BALADA, DE JOSÉ PAULO PAES E A OPRESSÃO DO EU LÍRICO
Daniela Aparecida Francisco1
RESUMO
O presente artigo recria brevemente o percurso poético de José Paulo Paes (1926 –
1998) e realiza uma interpretação de seu poema Balada. O poema faz parte do primeiro
livro do autor O aluno (1947). Pelo título sugestivo, o poema apresenta características
da balada moderna e por meio de diversos recursos linguísticos e literários constrói uma
imagem própria e que permite a produção de um original efeito de sentido. Sua
interpretação nos narra a situação de opressão vivida por este eu lírico e a maneira como
este não se sente confortável ou adaptado ao mundo real, durante determinado período
ou época.
Palavras-chave: José Paulo Paes; balada; eu lírico.
1 – José Paulo Paes: poeta
José Paulo Paes nasceu no dia 22 de julho de 1926, na cidade de Taquaritinga,
interior do estado de São Paulo. Após os primeiros estudos, mudou-se para Araçatuba,
outra cidade interiorana do estado. Tentou ingressar no curso de química na capital e
não tendo obtido êxito, no ano de 1944 muda-se para Curitiba, no Paraná, para estudar
química industrial. É nesta cidade que o poeta firma sua vocação poética, iniciando seu
convívio com escritores e artistas no Café Belas-Artes, de onde era frequentador
assíduo. No ano de 1949, o poeta volta à capital de São Paulo, exercendo a profissão de
analista químico. Nesta cidade, conhece Dora, a inspiração e a companheira de toda
uma vida.
Apesar da profissão inicial tão desligada das letras, José Paulo Paes publica
poemas, traduz obras, faz crítica literária e ensaios. Após anos na profissão de químico,
Paes abandona o emprego e inicia novo trabalho em uma editora, onde permaneceu por
mais de vinte anos. Para David Arrigucci Junior,
1
Mestranda no programa de Pós graduação em Estudos Literários da Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul, campus de Três Lagoas.
1
[...] José Paulo é um verdadeiro homem de letras, reconhecido
como tradutor, crítico e ensaísta; ganhou a vida como químico industrial e
funcionário de uma editora, e tem sido também desde sempre um autodidata,
estudioso de línguas, e um viajante, aprendiz de lugares e coisas, sobretudo
de espaços literários, que percorre incansavelmente como fervoroso leitor dos
mais variados gêneros. (ARRIGUCCI JUNIOR, 2000, p. 22).
No ano de 1947, José Paulo publica seu primeiro livro: O aluno. Este, apesar de
ser acolhido pela crítica, recebe um comentário rigoroso de Carlos Drummond de
Andrade, [...] que observa, com agudeza, o jovem poeta ainda se procurando através dos
outros, sem se encontrar dentro de si mesmo. (ARRIGUCCI JUNIOR, 2000, p. 229).
Alfredo Bosi, em relação à primeira publicação de José Paulo Paes, tece seguinte
comentário: [...] Mas de quem é aprendiz nosso aluno de 1947? De magros marginais
que fizeram da gaucherie a mola da sua mestria formal: de Carlitos, de Drummond.
(BOSI, 2003, p. 156).
Quatro anos depois do primeiro livro, em 1951, lança Cúmplices. Dez anos
depois, em 1961, Poemas reunidos. Após sua segunda obra, Paes publica com certa
regularidade: Anatomias (1967); Meia palavra (1973); Resíduo (1980); Um por todos
(1986); A poesia está morta mas juro que não fui eu (1988); Prosas seguidas de odes
mínimas (1992); A meu esmo (1995); De ontem para hoje (1996). Além dos livros de
poesia, José Paulo Paes também publicou ensaios a partir de 1957, traduções desde
1981 e poesia infanto-juvenil de 1984 em diante.
