................................................104 VIII - Referências.........................................................................................105 IX - Anexos Anexo A - TCLE Anexo B - Aprovação do projeto pelo CEP e pela CONEP Anexo C - Protocolo de extração do RNA Anexo D - Protocolo da reação de transcrição reversa Anexo E - Artigo publicado: - Two hour mean GH is not superior to basal GH for the follow-up of acromegalic patients treated with Octreotide LAR®. Growth Horm IGF Res 2007; 17:77-81. 17 Lista de Tabelas Tabela 1 - Eficácia dos AD na redução dos níveis séricos de gonadotrofinas e subunidade α em pacientes com ACNF............................................................36 Tabela 2 - Eficácia dos AD na melhora visual em pacientes com ACNF..........36 Tabela 3 - Eficácia dos AD na redução tumoral em pacientes com ACNF.......37 Tabela 4 - Características moleculares dos receptores dopaminérgicos em humanos............................................................................................................55 Tabela 5 - Vias efetoras ligadas aos diferentes receptores da dopamina.........65 Tabela 6 - Seqüência dos oligonucleotídeos dos receptores de dopamina e dos genes constitutivos, tamanho dos produtos e temperatura de anelamento......74 Tabela 7 - Número absoluto de cópias subtraído do controle negativo (RT-) dos genes constitutivos e o fator de normalização calculado pelo programa GeNorm.............................................................................................................84 Tabela 8 - Número absoluto de cópias subtraído do controle negativo (RT-) e corrigido pelo fator de normalização dos receptores de dopamina em ACNF..85 Tabela 9 - Número absoluto de cópias subtraído do controle negativo (RT-) e corrigido pelo fator de normalização dos receptores de dopamina em hipófises humanas normais..............................................................................................86 Tabela 10 - Expressão ( %) dos quatro receptores de dopamina.....................88 Tabela 11- Expressão (%) da isoforma longa do receptor D2 (D2L) em relação ao total...............................................................................................................89 18 Lista de Figuras Figura 1 - Biossíntese, liberação e metabolismo da dopamina.........................47 Figura 2 - Isoformas do receptor da dopamina 2...............................................52 Figura 3 - Estrutura do gene do receptor da dopamina 2..................................53 Figura 4 - Esquema ilustrado alguns dos sistemas efetores envolvidos com a ligação da dopamina às suas duas famílias de receptores...............................54 Figura 5 - Localização dos iniciadores para o receptor D2 isoforma longa.......71 Figura 6 - Localização dos iniciadores para o receptor D2 total (ambas isoformas)..........................................................................................................71 Figura 7 - Curva de fusão adequada (pico único)..............................................77 Figura 8 - Curva de fusão inadequada (mais de um pico único).......................78 Figura 9 - Comparação das medianas do receptor D2 total corrigido pelo fator de normalização entre ACNF e hipófise normal.......................................................91 Figura 10 - Comparação das medianas da isoforma longa do receptor D2 corrigido pelo fator de normalização entre ACNF e hipófise normal.................92 Figura 11 - Comparação das medianas do receptor D4 corrigido pelo fator de normalização entre ACNF e hipófise normal.....................................................93 Figura 12 - Comparação das medianas do receptor D5 corrigido pelo fator de normalização entre ACNF e hipófise normal.....................................................94 19 I-Introdução Os adenomas constituem a neoplasia primária mais comum da adenohipófise, representando 10 a 15% de todos os tumores intracranianos (1). São tumores benignos de origem monoclonal e a sua patogênese parece envolver mutações inativadoras de genes supressores tumorais ou mutações ativadoras de proto-oncogenes (2). Os adenomas hipofisários são divididos em funcionantes e não funcionantes, de acordo com a presença ou ausência de síndromes clínicas de hipersecreção hormonal. Cerca de 25 a 30% dos adenomas hipofisários são clinicamente não funcionantes (ACNF), manifestando-se por efeitos de massa sobre o quiasma óptico e estruturas parasselares (3). O tratamento dos ACNF visa controlar os sintomas neuro-oftalmológicos, sendo seu principal objetivo a descompressão das vias ópticas e do tecido hipofisário normal. A abordagem cirúrgica constitui-se o tratamento de escolha. Entretanto, por se tratarem de macroadenomas muitas vezes com extensão extraselar, a remoção cirúrgica completa nem sempre é possível (4,5). No caso de insucesso cirúrgico, tratamento adjuvante com radioterapia poderá ser indicado para os adenomas não controlados com a cirurgia, pois permite a melhora das alterações visuais e a redução da taxa de recidiva tumoral pós-cirúrgica (6,7). No entanto, a radioterapia não é um procedimento isento de riscos, sobretudo o desenvolvimento de hipopituitarismo (8,9). De tal 20 forma, que o emprego sistemático da irradiação hipofisária em pacientes operados tem sido questionada. Até o presente momento não existe nenhum tratamento farmacológico específico para os ACNF. O tratamento com agonistas dopaminérgicos (AD) tem sido avaliado em pacientes com ACNF, baseado em estudos que confirmaram a expressão de receptores dopaminérgicos tipo 2 (D2) nestes tumores (10,11). Entretanto, resultados conflitantes têm sido relatados na literatura (12,13,14). Dessa forma, é possível que o estudo quantitativo da expressão dos receptores de dopamina nos ACNF seja capaz de prever os pacientes com maior chance de êxito na terapia com AD e explicar a variabilidade de resposta clínica e do volume tumoral nos pacientes com ACNF em tratamento com agonistas dopaminérgicos. 21 II-Revisão da literatura 1. Adenomas hipofisários clinicamente não funcionantes (ACNF) Os ACNF são tumores hipofisários que não estão associados a manifestações clínicas ou bioquímicas da hipersecreção de hormônios hipofisários. Entretanto, contrariamente a sua nomenclatura, estes tumores são capazes de produzir hormônios glicoproteicos ou suas subunidades em quantidades suficientes para serem detectados em estudo imunocitquímico ou por métodos mais refinados como a hibridização in situ, ou técnicas de biologia molecular (15,5). Contudo, ocasionalmente, essa produção hormonal pode ser observada in vivo, através das dosagens séricas das gonadotrofinas e das suas subunidades no estado basal ou após estímulo com TRH (15,16). A dosagem de hormônios glicoproteicos e suas subunidades em meio de cultura de células tumorais dos ACNF, ou a pesquisa de RNA mensageiro das subunidades das gonadotrofinas nesses tumores têm confirmado a natureza gonadotrófica da grande maioria desses adenomas. Na série de Black e cols (15), através da técnica de imunocitoquímica, foram detectados hormônios glicoproteicos em 73% dos ACNF estudados, com positividade para a subunidade β do hormônio folículo estimulante (Follicle-stimulating hormone FSH-β) em 58%, para a subunidade β do hormônio luteinizante (Luteinizing hormone - LH-β) em 47%, para a subunidade α em 42% e para a subunidade β do hormônio tireotrófico (Thyrotropin-stimulating hormone - TSH-β) em 33% dos adenomas. Corroborando estes dados, Jameson e cols (17) ao avaliarem a 22 expressão gênica dos hormônios adenoipofisários em 54 ACNF, através da quantificação do RNAm, puderam observar que em 86% dos tumores havia a expressão de um ou mais genes para os hormônios glicoproteicos adenoipofisários (LH-β, FSH-β,TSH-β). Embora as subunidades β do FSH e do LH tenham sido encontradas com freqüência semelhantes nos ACNF, quantitativamente, a expressão do RNAm do FSH-β foi mais abundante. 1.1 Epidemiologia Os ACNF incidem principalmente entre a quarta e a sexta décadas de vida, acometendo igualmente ambos os sexos (18). Estes tumores podem ser classificados radiologicamente de acordo com o tamanho, em microadenomas (<10 mm) ou macroadenomas (≥10mm). 1.2 Patogênese A patogênese dos ACNF, assim como dos outros tipos de adenomas hipofisários não está totalmente esclarecida. Inicialmente, acreditava-se na origem hipotalâmica para o estímulo inicial da oncogênese hipofisária, entretanto estudos posteriores confirmaram que vários tipos de adenomas são constituídos por proliferações celulares de natureza monoclonal (19,20). A monoclonalidade sugere que os tumores hipofisários resultam de mutações genéticas em uma única célula envolvendo a ativação de oncogenes e inativação de genes supressores tumorais. 23 Alguns oncogenes têm sido implicados no desenvolvimento dos ACNF. Mutações ativadoras do gene GNAS1 (mutações gsp) resultam na substituição de um aminoácido na proteína G α estimulatória (Gsα), tornando-a constitutivamente ativa por perder a capacidade intrínseca de hidrolisar o GTP (guanosina trifosfato). Essa mutação transforma o proto-oncogene GNAS1 no oncogene gsp. Mutações gsp têm sido observadas em cerca de 40% dos somatotropinomas e em 10% dos ACNF (21-24). Mutações inativadoras do gene GNAI2 (proteína G α inibitória) também foram observadas em menos de 10% dos ACNF (23). O PTTG (Pituitary tumor transforming gene - gene transformador de tumores hipofisários) codifica a proteína PTTG, altamente expressa em células com atividade proliferativa. A PTTG é capaz de induzir a expressão do FGF (Fibroblast growth factor - fator de crescimento do fibroblasto), um importante mediador do crescimento celular (25). Além disso, o PTTG codifica uma securina humana, ou seja, uma proteína que participa na regulação da divisão celular por influenciar na ligação das cromátides irmãs durante a mitose. Para que ocorra a separação equivalente do material genético em duas células durante a mitose, as duas cromátides se ligam através de coesinas, que são degradadas pelas separinas ao sinal do término da metáfase. A PTTG na sua função de securina, se liga as separinas impedindo a proteólise prematura das coesinas. Portanto a superexpressão do PTTG, impede a separação equivalente das cromátides, com a formação de células aneuploides (isto é, com perda ou ganho de cromossomas). A aneuploidia é um achado invariável em tumores sólidos, já foi 24 documentada em tumores hipofisários e está freqüentemente associada à progressão tumoral (26,27). O gene da proteína kinase C (PKC) codifica uma quinase que apresenta importante papel na regulação do crescimento e proliferação celular através da fosforilação de proteínas. A PKC está envolvida na síntese e secreção de hormônios hipofisários (28). A análise da expressão da PKC nos vários adenomas hipofisários tem demonstrado uma superexpressão desta proteína em ACNF e em somatotropinomas, mais intensamente nos invasivos (29,30). Além disso, mutações desse gene foram observadas em apenas alguns adenomas, incluindo um ACNF (31). A inativação de genes supressores tumorais também parece estar envolvida na patogênese hipofisária. Dentre estes genes, um dos primeiros associados a tumores hipofisários, foi o gene MEN 1, localizado no cromossomo 11q13 (32). Este gene codifica a menina, uma proteína que interage com várias proteínas supressoras de tumor, reprimindo a transativação gênica. Cerca de 25% dos pacientes com a mutação germinativa no gene MEN 1 desenvolvem adenomas hipofisários (33,34). Entretanto, o seqüenciamento desse gene nos tumores esporádicos revelou mutações inativadoras na região codificadora do gene em apenas 1% dos adenomas (35,36). 25 1.3 Diagnóstico Os ACNF podem manifestar-se por sintomas compressivos do tumor ou menos freqüentemente por um quadro de apoplexia hipofisária. Adicionalmente, alguns casos poderão ser diagnosticados de forma incidental através de exames radiológicos. Os pacientes com ACNF freqüentemente apresentam na ocasião do diagnóstico quadro de perda visual, sintomas neurológicos e ou sintomas de hipopituitarismo, decorrentes do aumento do volume tumoral (8). De acordo com a literatura, comprometimento visual está presente em até 87% dos pacientes (14,18,37), seguido por hipogonadismo, presente em mais de 50% dos casos (14,37) e cefaléia que pode ser observada em 35 a 75% dos casos (14). Os ACNF podem manifestar-se com hiperprolactinemia secundária a desconexão hipotalâmico-hipofisária e conseqüente redução do aporte de dopamina aos lactotrofos, nesta situação também são denominados de pseudoprolactinomas, sendo necessário diferenciá-los dos prolactinomas verdadeiros (18,38). A apoplexia hipofisária seja isquêmica ou hemorrágica, representa uma expansão aguda do volume tumoral, manifestando-se por quadro de cefaléia de forte intensidade, comprometimento visual, diplopia e alterações do nível de consciência. O risco de ocorrência de tal acidente vascular em ACNF variou na literatura de 9,5 a 21%. Arita e cols (39) acompanharam 42 pacientes assintomáticos com ACNF através ressonância magnética (RM) por um período médio de 60 meses. Durante este período, 10 pacientes apresentaram sintomas compatíveis com apoplexia, porém sem evidência radiológica. Quatro pacientes 26 evoluíram com quadro de cefaléia e oftalmoplegia sendo confirmada extensa necrose tumoral nestes pacientes. Atualmente, devido a maior disponibilidade da tomografia computadorizada (TC) e da RM de crânio na investigação de inúmeras condições clínicas, tem sido crescente o número de ACNF diagnosticados em pacientes assintomáticos ou sem sinais que sugiram patologia hipofisária. Nesta situação, os ACNF são denominados de incidentalomas, que podem se apresentar como microadenomas em 10 a 20% dos casos ou macroadenomas observados em 16% das patologias selares (40,41). A avaliação laboratorial, através das dosagens dos hormônios adenoipofisários, tem o objetivo de excluir a hipersecreção hormonal. A dosagem da subunidade α dos hormônios glicoproteicos, além de diagnóstica, pode ser útil no diagnóstico diferencial entre os ACNF e outras neoplasias intracranianas. 