TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO AMAZONAS
Gabinete do Auditor Alípio Reis Firmo Filho
REINCIDÊNCIA NO DESCUMPRIMENTO DE DETERMINAÇÃO
1. Características e tipificação. 2. Ciência
prévia da comunicação por parte do gestor
faltoso. 3. Tempo razoável entre a data que o
responsável tomou ciência da comunicação
processual e a data em que foi verificada a
reincidência infracional. 4. Perfeita correlação
entre o ato infrator reincidente e aquele
descrito na comunicação processual. 5.
Consequências regimentais. 6. Falhas formais
levam à irregularidade das contas por
reincidência
no
descumprimento
de
determinação?
1 - Características e tipificação
Para que a reincidência no descumprimento de determinação do
Tribunal seja corretamente caracterizada, deve-se observar a concorrência de
três elementos fundamentais:
a) ciência prévia da comunicação processual por parte do gestor faltoso;
b) tempo razoável entre a data em que o responsável tomou ciência da
comunicação processual e a data em que foi verificada a reincidência
infracional; e
c) perfeita correlação entre o ato infrator reincidente e aquele descrito na
comunicação processual.
2 - Ciência prévia da comunicação processual por parte do gestor faltoso
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O primeiro elemento exige que o gestor faltoso tome ciência da
comunicação processual previamente à ocorrência da nova infração. Esse
elemento é de importância vital porque é através dele que sabemos se o
responsável tinha conhecimento prévio da ilicitude que veio a reincidir. É ele
que, num primeiro momento, imprimirá gravidade à conduta, atraindo as
consequências jurídicas do ato infrator, conforme veremos mais adiante.
Em outras palavras, ao tornar a praticar uma ilicitude - nada obstante ter
sido advertido em data anterior - o responsável acaba negando a jurisdição do
Tribunal. É como se ele deixasse de reconhecer explicitamente a existência
(sobre si) de um órgão constitucionalmente amparado cuja atividade reside
precipuamente em coibir a prática de atos infratores (como os por ele
praticados). Portanto, ao reincidir é como se o responsável sinalizasse que não
reconhece o controle exercido sobre sua atuação, tanto é assim que pouco se
importa em cumprir a determinação emanada. Para ele ela é indiferente. Daí a
gravidade do ato reincidente.
Questão interessante reside em se saber se para a configuração desse
requesito – ciência prévia – haja a necessidade de o gestor faltoso tiver sido
advertido em outra oportunidade. Para responder a essa questão, dois
esclarecimentos se fazem necessários.
Em primeiro lugar, deve-se salientar que o ilícito exige apenas a ciência
institucional na pessoa do responsável. Nesse sentido, é indiferente se ele tiver
participado ou não de alguma advertência anterior envolvendo ilícito de mesma
natureza. Exemplifiquemos.
Em um ano qualquer, constatou-se a configuração de determinada
irregularidade na administração de um certo gestor. Após, foi ele notificado
para que evitasse novas faltas no futuro. Ocorre que no ano subsequente foi
constatada a mesma irregularidade, mas já sob a administração de um novo
gestor, pois o administrador anteriormente notificado já não mais estava à
frente da função pública. Questiona-se: é possível caracterizar essa segunda
infração como reincidente, já que o segundo administrador faltoso era diverso
do primeiro? Sem dúvida.
A ciência prévia aqui referida deverá ser caracterizada em relação ao
órgão ou entidade faltoso e não quanto à pessoa do administrador faltoso. Esta
é, aliás, a linha de entendimento adotada pelo Tribunal de Contas da União,
conforme poderemos ver em inúmeros julgados (Acórdão n. 22/2002-Plenário;
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Acórdão n. 09/2007-Primeira Câmara; Acórdão n. 14/1996-Plenário, dentre
outros). Ademais, não fosse essa a interpretação, não faria sentido o disposto
no art. 24 da Lei nº 2.423/961, verbis:
Art. 24 - Quando julgar as contas regulares com ressalva, o Tribunal
de Contas dará quitação ao responsável e lhe determinará, ou a
quem lhe haja sucedido, a adoção de medidas necessárias à
correção das impropriedades ou faltas identificadas de modo a
prevenir a ocorrência de outras semelhantes (destacamos)
É esse propósito de prevenção que o dispositivo pretende incutir
naqueles que estão à frente da administração pública. Com efeito, ao assumir
determinada função pública caberá a cada administrador buscar cientificar-se
das demandas provenientes do órgão de controle externo, a fim de adotar
“medidas necessárias à correção das impropriedades ou faltas identificadas”. É
em razão desse comportamento, aliás, que a reincidência no descumprimento
de determinação, feita em processo de prestação ou tomada de contas
anterior, leva à irregularidade das contas, conforme dispõe o § 1º, inciso III, do
art. 22 do referido Diploma legal, conforme comentaremos mais a seguir. O
rigor é mais aparente que real. Na verdade, esse dispositivo visa a coibir
comportamentos que revelam completo desleixo para com a coisa pública.