Podemos perceber que, apesar da crítica rigorosa recebida inicialmente, José
Paulo Paes continuou publicando seus poemas, sendo cada vez mais aclamado como
poeta. Segundo Arrigucci Junior, o tempo, o envelhecimento fez bem a Paes: [...] de
algum modo a experiência foi modelando o poeta, como às vezes ela faz e às vezes
desfaz. (ARRIGUCCI JUNIOR, 2000, p. 18).
No seu ensaio intitulado O livro do alquimista (2003), assim se refere Bosi a
José Paulo, após ler O aluno, publicado em 1947: [...] a face do poeta José Paulo Paes
começava então a compor-se. Leio e releio cada poema. O que percebo é a forja de uma
dicção que vai crescendo, lenta e segura, em torno dos polos: existência e destruição,
desejo e crítica, prazer e nada. (BOSI, 2003, p. 156).
José Paulo Paes, desde a publicação de seu primeiro livro em 1947, vem
conquistando seus espaço na literatura brasileira. Podemos observar a importância da
obra do poeta, pelo comentário abaixo:
2
[...] Pode-se ler a poesia de José Paulo Paes, breve e aguda a
cada lance em sua tendência constante ao epigrama, como se formasse um
só cancioneiro da vida toda de um homem que respondeu com poemas aos
apelos do mundo e de sua existência interior. (ARRIGUCCI JUNIOR,
2000, p. 7).
O poeta e ensaísta já plenamente reconhecido faleceu no dia nove de outubro de
1998, aos 72 anos, vítima de um edema agudo no pulmão.
2 – Balada, de José Paulo Paes
O poema foi publicado no primeiro livro, O aluno (1947) e, para Arrigucci
Junior, esta composição, assim como alguns outros poemas de Paes, possui [...] aquele
jeito peculiar dele de exprimir o sentimento do esforço inútil, a angústia meditativa, o ar
de perplexidade. (ARRIGUCCI JUNIOR, 2000, p. 8).
Para melhor contextualizar o poema e mesmo para precisar nossa compreensão,
é importante refletir que, embora faça parte de livro publicado em 1947, dois anos após
o fim do Estado Novo, o regime ditatorial e opressivo de Getúlio Vargas (1882-1954) e
da Segunda Guerra Mundial, possivelmente o poema foi escrito durante a vigência
destes dois fenômenos que contribuíam para o clima de desesperança e de descrença na
existência de qualquer traço de humanidade ou solidariedade entre os homens. De tal
maneira que a paisagem e a alma desoladas do poeta (do eu lírico) possivelmente
retratem este clima existencial e político que dominava a cena cultural brasileira. Neste
sentido, podemos nos lembrar de dois livros de Carlos Drummond de Andrade,
Sentimento do mundo, especialmente os poemas “Os ombros suportam o mundo” e
“Mãos dadas” (Drummond, 1988, p. 67-68)2 e A rosa do povo (Drummond, 1988, p. 93184)3
BALADA
Folha enrugada,
poeira nos livros.
A pena se arrasta
no esforço inútil
de libertação.
Nenhuma vontade,
2
3
Primeira edição em 1940
Primeira edição em 1945
3
nem mesmo desejo
na tarde cinzenta.
A árvore seca
esperando seiva
não tem paisagem.
Na frente é o deserto
coberto de pedras.
Nem sombra de oásis.
Pobre árvore seca
na tarde cinzenta!
Se houvesse um castelo
com torres e dama
de loiros cabelos,
talvez eu fizesse
algum madrigal.
Mas a dama morreu,
os castelos se foram
na tarde cinzenta.
O caminho se alonga
por entre montanhas,
por campos e vales.
Talvez me conduza
ao roteiro perdido
no fundo do mar.
Mas estou tão cansado
na tarde cinzenta!
Não sou lobo da estepe;
amo a todos os homens
e suporto as mulheres.
Contudo não posso
falar com os lábios,
amar com o sexo,
porque sinto a tortura
da tarde cinzenta!
Só me restam os livros.
Vou ficar com eles
esperando que chegue
do fundo da noite,
das sombras do tempo,
oh! imenso mar,
vem me libertar
da tarde cinzenta!
3 - Análise e interpretação de Balada
4
O poema Balada é composto por seis estrofes de oito versos livres e em
redondilhas menores (versos de quatro a seis sílabas), sem portanto se constituir em
oitava rima, mas seguindo a da balada moderna, ou seja, regularidade dos versos e o uso
do refrão. De acordo com Massaud Moisés, a balada é uma das mais primárias
manifestações poéticas e [...] trata-se de forma literária mista, pois reúne elementos de
poesia dramática e lírica bem como de narrativa. E na literatura francesa, a balada
apresentava forma fixa e uma de suas bifurcações distribuía-se em três estrofes de oito
versos, podendo ocorrer também a balada dupla, ou seja, composta de seis oitavas
(MOISÉS, 2004, p. 49).
Magalí Elisabete Sparano, em sua tese de doutorado, intitulada Balada, canção e
outros sons: um estudo fonoestilístico em Língua Portuguesa (2006), faz a seguinte
afirmação: [...] a liberdade moderna permitiu, ainda, às escolhas do poeta, combinar o
esquema francês da dupla balada com a estrutura de versos das oitavas italianas,
usando por isso as rimas soltas. Sparano também nos diz que um poema, com um título
das formas previstas pela tradição poética, normalmente possui as características da
forma em questão.
Deste modo, podemos concluir que este poema de José Paulo Paes é escrito,
assim como já nos informa seu título, no formato da balada moderna, contendo a dupla
balada francesa e os versos em oitavas italianas, já que não possuem rimas interligadas.
No poema, podemos encontrar, também, vários enjambements, o que acaba
reforçando as características de narrativa ao poema, pois há uma ruptura da cadência
dos versos. Há enjambement nos versos 3 e 4, 9 e 10, 12 e 13, 18 e 19, 34 e 35. Além
desses, em todo final de estrofe há também o enjambement: 7 e 8, 15 e 16, 23 e 24, 31 e
32, 39 e 40, 47 e 48.
Quanto aos recursos de linguagem utilizados no poema, podemos observar a
transferência de percepção de um sentido para outro, com o uso da sinestesia nos versos
um (folha enrugada), versos oito, 16, 24, 32, 40 e 48 (tarde cinzenta), verso 44 (fundo
da noite) e o uso da prosopopeia, ou metáfora predicativa - conforme designação do
próprio Paes - utilizado nos versos três (a pena se arrasta), nove e dez (a árvore seca/
esperando seiva), 25 (o caminho se alonga), 45 (sombras do tempo). O uso da metáfora
e da metáfora predicativa [...] são é a ilustração viva de como, pela dinâmica da
metáfora, o inanimado se anima. Mais que isso, um estatuto de duplicidade passa a
consorciar entre si as coisas e os seres, o humano e o não humano. (PAES, 2008, p. 111)
5
Com a utilização destes diversos recursos linguísticos e literários, o poema
constrói uma imagem própria e que permite a produção de um original efeito de sentido.
A cada estrofe uma nova imagem nos surge à mente e o objeto do poema nos é
projetado na imaginação visual por meio da fanopéia, ou seja, a arte de combinar as
palavras com o objetivo de sugerir uma ideia (MOISÉS, 2004, p. 270).
Agora, vamos nos voltar um pouco mais ao sentido do poema, em uma tentativa
de interpretação. A composição pode ser dividida em duas partes. A primeira, formada
pelas três primeiras estrofes, mostra o eu lírico em determinada época, marcada por
elementos negativos, o quais oprimem-no. Na segunda parte, composta pelas duas
ultimas estrofes, surge o sonho e o desejo (de antemão impossível) de viver de maneira
mais humana. A quinta estrofe funciona como momento divisor na constatação do poeta
a respeito de seu tempo.
Na primeira estrofe, temos a pena a se arrastar, tentando se libertar, buscando em
vão escrever. Impera a negatividade do tempo (tarde): poeira, esforço inútil, não há
desejo, não há vontade. Na estrofe dois, ainda se desenvolve o mesmo clima. A árvore
está seca e sem seiva, não há paisagem, nem oásis, apenas o deserto de pedra. O
primeiro verso da estrofe (árvore seca) é metáfora do próprio eu lírico que nada
encontra de significativo naquele tempo (tarde) e nem mesmo consegue vislumbrar o
futuro (na frente é o deserto – v. 4) ou possibilidade de vida melhor (nem sombra de
oásis – v. 6).
Detendo-nos agora na terceira estrofe, no verso dezessete aparece uma
conjunção condicional (Se houvesse um castelo). De acordo com Alberto Lopes de
Melo, a conjunção se demonstra que [...] as validades da tentativa é sempre desfeita pelo
conhecimento de sua inutilidade – nada há para justificar o empenho – daí o esforço
inútil/de libertação (v. 4/5) [...] (MELO, 2006, p. 26).
Ainda na terceira estrofe, nos versos 20 e 21, há o seguinte verso: “talvez eu
fizesse algum madrigal”. Aliada ao sentido de hipótese de outra realidade ou tempo, a
referência a esta forma poética, o madrigal, remete ao sonho ou ao desejo de outra
época, período ou realidade em que fosse plausível a exploração da amenidade do
espaço (castelos) e as delícias do amor sensual (damas de loiro cabelo), próprias desta
forma poética, pois madrigal aparentava-se à pastorela e ao idílio, nos quais prevaleciam
o tema do amor e a expressão do galanteio, do pensamento espirituoso, fino e delicado
(Moisés, 2004, p. 317-318). Entretanto, corroborando a ocorrência do enunciado
condicional, marcado pela conjunção “se” e pelo adverbio “talvez”, a segunda parte
6
desta estrofe traz de volta a realidade do tempo: morte e pedra do tempo, da “tarde
cinzenta”.
A quarta estrofe separa a primeira da segunda parte do poema e amplia o campo
semântico das peculiaridades do tempo. Embora valendo-se de categorias próprias de
espaço, montanhas, campos e vales, há uma gradação a conotar a amplitude da opressão
que atinge o eu lírico naquele período, a “tarde cinzenta”.
O caminho se alonga
por entre montanhas,
por campos e vales.
Talvez me conduza
ao roteiro perdido
no fundo do mar.
Mas estou tão cansado
na tarde cinzenta!
Na quinta estrofe, que inicia a segunda parte do poema, o primeiro verso, “não
sou lobo da estepe”, pode levar o leitor a pensar que a palavra “estepe” esteja se
referindo às planícies áridas e desertas, considerando as estrofes anteriores. No entanto,
“lobo da estepe” é uma referência ao livro de Hermann Hesse (1877-1962), O lobo da
estepe4 (1927), que narra a história de Harry Haller, cinquentão misantropo, alcoólatra,
intelectualizado e angustiado por não ver saída existencial para sua tormentosa
condição, autodenominando-se “lobo da estepe”. Solidão e ferocidade, condições e
situações impostas por um tempo, características próprias do lobo são transferidas ao
homem tornando-o misantropo, antissocial. Entretanto, o eu lírico recusa esta condição
que o tempo lhe impôs e deseja ser solidário e amoroso, mas ao mesmo tempo constata
que o período em que vive o impede de realizar-se como ser humano, comunicando-se e
amando seus semelhantes: “Contudo não posso/ falar com os lábios,/ amar com o sexo,”
(v 36-38).
Por fim, na última estrofe, há apóstrofe no verso 46 (oh! imenso mar) e assim o
eu lirico personifica o mar, já que a apóstrofe é utilizada para [...] se dirigir a alguém
fora do contexto em que se situa. (MOISÉS, 2004. P. 34).
