Relato de Caso Carcinoma epitelial-mioepitelial de parótida Epithelial-myoepithelial carcinoma of the parotid gland RESUMO Fábio Rocha Lima1 Mario Eduardo Rocha Silva2 Rafael Simionato Susin2 Cíntia de Gouveia Nunes3 Ênio Hayashida Teixeira3 ABSTRACT O carcinoma epitelial-mioepitelial (CEM) é uma rara neoplasia das glândulas salivares correspondendo a 1% destas. Relatamos o caso de um paciente masculino, 39 anos, com massa indolor de crescimento lento na glândula parótida direita. O histopatológico demonstrou uma neoplasia bifásica constituída por células epiteliais e mioepiteliais. A imunoistoquímica foi positiva para vimentina, AE1AE3, p63, actina de músculo liso e proteína S100, confirmando o diagnóstico de CEM. A maioria dos casos origina-se na parótida (60%), no sexo feminino (2:1) e na 6ª década de vida. A sobrevida média em cinco anos é 80% e a taxa de recidiva local até 40%. Epithelial-myoepithelial carcinoma (EMC) of the salivary glands is a rare neoplasm accounting for only 1% of all salivary glands tumors. We report a 39-year-old man who presents a painless mass with a slowly growing involving a right parotid salivary gland. The histologic findings showed a biphasic cytomorphology containing epithelial and myoepithelial cells. Immunohistochemistry was positivity for vimentin, AE1AE3, p63, smooth muscle actin and S100 protein, who confirms a EMC diagnosis. The tumor most commonly involved the parotid gland (60%), female predominance (2:1) with a peak occurrence in the sixth decade. The average survivor in five years is 80% and the recurrence local rate until 40%. Descritores: Neoplasia das Glândulas Salivares. Carcinoma. Imunoistoquímica. Glândula Parótida. Key words: Salivary Gland Neoplasms. Carcinoma. Immunohistochemistry. Parotid Gland. INTRODUÇÃO Os tumores malignos da glândula parótida são raros, correspondendo entre 1 a 3% de todos os tumores malignos da cabeça e pescoço1. O carcinoma epitelial-mioepitelial (CEM) é uma rara neoplasia bifásica das glândulas salivares responsável por cerca de 1% dos tumores destas glândulas2-5. Sua primeira descrição ocorreu em 1972, por Donath et al. e foi reconhecido como uma entidade patológica distinta em 1991 pela classificação da Organização Mundial de Saúde2,3,5. RELATO DO CASO Homem, 39 anos apresentou massa indolor de crescimento lento com evolução de um ano e seis meses, na região parotídea direita. Era obeso, não tabagista, não etilista, sem história mórbida pregressa e sem antecedentes de neoplasia familiar. Ao exame físico, observou-se massa palpável, indolor e firme em região parótidea direita, com ausência de comprometimento do nervo facial e linfadenopatia cervical. Para a investigação inicial, solicitou-se ultra-sonografia cervical, o qual demonstrou glândula parótida direita com parênquima heterogêneo, com imagem mista com vascularização central, medindo 2,5 x 1,8 x 2,6cm (vol = 6,9cm3). Foi realizada parotidectomia total à direita, com achado de nódulo intraparotídeo, esbranquiçado e bem delimitado de 2,5cm de diâmetro limitado à parótida. O exame histopatológico demonstrou neoplasia epitelial formando estruturas ductais revestidas por dupla camada de células epiteliais com núcleos regulares (Figura 1). A camada interna era constituída de células epiteliais com citoplasmas eosinofílicos e a camada externa, por células mioepiteliais com amplos citoplasmas claros (Figura 2); ausência de áreas de necrose; e contagem mitótica com menos de 1 mitose em 10 campos de grande aumento. As margens de ressecção estavam livres. Esse aspecto foi sugestivo de carcinoma epitelial-mioepitelial. Foi realizado exame imunoistoquímico, o qual demonstrou positividade para AE1/AE3 nas células epiteliais e p63, actina de músculo liso e proteína S100 nas células mioepiteliais, caracterizando a histogênese bifásica, confirmando o diagnóstico de carcinoma epitelialmioepitelial. O paciente evoluiu bem, sem recidivas após 18 meses da cirurgia. Figura 1 – Carcinoma epitelial-mioepitelial – estruturas ductais revestidas por dupla camada de células sem atipias – HE 100x. 1) Médico patologista do Laboratório Lapac. Professor de Patologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Grande Dourados, Dourados/MS, Brasil. 2) Médico cirurgião de cabeça e pescoço do Hospital Universitário da Universidade Federal da Grande Dourados, Dourados/MS, Brasil. 3) Acadêmico da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Grande Dourados, Dourados/MS, Brasil. Instituição: Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Grande Dourados, Dourados/MS, Brasil. Correspondência: Fábio Rocha Lima, Rua Camilo Ermelindo da Silva, 459, 1º andar, 79806-010 Dourados/MS, Brasil. E-mail: [email protected] Recebido em: 23/08/2008; aceito para publicação em: 01/05/2009; publicado online em: 15/11/2009. Conflito de interesse: nenhum. Fonte de fomento: nenhuma. 