Dessa forma, o novo administrador vincula-se irremediavelmente à
administração de seus antecessores e também em relação a ela será avaliado.
Um outro aspecto merece ser destacado.
A tipificação do ilícito consiste na “reincidência no descumprimento de
determinação”. Alguém menos desavisado poderia concluir que o dispositivo
autoriza o descumprimento, por uma primeira vez, de eventual determinação
formulada pelo Tribunal. Apenas o segundo descumprimento é que seria
sancionado já que o dispositivo faz uso do termo “reincidência”. Em desfavor
dessa linha de raciocínio, contudo, trazemos a excelente exegese proferida
pelo Excelentíssimo Senho Ministro Homero Santos, agasalhado pelo Plenário
do Tribunal de Contas da União, e materializado no Acórdão nº 153/1995.
Lembro que o dispositivo em análise é reproduzido, ipisis litteris, nas leis
orgânicas de vários Tribunais de Contas de nosso País, inclusive, na Lei
1
Lei Orgânica do TCE/AM.
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Orgânica do Tribunal de Contas do Estado do Amazonas2. A análise fixa
claramente o alcance e o sentido da disposição dissipando eventuais dúvidas a
respeito, verbis:
"Art. 58 O Tribunal poderá aplicar multa de até Cr$
42.000.000,00 (quarenta e dois milhões de cruzeiros), ou valor
equivamente em outra moeda que venha a ser adotada como
moeda
nacional,
aos
responsáveis
por:
...............................................................
VII - reincidência no descumprimento de determinação do
Tribunal.
§ 1º. Ficará sujeito à multa prevista no caput deste artigo
aquele que deixar de dar cumprimento à decisão do Tribunal,
salvo motivo justificado."
A interpretação puramente literal das disposições legais
acima transcritas conduziria a situações em que, a primeiro,
estaria permitida a inobservância de deliberação desta Corte de
Contas, por uma vez, e, a segundo, não haveria qualquer
distinção entre os referidos textos, podendo ser aplicados de
forma indistinta. Ora, é notório que a simples interpretação
literal não fornece, na maioria das vezes, o verdadeiro sentido
da norma, de maneira a identificar-se a vontade do legislador
apenas na letra de cada um de seus dispositivos. Na lição do
jurisconsulto Alípio Silveira, em sua obra Hermenêutica no
Direito Brasileiro, a interpretação das leis encerra "uma síntese
de vários processos afins", não sendo suficiente "fixar o sentido
literal das palavras, porque quase sempre esse sentido não
coincide com o sentido profundo", tratando-se, sim, "de uma
investigação penetrante, que exige o emprego de uma lógica
formal, íntima, para que as palavras possam revelar seu
verdadeiro sentido, em face da realidade social regulada pelo
legislador". Arrimado nessa linha da doutrina hermenêutica, em
que se interpreta a lei segundo seus fins (método teleológico),
e, ainda, na noção da "lógica do razoável", impõe-se que se
procure o alcance do disposto no inciso VII e no § 1º do art. 58
da Lei Orgânica, dentro do contexto da própria norma legal e
da finalidade real para a qual foi editada. Em tais
2
Art. 54 - O Tribunal poderá aplicar multa de até R$ 14.894,73 (quatorze mil, oitocentos e
noventa e quatro reais e setenta e três centavos), ou valor equivalente em outra moeda
que venha a ser adotada como moeda nacional, aos responsáveis por:
(...)
VII - reincidência no descumprimento de determinação do Tribunal.
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circunstâncias, não há como subsistir o pensamento de que o
responsável teria de desobedecer a decisão do Tribunal, pela
segunda vez, para que lhe fosse aplicada a sanção devida.
