TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO AMAZONAS Gabinete do Auditor Alípio Reis Firmo Filho REINCIDÊNCIA NO DESCUMPRIMENTO DE DETERMINAÇÃO 1. Características e tipificação. 2. Ciência prévia da comunicação por parte do gestor faltoso. 3. Tempo razoável entre a data que o responsável tomou ciência da comunicação processual e a data em que foi verificada a reincidência infracional. 4. Perfeita correlação entre o ato infrator reincidente e aquele descrito na comunicação processual. 5. Consequências regimentais. 6. Falhas formais levam à irregularidade das contas por reincidência no descumprimento de determinação? 1 - Características e tipificação Para que a reincidência no descumprimento de determinação do Tribunal seja corretamente caracterizada, deve-se observar a concorrência de três elementos fundamentais: a) ciência prévia da comunicação processual por parte do gestor faltoso; b) tempo razoável entre a data em que o responsável tomou ciência da comunicação processual e a data em que foi verificada a reincidência infracional; e c) perfeita correlação entre o ato infrator reincidente e aquele descrito na comunicação processual. 2 - Ciência prévia da comunicação processual por parte do gestor faltoso TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO AMAZONAS Gabinete do Auditor Alípio Reis Firmo Filho O primeiro elemento exige que o gestor faltoso tome ciência da comunicação processual previamente à ocorrência da nova infração. Esse elemento é de importância vital porque é através dele que sabemos se o responsável tinha conhecimento prévio da ilicitude que veio a reincidir. É ele que, num primeiro momento, imprimirá gravidade à conduta, atraindo as consequências jurídicas do ato infrator, conforme veremos mais adiante. Em outras palavras, ao tornar a praticar uma ilicitude - nada obstante ter sido advertido em data anterior - o responsável acaba negando a jurisdição do Tribunal. É como se ele deixasse de reconhecer explicitamente a existência (sobre si) de um órgão constitucionalmente amparado cuja atividade reside precipuamente em coibir a prática de atos infratores (como os por ele praticados). Portanto, ao reincidir é como se o responsável sinalizasse que não reconhece o controle exercido sobre sua atuação, tanto é assim que pouco se importa em cumprir a determinação emanada. Para ele ela é indiferente. Daí a gravidade do ato reincidente. Questão interessante reside em se saber se para a configuração desse requesito – ciência prévia – haja a necessidade de o gestor faltoso tiver sido advertido em outra oportunidade. Para responder a essa questão, dois esclarecimentos se fazem necessários. Em primeiro lugar, deve-se salientar que o ilícito exige apenas a ciência institucional na pessoa do responsável. Nesse sentido, é indiferente se ele tiver participado ou não de alguma advertência anterior envolvendo ilícito de mesma natureza. Exemplifiquemos. Em um ano qualquer, constatou-se a configuração de determinada irregularidade na administração de um certo gestor. Após, foi ele notificado para que evitasse novas faltas no futuro. Ocorre que no ano subsequente foi constatada a mesma irregularidade, mas já sob a administração de um novo gestor, pois o administrador anteriormente notificado já não mais estava à frente da função pública. Questiona-se: é possível caracterizar essa segunda infração como reincidente, já que o segundo administrador faltoso era diverso do primeiro? Sem dúvida. A ciência prévia aqui referida deverá ser caracterizada em relação ao órgão ou entidade faltoso e não quanto à pessoa do administrador faltoso. Esta é, aliás, a linha de entendimento adotada pelo Tribunal de Contas da União, conforme poderemos ver em inúmeros julgados (Acórdão n. 22/2002-Plenário; TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO AMAZONAS Gabinete do Auditor Alípio Reis Firmo Filho Acórdão n. 09/2007-Primeira Câmara; Acórdão n. 14/1996-Plenário, dentre outros). Ademais, não fosse essa a interpretação, não faria sentido o disposto no art. 24 da Lei nº 2.423/961, verbis: Art. 24 - Quando julgar as contas regulares com ressalva, o Tribunal de Contas dará quitação ao responsável e lhe determinará, ou a quem lhe haja sucedido, a adoção de medidas necessárias à correção das impropriedades ou faltas identificadas de modo a prevenir a ocorrência de outras semelhantes (destacamos) É esse propósito de prevenção que o dispositivo pretende incutir naqueles que estão à frente da administração pública. Com efeito, ao assumir determinada função pública caberá a cada administrador buscar cientificar-se das demandas