CONCLUSÃO
“One needed to know one’s object because knowing one’s object was tantamount to
disarming it. Stealing the object’s mystery was like stealing Jupiter’s thunder. A known
object would not put up any more resistance; or at least one could anticipate such
resistance as the object may put up, take the necessary precautions and pre-empt its
impact. (…)
Action is coercive if and when in pursuing its objectives it takes no account of its
object’s ‘natural tendencies’. (…)
And it is up to the bystanders struggling to transform themselves into actors to provide
the answer to that question; to be that answer.” (Bauman, 2002, pp. 1, 2 e 221)
Criticado auto e heteronomamente, escrito e inscrito num contexto e num tempo de
produção particulares, desafiando um percurso investigativo que seria mais óbvio, tirando do
baú algumas propostas teóricas e epistemológicas que se nos apresentaram com um elevado
grau de pureza, problematizando a priori alguns aspectos condicionantes da análise da
organizacção, construindo um quadro analítico-conceptual que integrasse o carácter
multinível da estruturação da gramática de regras da organização escolar e os dois planos
analíticos, o plano das orientações para a acção e o plano da acção, reconhecendo, por
questões ligadas à economia deste trabalho, a exiguidade desta análise, damos, nestas
condições, por concluído este trabalho de investigação.
Precedem esta conclusão os cinco capítulos deste trabalho de investigação e talvez
seja pertinente revisitá-los para retomar as ideias principais de cada um. Condensadamente,
do capítulo 1 destacamos os conceitos gémeos de dualidade da estrutura e estruturação para
interpretar a acção social, designadamente no âmbito deste trabalho a acção organizacional,
sem esquecer a inscrição espaço-temporal da mesma. Estes conceitos para além de
tautologizarem as acepções sociológicas tradicionais díspares de estrutura e agência, que
são ressemantizadas na TE, dão conta de um processo de estruturação dinâmico e aberto
produto da acção de agentes competentes, transformadores e reflexivos. No capítulo 2
pretendemos ensaiar a ideia de que estes conceitos são oportunos quando focalizamos o
estudo da organização escolar a partir da organizacção e nesta linha de raciocínio o modo
de funcionamento díptico da organização escolar assume, do nosso ponto de vista, os
conceitos de estruturação e dualidade da estrutura enquanto modelo de análise da escola
como organização. Este modelo é uma síntese de perspectivas historicamente polarizadas na
análise das organizações escolares cujos conceitos, apesar de se moverem singularmente,
ganham uma consistente potencialidade heurística na interpretação da complexidade de
locales de estruturação se articulados. O capítulo 3 avança a partir deste pressuposto para a
configuração de uma proposta de análise de uma dimensão organizacional que, como
dissemos, é transversal a diferentes paradigmas – as regras da organização escolar, ou
melhor, os vários regimes de regras, extra e intraorganizacionais, que concorrem para uma
gramática de regras da organização escolar. Neste capítulo propomos dois esquemas ou
ferramentas analítico-conceptuais para a análise desta problemática da organização escolar.
O primeiro, a noção de estruturação em continuum díptico: os conceitos de estruturação
272
supra-organizacional, discriminando estruturação supra-organizacional de alta intensidade e
estruturação supra-organizacional de baixa intensidade, e de estruturação organizacional
escolar, discriminando estruturação organizacional escolar de alta intensidade e estruturação
organizacional escolar de baixa intensidade. O segundo, um compósito interpretativo
multinível ou uma tipologia da gramática de regras da organização escolar. Foram estes os
intrumentos analítico-conceptuais que nos permitiram uma aproximação a um locale de
estruturação onde realizámos o estudo empírico, indirectamente no capítulo 4 e directamente
no capítulo 5. O capítulo 4 pretende ser um regresso intencional e selectivo ao passado para
ler diacronicamente o processo de estruturação supra-organizacional da gramática de regras
da organização escolar no que respeita à administração e gestão das escolas e emoldurar o
estudo sincrónico que fizemos num agrupamento de escolas e que explicitámos no último
capítulo. Desta análise a conclusão é, no mínimo, sugestiva porque, excepcionalizando o
período entre 1974 e 1976, a estruturação supra-organizacional da gramática de regras foi
uma estruturação supra-organizacional de alta intensidade e a estruturação organizacional
escolar da gramática de regras
foi gradativamente avançando para uma estruturação
organizacional escolar de baixa intensidade. É o capítulo 5 que ao fazer emergir os dados,
cuja colecção resultou das opções metodológicas e dos instrumentos de pesquisa que
considerámos adequados à nossa problemática, nomeadamente a análise documental, a
participação observadora, que já explicitámos, e o inquérito por entrevista ao serviço de um
estudo de caso qualitativo como estratégia do nosso estudo empírico, e, ao formatá-los a um
quadro analítico-conceptual, possibilita uma mesoanálise intensiva, descritiva e interpretativa.