Esse raciocínio importaria, em última análise, em tornar letra
morta a deliberação original, o que, de maneira alguma, pode
ser aceito, pois não representaria a intenção do legislador, à
vista das competências constitucionalmente atribuídas a esta
Corte de Contas, notadamente aquela constante do inciso VIII,
art. 71, da Carta Magna, "in verbis": "VIII - aplicar aos
responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou
irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que
estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao
dano causado ao erário;" Na minha concepção, a reincidência
a que se reporta o mencionado inciso VII está ligada ao
aspecto da prática da falha/irregularidade pelo responsável,
não obstante a determinação expedida pelo Tribunal, com o
intuito de prevenir ocorrências semelhantes, ou seja,
exemplificativamente: constatada a ilegalidade, ilegitimidade e
antieconomicidade dos atos de gestão e das despesas deles
decorrentes, quando da fiscalização, e dirigida ao
órgão/entidade a determinação respectiva, caberá a cominação
de multa ao gestor, no caso de ser verificada a incidência
novamente de falha/irregularidade de mesma natureza,
posteriormente à deliberação ocorrida. A situação evidenciada
nestes autos demonstra cabalmente a hipótese que acabo de
reproduzir, pois a Universidade Federal do Ceará, na pessoa
de seu Reitor à época da ocorrência, descumpriu uma
determinação que foi endereçada àquela Entidade, tendo
praticado o ato, anteriormente inquinado, pela segunda vez. A
exegese dada ao referido dispositivo da Lei Orgânica afasta o
entendimento defendido pelo Titular da SECEX/CE de que a
reincidência estaria caracterizada quando também ocorresse o
descumprimento de determinação, independentemente do fato
gerador, pois, conforme já dito, e se torna imperioso repisar, a
reincidência está vinculada à prática renovada de ato, que já foi
objeto de determinação, visando à correção das
impropriedades/irregularidades identificadas. Por outro lado, o
disposto no § 1º do art. 58 difere, a meu ver, do contido no
inciso VII, acima discutido, porquanto se refere a decisões
pontuais, em que o Tribunal determina que se tome medidas
específicas, geralmente mediante a fixação de prazo para o
seu cumprimento. Não se trata, portanto, de determinação que
objetiva prevenir a ocorrência de atos semelhantes, em
oportunidade futura, mas, sim, de deliberação que impõe a
adoção de providências efetivas, no intuito de regularizar uma
situação específica ou fornecer dados para atender uma
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necessidade esporádica, cujos resultados serão dados a
conhecer ao Tribunal. Nesse caso, apenas na hipótese de
motivo justificado para o não cumprimento da decisão, é que
esta Casa poderá dispensar a aplicação de multa ao
Responsável. À vista dessas considerações, e retornando ao
exame da questão suscitada neste processo, entendo,
conforme já consignado anteriormente, que, diante do
descumprimento da determinação dirigida à UFC, na assentada
de 09.11.94, cabe aplicar ao Responsável, à época da
publicação do Edital da Concorrência nº 01/95, a multa prevista
no art. 58, inciso VII, da Lei nº 8.443/92. Consigno, outrossim,
quanto aos elementos encaminhados pela firma Mundialtur,
que as informações ali consignadas revestem-se mais de
característica de denúncia do que propriamente de
Representação, tendo em vista que, a rigor, a citada firma não
representou ao Tribunal contra irregularidade na aplicação da
Lei nº 8.666/93, conforme o disposto em seu art. 113, § 1º, ao
contrário, não fez qualquer menção àquela norma legal,
trazendo, sim, ao conhecimento desta Casa o descumprimento
pela Universidade de decisão proferida pelo Plenário. De outra
parte, e na linha do entendimento adotado na mencionada
Sessão Plenária de 09.11.94, de que a inclusão das referidas
cláusulas no Edital respectivo não é motivo bastante para que
se tome medidas efetivas e enérgicas com vistas à imediata
regularização, considero cabível à espécie determinar à
Entidade que não prorrogue o prazo de vigência do contrato
celebrado com a firma vencedora do citado certame. Ante o
exposto, e acolhendo, em parte, a conclusão dos pareceres,
VOTO por que se adote o Acórdão que ora submeto a este
Plenário”. (destacamos)
Portanto, como bem consignou o Eminente Relator, o ato infracional
reincidente deverá ser considerado em relação à prática irregular constatada
nas inspeções e auditorias e não a partir da primeira determinação
encaminhada pela Corte de Contas.
3 - Tempo razoável entre a data em que o responsável tomou ciência da
comunicação processual e a data em que foi verificada a reincidência
infracional
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O segundo dos elementos apontados é mais uma exigência do princípio
da razoabilidade do que propriamente um requisito legal. Não soa como
razoável exigir-se do gestor público o cumprimento de determinações
veiculadas pela Corte de Contas quando não houver tempo hábil para que ele
as efetive. Ilustremos com um caso concreto.