1.4 Tratamento 1.4.1 Cirurgia Constitui-se no método de escolha para o tratamento dos ACNF. O principal objetivo é a descompressão das vias ópticas e a preservação das estruturas adjacentes, assim como do tecido hipofisário normal. De acordo com a literatura, melhora visual pode ser observada em até 80% dos pacientes (37,42) e recuperação da função hipofisária em 30 a 50% dos casos (43). A 27 ressecção total do tumor possibilita a cura, mas só ocorre nos adenomas sem invasão do seio cavernoso e com maior freqüência naqueles com pequena ou nenhuma extensão supra-selar (18). Na prática, redução do volume tumoral é o resultado mais observado, e as taxas de recidiva tumoral pós-cirúrgicas são elevadas podendo variar de 12 a 69% após cinco a dez anos da cirurgia (14,44). A principal via de acesso para a cirurgia é a transesfenoidal, que apresenta baixas taxas de morbidade e mortalidade. Ela está reservada para tumores com pequena ou moderada extensão supra-selar. A via transcraniana estará indicada na presença de grande extensão supra-selar. O sucesso do tratamento cirúrgico varia diretamente com a experiência e habilidade do cirurgião e inversamente com a consistência, aderência, invasão do tumor. As possíveis complicações do tratamento cirúrgico são o hipopituitarismo, a ocorrência de diabetes insípidus (DI) transitório ou permanente, e complicações locais como a formação de fístula liquórica, sinusite, dano visual e meningite. De acordo com a literatura, a ocorrência de tais complicações é inferior a 7%, contudo esta freqüência pode ser elevada em caso de cirurgia ou radioterapia prévia (45). 1.4.2 Radioterapia A radioterapia tem sido utilizada como tratamento complementar à cirurgia, com o objetivo de reduzir o risco de recidiva tumoral (46, 47). De acordo com alguns autores, durante um período de seguimento que variou de um a 21 anos, as taxas de recidiva tumoral após tratamento cirúrgico isolado puderam 28 ser reduzidas de 19 a 21% para 5 a 10% quando instituído tratamento radioterápico complementar (7). Entretanto, não existe um consenso sobre o emprego sistemático da radioterapia no pós-operatório dos pacientes que permanecem com resíduo tumoral. Para alguns autores, se o remanescente tumoral for pequeno, é possível acompanhar a evolução através de exames periódicos de imagem e indicar a radioterapia apenas quando houver evidência de crescimento do tumor (6). Enquanto que outros autores, como Turner e cols (46), sugerem que a radioterapia deve ser considerada para todos os pacientes com ACNF devido ao risco de crescimento do tumoral, que pode chegar até 50% dos casos em 10 anos de seguimento. A indicação de radioterapia deve ser individualizada, uma vez que o risco de hipopituitarismo é elevado e cresce com o tempo de acompanhamento. A incidência de hipofunção hipofisária pode ser superior a 50% em pacientes submetidos à cirurgia seguida de radioterapia (7,47,48). De fato, Littley e cols (48) avaliaram 165 pacientes submetidos radioterapia, e observaram que após 5 anos deste tratamento, a incidência de deficiência de hormônio de crescimento (Growth hormone − GH), de gonadotrofinas (LH e FSH), de corticotrofina (Adrenocorticotropic hormone − ACTH) e tireotrofina (TSH) foi respectivamente, de 100%, 91%, 77% e 42%. Além de danos à hipófise, existe o risco de lesão actínica, sobretudo sobre o quiasma óptico (49,50), disfunção neuro-cognitiva, e mais raramente, a indução de outros tumores do sistema nervoso central, 29 principalmente meningiomas e gliomas (51). Entretanto, estes riscos podem ser minimizados com o emprego da radioterapia estereotáxica (radiocirurgia). Esta modalidade tem substituído com sucesso a radioterapia convencional no controle do crescimento de restos tumorais. Apresenta a vantagem de liberar uma elevada dose de irradiação, com alto grau de precisão sobre a área do tumor numa única sessão com mínimo efeito nocivo ao tecido normal circunjacente (52). 1.4.3 Medicamentoso Três classes de drogas têm sido utilizadas no manuseio dos ACNF: agonistas dopaminérgicos, análogos da somatostatina e análogos do GnRH (Gonadotropin-releasing hormone − Hormônio liberador de gonadotrofinas). A. Agonistas Dopaminérgicos Os agonistas dopaminérgicos (AD) foram a primeira classe de drogas usadas no tratamento dos prolactinomas e somatotropinomas. No Brasil, os dois AD comercialmente disponíveis no mercado são a bromocriptina (BRC) e a cabergolina (CAB). Estas drogas atuam diretamente sobre os receptores dopaminérgicos tipo 2 (D2), presentes no tecido hipofisário normal (53,54) e tumoral (55-57). O emprego desta classe de drogas no tratamento dos ACNF está baseado na observação de que aproximadamente 70% destes tumores expressam receptores D2 (11). Apesar destes dados, resultados conflitantes e 30 desapontadores têm sido relatados sobre a eficácia dos AD no controle do crescimento tumoral destes adenomas. Dados da literatura demonstraram que a BRC é capaz de reduzir os níveis de gonadotrofinas e subunidades α in vitro e in vivo, porém em um número reduzido de casos foi capaz de produzir redução tumoral significativa em ACNF (58-60). Wollesen e cols (61) em 1982 avaliaram o efeito da BCR no pósoperatório de 11 ACNF e nove funcionantes (quatro prolactinomas, três somatotropinomas, um corticotropinoma e um tireotropinoma). Foi encontrada redução tumoral média de 32% em nove de 11 ACNF (81%) e de 51% em 4 dos nove adenomas funcionantes (44%) com 30 a 60mg/dia de BRC. Concluindo ser a BCR uma droga capaz de causar redução tumoral clinicamente significativa em todos os tipos tumorais. Entretanto, na grande maioria dos estudos, a BRC não foi capaz modificar o tamanho tumoral. Bevan e cols (12) ao compilarem os dados de sete estudos sobre a eficácia da BRC no tratamento de 84 pacientes com ACNF, observaram que em 76 pacientes (90%) não houve qualquer redução no volume tumoral, sendo que em um caso houve aumento. Em sete pacientes (8%), pequena redução tumoral foi observada, apesar de um dos casos ter evoluído coincidentemente com apoplexia hipofisária. Deterioração visual foi observada em 5 pacientes (6%), enquanto que apenas um paciente apresentou melhora do quadro visual. Estudos posteriores avaliaram a eficácia da quinagolida no tratamento dos ACNF, baseados na observação de que pacientes com de prolactinomas pouco responsivos, ou resistentes a BRC, apresentaram normalização nos 31 níveis séricos de prolactina (PRL), e redução tumoral que variou de 25 a 100% com a quinagolida (62,63). Kwekkeboom e Lamberts (64) em uma série com 5 pacientes com ACNF, tratados com quinagolida na dose de 0,3 mg/dia durante 12 meses, evidenciaram redução nos níveis séricos de gonadotrofinas e subunidade α em 80% dos pacientes, redução tumoral em 20% e estabilização do crescimento tumoral em 60%. Entretanto, resultados conflitantes foram observados quando Nobels e cols (13) avaliaram a eficácia do tratamento prolongado com a quinagolida em 10 pacientes com de ACNF. Redução significativa nas concentrações séricas das gonadotrofinas e subunidade α foi observada em nove pacientes (9/10). Dois de três pacientes, com alterações visuais prévias, apresentaram discreta melhora visual nos primeiros meses de tratamento, seguida de deterioração visual em todos os três pacientes durante o seguimento. Regressão do volume tumoral foi constatada em três pacientes durante o primeiro ano de tratamento, porém em dois destes pacientes, houve aumento tumoral durante o seguimento. Seis pacientes evoluíram com aumento do volume tumoral no decorrer do estudo, a despeito da supressão dos níveis de gonadotrofinas e subunidade α. Baseados nestes dados, os autores concluíram que o tratamento prolongado com a quinagolida não foi capaz de prevenir o aumento progressivo do volume tumoral na grande maioria dos pacientes estudados. Por outro lado, Ferone e cols (65) demonstraram que o emprego da cintilografia com 123 I-metoxibenzamida (123I-IBZM), um ligante específico para receptores D2, cuja captação, correlaciona-se com o grau de expressão destes receptores, seria capaz de prever nos pacientes com ACNF, os que 32 apresentariam normalização sérica da subunidade α e redução tumoral com emprego da quinagolida. Recentemente, a CAB devido a sua maior potência e tolerância em relação aos demais AD tem substituído a BRC no tratamento dos ACNF. A CAB tem capacidade de ligação mais específica com os receptores D2 e duração de ação mais prolongada. Isso evita grandes flutuações nos níveis séricos da droga, aumentando a eficácia clínica e reduzindo a freqüência de efeitos colaterais, como foi mostrado em um estudo duplo-cego de pacientes com hiperprolactinemia (66). Lohmann e cols (67) avaliaram a segurança e a eficácia da CAB na dose de 1mg/semana durante um ano de tratamento em 13 pacientes com ACNF. Destes pacientes, 12 já haviam sido submetidos a tratamento cirúrgico prévio e apresentavam resíduo ou recorrência tumoral. Redução do tumor foi observada em aproximadamente 60% dos casos (8/13). Sete dos treze pacientes apresentaram redução de 10% sobre o volume inicial do tumor. Redução tumoral de 25% do volume inicial foi observada apenas em 1 paciente. Nove pacientes apresentavam comprometimento visual previamente ao início da terapia com CAB, e destes, apenas dois (22%) apresentaram melhora visual com esta droga. Não foram observados efeitos colaterais significativos com o regime terapêutico. Colao e cols (68) avaliaram a redução tumoral e os níveis séricos de subunidade α em 10 pacientes com de ACNF durante o tratamento com CAB (0,5 a 3,0 mg/semana) e quinagolida (0,075 a 0,6 mg/dia) por um período de 33 doze meses. Redução dos níveis séricos de subunidade α foi observada em 90% dos pacientes e redução tumoral em dois casos (20%). Pivonello e cols (11) buscaram correlacionar a expressão dos receptores D2 e suas isoformas com o efeito da CAB na síntese de subunidade α in vitro e na resposta tumoral in vivo em ACNF. Foram estudados 18 pacientes submetidos a tratamento cirúrgico, destes nove (50%) permaneceram com resíduo tumoral e foram tratados com CAB por 1 ano. Após este período de tratamento, foi observada inibição dose-dependente da CAB, na síntese de subunidade α em 56% dos pacientes. Em relação às manifestações clínicas, resolução completa da cefaléia ocorreu em cinco de sete pacientes (71%) que apresentavam o sintoma no início do tratamento. Melhora visual foi observada em dois dos três pacientes (67%) com comprometimento visual prévio. Um exame de campimetria visual foi realizado em todos os pacientes do estudo, constatando-se que, quatro de cinco pacientes (80%) que apresentavam defeitos no campo visual, apresentaram melhora significativa. Redução tumoral significante (acima de 25%) foi observada em 56% dos pacientes. Destes, notável redução tumoral (superior a 50% do volume inicial) foi identificada em dois pacientes e moderada redução tumoral (25-50% do volume inicial) foi observada em três pacientes. Todos os pacientes com significativa redução do adenoma expressavam receptores D2. Mais recentemente, Greenman e cols (69) avaliaram o emprego dos AD, preferencialmente após o tratamento cirúrgico ou tão logo se observasse crescimento do remanescente tumoral. Trinta e três pacientes receberam AD 34 durante um período médio de 40 meses e foram pareados com um grupo de 47 pacientes não tratados com a droga. Foi observada redução ou estabilidade do volume tumoral em 18 de 20 pacientes (90%), cuja instituição do AD foi iniciada logo após a detecção do resíduo tumoral pela ressonância magnética pósoperatória. Em 13 pacientes, o tratamento apenas foi iniciado após a detecção de crescimento do remanescente tumoral durante as consultas de rotina. Neste grupo, redução ou estabilização do crescimento tumoral foi detectada em oito dos 13 dos pacientes (61,5%) estudados. Em contraste, o volume tumoral permaneceu estável em apenas 18 dos 47 pacientes (38,3%) não tratados com AD e aumento tumoral foi detectado em 29 pacientes (61,7 %). Melhora visual foi detectada em quatro de oito pacientes com comprometimento visual prévio. Baseados, nestes resultados, os autores concluíram que o tratamento com AD é capaz de promover redução ou estabilização do volume tumoral, particularmente, quando o tratamento for iniciado antes da detecção da recidiva tumoral. As tabelas 1, 2, 3 sumarizam os resultados dos AD na redução dos níveis séricos de gonadotrofinas e subunidade α, melhora visual e redução tumoral, respectivamente. 