Andréa Figuerêdo Lopes (UPE)
Estêvão Ribeiro Borges (ESCS)
Coordenação: Luciana Sugai
www.paulomargotto.com.br
17/9/2008

Identificação
G.F.M., 3 meses, masculino, branco, natural de
Brasília, residente e procedente do Guará.

Queixa Principal
“Choro irritado há 1 dia”

HDA
Mãe relata que criança iniciou de forma súbita
quadro de choro irritado, associado a pico febril não
aferido, há 1 dia. Procurou assistência médica no
Hospital regional do Guará durante a madrugada,
onde foi realizado HC e EAS, que não evidenciaram
alterações, recebendo alta. A criança persistiu com
irritabilidade, alternando períodos de sonolência,
associado a febre, não aferida e um episódio de
vômito.
•
Revisão de Sistemas
Nega alterações na pele ou em linfonodos;
Nega tosse, expectoração ou sibilância;
Nega dispnéia ou cianose;
Refere diminuição da aceitação do seio materno, nega alteração das
fezes;
Nega alterações na urina;
Nega episódios de convulsões.
•
Antecedentes Fisiológicos
Mãe G1P1A0 Nascido por parto cesária, pós termo. Apgar 9/10
Sem intercorrências na gestação ou no parto. Alta com 24 horas de
vida.
Peso = 3.355g; Estatura = 49cm; Perímetro Cefálico = 35cm.
Vacinação em dia. Alimentação: Seio Materno Exclusivo
Desenvolvimento neuropsicomotor normal (sustentação cervical
presente)
•
Antecedentes Patológicos
Nega internações ou patologias prévias;
Nega uso de medicamentos;
Nega alergias.
•
Antecedentes Familiares
Mãe, 26 anos, saudável. Nega tabagismo ou etilismo
Pai, 23 anos, saudável. Nega tabagismo, etilismo social.
Mãe desconhece patologias em outros membros de sua
família ou do pai da criança.
•
Hábitos de vida e condições socioeconômicas
Reside em casa de alvenaria com água encanada e rede
de esgoto, de 5 cômodos.
Refere um cachorro de estimação.
•
Exame Físico
- REG, hipocorado, anictérico, acianótico, afebril.
- MV rude. Taquipnéico FR:77ipm
- Rítmo cardíaco em 2 tempos, Bulhas
normofonéticas, sem sopros. FC:130bpm
- Abdome globoso, flácido, RHA +, fígado à 5cm do
RCD, Traube livre.
- Pele mosqueada.
- Fontanela levemente tensa e abaulada. Pupilas
isocórias e fotoreagentes.


Foi suspeitado de meningite
Realizado:





Hemograma Completo e Bioquímica
Punção lombar
Colhido hemocultura
Gasometria arterial
Iniciado Ceftriaxone e Dexametasona

HC(24/08/08)
Leuc 3.070 (seg 52%;
bast 5%; linf 38%; mono
5%)
 Hem 3.33
 Hg 8.6
 Hto 26.0
 VCM 78.2
 HCM 25.8
 CHCM 33.0
 Plaq 145.000

Glicose 53
 Ur 17
 Creat 0,5
 Ca 8,3
 TGO 33
 TGP 10
 Na 137
 Cl110


Análise do líquor (24/08/08)
Antes da centrifugação: cor avermelhada
 Depois da centrifugação: límpido
 Glicose 40mg%
 Proteínas 117mg%
 Cloreto 140mEq/l
 Hematimetria 3040/mm3
 Leucometria 1187/mm3 (89%neut; 11%linf)


Bacterioscopia

Vários diplococos gram negativos neisseriformes e vários
polimorfonucleares.

Gasometria Arterial (24/06/2008)
pH 7.43
 PCO2 16,5
 PO2 147
 Bicarbonato 15,1
 BE -12,6


Cultura do líquor


Neisseria meningitidis
Hemocultura

Neisseria meningitidis

24/08/08



Durante a noite, a criança evoluiu com choque. Gemente,
taquicárdica e taquipnéica.
Tratado, com HV, furosemida, dobutamina e
manitol.
Evoluiu bem, sendo suspenso amina vasoativa dia
26/08 e admitida na DIP no mesmo dia.
•
HC (26/08/08)
Leuc 15.7 (seg 30% ; bast 7%; linf 50%; mono 12%, eos
1%)
– Hem 2,98
– Hg 7.7
– Hto 23.1
– VCM 77.6
– HCM 26.0
– CHCM 33.5
– Plaq 117.000
– PCR 28,5
–