Um determinado gestor teve suas contas julgadas regulares com
ressalva em dezembro de um ano qualquer. Na ocasião, foram feitas
determinações a ele para que não viesse a reincidir na prática de falhas
formais, sob pena de as contas subsequentes virem a ser tidas como
irregulares. A comunicação das determinações ocorreu no dia 15/02 do
exercício seguinte. Ocorre que no dia 18/02 a unidade veio a sofrer uma
fiscalização por parte da Corte de Contas, onde foi constatada a ocorrência de
falhas formais idênticas àquelas comunicadas ao gestor. Questionamos:
devemos considerá-lo como reincidente? Acreditamos que não. A nosso ver,
em tais condições, não houve tempo razoável para que o responsável
implementasse as determinações. Entendemos que seria de rigor excessivo
exigir-se do administrador público o cumprimento das determinações em
situações como estas. Haveria um interstício temporal que pudesse ser
considerado como razoável? Respondemos: cada caso deverá ser analisado
individualmente. Há situações e situações, tudo a depender da natureza das
determinações proferidas e do contexto em que elas devam ser colocadas em
prática pelo responsável. Nesse sentido, há alguns fatores que deverão ser
levados em consideração:
A – distância entre a unidade de comando (destinatária da
determinação emanada da Corte de Contas) e a unidade administrativa
responsável por sua efetivação (destinatária do “cumpra-se”, proveniente
da unidade de comando): para ser configurada a irregularidade é de
fundamental importância que se tenha em conta esta importante variável.
Assim, se a distância entre estas duas unidades for pequena e, nada obstante,
a determinação não tiver sido cumprida, cremos que ambas as unidades são
passíveis de responsabilização pelo não cumprimento. A unidade de comando
por culpa in vigilando em relação à ordem não cumprida; a unidade
administrativa em razão de sua omissão frente a um comando proferido por
seu superior. Esse contexto poderá mudar significativamente, entretanto,
quando o problema ocorrer no seio das administrações públicas de grande
porte, a exemplo das unidades integrantes do poder executivo estadual e as
prefeituras municipais das capitais. Aqui, a complexidade da estrutura
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governamental deverá ser considerada para fins de responsabilização desse
ou daquele gestor. Isso não significa dizer que tais responsáveis estarão
imunes ao crivo dos organismos de controle. Em absoluto. O que defendemos
é que a imputação de uma eventual falta não poderá perder de vista essa
particularidade. A razão, para tanto, reside no fato de existirem diversas
unidades intermediárias entre a unidade de comando e aquela responsável
pelo cumprimento do que foi determinado. Haverá, por assim dizer, uma
multiplicidade de divisões, departamentos ou coordenações entre a unidade de
destino e a de comando que poderão contribuir decisivamente para que se
frustre tanto a ordem emanada por esta última como o seu implemento por
parte da primeira.
B – unidade responsável pela implementação da determinação:
se a unidade de comando for, ao mesmo tempo, a unidade responsável pela
execução da determinação proferida pela Corte de Contas certamente que não
haverá motivo algum para a demora em sua implementação. Nesse caso, a
unidade de comando não dependerá de nenhuma outra unidade para proceder
ao cumprimento do que lhe foi determinado.
C – inércia da unidade de comando em adotar providências para o
fiel cumprimento da determinação da Corte de Cortas: antes mesmo de ser
considerada a configuração das situações anteriormente descritas, existirá
sempre a possibilidade de haver inércia por parte da unidade de comando em
adotar providências visando a cumprir o que lhe foi determinado pela Corte de
Contas. Desta feita, ainda que se trate de uma administração dotada de
estrutura complexa o que, conforme dissemos, poderá servir como uma
variável atenuante na imputação de eventuais responsabilidades, é possível
que venha a se configurar a inércia do gestor. Nesta hipótese, a complexidade
da estrutura organizacional pela qual ele responde pouco ajudará na redução
ou mesmo na supressão de sua responsabilidade.
Nas situações “2” e “3” acima, não resta dúvida que a unidade de
comando sofrerá as consequências pelo descumprimento da determinação
(julgamento pela irregularidade de suas contas, multa). Configurada a situação
“1”, o processo de responsabilização deverá se pautar pela maior ou menor
complexidade da estrutura administrativa analisada, conforme comentamos. É
evidente que nesta hipótese também as unidades intermediárias serão
chamadas a apresentar justificativas, desde que concorrerem para o
inadimplemento.