35 Tabela 1 - Eficácia dos AD na redução dos níveis séricos de gonadotrofinas e subunidade α em pacientes com ACNF. Autor N Agonista dopaminérgico Dose 5 Quinagolida 0,3* 10 6 10 Quinagolida Quinagolida Quinagolida; CAB (Referência) Kwekkeboom (64) Nobels (13) Ferone (65) Colao (68) Redução dos níveis séricos de gonadotrofinas e subunidade α (%) 80 0,075 − 0,3* 0,3 − 0,6* 0,075 − 0,6*; 0,5 − 3,0** Pivonello (11) 9 CAB 1,0 − 3,0** N= número de pacientes avaliados; BRC= bromocriptina; CAB= cabergolina; **= mg/sem 90 50 90 56 *= mg/dia; Tabela 2 - Eficácia dos AD na melhora visual em pacientes com ACNF. Autor N Agonista dopaminérgico Dose Melhora visual (%) (Referência) Bevan (12) # 84 BRC 1 7,5 − 20,0* Nobels (13) 10 Quinagolida 0 0,075 − 0,3* Lohmann (67) 13 CAB 1,0** 22 Pivonello (11) 9 CAB 1,0 − 3,0** 67 − 80 Greenman 33 BRC;Quinagolida;CAB 50 5 − 10,0*; 0,3*; (69) 1,5** N= número de pacientes avaliados; BRC= bromocriptina; CAB= cabergolina; *= mg/dia; **= mg/sem # = resultados compilados de sete séries 36 Tabela 3 - Eficácia dos AD na redução tumoral em pacientes com ACNF. Autor (Referência) Wollesen (61) Bevan (12) # Kwekkboom (64) Nobels (13) Ferone (65) Lohmann (67) Colao (68) N Agonista dopaminérgico 11 84 5 BRC BRC Quinagolida 10 6 13 10 Quinagolida Quinagolida CAB Quinagolida; CAB Dose Redução tumoral (%) 30,0 – 60,0* 7,5 − 20,0* 0,3* 81 8 20 0,075 − 0,3* 0,3 − 0,6* 1,0** 0,075 − 0,6*; 0,5 − 3,0** 1,0 − 3,0** 5 − 10,0*; 0,3*; 1,5** 10 33 60 20 Pivonello (11) 9 CAB 56 Greenman 33 BRC; Quinagolida; 15,4 − 45 (69) CAB N= número de pacientes avaliados; BRC= bromocriptina; CAB= cabergolina; *= mg/dia; **= mg/sem # = resultados compilados de sete séries Em resumo, os AD parecem ser eficazes na redução dos níveis séricos de gonadotrofinas e subunidade α. Em relação à melhora visual e redução tumoral, os melhores resultados foram observados com o uso da CAB. As reações adversas aos AD compreendem: náuseas, cefaléia, tonteiras, constipação intestinal, xerostomia, congestão nasal e hipotensão postural (70). Os efeitos colaterais à CAB são idênticos aos observadas com a BRC, mas com uma freqüência significativamente menor. Intolerância à CAB tem sido relatada em apenas 3 a 4% dos pacientes nas grandes séries em que esta droga foi testada (71-74). Risco de regurgitação valvar relacionada ao uso de AD derivados do ergot, foi avaliado por Schade e cols (75) em uma coorte de 11417 indivíduos entre 40 a 80 anos através de dados do United Kingdom General Practice Research Database. Todos os indivíduos usaram agonistas dopaminérgicos para tratamento de doença de Parkinson. Os autores mostraram 37 que o uso de pergolida ou CAB foi associado com risco significativamente aumentado de regurgitação mitral. Esse risco foi particularmente maior entre os pacientes que fizeram uso de pergolida ou CAB em doses diárias maiores do que 3,0 mg, por pelo menos, seis meses. Em outro estudo sobre a prevalência de regurgitação valvar e o uso de AD em 155 pacientes com de doença de Parkinson, foi demonstrada uma freqüência elevada de doença valvar em pacientes usando pergolida (23,4%) ou CAB (28,6%). Entretanto, não foi constatada em pacientes que faziam uso de agonistas dopaminérgicos nãoderivados do ergot, quando comparado com indivíduos controles (5,6%) A dose média diária de pergolida e CAB usada pelos pacientes foi de 2,8±1,2 e 3,6±2,1, respectivamente (76). Entretanto, vale mencionar que para o tratamento dos adenomas hipofisários, as doses máximas utilizadas de CAB e pergolida são respectivamente, 1mg/dia e 0,15 mg/dia e não existem dados disponíveis sobre a incidência de lesões orovalvulares neste grupo de pacientes. B. Análogos da Somatostatina Os análogos da somatostatina exercem suas propriedades farmacológicas através dos receptores da somatostatina (SSTR), sendo que cinco subtipos já foram identificados em humanos (SSTR 1, 2, 3, 4 e 5). Todos presentes nos tecidos hipofisários normal e tumoral. Os análogos sintéticos da somatostatina disponíveis na prática clínica, o octreotide (OCT) e o lanreotide (LAN, este não disponível no Brasil), exercem a sua ação principalmente através da ligação aos subtipos SSTR 2 e 5 (77). Eles 38 estão disponíveis em formulações de curta e longa duração de ação. O OCT de formulação subcutânea (SC) de curta duração apresenta como inconveniente a necessidade de várias aplicações diárias, resultando em menor adesão ao tratamento. Os análogos da somatostatina de longa duração [OCT-LAR (long acting release) - para aplicação intramuscular (IM) a cada 28 dias, LAN SR (slow release) - para aplicação IM a cada sete a quatorze dias e o LAN autogel - para aplicação SC profunda a cada 28 dias] apresentam melhor comodidade posológica para os pacientes, e são atualmente os mais utilizados. A detecção de SSTR em ACNF (78), principalmente os subtipos SSTR 2 e 5, suscitou a possibilidade de que os análogos da somatostatina pudessem ser utilizados no tratamento deste tipo de tumores. Entretanto, os efeitos benéficos da terapia com os análogos da somatostatina têm se mostrado variáveis e pouco freqüentes, além de se correlacionarem precariamente com a expressão dos SSTR(79). Warnet e cols (80) relataram que o uso do OCT (300-600 µg/dia) possibilitou melhora visual em 46%, 61% e 41% dos pacientes após, respectivamente, 4, 30, 60 dias de tratamento. Após dois meses de tratamento, redução tumoral foi observada em 43% (3/7) dos pacientes, com magnitude que variou de 26 a 73%. De Bruin e cols (81), avaliaram in vitro e in vivo a resposta dos ACNF ao OCT. Foram estudados sete pacientes com macroadenomas. Os SSTR foram expressos em seis adenomas. Dos sete pacientes selecionados, quatro receberam tratamento com OCT 1200 µg ao dia. Positividade para os SSTR foi 39 encontrada em três dos quatro pacientes em tratamento com OCT. Dois pacientes apresentaram significativa redução dos níveis séricos de FSH (cerca de 83% e 93% dos valores prévios com tratamento, respectivamente). Melhora visual foi observada em três pacientes (3/4), inclusive no paciente negativo para SSTR, embora redução tumoral não tenha sido observada em nenhum paciente. Portanto, os autores concluíram que o OCT foi capaz de prover melhora visual nos pacientes estudados, porém, tal efeito não parece estar relacionado à redução tumoral, sendo uma ação independente do OCT, que poderia exercer seus efeitos diretamente sobre a retina ou nervo óptico. Katznelson e cols (82) em seu estudo confirmaram o efeito do OCT em inibir a produção de gonadotrofinas e suas subunidades in vivo, porém a redução do volume tumoral não ocorreu em paralelo com a capacidade inibitória desta droga. Em todos os seis ACNF estudados foi observada redução de gonadotrofinas, entretanto, redução do tumor somente foi encontrada em um caso. Plokinger e cols (83) estudaram o uso pré-operatório do OCT no volume tumoral em ACNF e somatotropinomas. Foi avaliada também a correlação entre a redução do volume tumoral, a imunohistoquímica do tumor e a captação do 111 I-pentreotide (radioligante específico para SSTR). Foram incluídos no estudo, 10 pacientes com somatotropinomas e 14 ACNF, que foram tratados com OCT inicialmente na dose de 300µg/dia com progressão até 1500µg/dia por três meses. A cintilografia com 111 I-pentreotide foi realizada antes do início do tratamento com OCT. Após uma semana de tratamento, apenas em dois ACNF, 40 foi detectada redução tumoral (57% e 96%). Quatro de 12 ACNF apresentaram aumento da captação do radioligante, que não se correlacionou com redução do tumor e/ou imunohistoquímica (dois adenomas, um gonadotropinoma e um null cell). Andersen e cols (84) avaliaram a combinação de octreotide (OCT) e CAB no tratamento de ACNF. Em dez pacientes com macroadenomas, foram avaliadas a capacidade secretora basal e estimulada de gonadotrofinas e subunidade α dos ACNF. Também foi analisada a redução tumoral antes e após 6 meses da terapia combinada de OCT 200 µg três vezes ao dia e CAB 0,5 mg diariamente. Foi observada redução do volume tumoral de 30% (18 − 46%), apenas, nos pacientes que apresentavam capacidade secretora. Dos seis que apresentavam capacidade secretora pré-tratamento, todos demonstraram redução dos níveis de gonadotrofinas e subunidade α, que em média foi de 66% (50-98%). Entretanto, ausência de redução tumoral foi observada em quatro pacientes, destes, três permaneceram com volume inalterado e em um houve aumento do volume. Em resumo, os análogos da somatostatina são capazes de promover melhora visual e inibição da secreção de gonadotrofinas, embora não produzam efeito significativo sobre o volume tumoral nos pacientes com ACNF. Os efeitos colaterais dos análogos da somatostatina geralmente são leves e transitórios, com alterações gastrointestinais (flatulência, aumento do trânsito intestinal, náuseas, desconforto abdominal), ocorrendo em metade dos pacientes. Colelitíase assintomática ocorre em cerca de 15% dos pacientes em 41 uso de análogos da somatostatina de longa duração. São também descritos dor no local da aplicação, queda transitória de cabelos, hipotireoidismo central e bradicardia sinusal assintomática (85,86). C. Análogos do GnRH Esta classe de drogas atua via receptores para GnRH exercendo seus efeitos através da saturação destes receptores nas células gonadotróficas, reduzindo a produção hormonal. Devido ao fato de que alguns ACNF expressão positividade para gonadotrofinas, drogas agonistas ou antagonistas do GnRH foram testadas no tratamento destes adenomas (16). Entretanto, o uso de análogos agonistas do GnRH teve um efeito nulo ou exacerbou a secreção de gonadotrofinas sem que houvesse alteração nas dimensões tumorais (16,44). McGrath e cols observaram que a administração de Nal-Glu GnRH, um potente análogo antagonista do GnRH, foi capaz de reduzir os níveis circulantes de FSH em todos os cinco pacientes com ACNF incluídos no estudo, porém sem modificação do volume tumoral em nenhum dos pacientes (87). Em resumo, os análogos do GnRH não estão recomendados na terapêutica medicamentosa dos ACNF, uma vez que não propiciam redução tumoral e, eventualmente, podem exacerbar a hipersecreção hormonal. 42 D. Novas perspectivas Recentemente foram criadas moléculas híbridas (BIM 23A387) que contêm elementos estruturais da somatostatina e da dopamina e possuem atividade agonista tanto no SSTR2 como no receptor D2 (88). Gruszka e cols (89) investigaram os efeitos, in vitro, dos análogos da somatostatina específicos para os SSTR 1 (BIM-23926), para os SSTR 2 (BIM23120), para os SSTR 5 (BIM-23206), da molécula quimérica ligante do SSTR2 e do receptor D2 (BIM-23A387), da BRC e da somatostatina (SST-14) em ACNF. Foram avaliados 10 adenomas removidos cirurgicamente, para cada adenoma foram testados todos os seis tipos de drogas. Foi considerado um efeito positivo das drogas uma redução da viabilidade celular superior ou igual a 20%. Utilizando este critério, três adenomas falharam em responder a qualquer composto deste estudo. O emprego da SST-14 resultou em efeito positivo em quatro dos dez adenomas. Para o BIM 23926, análogo do SSTR1, três em 10 adenomas apresentaram redução da viabilidade celular. O emprego do análogo do SSTR2 (BIM 23120), assim como do análogo do SSTR5 (BIM 23206), produziu efeitos positivos em quatro de 10 adenomas. Melhores resultados foram observados com o emprego do BIM 23A387, molécula quimérica ligante do SSTR2 e o receptor D2, e da BRC que obtiveram efeito positivo em seis de dez pacientes em ambos os casos. Entretanto, maior intensidade no decréscimo da viabilidade celular foi observada com a BRC. Estes resultados confirmam a importância dos receptores D2 no tratamento dos ACNF, no entanto, mais 43 estudos são necessários para avaliar a verdadeira utilidade das moléculas quiméricas nestes tipos de tumores. A razão para a potência aumentada da supressão da secreção hormonal com as moléculas quiméricas ainda não é conhecida, mas pode estar relacionada à oligomerização dos receptores dopaminérgicos (DR) e SSTR. Isso poderia criar um receptor funcionalmente distinto, com maior eficácia em promover a inibição da adenilciclase quando comparado à inibição provocada pela ativação individual dos receptores (88). Outra medicação ainda em fase de estudo II, é o SOM230 (Pasireotide), um análogo do SSTR, considerado universal por ter ação nos subtipos 1, 2, 3 e 5. Estudo em cultura de células de somatotrofo demonstrou maior potência inibitória da secreção de GH pelo SOM230 quando comparado ao OCT (90). Taboada e cols (91) avaliaram a expressão dos cinco subtipos de SSTR em 19 ACNF e observaram maior expressão do SSTR3, seguido do SSTR2. Portanto, é possível que o SOM230 (Pasireotide) possa se uma opção na abordagem medicamentosa dos ACNF. 44 2. Dopamina 2.1. Síntese e metabolismo A dopamina é sintetizada primariamente no sistema nervoso central (SNC), mas também, em menor proporção, na medula adrenal. A presença de dopamina no interior da hipófise anterior sugere que esta seja sintetizada de novo nesse local ou trazida para a hipófise através do sangue pelo sistema porta-hipofisário. No hipotálamo, dois sistemas dopaminérgicos regulam a PRL: o túbero-infundibular (TIDA) e o peri-ventricular-hipofisário (PHDA). O TIDA é o maior responsável pelo aporte de dopamina à hipófise anterior. Os neurônios TIDA respondem a mudanças agudas ou crônicas na PRL com poucas exceções, como a gravidez, lactação e prolactinomas. Nestas situações, estes neurônios dopaminérgicos tornam-se refratários a níveis elevados de PRL, assim sustentando hiperprolactinemias fisiológicas ou patológicas (54). A biossíntese da dopamina inicia-se com o aminoácido tirosina, proveniente na sua maior parte da alimentação, contudo, pequena quantidade deste aminoácido tem sua origem na hidroxilação hepática da fenilalanina pela fenilalanina hidroxilase. A tirosina é captada pelos neurônios por processo ativo, e convertida em L-dopa pela ação da tirosina hidroxilase (TH), que representa a etapa limitante na síntese da dopamina. Em contraste com o que é observado nos demais neurônios dopaminérgicos, esta enzima está continuamente ativa na unidade hipotálamo-hipofisária, devido ao tônus inibitório exercido por este neurotransmissor sobre a síntese e liberação da PRL. Seqüencialmente a L- 45 dopa sob ação da L-aminodescarboxilase, também denominada hidroxifenilalanina descarboxilase, é convertida em dopamina (54,92). A dopamina recém sintetizada é translocada para o interior de vesículas secretoras, onde permanece armazenada para estoque, secreção e proteção contra a inativação enzimática. O processo de catabolismo é um dos mecanismos mais eficientes da inativação da dopamina, envolvendo vários mecanismos, dentre eles a deaminação oxidativa pela enzima monoamina oxidase (MAO), a O-metilação pela catecolamina-o-metiltransferase (COMT), e a conjugação pelas sulfotransferases ou glucoronidases. A via metabólica utilizada depende do sítio no qual está ocorrendo o processo catabólico: a MAO atua em compartimentos intracelulares, enquanto COMT está envolvida com o extracelular, como é o caso da unidade hipotálamo-hipofisária (54,92). De acordo com a demanda, ocorre a fusão das vesículas secretoras com a membrana plasmática dos neurônios, com a secreção da dopamina para a fenda sináptica ou para o para o espaço extracelular como no caso dos neurônios hipotalâmicos. Uma vez secretada, a dopamina se acoplará a receptores de membrana, que através de vias intracelulares diversas, exercem uma série de efeitos em suas células efetoras, dentre eles, controle da síntese e secreção de hormônios e efeitos antiproliferativos, que serão detalhados adiante (54). A biossíntese, liberação e metabolismo da dopamina estão esquematizados na figura 1. 