Carta de Porto Alegre As entidades sindicais, instituições públicas, profissionais e trabalhadores no geral reunidos na 1º Plenária de Saúde do Trabalhador, organizada pelo Fórum Sindical em Saúde do Trabalhador, no dia 08 de outubro de 2013, no Sindicato dos Trabalhadores do Polo Petroquímico do Rio Grande do Sul – Sindipolo vem expor seu posicionamento acerca das condições de trabalho e a relação desta com o adoecimento dos trabalhadores, bem como a importância de que sejam realizadas no ano de 2014 as Conferências Macroregionais, Estaduais e Nacional de Saúde do Trabalhador. A humanidade vive um momento onde as relações econômicas e sociais então dominadas pelo capital financeiro, o qual traz em sua essência a ausência completa de ética, sendo seu único compromisso a reprodução do dinheiro. Nesse contexto a saúde dos trabalhadores está sendo duramente agredida, pois os que contratam sua força de trabalho – elemento fundamental para a criação de riqueza – desprezam qualquer tipo de cuidado ou consideração com a integridade física e psíquica do empregado, caso isso resulte em suspender uma operação lucrativa. Essa realidade perversa ao ser humano pode ser parcialmente demonstrada ao observarmos os números alarmantes e crescentes de óbitos provocados pelo trabalho. No Brasil foi 2.560 em 2009, 2.753 em 2010 e 2884 em 2011, um acréscimo de 324 trabalhadores em dois anos. No Rio Grande do Sul, em termos percentuais, o aumento no número de mortes foi maior, cresceu de 133 em 2009 para 171 em 2011, atingindo uma elevação de 28,5% nos acidentes fatais, contra 12,6% no Brasil (Anuário Estatístico da Previdência Social de 2012). O mais alarmante é que a notificação de acidente do trabalho diminuiu, o que nos leva a crer que a subnotificação aumentou, pois o acidente fatal é a última etapa de uma cadeia de imprevidências. O preocupante é que esses números representam apenas 30% da população economicamente ativa do país, pois não estão incluídos os servidores públicos, os agricultores e os trabalhadores informais. Também chama a atenção que caso a morte decorrente de acidente do trabalho ocorra no transcurso da hospitalização, essa entrará na estatística como morte desvinculada do trabalho. Mais esclarecedores são, ainda analisado os números do Anuário Estatístico da Previdência Social de 2012, os dados relativos às principais causas de afastamento do trabalho, onde se visualiza que de 2009 à 2011houve um incremento de 21,5% na concessão de benefícios. O primeiro lugar foi das doenças do sistema osteomuscular e conjuntivo; em segundo foram as lesões, envenenamentos e outras causas externas; e em terceiro, ultrapassando as doenças do aparelho circulatório, estão as doenças mentais e comportamentais. Entre essas últimas despontam a depressão, ansiedade, reação aguda ao stress e a síndrome do pânico, sendo esta constatação reforçada pelos vários artigos científicos que comprovam o aumento dessas patologias em distintas categorias profissionais. Esses quatro grupos somados às neoplasias foram responsáveis por 784.677 benefícios por afastamento do trabalho por doenças comuns. Observa-se que os três primeiros motivos de afastamento por doença comum (B31), também são os três principais motivos de afastamento por auxílio-doença acidentário. Esse pode ser um elemento a mais na construção da subnotificação, pois ao mesmo tempo em que se observa um aumento geral das doenças que geram afastamento do trabalho, observa-se a redução no número dos casos enquadrados pelo Nexo Técnico Epidemiológico pela perícia do INSS. Esses números crescentes indicam que se perdeu o controle da situação. Há cada vez mais intensificação, exploração e flexibilização, fazendo do trabalho o retrato da precarização. Para completar esse quadro adverso, as novas práticas de gestão incluem o assédio moral como uma de suas ferramentas. As empresas adotam uma filosofia de não cuidado com a segurança e saúde dos trabalhadores. São inúmeros os casos de empregados em desvio de função ou mesmo sem nenhuma tarefa, para assim não serem afastados do trabalho por doença, tornando cena comum a presença de pernas engessadas, mãos com suturas e pessoas sentadas realizando tarefas imaginárias. Além dessa agressão ao direito de recuperação, tornou-se prática comum a não emissão de Comunicação de Acidente do Trabalho (CAT) por parte das empresas, seja o evento um acidente típico, de trajeto ou doença do trabalho. Essas práticas anteriormente citadas coroam a forma atual de organização do trabalho que, baseada em determinação de metas arbitrárias desprovidas de qualquer estudo, intensificam o trabalho de forma imprópria para a saúde da maioria dos operadores, gerando esse contingente imenso de doentes. Soma-se a esses fatores o fato dos SESMTS agirem em conformidade com as