A plataforma do nosso estudo foi a metáfora-mãe da escola como organização. O
agrupamento de escolas como nova unidade organizacional do sistema educativo não pôs
em causa este ponto de partida, mas poderia ter posto porque de um determinado ponto de
vista o agrupamento de escolas pode ser uma não-organização. Porém, o Æ como
organização é algo de que os actores, em geral, não têm consciência, mas por maioria de
razão os professores da escola-sede, cuja rotina continuou praticamente inalterada. Só quem
esteve envolvido na elaboração do PE, do PAA e do RI, os membros do conselho pedagógico
e o conselho executivo têm a consciência do Æ enquanto nova unidade organizacional com
ténues expectativas positivas. As potencialidades da lógica vertical esvaem-se no plano da
acção. A articulação manifesta no plano da acção tem sido a articulação entre os professores
do mesmo ano do 1º ciclo o que pode ser interpretado como um elogio da lógica horizontal.
273
Delineiam-se, deste modo, as duas estratégias de resistência apontadas por Collinson
(1994): a resistência pelo distanciamento, no caso dos professores da EB 2, 3, e a resistência
pela persistência, no caso dos professores do 1º ciclo. A resistência pelo distanciamento é
também a estratégia organizacional dominante quer em relação ao regime de autonomia,
administração e gestão das escolas, quer em relação ao PE como documento político do Æ e
ao PAA como resultado de uma lógica vertical de aglomeração de actividades. Com o RI a
relação é ambígua porque ignoram-no quotidianamente, mas respeitam-no numa lógica
burocrático-hierárquica.
A tipologia da gramática de regras, que apresentamos no capítulo 3 em potencial e
no capítulo 5 praxiologicamente, “bate certo” a posteriori porque a nossa idealização teórica
apriorística foi, entretanto, depurada e expurgada de alguns exageros valorativos e
minuciosos. Esta confissão expressa, de alguma forma, a dialéctica geradora entre a ars
inveniendi e a ars probandis ou “os retoques sucessivos”, como dizia Bourdieu, e uma
investigação em estruturação de que não só a tipologia da gramática de regras mas também
o que designámos por estruturação em continuum díptico são testemunho. Se estas
propostas analítico-conceptuais têm consistência para dar conta de uma complexa e
sincrética realidade sincrónica da organização escolar não sabemos, mas que foram
idealizados para isso podemos afirmá-lo.
Houve categorias de análise, que estavam definidas a priori pela construção do
quadro analítico-conceptual, mas que foram, no entanto, desafiadas e afinadas pela leitura
dos dados, nomeadamente, a consideração de uma estruturação multinível pela dificuldade
de definir as fronteiras da organização escolar e a afinação da tipologia da gramática de
regras, mas outras houve que lhes foram acrescentadas e que podemos designar como
categorias emergentes, como, por exemplo, a análise e a referência à recepção desta medida
de reconfiguração da administração do sistema educativo. A latente conflitualidade interna do
Æ entre escola-sede e escolas do 1º ciclo, já que a educação pré-escolar é tida como um
nível dócil que aceitou as mudanças sem levantar grande objecção, foi uma realidade
emergente que ao contaminar todos os dados recolhidos não podia ser ignorada na nossa
análise. Nunca antecipámos que as posições estivessem tão vincadas e extremadas.
As categorias da tipologia da gramática de regras apareceram sempre no plural,
caberia perguntar porquê se a cada tipo de mesorregras só foi associado um documento.
Porque no Æ como organização há outros documentos que apenas citámos, designadamente
274
na área da gestão curricular, que possivelmente encaixariam nesta tipologia. Todavia o nosso
corpus documental limitou-se a priori aos documentos relativos à gestão e administração da
organização escolar. Inscrevemos na tipologia de regras que apresentámos as mesorregras
avaliadoras e esquecemo-nos delas na nossa análise. Não. Nomeámo-las aprioristicamente
em relação à sua concretização no plano da acção porque apenas pretendemos contemplar o
anúncio da existência de um projecto da auto-avalaição na EB 2, 3 no ano lectivo 2004/2005.