Considerações Finais
4
Informações retiradas endereço eletrônico: <http://pt.wikipedia.org/wiki/O_Lobo_da_Estepe>. Acesso
em ago/2011.
7
O título do poema, pelas características próprias do gênero (balada), remete a
uma situação de opressão vivida pelo eu lírico, ao constatar que à sua volta não há
nenhum elemento físico (natural) que o estimule. Ou, dito de outro modo, o eu lírico
não se sente confortável ou adaptado ao mundo real, durante determinado período ou
época. Por meio da animização e da metáfora, como os versos (A pena se arrasta (v. 3)),
(A árvore seca/esperando a seiva) o poema constrói um mundo alegórico e
fantasmagórico no qual o eu lírico não se sente à vontade. O refrão (na tarde cinzenta)
tem a função de exacerbar e potencializar tal época no íntimo do eu lírico, o que, sem
dúvida, ganha mais força graças ao ponto de exclamação e a sua carga sinestésica,
embora um pouco gasta.
A ligação do poema ao poeta se faz pelo uso do pronome eu, no vigésimo verso
(talvez eu fizesse). Para Paes (2008), na gramática poética, [...] a primeira pessoa do
singular e suas marcas, pronomes e flexões verbais, corporificam a interioridade do
poeta [...] (PAES, 2008, p. 281). Além do pronome, alguns verbos também estão
conjugados na primeira pessoa, o que vem corroborar a ideia de que o poema expressa
os sentimentos do próprio poeta. É o caso dos versos 31 (Mas estou tão cansado), 33
(Não sou lobo da estepe), do verso 34 e 35 (amo a todos os homens e suporto as
mulheres), 36 (Contudo não posso), 39 (porque sinto a tortura), 41 (Só me restam os
livros), 42 (Vou ficar com eles), 47 (vem me libertar). O eu lírico, expresso pela
primeira pessoa, vive durante um período que o oprime e de onde ele precisa desligar-se
para alcançar a liberdade.
Podemos perceber que nas quatro primeiras estrofes, a repetição do último verso
(na tarde cinzenta) enfatiza a condição existencial de o poeta encontrar-se em um
determinado momento, período ou tempo, denotado por um adjunto adverbial de tempo
(porque denota uma circunstância de tempo) e que se materializa na língua por meio de
um sintagma preposicionado (em+a tarde cinzenta) em que a palavra “tarde”, atua como
indicador de tempo absoluto (cedo, tarde e noite; ontem, hoje e amanhã) e por estar
neste tempo, período ou momento advém-lhe todas as implicações .
Já nas duas últimas estrofes, o verso repetido “da tarde cinzenta” temos a
preposição da (de + a). Na penúltima estrofe, o eu lírico sofre a “tortura” da tarde
cinzenta e, na última estrofe deseja libertar-se, ver-se livre de determinado período ou
época, metaforicamente referenciado como “tarde”, sintaticamente determinado por
uma estrutura predicativa da preposição (da = de + a). Assim, compreende-se que o eu
8
lírico, após enfatizar a sua condição existencial, está num determinado período ou época
da qual sonha escapar, libertar-se e viver num período menos opressor: oh! imenso
mar,/ vem me libertar/ da tarde cinzenta!(vv. 46-48)
Esta realidade vivida pelo eu lírico constitui-se por uma série de negatividade
que se materializa graças a locuções ou vocábulos, como “nenhuma”, “nem mesmo”,
“não tem”, “nem” ou por expressões como “árvore seca”, “não tem paisagem”, “deserto
coberto de pedras” e, diante dela, não existe a possibilidade de escrever, como forma de
fugir, de libertar-se daquela opressão, como podemos ler na primeira estrofe do poema.
A opressão do real amplia-se por montanhas, vales e mares.