orientações gerais da empresa e não com os aspectos técnicos vinculados a garantia da saúde e segurança do trabalhador. Essa realidade ainda é mais degradante na forma de organização do trabalho terceirizada, onde na busca de oferecer o menor custo pelo serviço descumpre-se ordinariamente a legislação. O Estado brasileiro está com os olhos fechados para essa realidade. E como se a cegueira fosse o ideal, não disponibiliza para a sociedade os dados que permitam localizar as empresas e como ocorrem os acidentes, publicidade que possibilitaria um projeto real de prevenção. Os equívocos se acumulam quando se analisa as ações de cada Ministério. O Ministério do Trabalho e Emprego vem sofrendo um desmonte sistemático, a ponto de hoje, em função das aposentadorias e exonerações, existem dois mil cargos que necessitam ser preenchidos. O dramático é que seriam necessários outros mil fiscais para responder de forma mínima às exigências do atual sistema produtivo brasileiro. Soma-se a isso a desqualificação dos novos fiscais concursados, pois não existe mais a especificidade da fiscalização de segurança e medicina do trabalho, sendo o trabalho de fiscalização mais dirigido às questões pecuniárias do FGTS e Previdência Social, do que os aspectos relacionados à saúde e integridade física dos trabalhadores. Concorrem também para esvaziar o papel do fiscal, a Portaria 40/2011 do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) que permite à empresa a contestação imediata do embargo de uma obra, suspendendo de imediato a interdição mesmo sem a eliminação dos riscos. E, finalmente, no orçamento para 2014 não houve aumento dos recursos financeiros para a área de saúde do trabalhador, demonstrando de forma efetiva o pouco caso do governo com a segurança nos locais de trabalho. A saúde tem se mostrado incapaz de responder, mesmo ao longo prazo, às necessidades dos trabalhadores adoentados. Cirurgias de menor custo – tais como para a síndrome do túnel do carpo – possuem um tempo médio de espera de quatro anos. Outras como artroscopia de joelho, que apresentam elevada resolutividade (ou resolubilidade), em sua maioria não são realizadas. A oferta de consultas médicas especializadas ou tratamentos que necessitam uma quantidade maior de consulta ou maior duração é extremamente menor que a demanda. Mantém uma postura irracional e antiética de não conceder atestados médicos de ausência ao trabalho, como se esses não fossem parte do tratamento. Mas sua maior falha é não fazer valer o conhecimento técnico exposto no Manual de Procedimentos para os Serviços de Saúde/ Doenças Relacionadas ao Trabalho (2001)- do Ministério da Saúde e da Organização Panamericana de Saúde (OPAS) bem como o direcionamento político construído na última Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador. Dessa forma, permite que as equivocadas ações do Ministério da Previdência Social norteiem o tratamento dispensado à saúde do trabalhador brasileiro, influenciando inclusive a conduta dos profissionais de saúde do SUS. Coroando essa política repleta de equívocos e abstenções, não se interpôs ou criou alternativas legais para derrubar a Ação Direta de Inconstitucionalidade que impede que o SUS realize a fiscalização dos locais de trabalho. Quanto ao Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), ao se definir como seguradora faz questão de se excluir de seu principal papel constitucional que é compor em conjunto com a saúde e a assistência social o tripé da seguridade social no Brasil. A partir dessa definição ilegal, adota uma política baseada apenas na contabilidade. E, em acordo com essa visão monopolar, elege os segurados como o problema a ser combatido e as empresas como aliadas nessa batalha. Sua principal ação é dificultar ao máximo o acesso aos benefícios, negando-os aos doentes, impondo tempos de espera superiores há trinta dias para acesso à perícia médica, e, salvo raras exceções, tendo uma política de maltratar os segurados tanto nas perícias médicas quanto no atendimento administrativo. O Novo Modelo de Pericia Médica, proposto pelo INSS, oferece agilidade, que já deveria existir, na concessão dos benefícios, mas exclui o acidente do trabalho, agravando a subnotificação e não permitindo a responsabilização das empresas pelos danos causados ao trabalhador e à sociedade, e assim ampliando o real problema a ser combatido. Como o desprezo pelo segurado tornou-se regra no INSS, as políticas de reabilitação profissional são desprovidas de utilidade para o trabalhador, servindo apenas para justificar a alta do segurado sem que este tenha recuperado a capacidade de trabalho. E, completando esse quadro, de forma deliberada sabota o Nexo Técnico Epidemiológico (NTEp), instrumento capaz de evidenciar a subnotificação e munir o Instituto de provas para culpabilizar os que realizam esta prática criminosa. Contraditoriamente, todo o discurso voltado ao resguardo das verbas do INSS desaparece, pois a aplicação justa do NTEp é a única forma de se calcular a alíquota do Fator Acidentário de Prevenção (FAP). Isso faz com que aquelas empresas que mais provocam acidentes paguem um percentual menor Vale também dizer que o Estado ainda não respondeu à necessidade de programas que protejam a saúde dos servidores públicos, dos agricultores e dos trabalhadores informais, ausência que mantém uma cultura de não importância as questões de segurança no trabalho. Esse desrespeito à vida e a integridade física como valores fundamentais se reproduz e se perpetua na sociedade, pois ao não investir na prevenção em ambientes controláveis motiva também às mortes no trânsito, o número crescente de homicídios, violência contra mulher e o descumprimento das normas mínimas de proteção de qualquer tipo, inclusive às contra incêndios. Dentro desse quadro geral as entidades sindicais devem se unir e ser protagonista de um amplo movimento social contra as desregulamentações das leis trabalhistas e das Normas Regulamentadoras, como a PL 4330 e a NR 12, bem como encampar ações na defesa da saúde, da segurança dos trabalhadores e da dignidade do ser humano. Nessa busca, propõe-se o que segue: 1. Em consonância com as propostas aprovadas na 3ª Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador, reivindicamos que o Governo Federal articule os Ministérios da Previdência, da Saúde e do Trabalho para que tenham ações comuns para reduzir o número de doenças e acidentes do trabalho e suas consequências. 2. Que o Governo Federal promova conferências de Previdência Social, a exemplo da saúde, assistência social, entre outras; 3. Que o Ministério da Saúde defina critérios de diagnóstico e prevenção para as doenças relacionadas ao trabalho 4. Que o sistema de saúde de suporte ao atendimento e que suas definições acerca de incapacidade para o trabalho tenham valor para efeitos de recebimento dos benefícios por incapacidade. 5. Que o Ministério do Trabalho e Emprego, bem como o Sistema Único de Saúde, tenham políticas e ações de fiscalização conjuntas; 6. Que o Governo do Rio Grande do Sul promova a revisão do Código Estadual de Saúde; 7. Que o Governo do Rio Grande do Sul crie e mantenha 30 Centros Regionais Estaduais de Saúde do Trabalhador de qualidade e com conselhos gestores deliberativos. 8. Que seja criado um “Portal da Transparência da Saúde do Trabalhador”, instrumento que servirá para divulgar as informações referentes às doenças e acidentes ocasionados ou agravados pelo trabalho. 9. Que os óbitos subnotificados sejam investigados, isto é, aqueles que ocorrem após o acidente do trabalho ou da doença adquirida/agravada no trabalho. 10. Que sejam identificadas as principais empresas causadoras de acidentes, adoecimentos, invalidez e mortes relacionados ao trabalho para que o Estado, incluindo os ministérios afins, justiça e o ministério público realizem ações conjuntas objetivando mudar essa realidade. 11. Que sejam investigadas, pelos setores da Saúde e do Trabalho e Emprego, as empresas nas quais sejam registrados casos de assédio moral no trabalho, no sentido da prevenção do sofrimento mental dos trabalhadores e trabalhadoras. 12. Que os sindicatos tenham acesso às informações do INSS e Ministério do Trabalho referente aos afastamentos dos trabalhadores que estão em benefício por categoria profissional/empresa; 13. Que as universidades públicas realizem a qualificação das equipes multiprofissionais para a reabilitação profissional e perícias médicas; 14. Que sejam criadas Delegacias Acidentárias a exemplo Caxias do Sul; 15. Que seja elaborada uma legislação nacional que possibilite a fiscalização pelo SUS no local de trabalho com a participação dos sindicatos nessas ações; 16. Que nenhum empregado profissional do SESMT possa ser demitido sem anuência do sindicato dos trabalhadores o qual presta serviço; 17. Que seja garantido o acesso dos trabalhadores urbanos e rurais às tecnologias que melhoram e prolongam a vida, em todos os serviços de Atenção Básica, Urgência e Emergência e Saúde Mental, como estratégia para identificar, compreender e significar as necessidades de saúde dos trabalhadores, incluindo o terceiro turno no Sistema Único de Saúde – SUS, inclusive no atendimento odontológico. 18. Que seja criado um novo Capítulo no Código Penal, a ser designado “dos crimes contra a higidez física e mental do trabalhador”, com a descrição de tipos penais relativos às condições mórbidas de trabalho a que os trabalhadores são submetidos. 19. Que o Ministério da Saúde defina os parâmetros para avaliação de doenças, incapacidades e afastamento do trabalho, e que esses sejam seguidos pelo INSS;