Só neste momento, regressando à nossa pergunta de partida: que processos de
estruturação estão na base da constituição e da aplicação da gramática de regras da
organização escolar, reconhecemos e revalidamos a pertinência da mesma. Se, por um lado,
concluirmos que o quadro teórico, preparado para uma abordagem desta problemática
intrínseca à organização escolar, revalida, após o estudo de caso, a sua pertinência
sociológica na análise da organização escolar, por outro, a conjugação das duas propostas,
uma no âmbito da teoria sociológica outra no âmbito da teoria organizacional escolar,
materializada no conceito de estruturação em continuum díptico, que acrescenta as
dimensões nível, grau e dipticidade ao conceito de estruturação, parece poder ser uma
proposta com algum valor heurístico na aproximação à complexidade da organização escolar
portuguesa do início do século XXI.
Tendo subjacente o conceito de estruturação em continuum díptico na interpretação
da realidade que cerca e penetra a organização escolar teríamos que demarcar uma
dimensão onde fosse possível concretizar analiticamente esta ferramenta analítico-conceptual. Pensamos que relativamente aos processos macro e meso de constituição da
gramática de regras, uma das componentes da pergunta de partida, este conceito pode ser
um meta-instrumento analítico, cujo valor heurístico o nosso estudo de caso parece poder
sustentar. Outra componente da pergunta de partida era a questão da aplicação da gramática
de regras. Porém, só separando “constituição” e “aplicação” poderemos fazer um balanço
mais fidedigno do nosso estudo. Embora julguemos que os processos de constituição da
gramática de regras estejam, grosso modo, bem representados no nosso estudo e que os
níveis macro e meso estejam relativamente bem documentados no que concerne à aplicação
da gramática de regras, faltará, no entanto, ao estudo uma documentação mais detalhada do
nível micro quanto a este aspecto, apesar de as entrevistas abrirem uma janela panorâmica
sobre este nível. O que queremos dizer com isto é que em relação à aplicação da gramática
de regras o nosso estudo não consegue dar conta do pormenor, sendo que aqui o pormenor
275
seria chegar à unidade organizacional mínima, ou seja, a cada um dos indivíduos membros
da organização, e bastará pensar em todas as dimensões do modelo estratificado do agente
social tal como o concebe Giddens para perceber como este nível é extensamente
subterrâneo, mas esse objectivo não se coadunaria com a dimensão deste trabalho de
investigação.
O que é que, à luz deste enquadramento analítico-conceptual, os nossos dados
empíricos revelaram? Revelaram, certamente, que pudemos tirar conclusões a priori
expectáveis mas validadas pela prova empírica, revelaram as práticas numa organização
inscrita espaço e temporalmente, mas revelaram também a complexidade e, por vezes,
perversidade dos contextos organizacionais concretos e, agora o juízo é nosso apesar de não
ser feito ao arrepio dos dados, o fim de um ideal que foi a gestão democrática e a falência da
agência pautada por ideais mais progressistas, transformadores e democráticos.
Revisitemos, então, as principais conclusões do nosso estudo.
O capítulo 5 dá conta quer da complexidade multinível da gramática de regras do Æ
quer da dipticidade dos regimes de regras extraorganizacionais e intraorganizacionais,
potenciada pelos dois planos analíticos, quer da complexidade do agrupamento de escolas
como uma nova tipologia organizacional, quer, ainda, de um desfecho que traduz um grau de
complexificação poliédrico da organizacção originando paradoxos, ambiguidades,
fragilidades, perversões, contradições, e também alguma exiguidade da análise.