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Em suma, não se apresenta como tarefa fácil a imputação de
responsabilidades pela reincidência no descumprimento de determinação.
Cada caso deverá ser analisado isoladamente, a fim de que se evite
excessos. Todavia, desde que observadas as cautelas necessárias, o rigor na
aplicação do comando normativo deverá incidir com todo o seu conteúdo sobre
a prática irregular evitando-se, dessa forma, sua perpetuação. Os fatores aqui
alinhados poderão servir de parâmetros para se estabelecer um tempo
razoável no cumprimento das ordens emanadas pelas Cortes de Contas.
4 - Perfeita correlação entre o ato infrator reincidente e aquele descrito na
comunicação processual.
É imprescindível que a nova falta tenha perfeita correlação com aquela
já censurada pela Corte de Contas. Desta feita, se foi determinado que a
unidade não mais fracione despesas, o ato infrator reincidente deve revestir-se
exatamente desta característica. É evidente que antes de se tomar qualquer
medida decorrente do ato faltoso (aplicação de multa e/ou julgamento pela
irregularidade das contas) é imprescindível a oitiva do responsável, a fim de
lhe oferecer o direito ao contraditório e à ampla defesa. Não justificada a
prática reincidente então se ultimará as medidas necessárias.
5 - Consequências regimentais
A reincidência no descumprimento de determinação do Tribunal faz
incidir sobre o responsável a multa prevista na alínea “b”, inciso III, do art. 308
do RI/TCE-AM3. Todavia, se a determinação tiver sido veiculada em processo
de prestação ou tomada de contas anterior, o comportamento faltoso
ocasionará, adicionalmente, o julgamento pela irregularidade das contas,
conforme dispõe a alínea “e”, inciso III, do parágrafo primeiro, do art. 188 do
RI/TCE-AM. Porém, para melhor compreensão do alcance de tais dispositivos
faz-se necessário alguns esclarecimentos.
3
Dez a vinte por cento do valor fixado no caput do art. 308 do RI/TCE-AM.
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Note-se que a reincidência pode provocar duas consequências jurídicas
relevantes, sendo uma na avaliação das contas anuais e outra em grau de
sanção. Dissemos “pode” porque não é toda e qualquer reincidência que
ocasiona a irregularidade das contas, mas unicamente se a determinação
descumprida houver nascido na avaliação de um processo de prestação ou
tomada de contas referente a um exercício anterior. Esse aspecto é deveras
importante já que se constitui numa condição sine qua non para a
reprovabilidade das contas anuais em avaliações futuras. A dúvida é saber por
que o legislador não elegeu idêntido tratamento à aplicação da multa
regimental. A resposta é simples.
Boa parte dos regimentos internos dos Tribunais de Contas em nosso
País foram inspirados em normas regimentais provenientes de organismos de
controle externo que adotam duas categorias de processos: um processo de
contas anuais e um processo de fiscalização. O processo de contas anuais,
conforme todos sabemos, são processos nascidos no âmbito das unidades
jurisdicinadas; por elas são constituídos e posteriormente encaminhados ao
Tribunal de Contas respectivo para julgamento4. Já os processos de
fiscalização, diversamente, nascem no interior das Cortes de Contas e têm
origem nas auditorias e inspeções por elas realizadas5.
Muito embora os processos de fiscalizacão possuam ritos processuais
próprios e autônomos, movimentam-se sempre em direção ao processo de
contas anuais – processo principal -, já que a massa de informações neles
depositadas servirão como subsídio na avaliação destas últimas. Ora, da
mesma forma que nos processos de contas anuais, também nos processos de
fiscalização haverão sempre pontos controvertidos que deverão ser levados ao
conhecimento dos responsáveis para a apresentação de justificaivas, mediante
os institutos do contraditório e da ampla defesa. Sendo assim, caso se verifique
em tais processos alguma irregularidade configuradora da prática de
reincidência no descumprimento de determinação (do Tribunal), haverá a
incidência da sanção prevista na na alínea “b”, inciso III, do art. 308 do RI/TCEAM, pouco importando se o seu destinatário tiver tido ciência da determinação
num processo de contas anterior ou num processo de fiscalização outrora
realizada. A incidência do dispositivo é, portanto, imediata bastando, para
tanto, que o ato infrator subsuma-se inteiramente à previsão regimental.