HC (29/08/08)
Leuc 16.400 (seg 62% ; bast 1%; linf 25%; mono 8%, eos
4%)
 Hem 3.11
 Hg 7.95
 Hto 23.6
 VCM 76
 HCM 25.6
 CHCM 33.7
 Plaq 271.000
 PCR 14,2


31/08/08




a criança apresentou crise convulsiva parcial, com
movimentos tônicos de mão direita que evoluíram para
todo dimídio.
Fenitoína, Fenobarbital e Manitol
Manutenção Fenobarbital
Solicitado parecer para Neurocirurgia

TC crânio sem alterações (sem filme)

01/09/08
Completou 7 dias de tratamento com ceftriaxone
100mg/kg.
 Com a queda do PCR de 28,5(26/08) para 14,2(29/08) foi
suspenso o antibiótico


02/09/08

Alta Hospitalar, em boas condições clínicas, com
fenobarbital de manutenção.

02/09/08



À noite, retorna ao PS do HRAS, pois ao chegar em casa, a
criança apresentou pico febril de 38oC, associado a choro
irritado.
Realizado HC, Punção lombar
Solicitado TC de crânio com e sem contraste e reiniciado
ceftriaxone.

HC (02/09/08)










Leuc 19.800 (seg 53% ;
bast 3%; linf 41%; mono
2%, eos 1%)
Hem 3.41
Hg 8.41
Hto 25.7
VCM 75.4
HCM 24.6
CHCM 32.7
Plaq 982.000
VHS 60
PCR 6,28
Glicose 86
 Ur 19
 Creat 0.4
 TGO 45
 TGP 38
 Na 135
 K 5.4
 Cl 102


Análise liquórica (02/09/08)







Glicose 29mg%
Proteínas 97mg%
Cloreto 117mEq/l
Hematimetria 700/mm3
Leucometria 305/mm3 (PMN 85%; MN15% )
Bacterioscopia negativa
Pesquisa de Ag negativa
TC contrastado (03/09/08)
Espessamento e realce meníngeo
na região frontal, compatível com
meningite.
Aumento do espaço liquórico na
regiao frontal, provavelmente
relacionado à hidrocefalia externa
benigna da infância.


Criança evoluiu assintomática, com ótimo estado
geral, porém mantendo 1 a 2 picos febris de até
38oC.
HC (06/09/08)









Leuc 22.300 (seg 75% ; bast 02%; linf 21%; mono 1%, eos
0%)
Hem 3.29
Hg 8.6
Hto 24.8
VCM 75.4
HCM 26.1
CHCM 34.6
Plaq 1.009.000
PCR 14.8

HC (08/09/08)
Leuc 14.800 (seg 57% ; bast 2%; linf 40%; mono 2%, eos
0%)
 Hem 3.04
 Hg 8.0
 Hto 22.8
 VCM 75
 HCM 26.4
 CHCM 35.2
 Plaq 831.000
 PCR 9.6


Análise do líquor (08/09/08)
Aspecto límpido
 Glicose 30mg%
 Proteínas 89mg%
 Cloreto 122mEq/l
 Hematimetria Zero/mm3
 Leucometria 50/mm3 (26%PMN; 74%Mono)


09/09/08
Acreditando-se num quadro residual, apenas inflamatório,
foi suspenso o ceftriaxone (D15) e prescrito prednisolona


10/09/09


Criança evolui afebril no período, mantendo ótimo estado
geral, programada alta para amanhã.
Retorno neurologia pediátrica para avaliar
anticonvulsivante (fenobarbital)




Meningite é definida como inflamação/infecção
aguda das membranas que revestem o SNC;
Causas dependem de idade, condições do
hospedeiro e epidemiologia;
Vírus > bactérias > fungos > rickétsias >
micoplasmas;
Infecção difusa (meningite, encefalite) ou focal
(abscesso)



No Brasil, até 1999, as meningites bacterianas
agudas de causa determinada tinham como
agentes mais comuns Haemophilus influenzae
(20,3%), Neisseria meningitidis (20,2%) e
Streptococcus pneumoniae (11,6%)
Após a introdução da vacina contra H. influenzae
tipo B, a incidência de meningite por esse agente
caiu drasticamente
A taxa de letalidade é bastante variável no mundo.
Alguns autores descrevem taxas de 5% a 40%,
dependendo da etiologia. Com a terapêutica
antibiótica, a letalidade decresceu de cerca de 90%
para 15% a 30%.
•
Fatores de risco: baixa idade, colonização recente,
contato íntimo com portadores, aglomeração,
pobreza,
raça negra,
sexo masculino,
possivelmente ausência de aleitamento materno
para lactentes de 2-5 meses de idade;
•
Modo de transmissão: Contato interpessoal a partir
de gotículas ou secreções do trato respiratório;