Em primeiro lugar, o regime de regras extraorganizacional focalizado regista, ele
próprio, um modo de funcionamento díptico, de que oportunamente demos conta. Em
segundo lugar, o “regime de autonomia, administração e gestão das escolas” não conseguiu
que a letra e o espírito do Decreto-Lei n.º 115-A/98 se cumprissem no plano da acção
organizacional. Em terceiro lugar, a nova unidade organizacional, o agrupamento de escolas
vertical, ao ser constituído no plano da acção arrastou e incendiou um processo convulsivo de
aculturação das escolas do 1º ciclo que abalroou as intenções e benefícios que lhe eram
apontados nos textos legais. No plano da acção o Æ é uma reconfiguração administrativa que
se traduziu na imposição do ideal de Æ imaginado pelo conselho executivo ao níveis de
ensino inferiores ao 2º e 3º ciclos. Em quarto lugar, estes factos inquinam, quer no plano das
meso-orientações para a acção quer no plano da acção, a hipótese de que o PE, o PAA ou o
RI poderiam ser instrumento e resultado de uma estruturação organizacional de alta
intensidade. Mas a inertia organizacional como factor a jusante não excluiu o factor a
276
montante, ou seja, o que se verifica é que no locale estudado há uma estruturação
organizacional de baixa intensidade porque o conceito de autonomia da organização escolar
não passa de um tópico discursivo e de uma autonomia do processo de implementação.
A nível da construção da gramática de regras do Æ como organização os processos
de elaboração de documentos como o PE, o PAA e o RI não foram especialmente
convulsivos ou discutidos, daí que talvez isso possa ser tomado como um indicador do
carácter periférico destes documentos em relação ao quotidiano das práticas escolares, do
valor simplesmente simbólico-formal e ritual destes documentos para os actores e do
distanciamento e alheamento destes em relação a algumas opções e decisões possíveis ao
Æ como organização e, obviamente, em relação à administração e gestão da organização
escolar. Estes documentos já existiam antes da formação do Æ para cada escola singular
como organização e a transformação, talvez mais correctamente extensão, dos documentos
da EB 2, 3 em documentos para o conjunto das escolas do Æ como organização significou
somente que houve um notório processo de aculturação por parte da EB 2, 3 como escola-sede em relação às EB 1 e à educação pré-escolar. O PE é um documento simbólico que faz
parte do ritual da organização e que é maioritariamente ignorado pelos actores. O PAA é uma
“manta de retalhos” com algumas actividades comuns a todos os níveis propostas e induzidas
pelo conselho executivo. O RI é aceite como “um mal necessário” numa organização
burocrática, lato sensu. Mas todos são documentos atribuídos à EB 2, 3, enquanto escola-sede e que, por isso, é vulgarmente designada pelos professores do 1º ciclo como “o
agrupamento”, e que por aquela são impostos às restantes escolas que integram o Æ.
A autonomia, que era o motivo apresentado no Decreto-Lei n.º 115-A/98 para que
estas mudanças na morfologia da administração e gestão acontecessem, é esquecida na
atitude pragmática dos actores, e, portanto, poder-se-á concluir que passados cerca de seis
anos das alterações introduzidas por tal decreto-lei os actores organizacionais, ao não se
aperceberem de mudanças significativas na transferência de competências neste domínio,
negam pela omissão da palavra e do conceito de autonomia nestes documentos a sua
actualização ipso facto, o que, de resto, parece ser realista porque, de facto, a questão da
autonomia e da participação não são questões da ordem do dia neste Æ como organização.
Barroso et al. concluíam, há pouco tempo, ainda optimisticamente que:
“Na maior parte das situações, a instalação das novas estruturas de direcção e gestão parece estar a
concretizar-se sem sobressaltos significativos, num registo de evolução na continuidade. Não se
registam rupturas nas rotinas e nos procedimentos correntes, próprios de culturas organizacionais
277
específicas desenvolvidas na interacção entre a pressão normativista da administração central da
educação, e a colegialidade docente expressa em práticas auto-gestionárias consolidadas no
processo de ‘naturalização’ da gestão democrática.” (Barroso et al., 2001, p. 76)
Porém, a nossa análise não o confirma, pelo contrário. Se partirmos, idealmente, da
organização escolar como assente em dois pilares, como faz o estudo citado, o normativista
protagonizado pela administração central como centro e o auto-gestionário democrático
protagonizado pelas periferias como centro, chegaremos à conclusão que a organização
escolar vai desmoronar por falta de sustentação do segundo pilar, o da gestão democrática,
pelo alastramento corrosivo da inertia organizacional. Pelo menos parecem ser estes os
indícios no Æ objecto do nosso estudo empírico que dissemos desprovido de
democraticidade e participação engajada. Aliás, este aspecto ocupa o quinto lugar da nossa
enumeração, o plano da acção confirma-se como o ex libris do modo de funcionamento
díptico da organização escolar. O julgamento do senso comum tem ditado a seguinte
sentença: a administração central é ultrarreguladora, controladora, autoritária e burocrática,
sensu lato, mas a organizacção é democrática, colegial, política e participativa. Ledo engano,
no caso do Æ que estudámos.