46 Figura 1 - Biossíntese, liberação e metabolismo da dopamina. Adaptado de Ben-Jonathan e cols, Endocrine reviews, 2001 (54). D2: receptor de dopamina subtipo 2; TVMA: transportador vesicular de monoamina; TDA: transportador de dopamina 1) captação da tirosina pelo neurônio por um mecanismo sódio-dependente; 2) conversão da tirosina em L-dopa pela tirosina hidroxilase; 3) conversão da L-dopa em dopamina pela hidroxifenilalanina descarboxilase; 4) estocagem da dopamina em vesículas de secreção; 5) fusão das vesículas com a membrana plasmática resultando em liberação da dopamina na fenda sináptica ou espaço extracelular; 6) ligação da dopamina no seu receptor; 7) dopamina livre é captada pelo TDA, localizado na membrana plasmática do neurônio pré-sináptico; 8) dopamina recém-sintetizada e a recaptada pela célula são translocadas para o interior das vesículas secretoras; 9) MAO, localizada na membrana mitocondrial, converte dopamina em metabólitos deaminados; 10) COMT converte dopamina ou seus metabólitos deaminados em produtos biologicamente inativos. 47 2.2. Mecanismo de ação 2.2.1. Receptores da Dopamina No fim da década de 1970, estudos revelaram a ligação da dopamina a dois receptores dopaminérgicos distintos que foram denominados de D1 e D2. Essa classificação foi feita com base em suas características farmacológica, biológica, fisiológica e distribuição anatômica. Esses receptores exercem suas ações biológicas através do acoplamento com diferentes proteínas G. O tipo 1 encontra-se ligado à proteína G estimulatória (GS), sendo capaz de aumentar os níveis de adenosina monofosfato cíclico (AMPc) intracelular quando estimulado. O tipo 2 interage com a proteína G inibitória (Gi), impedindo elevações dos níveis de AMPc (54). Atualmente, existem cinco tipos de DR, que são agrupados em duas famílias: a família DR1-like (semelhante ao DR1) que engloba os subtipos de receptores D1 e D5, enquanto os receptores D2, D3 e D4 estão incluídos na família DR2-like (semelhante ao DR2) [93]. Todos são membros da família de receptores ligados à proteína G, e são formados por uma única cadeia polipeptídica. Os cinco tipos de receptores possuem sete domínios transmembrana formando três alças intra e extracelulares. Em seus domínios transmembrana, os receptores D1 e D5 têm 79% de homologia e os receptores D2, D3 e D4 51-75%. Quando comparados os dois tipos (DR1-like e DR2-like), o grau de homologia é de apenas 40-45% (94). A terceira alça intracitoplasmática representa a região funcionalmente mais importante, onde ocorre a interação 48 com as proteínas G e outras moléculas efetoras que regulam os efeitos fisiológicos e neuroquímicos dos DR (93). A porção carboxi-terminal intracitoplasmática é mais longa na família dos DR1-like, enquanto a terceira alça intracelular é significativamente maior na família dos DR2-like. Ambos possuem um ou dois resíduos de cisteína na porção proximal da região carboxi-terminal. Estes resíduos parecem sofrer palmitoilação (tioesterificação reversível com uma molécula de ácido graxo no carbono 16). Tem-se especulado que o ancoramento da membrana via cisteína palmitoilada cria uma quarta alça intracelular, mas o significado funcional desta alteração requer maior definição. Um ou mais sítios para N-glicosilação estão presentes na porção aminoterminal. Funcionalmente, a glicosilação não é importante para a ligação com o ligante, mas pode ser importante para a síntese do receptor e sua inserção na membrana (95). Os genes dos receptores D1 e D5 não contêm introns, enquanto os genes que codificam os receptores D2, D3 e D4 apresentam seis, cinco e três introns, respectivamente. A presença de introns permite a geração de variantes do receptor por splicing alternativo (54). Todos os DR2-like apresentam variantes. No entanto, até o momento, somente para o receptor D2, foram identificadas isoformas com significado biológico reconhecido. O receptor D2 apresenta duas variantes, denominadas curta (D2 short - D2S) e longa (D2 long - D2L), que são geradas por splicing alternativo, com a inserção de 29 aminoácidos na terceira alça intracitoplasmática (Fig. 2 e 3) [54]. Os promotores dos genes dos DR não 49 contêm as regiões TATA e CAAT box e suas transcrições parecem ser reguladas por fatores nucleares (96,97). 2.2.1.1. Receptor da dopamina tipo 1 (D1) É o receptor mais abundante no SNC. Seu gene codifica uma proteína composta por 446 aminoácidos. Está localizado, em humanos, no braço longo do cromossomo 5 na região 35.1 (98). Os receptores D1 são amplamente expressos nos núcleos da base (putamen, caudado, accumbens), tubérculo olfatório, seguidos pelo córtex cerebral, hipotálamo e tálamo (93). Estes sítios estão envolvidos no controle da execução de movimentos, no controle da fala e na regulação da memória. 2.2.1.2. Receptor da dopamina tipo 2 (D2) Os receptores D2 foram os primeiros a serem clonados (99). O gene do receptor D2 codifica uma proteína de 414 aminoácidos, e está localizado no braço longo do cromossomo 11, na região 22-23. O receptor D2 pode ser encontrado nos núcleos accumbens, putamen e caudado, trato olfatório, substância nigra (pars compacta) e área tegmental ventral. Também é encontrado em hipófise, retina, rim e sistema vascular (100). Através de estudos subseqüentes, foi identificado um segundo cDNA deste receptor, composto pela inclusão de 87 pares de bases codificando uma proteína de 443 aminoácidos, posteriormente identificada como D2L (Fig. 2). Assim, o receptor D2 existe sob duas isoformas. Nos mamíferos, o comprimento da 3° alça citoplasmática pode 50 ser modificado por splicing alternativo do pré-RNAm. Nesta situação, o exon 6, que codifica uma seqüência de 29 aminoácidos, pode ou não ser incluso no RNAm transcrito, levando a expressão das isoformas D2L ou D2S, respectivamente (54). Os receptores D2 estão envolvidos com muitos dos efeitos que a dopamina exerce no SNC e periférico, assim como na porção anterior e média da hipófise (93, 101,102), sendo capazes de promover a inibição da síntese e secreção da PRL pela dopamina nos lactotrofos. Como já referido anteriormente, estes receptores possuem a terceira alça intracelular significativamente maior do que os DR1-like, o que determina a eficiência e a afinidade do acoplamento às proteínas G e de outros efetores (93,102). 51 Figura 2 - Isoformas do receptor da dopamina 2. Adaptado de Daniela Valonne, Neuroscience and Biobehavioral Reviews, 2000 (100). 52 Figura 3 - Estrutura do gene do receptor da dopamina 2. Adaptado de Nira Ben-Jonathan e cols, Endocrine reviews, 2001 (54). Organização do gene do receptor D2 e o splicing alternativo que gera ambas as isoformas, a longa e a curta. Exons, introns e seqüências não traduzidas estão representados pelas caixas azuis e branca, linha preta e caixas vermelhas, respectivamente. O número seis corresponde ao exon 6 que está ausente na isoforma curta. 2.2.1.3. Receptor da dopamina tipo 3 (D3) O gene do receptor D3 codifica uma proteína de 400 aminoácidos. Está localizado no braço longo cromossomo 3, na região 13.3. Duas isoformas, também denominadas de curta e longa, originadas por splicing alternativo foram identificadas em ratos, porém não em outras espécies (102). Os receptores D3 estão distribuídos na região subcortical límbica e, em menores proporções, nos núcleos da base. O RNAm deste receptor foi detectado no cerebelo e parece estar envolvido na regulação dos movimentos oculares (93,102). O receptor D3 também tem sido descrito como um inibidor da adenilciclase, mas o faz menos eficazmente do que o receptor D2 (102). 53 2.2.1.4. Receptor da dopamina tipo 4 (D4) O gene do receptor D4 codifica uma proteína de 387 aminoácidos. Está localizado no braço curto do cromossomo 11, na região 15.5 (93). Análises do gene do receptor D4 humano revelaram a existência de vários polimorfismos diferentes dentro das seqüências codificadoras deste gene, variando de 2 a 11 repetições de pares de bases expressas na terceira alça citoplasmática (93). As repetições 2, 4 e 7 (denominadas DR4,2; DR4,4 e DR4,7) são as isoformas mais freqüentemente expressas, dentre elas a D4,4 é expressa na hipófise anterior, entretanto a sua importância na fisiologia da glândula ainda é incerta (102). O receptor D4 é expresso no córtex frontal, amigdala, bulbo olfatório, hipocampo, hipotálamo e mesencéfalo (103). 2.2.1.5. Receptores de dopamina tipo 5 (D5) O gene do receptor D5 codifica uma proteína de 477 aminoácidos. Este gene está localizado no braço curto do cromossomo 4, na região 15.1-16.1. Expressão do RNAm do receptor D5 foi observada no hipocampo e núcleos talâmicos que sabidamente estão envolvidos com a percepção dolorosa. Estes dados sugerem que os receptores D5 possam estar envolvidos no processo talâmico do estímulo doloroso (104). As características moleculares dos receptores da dopamina estão ilustradas na tabela 4. 54 Tabela 4 - Características moleculares dos receptores da dopamina em humanos. DR2-like DR1-like D1 D5 D2 D3 D4 400 387-515* 5 3 D2S D2L Aminoácidos Introns Localização 446 477 0 0 414 443 6 5q 35.1 4p 15.1-16.1 11q 22-23 3q 13.3 11p 15.5 * O número de aminoácidos do receptor D4 depende do número de repetições na terceira alça intracitoplasmática. 2.2.2. Proteínas G As vias de sinalização intracelular ativadas pelos DR são inúmeras. A via mais bem documentada é a de ativação e inibição do AMPc via adenilciclase e modulação da sinalização do cálcio. Proteínas G heterotriméricas, compostas pelas subunidades α e dímeros βγ, estabelecem a conexão entre vários receptores e sistemas efetores, tais como adenilciclase, canais de cálcio e potássio e fosfolipases (105-107). Receptores ativados pelos seus agonistas catalisam a mudança de GDP (guanosina difosfato) para GTP na subunidade α, resultando em dissociação da α–GTP do receptor e do dímero βγ. As subunidades α–GTP e os dímeros βγ livres regulam vários sistemas efetores para alterar o nível intracelular de segundo mensageiro. A atividade GTPase intrínseca da subunidade α hidrolisa GTP em GDP, criando assim o heterodímero GDP inativo. Devido à numerosa combinação de subunidades α, β 55 e γ, uma diversidade de vias de sinalização associadas ao acoplamento receptor-proteína G pode ser esperada (108). Muitos receptores interagem com apenas um tipo de proteína G, como, por exemplo, Gs, Go/Gi ou Gq/G11, embora receptores possam interagir com mais de uma proteína G (109). Receptores acoplados a proteína Gi/Go sensível à toxina pertussis, como o receptor dopaminérgico, podem interagir com mais de um membro dessa classe de proteína G (106). No núcleo estriado, os receptores D1 foram identificados acoplados a proteínas Gαi enquanto que em células GH4C4 (células de tumores hipofisários de ratos) transfectadas com receptores D1 encontravam-se acoplados a proteínas Gs e Go (110). Para os receptores D2, a existência das duas isoformas tem gerado hipóteses de que elas poderiam interagir com diferentes proteínas G, além de apresentar diferentes afinidades de acoplamento a proteínas G e vias de sinalização, podendo estar envolvidos em diferentes funções, dependendo do tipo celular e da disponibilidade do tipo de proteína. Montmayeur e cols (111) estudaram o acoplamento da proteína G a ambas as isoformas em cultura de células de coriocarcinoma (JEG3), que expressam apenas as subunidades Gαi1 e Gαi3. Foi observado que, quando estas duas subunidades estão presentes, D2S foi mais eficiente do que D2L em inibir a atividade da adenilciclase. Entretanto, quando essas células foram transfectadas com a subunidade Gαi2, a mesma atividade inibitória foi atingida, sugerindo que a inserção de 29 aminoácidos presentes no receptor D2L pode afetar a interação deste receptor com a proteína G, favorecendo especificamente a interação do receptor D2L 56 com a subunidade Gαi2. Guiramand e cols (112), em estudo semelhante, encontraram os mesmos resultados. 