Artigo Ajuste fiscal Brasil só sairá da crise se promover reformas estruturais, afirma presidente da Cbic Se prevalecer esse tipo de comportamento, a equipe econômica não conseguirá cumprir metas de superávit fiscal Por José Carlos Martins Edição 169 - Julho/2015 Vivemos uma grave crise no Brasil. Talvez seja a maior de todas, porque se manifesta ao mesmo tempo em duas frentes estratégicas: na economia, fragilizada pelo desequilíbrio das contas públicas e pela ameaça da inflação, e na política, em que a presidente Dilma Rousseff enfrenta dificuldades para aprovar, no Legislativo, os projetos de interesse do governo. Poderíamos falar também de outra crise, esta de caráter administrativo, que historicamente atinge o Estado brasileiro e se traduz em uma gestão burocratizada e ineficiente. Isso, inclusive, foi demonstrado no estudo "O custo da burocracia no imóvel", realizado pela consultoria Booz & Co. O trabalho rastreou os gargalos burocráticos que oneram e atrasam os empreendimentos imobiliários no Brasil, impactando toda a sociedade. Concluiu- se, por exemplo, que esses entraves podem aumentar o preço final da casa própria em até 12%. Está claro que, a prevalecer esse tipo de comportamento, a equipe econômica não conseguirá cumprir suas metas de superávit fiscal. Qualquer proposta coerente de ajuste terá que cortar também as despesas públicas Sabemos que a crise do Brasil é, fundamentalmente, de oferta. Ou seja, estamos pagando um alto preço pela política econômica dos últimos anos, que tentou alavancar o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) por meio do incentivo ao consumo. Lamentavelmente, ficaram em segundo plano principalmente os investimentos em infraestrutura e na qualidade dos serviços públicos. Faltou disponibilizar recursos, em volumes compatíveis com o ritmo de demanda da população, em setores como rodovias, portos, aeroportos, transporte, indústrias, educação, saúde e segurança. Nossa economia perdeu produtividade, competitividade, e o Estado inchou. As três esferas de governo assumiram custos com pessoal e custeio sem planejar, em contrapartida, oferecer outras fontes de receita. O Brasil investe hoje entre 2% a 2,5 % do PIB na área de infraestrutura. E, segundo a experiência internacional, esse percentual deve ser de pelo menos 3% apenas para manter o estoque já existente. Tendo em vista as nossas carências, a conclusão é que deveríamos investir no setor pelo menos 5% do PIB, durante um longo período, para recuperar o atraso dos últimos anos. Se analisarmos a economia como um todo, e não apenas o setor de infraestrutura, o nível de investimentos em alguns países de crescimento mais acelerado, como a China, chega a atingir 40% do PIB, contra um percentual de apenas 16% no Brasil. E o mais grave: por aqui, os custos da máquina pública crescem de forma absurda. Dados do Tesouro Nacional mostram que, no acumulado dos últimos 12 meses, as despesas públicas cresceram em torno de 3,5% ao mês, enquanto as receitas caíram aproximadamente 2,5%. Um modelo insustentável. O problema de caixa nos leva a considerar que o País só sairá verdadeiramente da crise se promover algumas reformas estruturais indispensáveis. Uma delas, a reforma do Estado, no sentido de torná-lo mais enxuto, transparente e eficiente. Outras reformas devem atingir as legislações tributária e trabalhista, que também limitam a atividade empreendedora e criam barreiras ao desenvolvimento. Defendemos um sistema de impostos mais justo e equilibrado, que incorpore os setores informais da economia e não sobrecarregue demasiadamente as empresas formais. E uma legislação trabalhista mais moderna e flexível, que contemple a eficiência, a produtividade e a liberdade de negociação. Precisamos criar, em todas as frentes, um clima de segurança jurídica que sirva de atrativo para novos investimentos, nacional e internacional. No momento, acompanhamos com preocupação o debate sobre as medidas de ajuste fiscal. Reconhecemos que algo precisa ser feito, com urgência, para equilibrar as contas públicas e preservar a estabilidade da economia, mas entendemos que o ajuste não pode se basear apenas no aumento de impostos e no corte de investimentos. Por esse caminho, o governo irá reduzir ainda mais a atividade econômica, gerando queda de receita e desemprego. Custa a crer que, numa conjuntura tão difícil, o Congresso Nacional tenha aprovado no início de julho projeto que autoriza aumento salarial de até 73% para uma categoria profissional. RETRAÇÃO DO PRODUTO INTERNO BRUTO (PIB) NACIONAL E DA CONSTRUÇÃO Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) Está claro que, a prevalecer esse tipo de comportamento, a equipe econômica não conseguirá cumprir suas metas de superávit fiscal. Qualquer proposta coerente de ajuste terá que cortar também as despesas públicas. Na política, o exemplo costuma ser mais importante que o discurso. Ao exigir o sacrifício de todos, em nome de um interesse maior do País, o governo e o Congresso precisam dar o exemplo, fazer o dever de casa. Não se podem aumentar substancialmente as despesas com servidores quando a população é obrigada a conviver com o desemprego. Só na construção, perdemos nos últimos meses cerca de 320 mil empregos com carteiras assinadas. Resta-nos a esperança de que, premidos pelas dificuldades, possamos encontrar - consensualmente uma saída criativa para a crise. Numa visão otimista, achamos que a nossa geração tem compromisso com o País e será capaz de construir, nos próximos anos, um novo modelo de desenvolvimento sustentável, mais eficiente e racional. Para isso, precisamos resgatar alguns valores que deveriam inspirar os responsáveis pela gestão pública nos diferentes níveis de poder. Um deles estabelece que o Estado exista para servir aos cidadãos de bem, e não a grupos que apenas se beneficiam dele. Setor da construção perdeu cerca de 320 mil empregos com carteiras assinadas ao longo dos últimos 12 meses Defendemos um ajuste fiscal que imponha sacrifício a todos, de forma isonômica. E que venha acompanhado de reformas estruturais que deem sustentabilidade ao modelo de desenvolvimento. Para isso, vamos precisar de lideranças com vontade política e firmeza de atitude. As pessoas aceitam a prescrição de remédios amargos, desde que seja por um prazo curto e em nome de uma causa que lhes pareça justa - no caso, a perspectiva de um futuro melhor para todos. Como construtores e cidadãos, estamos prontos para fazer a nossa parte. José Carlos Martins, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic)