Anais do 14O Encontro de Iniciação Científica e Pós-Graduação do ITA – XIV ENCITA / 2008
Instituto Tecnológico de Aeronáutica, São José dos Campos, SP, Brasil, Outubro, 20 a 23, 2008.
Estudo da reação de abstração de hidrogênio N2H2 + H
pelo método MP2
→ N2H + H2
Roberta Jachura Rocha
Departamento de Química, Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), São José dos Campos, SP.
Bolsista PIBIC-CNPq
[email protected]
Marina Pelegrini
Departamento de Química, Universidade Federal de Juiz de Fora, MG.
[email protected]
Orlando Roberto-Neto
Divisão de Aerotermodinâmica e Hipersônica, Instituto de Estudos Avançados, São José dos Campos, SP.
[email protected]
Francisco B. C. Machado
Departamento de Química, Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), São José dos Campos, SP.
[email protected]
Resumo. Neste trabalho, estão apresentados os resultados obtidos através do estudo teórico da reação N2H2 + H → N2H + H2, que
possivelmente faça parte do mecanismo de decomposição da molécula hidrazina. Neste estudo, as estruturas conformacionais, a
espectroscopia vibracional e a energética dos produtos, reagentes e do estado de transição desta reação foram caracterizados
através do método MP2, e os resultados obtidos foram extrapolados ao conjunto base completo CBS e comparados a dados teóricos
já existentes na literatura utilizando outros métodos da química quântica molecular, pois ainda não há cálculos experimentais
disponíveis para a reação.
Palavras chave: N2H2, reação de abstração de hidrogênio, MP2, geometria, energética
1. Introdução
Este trabalho consiste essencialmente no estudo da reação N2H2 (trans) + H → N2H + H2, que possivelmente
esteja presente como uma das etapas elementares no mecanismo de decomposição da molécula hidrazina, a qual
desperta um interesse especial por se tratar de uma molécula cuja decomposição é exotérmica, utilizada como
combustível em foguetes e lançadores de satélites, como inibidora de corrosão em estruturas de aço e ferro, além de
muitas outras aplicações. Neste estudo teórico, a energética dos produtos, reagentes e do estado de transição desta
reação foram caracterizados através de métodos da química quântica molecular, para que posteriormente os dados
obtidos possam ser utilizados em estudos cinéticos, como também na determinação experimental.
A molécula diazina (N2H2) tem sido objeto de muitos estudos teóricos. Na forma 1,2 HN=NH, a molécula é
geralmente aceita como planar, porém são possíveis isômeros cis e trans. Na abstração de um átomo de hidrogênio da
molécula N2H2 através da reação com um átomo de H, ocorre simultaneamente quebra da ligação N-H enquanto uma
nova ligação H-H é formada. A reação N2H2(trans) + H → N2H + H2 é uma reação exotérmica que já se encontra bem
caracterizada na literatura através de cálculos ab initio de alto nível de estrutura eletrônica e de dinâmica molecular.
Apesar da importância das reações envolvendo diazina na pirólise de amônia e de nitrogênio em combustão na química
geral, ainda não há disponíveis informações experimentais para as reações de N2H2 com alguns radicais como H e OH.
Estudos teóricos acerca dessa reação, explorando a geometria e as freqüências vibracionais do estado de
transição da reação (N2H2H), reagentes e produtos, e seus dados termodinâmicos, foram realizados recentemente no
nosso grupo de pesquisa (2007). Em outros estudos teóricos, podem ser encontradas as propriedades termodinâmicas
desta reação obtidas por Page et alli. (1996) utilizando o método CASSCF/MRCI. Também Pople et alli. (1991)
realizou estudos da energética da reação utilizando o método G2, e Mebel et alli. (2003) utilizou o método MP2/631G** para realizar cálculos da energética da reação, bem como das freqüências vibracionais e geometria do estado de
transição.
No presente estudo, utilizou-se o método da química quântica molecular conhecido como Teoria da
Perturbação em Segunda Ordem de Møller-Plesset (MP2) (1934). Os conjuntos de funções base utilizados pertencem à
hierarquia de bases de correlação consistente cc-pVDZ, cc-pVTZ, cc-pVQZ de Dunning (1989). Os resultados foram
extrapolados para o que é conhecido como o limite do conjunto base completo - CBS (Complete Basis Set limit),
utilizando o método de extrapolação de Halkier et alli (1998).
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2. Metodologia
Neste trabalho, as estruturas geométricas dos reagentes, dos produtos e do estado de transição participantes da
reação foram otimizadas utilizando a Teoria da Perturbação em Segunda Ordem de Møller-Plesset (MP2). Para todas as
geometrias otimizadas, foram também realizados cálculos da freqüência vibracional e, conseqüentemente, da energia do
ponto zero. Através desta metodologia, também foram realizados cálculos dos dados termodinâmicos da reação. Foram
empregados os conjuntos de funções base de Dunning cc-pVDZ, cc-pVTZ e cc-pVQZ. Estas bases são conhecidas
como bases de correlação-consistente de valência polarizada, dupla-zeta (D), tripla-zeta (T) e quádrupla-zeta (Q). Os
dados obtidos para a geometria, frequência e a energética das moléculas envolvidas na reação foram extrapolados ao
conjunto base completo CBS (Complete Basis Set). Esta extrapolação é obtida através da seguinte expressão de Halkier
et alli:
ECBS = [E(n) x n3] – [E(n - 1) x (n - 1)3] / n3 – (n - 1)3
Onde n equivale a 4 para o conjunto base cc-pVQZ.
Todos os cálculos foram obtidos utilizando o programa GAUSSIAN nas versões G03 (2004).
3. Resultados e Discussões
3.1. Conformação Geométrica das Espécies Envolvidas
Nas Tabelas 1 a 3 a seguir, estão apresentadas as estruturas de equilíbrio para os pontos de mínimos, ou seja,
reagentes e produtos envolvidos na reação N2H2(trans) + H → N2H + H2, obtidos pelo nível de cálculo MP2 e usando
a extrapolação CBS (MP2/CBS), conforme equação descrita anteriormente.
Tabela 1 - Parâmetros geométricos para a molécula reagente N2H2. (Distâncias em Å, e ângulos em graus).
Método
N1-N2
H-N
H-N-N
MP2/CBS
1,249
1,026
106,1
1,266
1,036
105,4
MP2/6-31G* a
CASSCF/cc-pVDZ b
1,265
1,053
105,1
1,252
1,028
106,9
Experimental c
a
Pople et alli., (1991); b Page et alli.,(1996); c Trombetti et alli., (1974).
Tabela 2 - Parâmetros geométricos do produto N2H. (Distâncias em Å, e ângulos em graus).
Método
N1-N2
H-N
H-N-N
MP2/CBS
1,140
1,046
121,6
1,150
1,057
121,3
MP2/6-31G* a
CASSCF/cc-pVDZ b
1,088
1,092
115,1
a
Pople et alli., (1991);
b
Page et alli.,(1996).
Tabela 3 - Distância de equilíbrio do produto H2. (Distâncias em Å e ângulos em graus).
Método
H1-H2
0,735
MP2/CBS
0,770
CASSCF/cc-pVDZ a
Experimental b
0,741
a
Page et alli.,(1996);
b
Huber e Herzberg, (1979).
Na Tabela 4 a seguir, apresenta-se a estrutura de equilíbrio para o ponto de sela (estado de transição) ilustrado
pela figura I, obtida pelo nível de cálculo MP2 com a extrapolação CBS, juntamente com dados da teoria onde foram
empregados outros métodos de cálculos.
Tabela 4 - Parâmetros geométricos do estado de transição da reação N2H2H. (Distâncias em Å, e ângulos em graus).
Método
N-N H1-N1 H2-N2 H3-H2 H1-N1-N2 H2-N-N H3-H2-N2
MP2/CBS
1,170 1,031
1,146
1,079
109,2
108,2
170,7
1,277 1,034
1,190
1,012
105,7
105,7
172,8
MP2/6-31G** a
CASSCF/cc-pVDZ b
1,246 1,056
1,165
1,196
105,8
106,2
173,5
a
Mebel et alli., (2003); b Page et alli.,(1996).
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Figura 1. Conformação do estado de transição N2H2H.