2.2.3. Segundo mensageiros e vias efetoras Os DR1-like guardam entre si semelhanças nas vias de sinalização. A ativação destes receptores resulta em estímulo da adenilciclase com formação do AMPc e em ativação da fosfolipase C (PLC), com formação do 1,4,5-inositol trifosfato (IP3) e do diacilglicerol (DAG) [79-97,88-106]. O APMc ativa a proteína kinase A (PKA) que, por sua vez, fosforila proteínas citoplasmáticas e nucleares e regula o metabolismo celular, incluindo as funções de canais iônicos (113,114). Os receptores D1 parecem modular as concentrações de cálcio intracelular através de três mecanismos: (1) hidrólise do fosfatidil inositol (PI) pela fosfolipase C, resultando na produção de IP3, que mobiliza os estoques de cálcio intracelular (88); (2) aumento dos níveis de AMPc, provavelmente via ativação de PKA (115); e (3) modulação da atividade dos canais de cálcio, através da fosforilação direta destes canais por PKA, como demonstrado por Surmier e cols (116). Existe pouca evidência que o receptor D1 afete a liberação de ácido aracdônico. Piomelli e cols (117) relataram que em células de ovário de hamster chinês, o receptor D1 não afeta a liberação de ácido aracdônico evocada pelo cálcio. Entretanto, quando os receptores D1 e D2 foram expressos simultaneamente nessas células, a combinação de agonistas D1 e D2 causou 57 uma potencialização maior de liberação de ácido aracdônico, quando comparado com D2 apenas. Entretanto, em cultura de neurônios estriatais, agonistas D1 causaram inibição da liberação de ácido aracdônico evocada pelo cálcio (118), um efeito mimetizado pela forskolina (substância oriunda da planta Plectranthus barbatus, ativadora da adenilciclase e, com conseqüente aumento do AMPc) sugerindo o envolvimento da PKA nesta resposta. As vias de sinalização intracelular ativadas pelos receptores D2 são inúmeras e são as mais bem documentadas entre os cinco subtipos de DR. A via mais bem documentada é a da inibição do AMPc e modulação da sinalização do cálcio intracelular. A estimulação dos efetores intracelulares a partir dos receptores D2 é mediada pela interação com membros das proteínas heterotriméricas ligadoras de GTP (119). Ambas isoformas do receptor D2 se acoplam às proteínas Gi e Go, sensíveis à toxina pertussis (103,120). Os DR2-like podem reduzir os níveis de cálcio intracelular por inibição das correntes dos canais de cálcio, como já demonstrado em células GH4C4, lactotrofos e melanotrofos. Em células hipofisárias, dois mecanismos parecem estar envolvidos com estes efeitos: ativação de canais de potássio, levando a alterações no potencial de membrana, e ativação de proteínas G que inibiriam diretamente os canais de cálcio. De fato, Wolfe e cols (121), ao estudar as isoformas D2S e D2L transfectadas em células AtT20, células derivadas de corticotropinomas, observaram que ambas as isoformas foram capazes de reduzir o influxo de cálcio através de canais da cálcio de alta voltagem. 58 Entretanto, tal efeito foi mediado por diferentes tipos de proteínas G, enquanto D2L encontrava-se acoplado a Gαi3, D2S estava acoplado a Gαi2. A figura 4 ilustra algumas das vias de sinalização intracelular envolvidas na ligação da dopamina às suas duas famílias de receptores. Figura 4 – Esquema ilustrando alguns dos sistemas efetores envolvidos com a ligação da dopamina às suas duas famílias de receptores. ADC: adenilciclase; Gs e Gi: proteínas G estimulatória e inibitória, respectivamente; PLC: fosfolipase C; +: estimulação; -: inibição; 59 2.3. Ações da dopamina na adenoipófise 2.3.1. Atividade anti-secretora Os lactotrofos in vivo estão continuamente expostos à dopamina, que exerce um contínuo tônus inibitório sobre estas células. Após segundos de exposição à dopamina, ocorre redução dos níveis de cálcio livre intracelular, e inibição da liberação da PRL de grânulos secretores. Tais efeitos são mediados pelo acoplamento direto ou indireto dos receptores D2 aos canais de potássio, via proteínas Go, induzindo hiperpolarização da membrana celular, ocasionando a inativação dos canais de cálcio voltagem-dependente. Decréscimos adicionais nos níveis de cálcio intracelular são mediados pela inibição da fosfolipase C e da PKC, resultando em redução da mobilização de cálcio do retículo endoplasmático (102). Em cerca de minutos a horas, observa-se supressão da expressão do gene da PRL, este efeito é principalmente mediado por redução dos níveis intracelulares de AMPc. Vários estudos têm demonstrado que a dopamina é capaz de inibir a atividade da adenilciclase na hipófise anterior in vivo e in vitro, e tais efeitos parecem ser mediados por ativação de proteínas Gαi e Gαo (122,123) A complexa interação dessas vias após a ativação dos receptores D2, reduz os níveis de AMPc, resultando em supressão da atividade da PKA. A PKA atua como segundo mensageiro, ativando proteínas nucleares e citoplasmáticas, além da regular a função dos canais iônicos e dessensibilização de proteínas G ligadas a receptores (102). 60 A grande maioria dos ACNF possui receptores dopaminérgicos (10,11) e o emprego do AD levam a inibição da secreção de hormônios glicoproteicos e suas subunidades (59,60,64). Embora evidências indiquem que receptores D2 expressos em prolactinomas mantenham o acoplamento receptor-efetor tipicamente presente em lactotrofos normais (124,125), pouca informação está disponível sobre o mecanismo de ação da dopamina nos adenomas não secretores. Lania e cols (126) avaliaram o efeito da dopamina sobre a atividade da ADC e sobre as concentrações de cálcio livre citoplasmáticas em 8 ACNF removidos cirurgicamente. Foi observado que em 100% dos adenomas, a dopamina não foi capaz de inibir atividade da ADC. Em contra partida, em cinco dos oito adenomas, houve um decréscimo das concentrações citoplasmáticas de cálcio livre, após o emprego da dopamima. Estes dados reforçam o conceito que a transdução do sinal dopaminérgico após a interação da dopamina com o seu receptor é heterogêneo nos ACNF, e que alterações nas proteínas G podem estar envolvidas. 2.3.2. Atividade anti-proliferativa Evidência da atividade anti-proliferativa da dopamina foi confirmada através da observação de hiperplasia hipofisária em ratos transgênicos deficientes de receptor D2 e hipoplasia hipofisária nos deficientes em transportadores da dopamina, cuja deficiência aumenta a disponibilidade de dopamina (127,128). De fato, o emprego de agonistas dopaminérgicos no tratamento de prolactinomas além de provocar efeitos inibitórios sobre a síntese 61 e liberação da PRL, também se observa importante papel na redução da massa tumoral (129), e pronunciado efeito antiproliferativo e citotóxico em lactotrofos in vitro (130). Confirmando estes dados, Trouillas e cols (131), estudaram in vivo, cinco linhagens diferentes de tumores hipofisários de ratos transgênicos (SMtTW) exibindo diferentes fenótipos de GH/PRL, sendo que uma destas representava uma linhagem celular maligna com predominância de lactotrofos (carcinoma). Foi observado, que os prolactinomas ou mamosomatotropinomas foram os mais sensíveis na redução do volume tumoral e síntese hormonal com o emprego da BRC, pois apresentavam elevada expressão dos receptores D2. Por outro lado, os somatotropinomas e o carcinoma, não apresentaram expressão do RNAm do receptor D2 e, portanto, não demonstraram efeito de redução tumoral e ou produção hormonal com o emprego da BRC. Em estudos por microscopia de lactotrofos tumorais em ratos, após tratamento com BRC, foram observados sinais de necrose celular: agregação da cromatina, redução do volume do retículo endoplasmático rugoso e do complexo de Golgi (132). Em adição, significativa redução do volume plasmático celular e atrofia mitocondrial foram observados por Johansen e cols (133). Estes achados sugerem o potencial efeito citotóxico e antimitogênico dos AD. A proteína quinase ativada por mitógenos (mitogen-activated protein kinase - MAPK), também denominada quinase regulada por sinal extracelular (extracellular-signal regulated kinase - ERK), responde principalmente a mitógenos e fatores de crescimento, como os fatores de crescimento da epiderme (epidermal growth factor - EGF) e derivados das plaquetas (platelet 62 growth factor - PGF). Essas proteínas são responsáveis pela diferenciação e proliferação celular (134). Kanasaki e cols (134) estudaram o envolvimento da p38 MAPK na apoptose induzida pela BRC em células GH3. Foi observado que a BRC induziu um incremento de 3 a 5 vezes nas concentrações da p38 MAPK com concomitante aumento das células apoptóticas. A adição de inibidores específicos da p38 MAPK (SB212090 e SB203580) ao meio de cultura resultou em abolição dos efeitos da BRC sobre a quinase e sobre a apoptose celular. Entretanto, o uso de antagonista do receptor D2 (etieropride) não foi capaz de afetar o efeito da BRC sobre a ação da p38 MAPK e/ou apoptose celular, sugerindo que em células GH3, o efeito da BRC na apoptose celular não é mediado pelo receptor D2. No entanto, estudos posteriores demonstraram o papel dos receptores D2 no controle da proliferação dos lactotrofos, através da ativação das ERKs. Iaccarino e cols (135) criaram ratos transgênicos com hiperexpressão de ambas as isoformas de D2 em hipófises. O incremento na expressão da isoforma D2S gerou a ativação da p44/42 ERKS da via da MAPK, com conseqüente hipoplasia hipofisária. A hiperexpressão de D2S causou redução dos níveis de RNAm da PRL, assim como redução no número de lactotrofos. Em avaliação por hibridização in situ de outros setores celulares como os tireotrofos, somatotrofos, gonadotrofos e corticotrofos, não foi observado efeito semelhante. Estudos sobre os efeitos anti-proliferativos envolvendo o receptor D2, sugerem a ativação da via intracelular da PKCε. Senogles (136) observou que ativação de D2 inibiu o crescimento de células tumorais hipofisárias de ratos 63 transfectadas com cDNA deste receptor (GH4ZR7). No entanto, o efeito inibitório não foi incrementado com a adição da toxina pertussis, sugerindo uma via inibitória diferente das proteínas G. O tratamento das células GH4ZR7 com inibidores da PKC, como o stauporine e o H7, bloquearam o efeito da dopamina, sugerindo ser a PKCε uma via sinalizadora dos efeitos anti-proliferativos da dopamina. Florio e cols (137) reproduziram o efeito anti-proliferativo da dopamina em cultura de células hipofisárias de ratos transfectadas com cDNA do receptor D2. Foi observado que a inibição dopaminérgica da síntese de DNA ocorreu em paralelo à estimulação da atividade da tirosina fosfatase. Ambas as ações foram bloqueadas pela toxina pertussis e por um inibidor da tirosina fosfatase (vanadata), sugerindo que o efeito anti-proliferativo é mediado, pelo menos em parte, pela estimulação da tirosina fosfatase. A tabela 5 resume o efeito sobre as vias de sinalização intracelular envolvidas na ligação da dopamina as suas duas famílias de receptores. 64 Tabela 5 - Vias efetoras ligadas aos diferentes receptores da dopamina. DR1-like Adenilciclase D1 D5 D2 D3 D4 Canais de K+ Canais de Ca2+ DR2-like MAP kinase Tirosina fosfatase Trocador Na+/H+ Fosfolipase C/IP3 MAP = mitogen-activated protein; IP3 = inositol trifosfato; = inibição; = ativação. 65 III - Objetivo Avaliar a expressão gênica dos receptores dopaminérgicos D1, D2 total, D2 isoforma longa, D3, D4 e D5 em adenomas hipofisários clinicamente não funcionantes e hipófises humanas normais. 66 IV - Pacientes e Métodos 4.1. Pacientes e amostras Foram selecionados 30 adenomas de pacientes com ACNF oriundos dos serviços de endocrinologia e do serviço de neurocirurgia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro - HUCFF/UFRJ, no período de 2000 a 2006. O procedimento cirúrgico foi indicado em função da necessidade terapêutica do paciente. Todos os pacientes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE, anexo A). O projeto foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) do HUCFF e da Faculdade de Medicina da UFRJ e da University of Illinois at Chicago (UIC), e pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) [anexo B]. Em todos os pacientes, o diagnóstico do ACNF foi baseado: (1) na ausência de sinais e sintomas de hipersecreção hormonal; (2) Confirmação laboratorial da ausência de hipersecreção de GH, TSH e ACTH, PRL; (3) análise histopatológica do tumor excisado. Em todos os pacientes, foi demonstrada a presença de um adenoma hipofisário por TC ou RM de sela túrcica antes da cirurgia. O exame histopatológico do tumor consistiu de coloração pela hematoxilina e eosina e análise imunohistoquímica pela técnica do complexo avidina-biotina-peroxidase, utilizando anticorpos contra todos os hormônios adenoipofisários e subunidade alfa dos hormônios glicoproteicos. O diagnóstico do ACNF foi baseado na ausência de imunopositividade significativa para GH, 67 PRL, TSH e ACTH. Dados sobre a presença de hipopituitarismo e reposição hormonal antes do procedimento cirúrgico foram coletados a partir dos prontuários dos pacientes. Amostras de tecido tumoral foram coletadas durante as cirurgias transesfenoidais em um tubo contendo uma solução estabilizadora de ácidos nucléicos, RNA later (Ambion Inc., Austin, TX). Este material foi estocado a 4°C até o dia seguinte ao da cirurgia, quando o RNA later foi desprezado, conforme o protocolo do fabricante, e o tumor congelado em nitrogênio líquido até a extração do RNA. Foram coletadas também oito hipófises sem evidências de quaisquer patologias, provenientes de necropsias. Essas hipófises