Diante deste mundo, com a pena arrastando-se inutilmente, sem desejo de
libertação, a opressão aumenta porque do eu lírico sabe-se humano e solidário com sua
espécie e afirma seu amor pela humanidade, como lemos na quinta estrofe: Não sou
lobo de estepe;/ amo a todos os homens/ e suporto as mulheres. Embora em seguida
reafirme sua dificuldade de expressar-se, de manifestar todo o seu amor, toda a sua
humanidade: Contudo não posso/ falar com os lábios,/ amar com o sexo, pois o peso da
realidade o oprime definitivamente: “Mas estou tão cansado/ na tarde cinzenta.
Diante de tal realidade, o que resta? Os livros. Na última estrofe, há uma espécie
de envoi5, quando o eu lírico, por meio de um vocativo, (oh! imenso mar,) solicita a
intervenção do mar. Devido a este recurso de composição, o poema possui uma
característica circular, pois que a última estrofe repete parcialmente a primeira estrofe, e
sugere uma espécie de beco sem saída em que se constitui o viver neste mundo.
Diante da “tarde cinzenta”, como metáfora de uma época sem alternativas, sem
glamour, sem cores, a literatura, a arte, o escrever poesia não possui a menor
5
Termo francês que designa um texto que se escreve após o encerramento de uma obra em prosa (neste
caso, assume a forma de um posfácio ou de um post scriptum) ou uma breve estrofe que remate um
poema. Em Português, corresponde ao ofertório. Na balada tradicional, é comum encontrar este tipo de
remate de uma composição poética, normalmente dedicado ao elogio de um nobre ou de uma figura
heróica. A função primeira do envoi na poética provençal era a de concentrar em poucos versos toda a
matéria do poema, razão por que os trovadores occitânicos lhe chamavam tornadas, porém a prática do
envoi só se generalizou a partir do século XV. Na lírica galego-portuguesa, podemos comparar o envoi ao
processo de construção das chamadas cantigas de atafinda, cuja fiinda desempenha a mesma função
conclusiva. De uma forma geral, a extensão do envoi pode variar entre os quatro versos (balada), cinco ou
sete (chant royal) e três (sextilha). Nos casos da balada e do chant royal, repete-se o metro e o esquema
rimático da estrofe anterior.
Informações retiradas endereço eletrônico:
<
http://www.edtl.com.pt/index.php?option=com_mtree&task=viewlink&link_id=983&Itemid=2>. Acesso
em mar/2012.
9
significância. Mas, por outro lado, não há alternativa a não ser tentar escrever, tentar a
arte, tentar conviver com os livros. “Fundo da noite” e “sombras do tempo” podem ser
metáfora importantes para períodos ainda mais opressivos, para estados ainda mais
céticos ou a busca de alternativas na própria memória do eu lírico, para o transcorrer da
vida.
REFERÊNCIAS
ANDRADE, Carlos Drummond de. Poesia e prosa. Rio de Janeiro, 1998
BOSI, Alfredo. O livro do Alquimista in ___________, Céu, inferno. São Paulo : Duas
Cidades, 2003. p. 155-169
MELO, Alberto Lopes de. José Paulo Paes e a anatomia do poema. 2006. Tese
(mestrado em Letras). Programa de Pós-Graduação em Letras. Fundação Universidade
Federal do Rio Grande.
MOISÉS, Massaud. Dicionário de Termos Literários. São Paulo: Cultrix, 2004.
PAES, José Paulo. Os Melhores Poemas. São Paulo: Global, 2000. Seleção e
organização ARRIGUCCI JUNIOR, Davi.
PAES, José Paulo. Armazém Literário. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
PERRINGER, Alex, and BROGAN T.V.F.. The new Princeton encyclopedia of poetry
and poetics. Princeton: Princeton UP, 1993.
SPARANO, Magalí Elisabete. Balada, canção e outros sons: um estudo fonoestilístico
em Língua Portuguesa. 2006. Tese (doutorado em Letras). Programa de Pós-Graduação
em Letras. Faculdade de Letras da Universidade de São Paulo.
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