268 Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v. 38, nº 4, p. 268 - 269, outubro/ novembro / dezembro 2009 Figura 2 – Carcinoma epitelial-mioepitelial – em maior aumento observam ductos revestido internamente por células epiteliais e externamente por células mioepiteliais (citoplasma claro) - HE 400x. paralisia facial no diagnóstico1. O correto diagnóstico pré-operatório permite o planejamento cirúrgico, maior êxito no tratamento e também está relacionado com melhor prognóstico1. Recorrências locais dos tumores malignos da parótida ocorrem em 15-50% dos casos, especialmente nas ressecções incompletas e nos tumores maiores que 4cm. O intervalo entre o diagnóstico primário e a primeira manifestação de recidiva variou de 1 a 19 anos1,2,4. O tamanho e o rápido crescimento do tumor estão associados a um pior prognóstico. O estatus da margem é o principal fator prognóstico patológico4. As metástases são raras (14%) e quando presentes envolvem linfonodos cervicais, pulmões, fígado e rins4. A taxa de sobrevida em cinco e 10 anos é de 80% e 72%, respectivamente. Os óbitos decorrentes de complicações desta patologia ocorrem em menos de 10% dos pacientes4. DISCUSSÃO REFERÊNCIAS O CEM é uma neoplasia rara, sendo responsável por 1% a 2,4% das neoplasias das glândulas salivares1-5. Em estudo realizado no Rio de Janeiro1 com 126 pacientes portadores de tumores malignos da glândula parótida, o carcinoma mucoepidermóide foi o mais prevalente (31,7%) e o CEM foi identificado em 2,4% da amostra (três pacientes). Em outro estudo5 com 212 casos de tumores de parótida, foram encontrados apenas três casos de CEM (1,4%). A parótida é a principal glândula salivar acometida pelo CEM (60-77% dos casos), seguida pela submandibular (12%) e, mais raramente, pelas glândulas salivares menores. Os sítios extra-orais como seios paranasais, brônquios e faringe raramente estão presentes4,5. Essa neoplasia ocorre principalmente entre a sexta e sétima década de vida, com predominância no sexo feminino (2:1)3-5. Diferentemente do nosso caso, um homem de 39 anos. Somente dois casos foram descritos no grupo pediátrico4. A apresentação clínica do CEM é inespecífica, de caráter insidioso e manifesta-se por massa de crescimento lento, com evolução de meses a anos4. O diâmetro da massa varia de 1,5 a 8cm no seu maior diâmetro2,5. Alguns estudos referem presença de dor e envolvimento do nervo facial (20%)1,4,5. No caso apresentado a única manifestação clínica foi a presença de uma massa indolor, de crescimento lento e de longa data. Nosso caso apresentou aspecto histopatológico clássico de CEM, uma neoplasia bifásica revestida por dupla camada celular, uma de células epiteliais e outra de células mioepiteliais com amplos citoplasmas claros. São descritas outras variantes histopatológicas: áreas sólidas, células fusiformes e diferenciação escamosa. Atipias celulares e áreas de necrose raramente são encontradas e caracterizam pior prognóstico. O índice mitótico normalmente é baixo (menos de duas mitoses em 10 campos de grande aumento) 2-4. O tumor manifesta características histológicas que podem assemelhar-se a outros tumores de glândulas salivares2.O diagnóstico diferencial envolve todos os tumores que apresentam células claras: adenoma pleomórfico, mioepitelioma e carcinoma mucoepidermóide, além de metástase de carcinoma renal de células claras4. Os marcadores imunohistoquímicos confirmam o aspecto bifásico da neoplasia, caracterizando os dois tipos celulares encontrados. Devem ser realizados marcadores para células epiteliais (citoqueratinas) e para células mioepiteliais (actina de músculo liso, proteína S100, p63 e a calponina)3-5. O tratamento combinado operação seguida de radioterapia parece ser o mais apropriado para os tumores avançados, contudo dados na literatura são diversos, dificultando uma conclusão. Lima et al. avaliaram retrospectivamente prontuários de 126 pacientes com tumores malignos da glândula parótida e que foram tratados com a parotidectomia, sugerindo que o esvaziamento cervical profilático deve ser considerado em tumores de alto grau de malignidade e na presença de 1. Lima RA, Tavares MR, KLIGERMAN J, Dias FL, Barbosa MM, Cernea CR. Metástase cervical nos tumores malignos da parótida. Rev Col Bras Cir. 2006;33 (3):132-9. 2. Cho KJ, el-Naggar AK, Ordonez NG, Luna MA, Austin J, Batsakis JG. Epithelial-myoepithelial carcinoma of salivary glands. A clinicopathologic, DNA flow cytometric, and immunohistochemical study of Ki-67 and HER-2/neu oncogene. Am J Clin Pathol. 1995;103(4):432-7. 3. Batsakis JG, El-Naggar AK, Luna MA. Epithelial-myoepithelial carcinoma of salivary glands. Ann Otol Rhinol Laryngol. 1992;101(6):540-2. 4. Fonseca I, Soares J. Epithelial-myoepithelial Carcinoma. In: Barnes L, Eveson JW, Reichart P, Sidransky D. World Health Organization Classification of Tumours, Pathologic and Genetics, Head and Neck Tumours. Lion: IARC Press; 2005. p. 225-6. 5. Simpson RH, Clarke TJ, Sarsfield PT, Gluckman PG. Epithelialmyoepithelial carcinoma of salivary glands. J Clin Pathol. 1991;44(5):419-23. Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v. 38, nº 4, p. 268 - 269, outubro/ novembro / dezembro 2009 269