foram adquiridas no serviço de anatomia patológica do HUCFF/UFRJ mediante a aprovação pelo CEP do HUCFF e da Faculdade de Medicina e da assinatura do TCLE (anexo A) pelo representante legal do cadáver. O tempo estimado entre a hora da morte e a coleta das hipófises variou de 6 a 12 horas. Um fragmento do tecido hipofisário foi imediatamente fixado em formol na diluição a 10% para análise histológica através da coloração pela hematoxilina e eosina. A análise histológica foi realizada a fim de excluir a presença de tumor adenoipofisário ou de metástases de outros tumores primários. O restante do tecido hipofisário foi acondicionado em RNA later (Ambion Inc). Este material foi estocado a 4°C até o dia seguinte, quando o RNA later foi desprezado, conforme o protocolo do fabricante, e a hipófise congelada em nitrogênio líquido até a extração do RNA. 68 4.2. Métodos 4.2.1. Extração do RNA e transcrição reversa O RNA total foi extraído a partir de aproximadamente 30 mg de tecido (tumor e hipófise normal), com o RNeasy Mini kit (Qiagen, Valencia, CA) e tratado com RNase-free DNase Set (Qiagen) para eliminar contaminação com DNA genômico, conforme o protocolo do fabricante (anexo C). Ao final deste processo, foi gerado um volume de 40 µL de solução (RNA total + 40 µL de água RNase-free). Pequena quantidade de RNA (0,5 µg) foi submetido à eletroforese em gel de agarose a 1,5% em brometo de etídio (EtBr) e visualizado em transiluminador de luz ultraviolieta (UV) para verificar a integridade do material pela presença das bandas de RNA ribossomais 28S e 18S. O RNA ficou armazenado a – 800C até posterior utilização. O RNA total foi quantificado com o RiboGreen RNA quantitation kit (Molecular Probes, Eugene, OR): uma solução de 50 mL foi preparada com 47,5 mL de tampão 20x acrescidos de 2,5 mL de água para PCR. Em seguida, em 800µL desta solução foram acrescidos 1µL de RNA de cada amostra. Posteriormente, 110µL desta solução são adicionados a 110 µL do Ribogreen e aplicados ao leitor FluoDia T70 (Photal Otsuka eletronics, Birmingham, NJ). A transcrição reversa foi realizada a partir de 1 µg de RNA total pela utilização da transcriptase reversa com hexâmeros randômicos (0,2 µL/mL) e com o kit First Strand cDNA Synthesis (Fermentas, Hanover, MD) em uma reação com volume final de 20µL, segundo o protocolo do fabricante (anexo D). Um controle negativo para cada amostra foi preparado, procedendo-se à mesma 69 reação na ausência da transcriptase reversa (RT-), para averigüar a presença de DNA genômico contaminante. 4.2.2. Seleção dos iniciadores (primers) Todos os iniciadores foram selecionados através do programa Primer 3, usando seqüências genômicas obtidas a partir do programa Genbank do National Center for Biotechnology Information (NCBI). Os seguintes parâmetros foram utilizados para seleção: (1) iniciadores (sense e antisense) que não tenham diferença entre suas temperaturas de anelamento maior do que 0,20C; (2) iniciadores que não gerassem dímeros entre si (primer-dimer); e (3) produtos entre 100 – 200 pares de bases. Os pares de iniciadores (sense e antisense) para os receptores de dopamina 2 (ambas isoformas e isoforma longa) e 4 foram construídos em exons diferentes, possibilitando detectar a amplificação de possível DNA genômico contaminante presente nas amostras de RNA. As seqüências dos iniciadores selecionados foram aplicadas no programa Basic Local Alignment Search Toll (BLAST - NCBI) para checar potencial homologia com outras seqüências que não aquelas para as quais foram desenhadas. Informações sobre a seqüência de nucleotídeos, tamanho do produto amplificado (pares de bases) e temperatura de anelamento encontram-se na tabela 6. O receptor de dopamina 2 existe sob duas isoformas: a longa e a curta, geradas por splicing alternativo, que diferem entre si pela ausência de 29 aminoácidos (87 pares de bases, as quais correspondem a todo exon 6) na 70 terceira alça protéica intracitoplasmática, o que gera a isoforma curta. Na seleção dos iniciadores da isoforma longa, portanto, as seqüências de nucleotídeos escolhidas encontram-se no exon 5 (sense) e 6 (antisense) [Figura 5]; para ambas as isoformas (D2 total), os iniciadores situam-se nos exons 3 (sense) e 4 (antisense) [Figura 6]. Figura 5 – Localização dos iniciadores para o receptor D2 isoforma longa. Figura 6 – Localização dos iniciadores para o receptor D2 total (ambas isoformas). 71 Foram desenhados seis pares de iniciadores para o receptor D3 e testados em diferentes tecidos de diferentes espécies como, hipófise humana normal, hipófise, córtex frontal e corpo caloso de ratos (balb c), hipotálamo e hipófise de macaco (Hamadryas Baboon). Entretanto, quando os produtos da PCR foram aplicados no gel de agarose a 1,5% e visualizados em luz UV não se observou a formação de qualquer banda, indicando a ausência deste receptor nestes tecidos estudados. Assim, neste estudo, não foi possível a análise deste receptor. 4.2.3. Avaliação da especificidade do iniciador A especificidade do iniciador pode ser avaliada através (1) da formação de banda única no gel de agarose, (2) seqüenciamento por PCR e (3) da curva de fusão na RT-PCR quantitativa em tempo real. Para verificar a especificidade do iniciador, para cada um foi realizada reação de PCR convencional (MRI Fermentas PCR Master Mix – Fermentas) para amplificar o cDNA obtido pela reação de transcrição reversa do RNA total isolado de tecido hipofisário humano normal. A reação ocorreu no termociclador Perkin Elmer GeneAmp PCR system 9600 (Perkin Elmer, Downers Grove, IL) e consistiu de 35 ciclos, iniciando com uma temperatura de 95°C por 10 minutos, seguido de 35 ciclos de desnaturação a 95°C por 1 minuto, anelação de 610C por 1 minuto e alongamento a 72°C por 1 minuto. Os produtos da PCR contendo os fragmentos amplificados dos genes foram aplicados no gel de agarose a 1,5% e visualizados em luz UV. 72 Uma alíquota dos produtos da PCR foi purificada usando o MinElute PCR Purification kit (Qiagen) e utilizada como modelo para seqüenciamento por PCR, que foi realizado no DNA Core Facility da UIC, utilizando-se o ABI PRISM BigDye Terminator Cycle Sequencing Ready Reaction Kit (Perkin Elmer). Os produtos do seqüenciamento foram determinados pelo ABI PRISM 377 DNA Sequencer e a análise dos dados foi realizada utilizando-se o ABI integrated software (Perkin Elmer). Ao final da reação de RT-PCR quantitativa em tempo real, uma curva de fusão foi usada para confirmar a presença de um único produto de PCR. 73 Tabela 6 - Seqüência dos oligonucleotídeos dos receptores de dopamina e dos genes constitutivos, tamanho dos produtos e temperatura de anelamento. Sense Anti-sense Tamanho produto (pares de bases) Temperatura de anelamento (0C) D1 gaccaccacaggtaatggaaag aagaaaggtagccaacagcaca 141 61 D2 total cgagcatcctgaacttgtgtg gcgttattgagtccgaagagg 172 61 D2 longo ctcctccatcgtctccttct cggtgcagagtttcatgtcc 188 61 D4 gacgcccttcttcgtggt gacagtgtagatgacggggttg 130 61 D5 ctgggctaactcctcactcaac attgctgatgttcaccgtctc 130 61 HPRT ctgaggatttggaaagggtgt taatccagcaggtcagcaaag 157 61 GAPDH aatcccatcaccatcttcca aaatgagccccagccttc 122 64 β-actina actcttccagccttccttcct cagtgatctccttctgcatcct 176 64 GAPDH – gliceraldeído trifosfato desidrogenase; HPRT – hipoxantina fosforibosiltransferase. 74 4.2.4. PCR quantitativa em tempo real Um vigésimo da reação de transcrição reversa foi amplificado por PCR em um volume final de 25µL em uma máquina de PCR quantitativa (Mx3000P, Stratagene), utilizando o corante fluorescente pré-misturado nos reagentes da reação de PCR, iQ SYBR Green Supermix 12,5µL (BioRad, Hercules, CA) e 0,375µL dos oligonucleotídeos (concentração 10µM) especificados na tabela 6. A concentração de cloreto de magnésio (MgCl2) do iQ SYBR Green Supermix é 6mM e a sua concentração final na reação foi de 3mM. A amplificação foi feita com 35 ciclos, iniciando com uma temperatura de 95°C por 10 minutos, seguida de 35 ciclos de desnaturação a 95°C por 30 segundos, anelação por 1 minuto e alongamento a 72°C por 30 segundos. A temperatura de anelação foi 61°C para todos os receptores de dopamina e para hipoxantina fosforibosiltransferase (Hypoxanthine-guanine phosphoribosyltransferase - HPRT) e 64°C para a gliceraldeído trifosfato desidrogenase (Glyceraldehyde-3-phosphate dehydrogenase - GAPDH) e para a β-actina. O SYBR® Green emite pouca fluorescência quando em solução, mas é incorporado ao DNA de dupla-fita durante a fase de alongamento, gerando desta forma maior fluorescência, e posteriormente liberado durante a fase de desnaturação. À medida que vão avançando os ciclos da PCR, aumenta a quantidade de produto gerado e a fluorescência emitida durante a fase de alongamento. O ciclo no qual um aumento significativo da fluorescência em relação àquela de fundo foi detectado (threshold cycle - ct), foi considerado para 75 quantificar o produto inicial em cada amostra, utilizando-se como referência uma curva-padrão do produto, elaborada conforme descrito a seguir. Para a realização da curva-padrão, os produtos (receptores de dopamina e genes constitutivos) foram amplificados por PCR convencional com 35 ciclos. Foram utilizados os oligonucleotídeos já citados e o 2X PCR Master Mix 25µL (Fermentas Inc.), cuja concentração de MgCl2 é 4 mM. A concentração final de MgCl2 na reação foi 2 mM. Os ciclos constaram de uma fase de desnaturação a 94°C por 1 minuto, anelamento por 1 minuto e alongamento a 72°C por 1 minuto, precedidos por uma fase inicial a 95°C por 10 minutos. As temperaturas de anelamento usadas foram as mesmas citadas anteriormente. Os produtos assim obtidos foram purificados com o MinElute PCR Purification Kit (Qiagen) e quantificados com o PicoGreen dsDNA Quantitation Reagent (Molecular Probes Inc). Em seguida, foram preparadas diluições de 10 a 106 cópias por 1µL de solução que foram utilizadas nas reações de PCR quantitativa. Quanto maior a concentração inicial, mais precoce o ct. Assim, constrói-se uma curvapadrão na qual são plotados os resultados das amostras em investigação, permitindo a sua acurada quantificação. Os iniciadores selecionados devem produzir uma curva padrão cuja eficiência situa-se entre 90 e 110%. Uma eficiência de 100% indica que todas as cópias em cada ciclo foram amplificadas. Ao final da amplificação, uma curva de fusão foi usada para confirmar a presença de um único produto de PCR. A temperatura eleva-se progressivamente e a fluorescência emitida é monitorada. A temperatura de 76 fusão da dupla-fita de DNA depende de sua composição em nucleotídeos. Assim, havendo um único produto, a fluorescência deve diminuir abruptamente quando ultrapassada a sua temperatura de fusão. Uma curva de fusão adequada deve apresentar um único pico (Figura 7), sem interferência de artefatos como primer-dimers ou contaminação com DNA genômico nos casos de seqüências com introns entre os exons, que fundem a temperaturas menores (Figura 8). A contribuição do DNA genômico contaminante foi avaliada nas reações com RT-. Todos os resultados foram expressos, subtraindo-se os resultados dos RT-. Figura 7 - Curva de fusão adequada com pico único. (Fonte: figura cedida pelo Dr. Raul Luque, da UIC). 77 Figura 8 - Curva de fusão inadequada (mais de um pico). A seta azul indica o pico correspondente aos primer-dimers, com temperatura de fusão menor do que o produto estudado. (Fonte: figura cedida pelo Dr. Raul Luque, da UIC). 78 4.2.5. Controle interno Para controlar as variações na quantidade de amostra, na quantidade e qualidade do RNA usado na reação de transcrição reversa e a eficácia desta reação, em cada amostra foi determinado o nível de expressão (número de cópias) de três genes constitutivos: GAPDH, HPRT e β-actina. Para determinar se esses genes são apropriados para o uso como controle interno, a estabilidade da expressão de cada gene foi calculada usando o programa GeNorm 3.3 visual (http://medgen.ugent.be/~jvdesomp/genorm/), previamente desenvolvido e validado por Vandesompele e cols (138). Esse programa calcula a média de variação de um determinado gene com todos os outros genes usados como controle (M), permitindo a eliminação do pior gene (caso M > 1,5) e recalculando um novo M para os genes restantes. Um valor de M < 1,5 é indicativo de um gene estável. A média geométrica do número de cópias para os genes mais estáveis é usada como fator de normalização (FN). Nesse estudo, para o cálculo do valor de M, foram usados 3 genes controles (GAPDH, HPRT e β-actina), cujo M para cada gene foi: GAPDH (M= 0,994), HPRT (M= 1,345) e β-actina (M= 1,039). Em todos, o valor de M foi inferior a 1,5. Assim, esses três genes mostraram-se estáveis, permitindo, portanto, o cálculo da média geométrica do número de cópias para esses três genes em cada amostra que foi utilizada como FN. Os resultados da expressão dos DR são calculados pela subtração do número de cópias no controle negativo (RT-) do número absoluto de cópias de cada receptor. Essa diferença é então dividida pelo FN [(número de cópias de cada receptor - RT-)/FN]. 79 4.2.6. Análise estatística As análises foram realizadas utilizando o programa estatístico SPSS versão 11.0 para Windows (SPSS, Inc., Chicago, IL). Os resultados foram apresentados como mediana (mínimo - máximo). O teste não-paramétrico de Mann-Whitney foi utilizado para a comparação de variáveis numéricas entre grupos. Um p-valor menor que 0,05 foi considerado estatisticamente significativo. 