Recém-nascido e lactente até 2 meses

Gram-negativas entéricas
 E. coli; K. pneumoniae; S. enteritidis
S. agalactie (estreptococo do grupo B)
 L. monocytogenes


2 meses até os 5 anos
Neisseria meningitidis; Haemophilus influenza
 Streptococcus pneumoniae


Alterações das defesas do hospedeiro  Pseudomonas
aeruginosa, Staphylococcus aureus, estafilococos coagulase -,
Salmonella sp e Listeria monocytogenes
SANGUE
CONTIGUIDADE
PATÓGENO
SNC – PLEXO CORÓIDE
ESPAÇO SUBARACNÓIDE
REAÇÃO PRÓ-INFLAMATÓRIA
ATIVAÇÃO DE CÉLULAS
*Astrócitos
*Céls. Encoteliais
*Céls. Gliais
*Céls. ependimárias
DISTÚRBIO NA FUNÇÃO ENDOTELIAL
NA MICROVASCULATURA
Citocinas:
*FNT- alfa
*IL 1, 6, 8, 10
*Óxido nítrico
*Prostaglandinas
*Metaloproteinase
*Fator ativador de macrófagos
ALTERAÇÃO NA BARREIRA HEMATO-ENCEFÁLICA
PRODUTOS PROTEOLÍTICOS + RADICAIS LIVRES
MENINGISMO
CONFUSÃO
HIPOGLICORRAQUIA
ENCEFALOPATIA QUÍMICA
EDEMA CEREBRAL
+
HIC
DANO NEURONAL
FEBRE
CEFALÉIA
TROMBOXANO
FATOR DE ATIVAÇÃO PLAQUETÁRIA
SINTOMAS FOCAIS
CONVULSÃO
PERDA DE CONSCIÊNCIA
TROMBOSE DE VEIAS MENÍNGEAS
VASCULATURA DE NERVOS CRANIANOS E PARÊNQUIMA
OBSTRUÇÃO DO FLUXO DE LCR
PARALISIA
PERDA COGNITIVA
SEQUELAS
COMA



Variam de acordo com a idade do paciente;
Normalmente, a meningite bacteriana, é precedida
por vários dias de sintomas do trato respiratório
superior ou gastrointestinais, seguidos por sinais
inespecíficos de infecção do SNC.
Pode ter início súbito, com rápida progressão para
choque, coagulação intravascular disseminada,
redução do nível de consciência e morte (24 h).

Neonatos e Lactentes (29 dias a 2 anos exclusive)

Febre, irritabilidade, agitação, sonolência, torpor

Grito meníngeo, recusa alimentar, hipoatividade

Vômitos; convulsões; abaulamento de fontanela

Raramente sinais de irritação meníngea

Pré-escolares (2 a 6 anos) até adultos
Início súbito
 Febre; cefaléia intensa; náuseas; vômitos
 Rigidez de nuca e Sinais de irritação meníngea
 Rash petequial

 N. menigitidis  40% a 60%


Rebaixamento do nível de consciência/coma
Convulsões; paralisia do VII par; oftalmoplegia

Sinais de irritação meníngea

Kernig

Brudzinski






Análise do LCR;
Hemograma;
Hemocultura;
Exames radiológicos;
PCR
Detecção de antígenos bacterianos (aglutinação de
partículas de látex)
É confirmado por análise do LCR em todos casos
suspeitos: microorganismos na coloração Gram e
cultura, uma pleocitose neutrofílica, nível de
proteína elevado e concentração de glicose
reduzida
 Observar diretamente o líquor( pressão e aspecto)
Turvo: celularidade
Xantocromia: hemorragia intracraniana, icterícia,↑ [ ] ↑
de proteínas


Repetir líquor após 48h em:
Todos RN;
 Falta de melhora clínica em 24-48h após início da ATB;
 Febre prolongada ou reaparecimento da febre;
 Meningite por pneumococos resistentes ou Enterococos;
 Imunossuprimidos


Contra-indicações para a punção lombar:


Absolutas – instabilidade hemodinâmica, infecção
cutânea no local da punção, trombocitopenia abaixo de
10.000/mm3
Relativas – suspeita de HIC,

Antibiótico

Corticóide

Medidas de suporte: Internação, Controle da
hidratação, Drogas vasoativas, Pressão arterial,
Volume urinário, Peso da criança, Controle da
convulsão e Avaliações neurológicas repetidas
Idade
0–2m
Etiologia + provável
E. coli,, Strepto agalactiae (B),
Listeria monocitogenes
2m a 12a Meningococo
Imunodepres
são
ATB
-Cefotaxima+Ampicili
na p/ Listeria
- Ampi + Genta
H influenzae
Pneumococo
-Ceftriaxone/Cefotaxi
ma
-Vancomicina*
Pseudomonas, S. aureus,
Stafilococos coagulase –
Salmonella, Listeria, fungos
- Ceftazidime +
ampicilina+
vancomicina*
Derivação ou Pneumococo, stafilococos
trauma
- Ceftazidime +
vancomicina*

Cefalosporina de 3ª. geração (ceftriaxona e
cefotaxima): excelente penetração no SNC e boa
cobertura para os patógenos mais comuns
(meningococo e pneumococo)



Cloranfenicol para alérgicos
Vancomicina: adicionada para cobrir pneumococo
resistente a cefalosporina de 3ª. geração
Ampicilina:
amplia
cobertura
para
L.
monocytogenes (alcoolistas, gestantes, RN, >50a,
imunocomprometidos)

Sulfametoxazol+trimetoprim para alérgicos





Uso controverso
Benéfico em meningites causadas por H. Influenzae
e em menor incidência no pneumococo .
Atenua inflamação no espaço subaracnóide e
edema vasogênico (previne mas não reverte danos
no SNC)
PIC
Associada a menor ocorrência de perda auditiva
severa e seqüela neurológica a longo prazo


Falha na antibioticoterapia
Vancomicina e aminoglicosídeos (reduz penetração no SNC)

Benefício se iniciado antes ou juntamente com a primeira
dose de antibiótico

Dexametasona:
Dose: 0,15mg/Kg 6/6h por 4 dias ou
0,4mg/Kg 12/12h por 2 dias

PESSOAS COM
INDICAÇÃO
H. influenzae
N. meningitidis
Todos os contactantes domiciliares (pelo
menos 4h por 5 – 7 dias antes da
admissão), inclusive adultos, se
Exposição direta a secreção do caso
índice nos 7 dias que antecederam
a doença
*Criança imunocomprometida residir no
domicílio
*Pelo menos 1 contato <4a com vacinação
incompleta
*criança imunocomprometida, desde que
seja >4a e vacinação completa
Profissionais
de
saúde
que
realizaram
procedimentos
entrando em contato direto com
secreção
Babás que tiveram contato durante
os 7 dias anteriores à doença
*enfermagem / cuidadores do contato
desde que existam pelo menos 2 casos nos
últimos 60 dias
DROGA
RECOMENDADA
Rifampicina 20mg/Kg (máximo de 600mg)
VO 1x/dia por 4 dias
Menores de 1 mês: 10mg/Kg
Rifampicina 10mg/Kg, VO,
1x/dia por 2 dias (<1mês
5mg/Kg) Ou
Ceftriaxona 125mg (<15a) ou
250mg (>15a) IM, dose única
Ou
Ciprofloxacina 500mg VO,
dose única (só para >18a)

Convulsões são comuns



4dias após diagnótico, ou início tardio = maior
associação com sequelas neurológicas
Convulsões focais têm pior prognótico
Efusão subdural


Um terço dos pacientes com meningite bacteriana, maior
associação com H. influenzae e S. pneumoniae
Assintomático e resolução espontânea, sem sequelas
neurológicas permanentes na maioria dos casos

Empiema subdural






Incomum, menos de 2% dos casos
Febre prolongada e irritabilidade
Tratamento: drenagem cirúrgica
Abscesso cerebral é incomum
Febre persistente pode estar relacionada a
infecções nosocomiais, como a relacionada a
cateter venoso
Suspeitar de febre medicamentosa após exclusão
de outras causas: β-lactâmicos e anticonvulsivantes

Exames de imagem do crânio com CT ou RM deve
ser realizado em caso de:






Obnubilação prolongada
Crises convulsivas persistentes por mais de 72 horas após
o início do tratamento
Irritabilidade excessiva persistente
Índices liquóricos anormais persistentes
Sinais neurológicos focais
Recém nascidos

Atraso no início de tratamento de mais de 3 - 6h (a
partir da admissão) é associado a maior risco de
morte e maior índice de complicações

Mortalidade após o período neonatal:1-8% (taxas
mais altas na meningite pneumocócica). Seqüelas
intensas no desenvolvimento neurológico (10-20%),
seqüelas sutis (50%).




Bacterial Meningitis in Children, CHÁVEZ-BUENO et
al; Pediatric Clinics os North America (2005)
Raymund R Razonable, MD., Michael R Keating,
MD.,Meningitis(2007).
http://www.emedicine.com/med/TOPIC2613.HTM
Meningites em geral cap. 520:1-9. in: Guia de
vigilância epidemiológica Ministério da Saúde
Figueira,F. Meningite in Pediatria IMIP, 3ª
edição,2004
Download

Caso Clínico: Meningite bacteriana