provenientes do órgão de controle externo, a fim de adotar “medidas necessárias à correção das impropriedades ou faltas identificadas”. É em razão desse comportamento, aliás, que a reincidência no descumprimento de determinação, feita em processo de prestação ou tomada de contas anterior, leva à irregularidade das contas, conforme dispõe o § 1º, inciso III, do art. 22 do referido Diploma legal, conforme comentaremos mais a seguir. O rigor é mais aparente que real. Na verdade, esse dispositivo visa a coibir comportamentos que revelam completo desleixo para com a coisa pública. Dessa forma, o novo administrador vincula-se irremediavelmente à administração de seus antecessores e também em relação a ela será avaliado. Um outro aspecto merece ser destacado. A tipificação do ilícito consiste na “reincidência no descumprimento de determinação”. Alguém menos desavisado poderia concluir que o dispositivo autoriza o descumprimento, por uma primeira vez, de eventual determinação formulada pelo Tribunal. Apenas o segundo descumprimento é que seria sancionado já que o dispositivo faz uso do termo “reincidência”. Em desfavor dessa linha de raciocínio, contudo, trazemos a excelente exegese proferida pelo Excelentíssimo Senho Ministro Homero Santos, agasalhado pelo Plenário do Tribunal de Contas da União, e materializado no Acórdão nº 153/1995. Lembro que o dispositivo em análise é reproduzido, ipisis litteris, nas leis orgânicas de vários Tribunais de Contas de nosso País, inclusive, na Lei 1 Lei Orgânica do TCE/AM. TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO AMAZONAS Gabinete do Auditor Alípio Reis Firmo Filho Orgânica do Tribunal de Contas do Estado do Amazonas2. A análise fixa claramente o alcance e o sentido da disposição dissipando eventuais dúvidas a respeito, verbis: "Art. 58 O Tribunal poderá aplicar multa de até Cr$ 42.000.000,00 (quarenta e dois milhões de cruzeiros), ou valor equivamente em outra moeda que venha a ser adotada como moeda nacional, aos responsáveis por: ............................................................... VII - reincidência no descumprimento de determinação do Tribunal. § 1º. Ficará sujeito à multa prevista no caput deste artigo aquele que deixar de dar cumprimento à decisão do Tribunal, salvo motivo justificado." A interpretação puramente literal das disposições legais acima transcritas conduziria a situações em que, a primeiro, estaria permitida a inobservância de deliberação desta Corte de Contas, por uma vez, e, a segundo, não haveria qualquer distinção entre os referidos textos, podendo ser aplicados de forma indistinta. Ora, é notório que a simples interpretação literal não fornece, na maioria das vezes, o verdadeiro sentido da norma, de maneira a identificar-se a vontade do legislador apenas na letra de cada um de seus dispositivos. Na lição do jurisconsulto Alípio Silveira, em sua obra Hermenêutica no Direito Brasileiro, a interpretação das leis encerra "uma síntese de vários processos afins", não sendo suficiente "fixar o sentido literal das palavras, porque quase sempre esse sentido não coincide com o sentido profundo", tratando-se, sim, "de uma investigação penetrante, que exige o emprego de uma lógica formal, íntima, para que as palavras possam revelar seu verdadeiro sentido, em face da realidade social regulada pelo legislador". Arrimado nessa linha da doutrina hermenêutica, em que se interpreta a lei segundo seus fins (método teleológico), e, ainda, na noção da "lógica do razoável", impõe-se que se procure o alcance do disposto no inciso VII e no § 1º do art. 58 da Lei Orgânica, dentro do contexto da própria norma legal e da finalidade real para a qual foi editada. Em tais 2 Art. 54 - O Tribunal poderá aplicar multa de até R$ 14.894,73 (quatorze mil, oitocentos e noventa e quatro reais e setenta e três centavos), ou valor equivalente em outra moeda que venha a ser adotada como moeda nacional, aos responsáveis por: (...) VII - reincidência no descumprimento de determinação do Tribunal. TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO AMAZONAS Gabinete do Auditor Alípio Reis Firmo Filho circunstâncias, não há como subsistir o pensamento de que o responsável teria de desobedecer a decisão do Tribunal, pela segunda vez, para que lhe fosse aplicada a sanção devida. Esse raciocínio importaria, em última análise, em tornar letra morta a deliberação original, o que, de maneira alguma, pode ser aceito, pois não representaria a intenção do legislador, à vista das competências constitucionalmente atribuídas a esta Corte de Contas, notadamente aquela constante do inciso VIII, art. 