4
5
Os processos de contas anuais são regulados nos arts. 182/194 no RI/TCE-AM.
Em nosso Regimento Interno as fiscalizações estão previstas no art. 201.
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Por outro lado, as contas não poderão ser reprovadas em razão de
reincidência no descumprimento de determinação de que o responsável tenha
tido ciência, feita em processo de fiscalização, ainda que esta tenha sido
realizada em período anterior. Em tais condições, a irregularidade das contas
poderé ser sustentada, mas não por força da reincidência, mas por ter sido
verificada nas contas qualquer das ocorrências tipificadas nas alíneas “a” a “e”
do inciso III, § 1º, do art. 188 do RI/TCE-AM c/c alíneas “a” a “d” do inciso III do
art. 22 e seu parágrafo primeiro, todos da Lei Orgânica do TCE-AM6.
6 - Falhas formais levam à irregularidade das contas por reincidência no
descumprimento de determinação?
Esta é uma dúvida que poderia ser suscitada diante de algum caso
concreto. As falhas formais ocorridas num exercício e objeto de determinação
veiculada em processos de prestação de contas anuais, teriam a robustez
necessária para sustentar uma eventual proposta de julgamento pela
irregularidade das contas anuais? Respondemos afirmativamente. E o fazemos
arrimado na Jurisprudência do Tribunal de Contas da União que, ao proferir o
Acórdão n. 70/2000 através de sua Egrégia Primeira Câmara, concluiu nesse
sentido, conforme entendimento do Excelentíssimo Ministro-Relator Humberto
Souto, verbis:
“Foi alertado à entidade, ao comunicar-se a decisão sobre as
contas de 1996, da previsão de julgamento pela irregularidade
das contas em caso de reincidência no descumprimento de
determinação feita em processo de tomada de contas (artigo
16, § 1º, da Lei nº 8.443/1992 - ver item 3.2 da instrução). Na
oportunidade,
algumas
impropriedades
e/ou
falhas
consideradas de natureza formal eram reincidentes das contas
de 1995: os relatórios de bens móveis, de bens imóveis e de
bens intangíveis não haviam sido elaborados; havia falhas nos
registros
do
controle
do
almoxarifado;
os
termos
de
responsabilidade sobre os bens móveis não haviam sido
elaborados - sendo alvo de nova determinação. No mesmo
sentido, o relatório de auditoria juntado às contas apontou que
6
Lei n. 2.423/1996.
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o inventário anual dos bens móveis não fora feito e os
respectivos termos de responsabilidade eram desatualizados,
muitos sem assinatura, atentando-se abranger somente o
primeiro quadrimestre do exercício (sua fl. 08). Então as
alegações do responsável indicaram a entidade providenciando
a
respeito
do
inventário,
e
quanto
aos
termos
de
responsabilidade "Poucas chefias na área de atividade fim,
aceitaram assinar os relatórios, alegando a falta de chefias de
direito e que em vários turnos, vários servidores manuseiam os
materiais." (sua fl. 56). Agora é o relatório do Controle Interno
arrolando diversas impropriedades em relação ao almoxarifado,
mostrando persistirem as falhas nos registros do seu controle
(fls. 65 a 71 e 83) e os termos de responsabilidade ainda
pendentes. A regra indica que se deva propor a irregularidade
destas contas? Parece-me que sim, posto tratar-se de
determinações feitas nas contas de 1995, que não foram
cumpridas em 1996, sendo renovadas nas contas desse último
exercício,
e
que
caracterizando-se,
novamente
S.M.J.,
a
não
alertada
foram
cumpridas,
reincidência
no
descumprimento de determinação, feitas em processo de
tomada de contas. No entanto, pesam no presente processo e
demais examinados alegações calcadas na inexistência de
estrutura formal, o hospital de referência e de alto risco, onde
trabalham em prol da saúde pública mais de 1000 pessoas, a
depender de colaboradores” (grifamos)
De se observar, apenas, que a caracterização do descumprimento de
determinação feita em processo de contas anuais não requer que a mesma
seja renovada nas contas do exercício subsequente, consoante ocorreu no
caso julgado pela Corte de Contas federal. Para tanto, bastará que haja apenas
uma determinação veiculada em contas anuais pretérita para que o dispositivo
surta os efeitos desejados, qual seja, sua avaliação pela irregularidade.
ALIPIO REIS FIRMO FILHO
Auditor Substituto de Conselheiro – TCE/AM
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