A geometria do estado de transição é bastante semelhante à estrutura das moléculas reagentes. A ligação H-H a
ser formada é ainda bastante alongada neste estado de transição (N2H2H), sendo cerca de 32% maior que a ligação H-H
na molécula H2 calculada com a extrapolação CBS do método MP2, e cerca de 33% maior com o método CASSCF,
enquanto que a ligação H-N a ser rompida tem valor apenas cerca de 10% maior que na estrutura da molécula reagente
trans diazina com o método MP2/CBS, e com o método CASSCF essa ligação é 9% maior.
O estado de transição desta reação apresenta estrutura planar, e pode-se perceber que o ângulo H3-H2-N2
desvia apenas cerca de 9º do plano com o cálculo MP2/CBS, e cerca de 7º com os métodos CASSCF e MP2/6-31G**.
Extrapolando os resultados MP2, as moléculas envolvidas na reação têm suas distâncias de ligação diminuídas
ao mesmo tempo em que ocorre um aumento no valor dos ângulos calculados. A conformação geométrica do estado de
transição apresenta boa concordância quando comparada aos resultados teóricos apresentados na Tabela 4, obtidos por
Mebel et alli. (2003) utilizando o método MP2/6-31G**. Observa-se também que os resultados obtidos para o reagente
N2H2(trans) e o produto N2H concordam com os dados teóricos obtidos por Pople et alli. (1991) utilizando o método
MP2/6-31G*, que encontrou, em média, um maior valor para as distâncias das ligações, e no caso da molécula N2H,
Page et alli (1996) obteve um valor mais baixo para o ângulo H-N-N, utilizando o método CASSCF. Vale salientar que,
comparado a outros cálculos MP2, nossa função de onda é mais completa devido à extensão do conjunto base. A
diferença entre os resultados MP2/CBS com os resultados CASSCF deriva-se de dois fatores, a extensão do conjunto
base, maior na metodologia deste estudo e o caráter multi-configuracional presente no método CASSCF.
3.2. Energética da Reação
A reação N2H2(trans) + H → N2H + H2 é exotérmica, seu valor de diferença de energia eletrônica de reação é
∆E = -29,2 kcal/mol, e possui uma barreira de energia potencial relativamente baixa, ΔV# = 12,1 kcal/mol. Ambos os
valores foram calculados usando o método MP2/CBS conforme descrito anteriormente, e estes resultados estão
apresentados na Tabela 5, juntamente com as demais propriedades termodinâmicas desta reação, que são a energia
eletrônica de reação (∆E), a energia eletrônica de reação com a correção do ponto zero (∆E 0 ), as alturas da barreira de
energia (ΔV#), entalpias de reação a 298,15 K (∆H 0298 ) e a energia livre de Gibbs (∆G 0298 ), juntamente com dados
obtidos por outros métodos encontrados na literatura.
Pode-se observar que os resultados obtidos neste trabalho com a metodologia MP2/CBS, apresenta os menores
valores para as barreiras de energia da reação com e sem a correção do ponto zero. Mais uma vez, vale salientar que a
função de onda utilizada é mono-configuracional quando comparado aos resultados CASSCF que tem uma função de
onda é multi-configuracional.
#
Tabela 5 - Barreiras de energia clássicas (ΔV#), barreiras de energia com correção do ponto-zero ( ∆V 0 ), energias de
reação clássicas (∆E), energias de reação com correção do ponto-zero (∆E 0 ), entalpias (∆H 0298 ), e energia
livre de Gibbs (∆G 0298 ). Todos os resultados estão em kcal/mol.
Métodos
MP2/CBS
CASSCF/cc-pVDZ a
MNDO b
AM1-SRPb
a
Page et alli.,(1996);
b
0
0
∆E
ΔV#
∆E 0
∆H 298
∆G 298
-29,2
-36,3
-38,4
-31,6
12,1
8,8
12,9
4,3
-30,9
-36,5
-41,9
-35,3
-30,3
-31,8
Truhlar et. alli., (1997).