80 V- Resultados 5.1. Caracterização da casuística Foram incluídos 30 macroadenomas de pacientes com ACNF (16 homens, 54%), com mediana de idade ao diagnóstico de 50 anos (18-84; n=30). Todos foram submetidos à cirurgia transesfenoidal. O paciente n° 5 foi o único da casuística medicado com CAB por três meses antes do procedimento cirúrgico, sendo admitido em nosso serviço já em uso desta medicação. Este paciente foi submetido à cirurgia transesfenoidal cerca de 30 dias após a interrupção do tratamento com CAB. Para análise comparativa da expressão dos DR foram estudadas oito hipófises obtidas de cadáveres (três mulheres, 38%), com mediana de idade ao falecimento de 40 anos (30-50 anos). 5.2. Caracterização histopatológica Em todos os pacientes foi confirmada a presença de adenoma hipofisário pela análise histopatológica com coloração por hematoxilina e eosina. Em 16 adenomas foi realizada a avaliação por imunohistoquímica, que foi compatível com ACNF em todos os casos. Todas as hipófises humanas normais tinham sua arquitetura preservada. 81 5.3. Validação dos resultados da PCR A especificidade do iniciador foi avaliada através (1) da presença de banda única no gel de agarose, (2) seqüenciamento por PCR e (3) da curva de fusão na reação de RT-PCR quantitativa em tempo real. A corrida, em gel de agarose 1,5%, dos produtos da PCR para a realização da curva-padrão revelou bandas únicas e com tamanhos moleculares conforme o esperado, de acordo com as especificações dos (tabela 6). O seqüenciamento confirmou a origem dos produtos amplificados, tanto dos DR como dos genes constitutivos. As diluições para a realização das curvas-padrão foram feitas em duplicata e os valores de ct foram concordantes entre as duplicatas. As curvas de fusão para todos os receptores e para os genes constitutivos evidenciaram um pico único, semelhante à curva da figura 7, confirmando a presença de somente um produto amplificado e descartando a presença de primers-dimers ou outros produtos inespecíficos. 5.4. Perfil de expressão dos genes constitutivos e dos receptores de dopamina Com o objetivo de controlar as variações na quantidade e qualidade do RNA usado na reação de transcrição reversa e a eficácia desta reação, em cada amostra foi determinado o nível de expressão (número de cópias) de três genes constitutivos. Nesse estudo, foram usados três genes controles (GAPDH, HPRT e β-actina) para o cálculo do valor de M, cujo valor para cada gene foi: GAPDH 82 (M= 0,919), HPRT (M= 1,365) e β-actina (M= 1,011). Em todos, o valor de M foi inferior a 1,5. Assim, esses 3 genes mostraram-se estáveis, permitindo, portanto, o cálculo da média geométrica do número de cópias para esses 3 genes em cada amostra. A média geométrica, então, foi utilizada como FN. O número de cópias, FN e o valor de M estão mostrados na tabela 7. Os resultados da expressão dos DR, corrigidos pelos genes constitutivos, são calculados pelo número absoluto de cópias em tumores e hipófises normais subtraindo-se o número de cópias no controle negativo (RT-) e então dividindo-se pelo FN. Esses dados estão mostrados nas tabelas 8 e 9, respectivamente. 83 Tabela 7 – Número absoluto de cópias subtraído do controle negativo (RT-) dos genes constitutivos e o FN calculado pelo programa GeNorm. (HPRT) − (RT-) (Beta-actina) − (RT-) (GAPDH) − (RT-) FN 1 1810 6464 27258 0,1308 2 415 15254 38123 0,1192 3 19360 522197 1065980 4,2301 4 11970 445198 817973 3,1283 5 10340 557600 1133000 3,5799 6 23120 308398 762296 3,3671 7 3510 285200 764200 1,7515 8 305 146700 301700 0,4560 9 6549 155700 287300 1,2719 10 909 70310 170600 0,4247 11 8931 126600 296000 1,3296 12 3330 118700 262800 0,9002 13 1727 181700 282700 0,8541 14 6681 105800 272800 1,1064 15 1587 62170 152400 0,4727 16 4719 241000 530500 1,6182 17 2754 133500 738100 1,2399 18 2072 99830 230900 0,6948 19 848 47340 245300 0,4105 20 6354 331900 742100 2,2234 21 6355 98790 436700 1,2441 22 1132 366100 1003000 1,4292 23 2055 159600 287200 0,8713 24 1301 81720 219500 0,5473 25 18650 485385 1644615 4,7111 26 4587 1251500 1126667 3,5681 27 8112 581300 1273000 3,4804 28 29823 811538 1310000 6,0612 29 671 197853 284583 0,6426 30 88 15715 24764 0,0622 HN1 1839 226197 272590 0,9269 HN2 2576 202397 290990 1,0214 HN3 3432 377797 436390 1,5840 HN4 2776 173617 266590 0,9664 HN5 944 91897 240790 0,5274 HN6 228 45637 86870 0,1852 HN7 2206 123997 210390 0,7394 HN8 1434 1,365 298197 1,011 430390 0,919 1,0893 M<1,5 Expressão dos genes constitutivos subtraído do controle negativo (RT-); FN= fator de normalização 84 Tabela 8 – Número absoluto de cópias subtraído do controle negativo (RT-) e corrigido pelo FN dos receptores de dopamina em ACNF. D2T/FN D2L/FN D5/ FN 0 D4/ FN 798 184767 19022 11767 195 6269 1740 361 2 149 24623 9571 376 54 3,5799 847 29470 10704 127 30 3,3671 7 19388 7329 169 25 472 (D1) – (RT-) 0 (D2T) (RT-) 27 (D2L) – (RT-) 0 (D4) – (RT-) 104 (D5) – (RT-) 74 FN D1/FN 0,1308 0 207 2 52 22030 2268 1403 23 0,1192 434 3 319 26520 7362 1526 8 4,2301 75 4 468 77030 29940 1177 169 3,1283 5 3032 105500 38320 454 108 6 22 65280 24678 570 84 1 567 7 569 37810 21530 759 826 1,7515 325 21588 12292 433 8 17 3711 2908 259 0 0,4560 38 8138 6378 568 0 9 279 8856 4956 1187 39 1,2719 219 6963 3897 933 31 10 23 3636 1524 1415 27 0,4247 54 8562 3589 3332 64 11 67 17380 5656 587 14 1,3296 50 13071 4254 441 11 12 8 1999 702 2370 8 0,9002 9 2221 779 2633 9 13 103 11430 5084 4337 19 0,8541 121 13383 5952 5078 22 14 102 14430 7856 1237 246 1,1064 92 13042 7101 1118 222 15 430 9094 3407 709 57 0,4727 910 19239 7208 1499 121 16 44 25190 6796 175 59 1,6182 27 15567 4200 108 37 17 20 64580 35140 174 1 1,2399 16 52087 28342 140 1 18 302 15430 4814 38 487 0,6948 434 22207 6928 55 701 19 0 659 183 30 2 0,4105 0 1604 447 73 4 20 534 19330 7723 1153 23 2,2234 240 8694 3473 519 10 21 22 19500 9619 350 2 1,2441 18 15674 7732 281 2 22 272 202 207 1091 20 1,4292 190 141 145 763 14 23 141 16420 8347 1286 79 0,8713 162 18844 9579 1476 91 24 43 8239 4351 297 3 0,5473 78 15055 7950 542 5 25 45 43581 11435 2449 10 4,7111 10 9251 2427 520 2 26 589 391 19649 848 137 3,5681 165 109 5507 238 38 27 65 65520 22020 6316 20 3,4804 19 18825 6327 1815 6 28 147 76700 30915 3863 1528 6,0612 24 12654 5101 637 252 29 20 7891 650 656 12 0,6426 31 12280 1011 1020 18 30 40 1170 89 148 4 0,0622 648 18812 1431 2375 65 Mediana - - - - - - 77 13383 5952 555 28 RT- = controle negativo; FN= fator de normalização 85 Tabela 9 – Número absoluto de cópias subtraído do controle negativo (RT-) e corrigido pelo FN dos receptores de dopamina em hipófises humanas normais. D1 – RT- D2T – RT- D2L – RT- D4 – RT- D5 – RT- FN D1 / FN D2T / FN D2L / FN D4 / FN D5 / FN HN1 625 47296 23240 0 3091 0,9269 674 51025 25072 HN2 86 25020 10666 2476 144 1,0214 85 24496 10443 2424 141 HN3 374 11132 3830 1821 863 1,5840 236 7028 2418 1149 545 0 3335 HN4 0 78860 24360 4100 57 0,9664 0 81606 25208 4243 58 HN5 146 22619 7774 1231 898 0,5274 277 42887 14740 2335 1702 HN6 0 6524 3100 1524 52 0,1852 0 35234 16742 8231 282 HN7 5 9544 2172 1579 37 0,7394 6 12908 2938 2136 50 HN8 420 5130 1915 1459 579 1,0893 386 4709 1758 1339 531 Mediana RT-: controle negativo; FN: fator de normalização - - 160 29865 12591 2235 407 Nos ACNF, o receptor mais frequentemente expresso foi o D2 total [13383 cópias (109 – 184767)], seguido do D4 [555 cópias (55 – 11767)], D1 [77 cópias (0 – 910)] e D5 [28 cópias (0 − 701)]. O número de cópias do D2 isoforma longa foi de 5952 (0 − 28342) e a relação D2L/D2 total foi de 0,38. Todos os ACNF expressaram o receptor D2 total. Houve predomínio da expressão da isoforma D2L em oito de 29 ACNF, e apenas um adenoma não apresentou expressão desta isoforma (tabela 11). Em relação às hipófises humanas normais, o receptor mais expresso foi D2 total [29865 cópias (4709 − 81606)], seguido de D4 [2235 cópias (0 − 8231)], D5 [407 cópias (50 − 3335)] e D1[160 cópias (0 − 674)]. O número de cópias da isoforma D2L foi de 12591 (1758 −25208) e a relação D2L/D2 total foi de 0,36. Não foi observada expressão do receptor D3 em hipófises normais. 86 O percentual de expressão dos quatro subtipos de DR em ACNF e hipófises humanas normais e o percentual da isoforma D2L em relação ao D2 total, são demonstrados nas tabelas 11 e 12, respectivamente. Em relação ao padrão de expressão de cada subtipo do DR entre os dois grupos estudados, observa-se que os ACNF e hipófises normais diferem entre si. Nos ACNF, o terceiro receptor mais frequentemente expresso foi D1, observando-se o seguinte o padrão de expressão: D2 total > D4 > D1 > D5. Nas hipófises humanas normais, D5 foi em ordem decrescente, o terceiro receptor mais frequentemente expresso (D2 total > D4 > D5 > D1). A proporção entre as isoformas de D2 foi mantida em ambos os grupos (0,38 x 0,36). Em números absolutos, todos os subtipos de DR foram mais frequentemente expressos nas hipófises. No adenoma n° 26 foi observado um número de cópias da isoforma D2L superior ao número total de cópias do receptor D2, de modo que esta amostra foi excluída da análise estatística dos receptores D2. . 87 Tabela 10 – Expressão (%) dos quatro receptores de dopamina em ACNF e hipófises humanas normais. %D1 %D2T %D4 %D5 1 0 13 51 36 2 0 94 6 0 3 1 93 5 0 4 1 98 1 0 5 3 97 0 0 6 0 99 1 0 7 1 95 2 2 8 0 93 6 0 9 3 85 11 0 10 0 71 28 1 11 0 96 3 0 12 0 46 54 0 13 1 72 27 0 14 1 90 8 2 15 4 88 7 1 16 0 99 1 0 17 0 100 0 0 18 2 95 0 3 19 0 95 4 0 20 3 92 5 0 21 0 98 2 0 22 17 13 69 1 23 1 92 7 0 24 0 96 3 0 25 0 95 5 0 26 30 20 43 7 27 0 91 9 0 28 0 93 5 2 29 0 92 8 0 30 3 86 11 0 HN1 1 93 0 6 HN2 0 90 9 1 HN3 3 78 13 6 HN4 0 95 5 0 HN5 1 91 5 4 HN6 0 81 19 1 HN7 0 85 14 0 HN8 6 68 19 8 88 Tabela 11 – Expressão (%) da isoforma D2L em relação ao D2 total (D2T). D2T/FN D2L/FN %D2L 0 10 28 39 36 38 57 78 56 42 33 35 44 54 37 27 54 31 28 40 49 100 51 53 26 - * 34 40 8 8 49 43 34 31 34 48 23 37 1 207 0 2 184767 19022 3 6269 1740 4 24623 9571 5 29470 10704 6 19388 7329 7 21588 12292 8 8138 6378 9 6963 3897 10 8562 3589 11 13071 4254 12 2221 779 13 13383 5952 14 13042 7101 15 19239 7208 16 15567 4200 17 52087 28342 18 22207 6928 19 1604 447 20 8694 3473 21 15674 7732 22 141 141 23 18844 9579 24 15055 7950 25 9251 2427 26 109 5507 27 18825 6327 28 12654 5101 29 12280 1011 30 18812 1431 HN1 51025 25072 HN2 24496 10443 HN3 7028 2418 HN4 81606 25208 HN5 42887 14740 HN6 35234 16742 HN7 12908 2938 HN8 4709 1758 FN: fator de normalização * No adenoma n° 26 foi observado um número de cópias da isoforma D2L superior ao número total de cópias do receptor D2, de modo que esta amostra foi excluída da análise estatística dos receptores D2. 89 5.5. Comparação da expressão dos DR em ACNF e hipófises humanas normais Foram observadas diferenças na mediana de expressão para os receptores D1, D2 e para a isoforma D2L entre as hipófises normais e os ACNF, porém sem significância estatística. Entretanto, para o receptor D2 total e para a isoforma D2L obteve-se um valor de p próximo a 0,05 (p=0,06 e P=0,07) [Figura 9 -10]. Em relação às medianas de expressão dos receptores D4 e D5 entre as hipófises normais e os ACNF, foram observadas diferenças com um p-valor significativo (p= 0,041 e p= 0,001) [Figura 11,12]. 90 90000 80000 p = 0,06 70000 60000 50000 40000 30000 D2T/FN 20000 10000 0 N= 8 29 HN ACNF Figura 9 – Comparação das medianas do receptor D2 total (D2T) corrigido pelo fator de normalização (FN) entre ACNF e hipófise normal (HN). * Na confecção do gráfico foram removidos os valores outliers para melhor visualização dos histogramas. 91 30000 p =0,07 20000 D2L/FN 10000 0 N= 8 29 HN ACNF Figura 10 – Comparação das medianas da isoforma longa do receptor D2 (D2L) corrigido pelo fator de normalização (FN) entre ACNF e hipófise normal (HN). * Na confecção do gráfico foram removidos os valores outliers para melhor visualização dos histogramas. 92 5000 p = 0,041 4000 3000 2000 D4/FN 1000 0 N= 8 30 HN ACNF Figura 11 – Comparação das medianas da isoforma longa do receptor D4 corrigido pelo fator de normalização (FN) entre ACNF e hipófises normais (HN). * Na confecção do gráfico foram removidos os valores outliers para melhor visualização dos histogramas. 93 2000 p = 0,001 1600 1200 800 D5/FN 400 0 N= 8 30 HN ACNF Figura 12 – Comparação das medianas da isoforma longa do receptor D5 corrigido pelo fator de normalização (FN) entre ACNF e hipófise normal (HN). * Na confecção do gráfico foram removidos os valores outliers para melhor visualização dos histogramas. 