71, da Carta Magna, "in verbis": "VIII - aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário;" Na minha concepção, a reincidência a que se reporta o mencionado inciso VII está ligada ao aspecto da prática da falha/irregularidade pelo responsável, não obstante a determinação expedida pelo Tribunal, com o intuito de prevenir ocorrências semelhantes, ou seja, exemplificativamente: constatada a ilegalidade, ilegitimidade e antieconomicidade dos atos de gestão e das despesas deles decorrentes, quando da fiscalização, e dirigida ao órgão/entidade a determinação respectiva, caberá a cominação de multa ao gestor, no caso de ser verificada a incidência novamente de falha/irregularidade de mesma natureza, posteriormente à deliberação ocorrida. A situação evidenciada nestes autos demonstra cabalmente a hipótese que acabo de reproduzir, pois a Universidade Federal do Ceará, na pessoa de seu Reitor à época da ocorrência, descumpriu uma determinação que foi endereçada àquela Entidade, tendo praticado o ato, anteriormente inquinado, pela segunda vez. A exegese dada ao referido dispositivo da Lei Orgânica afasta o entendimento defendido pelo Titular da SECEX/CE de que a reincidência estaria caracterizada quando também ocorresse o descumprimento de determinação, independentemente do fato gerador, pois, conforme já dito, e se torna imperioso repisar, a reincidência está vinculada à prática renovada de ato, que já foi objeto de determinação, visando à correção das impropriedades/irregularidades identificadas. Por outro lado, o disposto no § 1º do art. 58 difere, a meu ver, do contido no inciso VII, acima discutido, porquanto se refere a decisões pontuais, em que o Tribunal determina que se tome medidas específicas, geralmente mediante a fixação de prazo para o seu cumprimento. Não se trata, portanto, de determinação que objetiva prevenir a ocorrência de atos semelhantes, em oportunidade futura, mas, sim, de deliberação que impõe a adoção de providências efetivas, no intuito de regularizar uma situação específica ou fornecer dados para atender uma TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO AMAZONAS Gabinete do Auditor Alípio Reis Firmo Filho necessidade esporádica, cujos resultados serão dados a conhecer ao Tribunal. Nesse caso, apenas na hipótese de motivo justificado para o não cumprimento da decisão, é que esta Casa poderá dispensar a aplicação de multa ao Responsável. À vista dessas considerações, e retornando ao exame da questão suscitada neste processo, entendo, conforme já consignado anteriormente, que, diante do descumprimento da determinação dirigida à UFC, na assentada de 09.11.94, cabe aplicar ao Responsável, à época da publicação do Edital da Concorrência nº 01/95, a multa prevista no art. 58, inciso VII, da Lei nº 8.443/92. Consigno, outrossim, quanto aos elementos encaminhados pela firma Mundialtur, que as informações ali consignadas revestem-se mais de característica de denúncia do que propriamente de Representação, tendo em vista que, a rigor, a citada firma não representou ao Tribunal contra irregularidade na aplicação da Lei nº 8.666/93, conforme o disposto em seu art. 113, § 1º, ao contrário, não fez qualquer menção àquela norma legal, trazendo, sim, ao conhecimento desta Casa o descumprimento pela Universidade de decisão proferida pelo Plenário. De outra parte, e na linha do entendimento adotado na mencionada Sessão Plenária de 09.11.94, de que a inclusão das referidas cláusulas no Edital respectivo não é motivo bastante para que se tome medidas efetivas e enérgicas com vistas à imediata regularização, considero cabível à espécie determinar à Entidade que não prorrogue o prazo de vigência do contrato celebrado com a firma vencedora do citado certame. Ante o exposto, e acolhendo, em parte, a conclusão dos pareceres, VOTO por que se adote o Acórdão que ora submeto a este Plenário”. (destacamos) Portanto, como bem consignou o Eminente Relator, o ato infracional reincidente deverá ser considerado em relação à prática irregular constatada nas inspeções e auditorias e não a partir da primeira determinação encaminhada pela Corte de Contas. 3 - Tempo razoável entre a data em que o responsável tomou ciência da comunicação processual e a data em que foi verificada a reincidência infracional TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO AMAZONAS Gabinete do Auditor Alípio Reis Firmo Filho O segundo dos elementos apontados é mais uma exigência do princípio da razoabilidade do que propriamente um requisito legal. Não soa como razoável exigir-se do gestor público o cumprimento de determinações veiculadas pela Corte de Contas quando não houver tempo hábil para que ele as efetive. Ilustremos com um caso concreto. Um determinado gestor teve suas contas julgadas regulares com ressalva em dezembro de um ano qualquer. Na ocasião, foram feitas determinações a ele para que não viesse a reincidir na prática de falhas formais, sob pena de as contas subsequentes virem a ser tidas como irregulares. A comunicação das determinações ocorreu no dia 15/02 do exercício seguinte. Ocorre que no dia 18/02 a unidade veio a sofrer uma fiscalização por parte da Corte de Contas, onde foi constatada a ocorrência de falhas formais idênticas àquelas comunicadas ao gestor. Questionamos: devemos considerá-lo como reincidente? Acreditamos que não. A nosso ver, em tais condições, não houve tempo razoável para que o responsável implementasse as determinações. Entendemos que seria de rigor excessivo exigir-se do administrador público o cumprimento das determinações em situações como estas. Haveria um interstício temporal que pudesse ser considerado como razoável? Respondemos: cada caso deverá ser analisado individualmente. Há situações e situações, tudo a depender da natureza das determinações proferidas e do contexto em que elas devam ser colocadas em prática pelo responsável. Nesse sentido, há alguns fatores que deverão ser levados em consideração: A – distância entre a unidade de comando (destinatária da determinação emanada da Corte de Contas) e a unidade administrativa responsável por sua efetivação (destinatária do “cumpra-se”, proveniente da unidade de comando): para ser configurada a irregularidade é de fundamental importância que se tenha em conta esta importante variável. Assim, se a distância entre estas duas unidades for pequena e, nada obstante, a determinação não tiver sido cumprida, cremos que ambas as unidades são passíveis de responsabilização pelo não cumprimento. A unidade de comando por culpa in vigilando em relação à ordem não cumprida; a unidade administrativa em razão de sua omissão frente a um comando proferido por seu superior. Esse contexto poderá mudar significativamente, entretanto, quando o problema ocorrer no seio das administrações públicas de grande porte, a exemplo das unidades integrantes do poder executivo estadual e as prefeituras municipais das capitais. Aqui, a complexidade da estrutura TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO AMAZONAS Gabinete do Auditor Alípio Reis Firmo Filho governamental deverá ser considerada para fins de responsabilização desse ou daquele gestor. Isso não significa dizer que tais responsáveis estarão imunes ao crivo dos organismos de controle. Em absoluto. O que defendemos é que a imputação de uma eventual falta não poderá perder de vista essa particularidade. A razão, para tanto, reside no fato de existirem diversas unidades intermediárias entre a unidade de comando e aquela responsável pelo cumprimento do que foi determinado. Haverá, por assim dizer, uma multiplicidade de divisões, departamentos ou coordenações entre a unidade de destino e a de comando que poderão contribuir decisivamente para que se frustre tanto a ordem emanada por esta última como o seu implemento por parte da primeira. B – unidade responsável pela implementação da determinação: se a unidade de comando for, ao mesmo tempo, a unidade responsável pela execução da determinação proferida pela Corte de Contas certamente que não haverá motivo algum para a demora em sua implementação. Nesse caso, a unidade de comando não dependerá de nenhuma outra unidade para proceder ao cumprimento do que lhe foi determinado. C – inércia da unidade de comando em adotar providências para o fiel cumprimento da determinação da Corte de Cortas: antes mesmo de ser considerada a configuração das situações anteriormente descritas, existirá sempre a possibilidade de haver inércia por parte da unidade de comando em adotar providências visando a cumprir o que lhe foi determinado pela Corte de Contas. Desta feita, ainda que se trate de uma administração dotada de estrutura complexa o que, conforme dissemos, poderá servir como uma variável atenuante na imputação de eventuais responsabilidades, é possível que venha a se configurar a inércia do gestor. Nesta hipótese, a complexidade da estrutura organizacional pela qual ele responde pouco ajudará na redução ou mesmo na supressão de sua responsabilidade. Nas situações “2” e “3” acima, não resta dúvida que a unidade de comando sofrerá as consequências pelo descumprimento da determinação (julgamento pela irregularidade de suas contas, multa). Configurada a situação “1”, o processo de responsabilização