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Todos os resultados obtidos com os vários métodos mostram que se trata de uma reação bastante exotérmica, e
de baixa barreira energética, o que já era esperado conforme exposto anteriormente. Nos artigos da literatura podem ser
encontrados outros cálculos da energética desta reação utilizando o método CASSCF/MRCI por Page et. alli. (1996),
com valores de ΔH0 = -37,34 kcal/mol e ΔV# = 4,29 kcal/mol. Pople et. alli (1991), empregando o método G2, relata
valores de ΔH0 = -40,3 kcal/mol, e com o método G2 (MP2) Truhlar et. alli. (1997) obtiveram valores de ΔE = -37,5
kcal/mol e ΔV# = 4,1 kcal/mol. Portanto, percebe-se que os resultados obtidos estão em razoável concordância com os
valores teóricos existentes, pois trata-se de metodologia mono-configuracional e que não incluí efeitos da correlação
dos elétrons mais internos (caroço), como é o caso do método G2. Observa-se também que o método semi-empírico
MNDO obtém valores muito altos para estas propriedades termodinâmicas.
3.3. Frequências Harmônicas Vibracionais
Para os cálculos das frequências vibracionais harmônicas das espécies envolvidas na reação, também foi
realizada a cálculos com a extrapolação CBS para o cálculo MP2, cujos resultados estão demonstrados na tabela 6 a
seguir.
Tabela 6 - Freqüências vibracionais harmônicas (cm−1) dos reagentes, produtos e estados de transição.
Espécie
Método
Freqüências
N2H2H
MP2/CBS
2593i, 420, 592, 1276, 1497, 1528, 1561, 2992, 3301
CASSCF/cc-pVDZa
2451i, 395, 575, 1234, 1286, 1347, 1530, 1632, 3547
b
MONDO-SRP
2039i, 397, 499, 988, 1179, 1339, 1463, 1553, 3133
N2H
MP2/CBS
CASSCF/cc-pVDZa
1043, 2818, 2982
1116, 1733, 2416
H2
MP2/CBS
CASSCF/cc-pVDZa
4517
4208
N2H2
MP2/CBS
CASSCF/cc-pVDZa
1345, 1344, 1528, 1618, 3329, 3362
1316, 1353, 1549, 1619, 3093, 3121
a
Page et alli.,(1996); b Truhlar et. alli, (1997).
Conforme esperado, podemos observar que o estado de transição apresenta uma frequência imaginária,
enquanto que reagente e produtos desta reação possuem somente frequências reais. Desta forma, o estado de transição
fica então caracterizado como um ponto de sela, apresentando uma freqüência imaginária.
Não há dados experimentais disponíveis para comparação com os dados obtidos neste trabalho, porém
percebe-se que, em geral, há uma boa concordância entre os valores com os diferentes métodos utilizados.
4. Conclusão
Neste trabalho, utilizamos o conjunto de bases cc-pVDZ, cc-pVTZ, cc-pVQZ e cc-pCVTZ de Dunning e o método
MP2 extrapolado ao conjunto base completo CBS, com a finalidade de obter os melhores valores possíveis usando o
método MP2 da energética, conformação geométrica e freqüências vibracionais harmônicas das espécies envolvidas na
reação N2H2(trans) + H Æ N2H + H2, onde ocorre abstração de um átomo de hidrogênio da molécula diazeno (trans).
Foi possível localizar e caracterizar o estado de transição que ocorre nesta reação. Não há resultados experimentais
disponíveis acerca desta reação, porém os dados termodinâmicos obtidos apresentam boa concordância com os valores
encontrados na literatura, mostrando se tratar de uma reação exotérmica e com baixa barreira de energia, caracterizada
por um estado de transição cuja estrutura é mais próxima à estrutura dos reagentes que dos produtos. Os resultados das
geometrias das moléculas reagentes e produtos utilizando estes métodos são de boa qualidade quando comparados aos
valores teóricos já existentes na literatura. A conformação do estado de transição desta reação também apresentou boa
concordância com métodos teóricos já existentes.
5. Agradecimentos
R. J. Rocha agradece ao Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) pela oportunidade em realizar o estágio de
Iniciação Científica, e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela concessão da
bolsa. Os autores agradecem ainda ao CNPq e à FAPESP pelo continuo apoio aos seus projetos de pesquisa.
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