94 VI - Discussão A mediana da idade ao diagnóstico dos pacientes deste estudo foi de 50 anos, compatível com o descrito na literatura (50 a 60 anos) [5,18]. Houve semelhança entre o número de pacientes do sexo feminino (n=14; 46%) e masculino (n=16; 54%). Esse achado encontra-se de acordo com o que é freqüentemente observado nos ACNF, uma vez que nesses tumores não está descrito diferenças entre os sexos (5,18). A mediana de idade de falecimento dos indivíduos dos quais a hipófise foi extraída (40 anos) diferiu da mediana de idade ao diagnóstico dos pacientes com ACNF (50 anos). Adicionalmente, dentre as oito hipófises normais, apenas três (38%) eram oriundas de indivíduos do sexo feminino. Entretanto, estas diferenças provavelmente não interferiram nas análises do estudo, já que não são descritas na literatura diferenças na expressão dos DR entre os sexos e idade em ACNF e hipófises humanas. Em todos os pacientes, o tumor diagnosticado foi um macroadenoma. Este dado nos confere a segurança de que os fragmentos de tecido usados na avaliação da expressão do RNAm correspondem a um adenoma e não ao tecido hipofisário normal adjacente ao tumor. Para cada hipófise humana normal, uma avaliação histológica foi realizada a fim de confirmar a integridade da arquitetura celular e afastar a presença de adenomas ou metástases. Apenas um paciente (n° 5) fez uso de CAB no período pré-operatório. Este é um dado relevante, pois tem sido descrito na literatura que a dopamina poderia regular a expressão dos seus receptores. Nos receptores D1 ocorre a dessensibilização, um processo dose e tempo-dependente, onde se observa a 95 curto prazo desacoplamento funcional do receptor D1 com a proteína G (139). Em médio prazo é observado internalização do receptor. A longo prazo, downregulation (139-141). Entretanto, para os receptores D2, este processo é controverso. Barton e cols (142) observaram em cultura de células de retinoblastoma humano Y-79 que a prolongada exposição (24 horas) dessas células aos AD iniciou o processo de dessensibilização envolvendo um desacoplamento funcional do receptor D2, além de perda de sua atividade de ligação ao ligante. Entretanto, Ivins e cols (143) ao estudarem a regulação dos receptores D2 em células SUP1 (linhagem de células produtoras de PRL) observaram que nestas células houve um aumento na densidade dos receptores D2 após 7 horas de exposição à dopamina e que após 24 horas, estas células mantinham a habilidade de inibir o acúmulo de AMPc. Esses autores (143) mostraram também que o tratamento com AD causou um aumento tempo e dose-dependente da isoforma D2L, sem alteração na afinidade de ligação com o ligante. Ao avaliarmos o paciente n° 5, pudemos observar que o receptor mais expresso foi D2, seguido de D1, D4 e D5. O receptor D1destaca-se por ter apresentado um dos maiores números de cópias de RNAm entre os ACNF estudados, situando-se bem acima da mediana de expressão dos D1 para o grupo. Sendo o mesmo observado para o receptor D2. Portanto, mesmo que tenha ocorrido dessensibilização dos DR, isto provavelmente não interferiu no seu perfil de expressão. Além disso, este fenômeno só foi demonstrado em células transfectadas, não havendo comprovação de sua ocorrência in vivo. 96 A análise das medianas de expressão DR em ACNF e hipófises normais mostrou diferenças no padrão de expressão entre os dois grupos. No primeiro grupo, o receptor D2 total foi o mais expresso seguido do D4, D1 e D5. Enquanto, que no segundo grupo, observa-se uma inversão no padrão de expressão entre os receptores D1 e D5 (D2 > D4 > D5 > D1). Adicionalmente, em números absolutos, todos os subtipos de DR foram mais expressos nas hipófises normais, provavelmente devido à presença das células lactotróficas. Durante a avaliação dos receptores D2 total e da isoforma D2L, foi observada expressão do receptor D2 total em todos os ACNF. Para a isoforma D2L, com exceção do adenoma n° 1, todos os demais adenomas também expressaram esta isoforma. Nas hipófises normais, ambos os receptores D2 total e a isoforma D2L foram expressos. Comparando as medianas de expressão desses receptores entre ACNF e hipófises humanas normais, observam-se diferenças, porém, sem significado estatístico (p> 0,06 e p> 0,07,respectivamente). Além disso, a relação D2L/D2 total nas hipófises normais foi discretamente inferior (0,36) quando comparadas com a observada nos ACNF, cuja relação encontrada foi 0,38 (p>0,05). Entretanto, o dado mais relevante é a observação de que em ambos os grupos, a isoforma curta do receptor D2 (D2S) foi expressa em maior proporção. Dal Toso e cols (53) estudaram a expressão dos receptores D2 em hipófises de ratos e humanos por meio de hibridização in situ e RT-PCR convencional, e observaram que em ambos os tecidos houve predomínio da isoforma longa. Renner e cols (10) avaliaram por meio de hibridização in situ, a expressão do RNAm de D2 total e 97 de ambas as isoformas de D2 em cinco hipófises normais e 18 ACNF. A expressão do receptor D2 nas hipófises normais foi superior e em todas as cinco hipófises, a isoforma D2L foi predominante. Enquanto que nos adenomas, a expressão do RNAm do receptor D2 total foi negativa em dois casos, seis expressaram apenas a isoforma D2L, dois apenas a isoforma D2S e os demais adenomas expressaram taxas extremamente variadas de ambas as isoformas. Finalmente, Pivonello e cols (11), em seu estudo sobre a expressão dos receptores por meio de RT- PCR convencional, estudaram a expressão dos DR e de ambas as isoformas de D2 em 18 ACNF. O receptor D2 total foi expresso em 67% dos pacientes estudados, a isoforma D2L esteve presente em 50%, a isoforma curta em 17% e ambas as isoformas em 33% dos casos. Portanto, os nossos resultados, tanto em hipófises normais quanto em ACNF, não estão de acordo com os descritos na literatura. Entretanto, é importante ressaltar que em nosso estudo foi utilizada a técnica de RT-PCR em tempo real, ou seja, uma técnica que avaliou quantitativamente a expressão dos DR, enquanto que os estudos acima descritos utilizaram de técnicas qualitativas para avaliação da expressão do RNAm das isoformas do receptor D2. Os ACNF representam um grupo de tumores heterogêneo, uma vez que são capazes de produzir pequenas quantidades de hormônios glicoproteicos in vitro e in vivo (15,16,17). Este comportamento se reflete na expressão dos receptores D2 extremamente variável descrita na literatura (10) e observada nesta casuística. Sabe-se que em condições fisiológicas, ambas as isoformas do receptor D2 são expressas, porém, com predomínio da isoforma D2L (10,53). A 98 comprovação de que alguns ACNF expressam isoladamente apenas uma das isoformas do receptor D2 (10,11), sugere que mudanças no mecanismo de splicing alternativo possam ocorrer durante o processo de tumorigênese nesses adenomas. Estudos sugerem que fatores tecido-específicos poderiam modular o splicing do pré-RNA mensageiro, favorecendo a expressão de uma isoforma em relação à outra. Guivarc`H e cols (101) estudaram a expressão de ambas as isoformas de D2 na presença de esteróides sexuais em células de tumores hipofisários de ratas (MMQ). Neste estudo foi demonstrado que em condições isentas de esteróides, a isoforma D2L foi a isoforma predominante nessas células, em uma relação de 8:1, assim como, quando adicionado estrogênio ou testosterona, em uma proporção de 30:1 para ambos os esteróides sexuais. Com o objetivo de confirmar a contribuição destes esteróides, foram aplicados antagonistas do receptor de estrogênio (58668) e de androgênios (56187), verificando que apenas o antagonista do receptor de estrogênio, foi capaz de bloquear o efeito deste hormônio e da testosterona no splicing do RNA mensageiro do receptor D2. Tais dados sugerem que a testosterona é provavelmente aromatizada a estrogênio e atua via este receptor. No entanto, a adição de progesterona, reduziu a proporção de D2L/D2S a valores próximos de 1, antagonizando os efeitos do estrogênio. Este efeito parece ser atribuído à atividade da progesterona, inibindo a expressão ou efeito do receptor de estrogênio. Baseados nos dados apresentados, os autores concluíram que os receptores de esteróides sexuais, principalmente o receptor de estrogênio, 99 regulam o splicing do RNA mensageiro do receptor D2, favorecendo a produção da D2L em detrimento da isoforma curta. A isoforma curta do receptor D2 parece desempenhar um papel fundamental no controle da secreção hormonal e na inibição do crescimento celular. A redução na expressão desta isoforma ou um aumento na relação D2L/ D2S, parece contribuir para menor resposta aos AD nos ACNF. Renner e cols (10) avaliaram in vitro, a potência inibitória da BRC no crescimento tumoral em 9 ACNF. Em três adenomas foi observada supressão do crescimento tumoral: em um adenoma apenas foi expressa a isoforma D2S e nos outros dois houve predomínio ou equivalente expressão de D2S em relação à isoforma D2L. Confirmando estes dados, Pivonello e cols (11), correlacionaram a expressão dos receptores D2 com a resposta a CAB no tratamento de 18 pacientes com ACNF. Neste estudo, nove pacientes (9/18) permaneceram com resíduo tumoral, e foram medicados com CAB (1 − 3mg/semana) por um período de 12 meses. Os efeitos da CAB sobre a síntese de subunidade α in vitro e a redução tumoral foram correlacionados com a expressão dos receptores D2 e de suas isoformas. A isoforma D2S foi expressa em todos os cinco adenomas (5/9) que apresentaram inibição da síntese de subunidade α com a CAB. Além disso, esta isoforma conferiu maior potência inibitória na síntese de subunidade α, sendo detectada em três dos casos com elevada inibição deste hormônio (> 50% dos valores iniciais) e em um dos dois casos com moderada resposta inibitória (25 − 50% dos valores iniciais). A resposta à CAB na redução tumoral também se correlacionou diretamente com a expressão dos receptores D2. Estes receptores 100 estavam expressos em todos os adenomas (5/9) cuja redução tumoral foi superior ou igual a 25%. Para os tumores resistentes a CAB, não foi observada expressão de receptores D2, e quando expressos houve predomínio da isoforma D2L. Baseado no que foi descrito, poderíamos especular que os pacientes n° 2, 29 e 30 obteriam melhores resultados em termos de redução tumoral com os AD, quando comparados ao pacientes n° 7 e 9. Os três primeiros pacientes apresentaram em valores percentuais, a expressão da isoforma D2L em relação ao D2 total de 10%, 8%, 8% respectivamente, enquanto, os dois últimos de 57 e 78%, respectivamente. Além disso, o paciente n° 1 destaca-se entre os demais, pois apesar de não expressar RNAm para a isoforma D2L, é um dos pacientes da casuística com menor expressão do receptor D2 total, situando-se abaixo da mediana de expressão do receptor D2 total para o grupo de ACNF. Portanto, é possível que não obtivesse significativa redução tumoral com a CAB, apesar de expressar somente a isoforma D2S. Em relação à expressão dos demais receptores em ACNF, poucos dados estão disponíveis na literatura. Apenas o grupo de Pivonello (11) estudou a expressão de todos os cinco subtipos de DR em 18 ACNF, por meio de RT-PCR convencional. Além da expressão dos receptores D2 previamente discutida nos parágrafos anteriores, foi observada expressão do receptor D4 em 17% (3/18) dos adenomas em associação com a expressão de ambas as isoformas de D2 nos três casos. Além disso, foi questionado um possível feito sinérgico entre estes subtipos de receptores, uma vez que os tumores com expressão do receptor D4 apresentaram uma significante resposta clínica a CAB. Entretanto, 101 para os receptores D1, D3 e D5 não foi encontrada expressão em nenhum dos ACNF estudados. Em nossa casuística, com exceção de 2 adenomas (1 e 19) que não apresentaram expressão dos receptores D1, todos os demais tumores expressaram em proporções variadas os receptores D2 total e D4 simultaneamente. Em apenas um adenoma (n= 8) não foi observada expressão do receptor D5. Em relação aos receptores D4 e D5, observamos que a mediana de expressão desses receptores foi inferior nos adenomas quando comparada com as hipófises normais (p= 0,041, p=0,001). O real significado deste dado é incerto, entretanto, poderíamos especular que a redução na expressão de ambos os receptores poderia contribuir para o processo de tumorigênese nos ACNF. Em relação ao tratamento dos ACNF, não existe um consenso sobre a melhor opção terapêutica para os pacientes que permanecem com resíduos tumorais. Os DA representam a melhor opção entre a terapia medicamentosa. Entretanto, é possível que a diversidade da resposta clínica com os AD observada nos pacientes com ACNF, possa ser explicada ao menos em parte, pelo padrão de expressão dos receptores D2 e suas isoformas ou até mesmo por outros subtipos de receptores dopaminérgicos. Portanto, acreditamos que o estudo quantitativo da expressão dos DR em ACNF por meio da RT-PCR quantitativa em tempo real possa auxiliar na seleção dos pacientes candidatos ao tratamento com os AD. Adicionalmente, este estudo enfatiza a aplicabilidade das técnicas de biologia molecular no tratamento clínico e poderá servir de base 102 para a correlação entre a resposta clínica com AD e o perfil de expressão dos DR nos pacientes com ACNF. 103 VII - Conclusões 1) Nos ACNF, o receptor dopaminérgico mais expresso foi o D2, seguido pelos receptores D4, D1 e D5. 2) Em hipófises humanas normais, o receptor dopaminérgico mais expresso foi o D2, seguido pelos receptores D4, D5 e D1. 3) O receptor D3 não foi expresso em hipófises humanas normais. 4) Hipófises humanas normais apresentam maior expressão do receptor D4 e do receptor D5 do que os ACNF. 5) Todos os ACNF expressaram o receptor D2, com predomínio da expressão de D2S em 72% dos adenomas. Este dado reforça a possibilidade do emprego dos agonistas dopaminérgicos como terapia complementar no tratamento desses tumores. 104 VIII - Referências 1. Ezzat S, Asa SL, Coudwell WT, Barr CE, Dodge WE, Vance ML, McCutcheon IE. The prevalence of pituitary adenomas: a systematic review. Cancer 2004; 101:613-619. 2. Shimon I, Melmed S. Genetic basis of endocrine disease: Pituitary tumor pathogenesis. J Clin Endocrinol Metab 1997; 82:1675-81. 3. Freda PU, Warlaw SI. Diagnosis e treatment of Pituitary tumors. J Endocrinol Metab 2000; 84: 3859-3866. 4. Klibanski A. Nonsecreting pituitary tumors. Endocrinol Metab Clin North Am 1987; 16:793-804 5. Snyder PJ. Clinically nonfunctioning pituitary adenomas. Endocrinol Metab Clin North Am 1993; 22:163-175. 6. Colao A, Cerbone G, Cappabianca P, Ferone D, Alfieri A, Di Salle F, Faggiano A, Merola B, de Divitiis E, Lombardi G. Effect of surgery and radiotherapy on visual and endocrine function in nonfunctioning pituitary adenomas. 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