deverá se pautar pela maior ou menor complexidade da estrutura administrativa analisada, conforme comentamos. É evidente que nesta hipótese também as unidades intermediárias serão chamadas a apresentar justificativas, desde que concorrerem para o inadimplemento. TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO AMAZONAS Gabinete do Auditor Alípio Reis Firmo Filho Em suma, não se apresenta como tarefa fácil a imputação de responsabilidades pela reincidência no descumprimento de determinação. Cada caso deverá ser analisado isoladamente, a fim de que se evite excessos. Todavia, desde que observadas as cautelas necessárias, o rigor na aplicação do comando normativo deverá incidir com todo o seu conteúdo sobre a prática irregular evitando-se, dessa forma, sua perpetuação. Os fatores aqui alinhados poderão servir de parâmetros para se estabelecer um tempo razoável no cumprimento das ordens emanadas pelas Cortes de Contas. 4 - Perfeita correlação entre o ato infrator reincidente e aquele descrito na comunicação processual. É imprescindível que a nova falta tenha perfeita correlação com aquela já censurada pela Corte de Contas. Desta feita, se foi determinado que a unidade não mais fracione despesas, o ato infrator reincidente deve revestir-se exatamente desta característica. É evidente que antes de se tomar qualquer medida decorrente do ato faltoso (aplicação de multa e/ou julgamento pela irregularidade das contas) é imprescindível a oitiva do responsável, a fim de lhe oferecer o direito ao contraditório e à ampla defesa. Não justificada a prática reincidente então se ultimará as medidas necessárias. 5 - Consequências regimentais A reincidência no descumprimento de determinação do Tribunal faz incidir sobre o responsável a multa prevista na alínea “b”, inciso III, do art. 308 do RI/TCE-AM3. Todavia, se a determinação tiver sido veiculada em processo de prestação ou tomada de contas anterior, o comportamento faltoso ocasionará, adicionalmente, o julgamento pela irregularidade das contas, conforme dispõe a alínea “e”, inciso III, do parágrafo primeiro, do art. 188 do RI/TCE-AM. Porém, para melhor compreensão do alcance de tais dispositivos faz-se necessário alguns esclarecimentos. 3 Dez a vinte por cento do valor fixado no caput do art. 308 do RI/TCE-AM. TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO AMAZONAS Gabinete do Auditor Alípio Reis Firmo Filho Note-se que a reincidência pode provocar duas consequências jurídicas relevantes, sendo uma na avaliação das contas anuais e outra em grau de sanção. Dissemos “pode” porque não é toda e qualquer reincidência que ocasiona a irregularidade das contas, mas unicamente se a determinação descumprida houver nascido na avaliação de um processo de prestação ou tomada de contas referente a um exercício anterior. Esse aspecto é deveras importante já que se constitui numa condição sine qua non para a reprovabilidade das contas anuais em avaliações futuras. A dúvida é saber por que o legislador não elegeu idêntido tratamento à aplicação da multa regimental. A resposta é simples. Boa parte dos regimentos internos dos Tribunais de Contas em nosso País foram inspirados em normas regimentais provenientes de organismos de controle externo que adotam duas categorias de processos: um processo de contas anuais e um processo de fiscalização. O processo de contas anuais, conforme todos sabemos, são processos nascidos no âmbito das unidades jurisdicinadas; por elas são constituídos e posteriormente encaminhados ao Tribunal de Contas respectivo para julgamento4. Já os processos de fiscalização, diversamente, nascem no interior das Cortes de Contas e têm origem nas auditorias e inspeções por elas realizadas5. Muito embora os processos de fiscalizacão possuam ritos processuais próprios e autônomos, movimentam-se sempre em direção ao processo de contas anuais – processo principal -, já que a massa de informações neles depositadas servirão como subsídio na avaliação destas últimas. Ora, da mesma forma que nos processos de contas anuais, também nos processos de fiscalização haverão sempre pontos controvertidos que deverão ser levados ao conhecimento dos responsáveis para a apresentação de justificaivas, mediante os institutos do contraditório e da ampla defesa. Sendo assim, caso se verifique em tais processos alguma irregularidade configuradora da prática de reincidência no descumprimento de determinação (do Tribunal), haverá a incidência da sanção prevista na na alínea “b”, inciso III, do art. 308 do RI/TCEAM, pouco importando se o seu destinatário tiver tido ciência da determinação num processo de contas anterior ou num processo de fiscalização outrora realizada. A incidência do dispositivo é, portanto, imediata bastando, para tanto, que o ato infrator subsuma-se inteiramente à previsão regimental. 4 5 Os processos de contas anuais são regulados nos arts. 182/194 no RI/TCE-AM. Em nosso Regimento Interno as fiscalizações estão previstas no art. 201. TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO AMAZONAS Gabinete do Auditor Alípio Reis Firmo Filho Por outro lado, as contas não poderão ser reprovadas em razão de reincidência no descumprimento de determinação de que o responsável tenha tido ciência, feita em processo de fiscalização, ainda que esta tenha sido realizada em período anterior. Em tais condições, a irregularidade das contas poderé ser sustentada, mas não por força da reincidência, mas por ter sido verificada nas contas qualquer das ocorrências tipificadas nas alíneas “a” a “e” do inciso III, § 1º, do art. 188 do RI/TCE-AM c/c alíneas “a” a “d” do inciso III do art. 22 e seu parágrafo primeiro, todos da Lei Orgânica do TCE-AM6. 6 - Falhas formais levam à irregularidade das contas por reincidência no descumprimento de determinação? Esta é uma dúvida que poderia ser suscitada diante de algum caso concreto. As falhas formais ocorridas num exercício e objeto de determinação veiculada em processos de prestação de contas anuais, teriam a robustez necessária para sustentar uma eventual proposta de julgamento pela irregularidade das contas anuais? Respondemos afirmativamente. E o fazemos arrimado na Jurisprudência do Tribunal de Contas da União que, ao proferir o Acórdão n. 70/2000 através de sua Egrégia Primeira Câmara, concluiu nesse sentido, conforme entendimento do Excelentíssimo Ministro-Relator Humberto Souto, verbis: “Foi alertado à entidade, ao comunicar-se a decisão sobre as contas de 1996, da previsão de julgamento pela irregularidade das contas em caso de reincidência no descumprimento de determinação feita em processo de tomada de contas (artigo 16, § 1º, da Lei nº 8.443/1992 - ver item 3.2 da instrução). Na oportunidade, algumas impropriedades e/ou falhas consideradas de natureza formal eram reincidentes das contas de 1995: os relatórios de bens móveis, de bens imóveis e de bens intangíveis não haviam sido elaborados; havia falhas nos registros do controle do almoxarifado; os termos de responsabilidade sobre os bens móveis não haviam sido elaborados - sendo alvo de nova determinação. No mesmo sentido, o relatório de auditoria juntado às contas apontou que 6 Lei n. 2.423/1996. TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO AMAZONAS Gabinete do Auditor Alípio Reis Firmo Filho o inventário anual dos bens móveis não fora feito e os respectivos termos de responsabilidade eram desatualizados, muitos sem assinatura, atentando-se abranger somente o primeiro quadrimestre do exercício (sua fl. 08). Então as alegações do responsável indicaram a entidade providenciando a respeito do inventário, e quanto aos termos de responsabilidade "Poucas chefias na área de atividade fim, aceitaram assinar os relatórios, alegando a falta de chefias de direito e que em vários turnos, vários servidores manuseiam os materiais." (sua fl. 56). Agora é o relatório do Controle Interno arrolando diversas impropriedades em relação ao almoxarifado, mostrando persistirem as falhas nos registros do seu controle (fls. 65 a 71 e 83) e os termos de responsabilidade ainda pendentes. A regra indica que se deva propor a irregularidade destas contas? Parece-me que sim, posto tratar-se de determinações feitas nas contas de 1995, que não foram cumpridas em 1996, sendo renovadas nas contas desse último exercício, e que caracterizando-se, novamente S.M.J., a não alertada foram cumpridas, reincidência no descumprimento de determinação, feitas em processo de tomada de contas. No entanto, pesam no presente processo e demais examinados alegações calcadas na inexistência de estrutura formal, o hospital de referência e de alto risco, onde trabalham em prol da saúde pública mais de 1000 pessoas, a depender de colaboradores” (grifamos) De se observar, apenas, que a caracterização do descumprimento de determinação feita em processo de contas anuais não requer que a mesma seja renovada nas contas do exercício subsequente, consoante ocorreu no caso julgado pela Corte de Contas federal. Para tanto, bastará que haja apenas uma determinação veiculada em contas anuais pretérita para que o dispositivo surta os efeitos desejados, qual seja, sua avaliação pela irregularidade. ALIPIO REIS FIRMO FILHO Auditor Substituto de Conselheiro – TCE/AM