Neste Æ como organizacção evidenciam-se três tipos de isomorfismo, de acordo com
o que era definido por Borum & Westenholz (1995, p. 114): o isomorfismo coersivo, as
pressões exercidas pelo conselho executivo, o isomorfismo mimético, quando as escolas do
1º ciclo como sub-unidades organizacionais sofrem um processo de aculturação por parte da
EB 2, 3, e o isomorfismo normativo, exercido pela escola-sede e sobretudo pelo órgão
executivo.
Manipular as hipóteses academicamente definidas seria esconder o percurso errático
desta investigação. Faremos, neste momento, um balanço, confirmando ou infirmando, as
sete hipóteses orientadoras do estudo empírico que a posterior podemos confessar
denunciadoras da interrogação sobre a dipticidade do plano multinível de orientações para a
acção e da dipticidade do plano da acção, por outras palavras, a dipticidade das
macrorregras e a dipticidade das mesorregras. Primeira hipótese, “a organização escolar
evidencia um carácter hierárquico multinível no que diz respeito à constituição das regras que
a constituem e organizam mesmo enquanto centro periférico”, confirma-se. Segunda e
terceira hipóteses, “o nível supra ou extra-organizacional limita a acção organizacional, pela
centralização das decisões, e induz uma estruturação de baixa intensidade para além de
extensiva” e “as macrorregras operacionais orientam o processo de estruturação e são
278
limitadoras e reguladoras da acção organizacional na produção desconcentrada de regras”,
confirmam-se mas sobretudo pelas macrorregras operacionais não pelas constitutivas.
Irmana-se à confirmação destas hipóteses a infirmação por defeito da sexta hipótese, “os
actores organizacionais assumem-se como executores, mais do que produtores, e a escola
como locus de reprodução, mais do que produção, de regras heterónomas”, porque os
actores organizacionais assumem-se como executores de regras quer autónomas quer
heterónomas. Deste modo, infirma-se também a quarta hipótese, “as mesorregras traduzem o
protagonismo dos actores organizacionais numa estruturação de alta intensidade”, porque há
um distanciamento e até laxismo organizacional (e profissional) que grassa na organização
escolar potenciado pela formação do Æ e confirma-se a sétima, “os actores refugiam-se na
hetero-definição organizacional mas vão resistindo e contornando essas supra e intra-exigências por um comportamento organizacional de distanciamento,
originando uma
estruturação de baixa intensidade”. “A nível da organização escolar a interpretação e
(re)definição de regras é remetida para os actores que ocupam cargos na hierarquia
organizacional” era a nossa quinta hipótese, cuja primeira parte se confirma porque a
interpretação de macrorregras é protagonizada no Æ pelo presidente do conselho executivo
(do pedagógico e na prática da assembleia), mas cuja segunda parte, relativa às
mesorregras, se infirma porque os cargos formais na organização não são só ocupados por
“pessoas de confiança e não conflituosas”, como demonstrámos, e, assim sendo, os
mesodocumentos passam a ser controlados remotamente pela nomeação de “pessoas de
confiança” desembocando na centralidade do órgão de gestão. Portanto, esta hipótese ficou
aquém da realidade sobretudo pelo processo de aculturação e imposição dos
mesodocumentos às escolas do 1º ciclo.
O objectivo deste estudo foi olhar, analisar e interpretar a estruturação em continuum
díptico da gramática de regras da organização escolar. As conclusões poderiam ser
expectáveis mas exigirão porventura uma leitura e uma reflexão problematizadora das suas
implicações. O agrupamento de escolas, enquanto nova unidade organizacional, é um locale
de estruturação em continuum díptico de regimes de regras extra e intraorganizacionais onde
se verifica uma estruturação organizacional escolar de baixa intensidade denunciadora da
acção corrosiva da instalada inertia organizacional. A montante desta leitura organizacional
está um problema substantivo ao nível das fronteiras e dos domínios que são a priori
estabelecidos para a organização escolar pela administração central de acordo com a
279
tradição centralista do Estado que parece aniquilar a possibilidade de uma acção
organizacional reflexiva, transformadora e autónoma em que parece ser o pathos dos actores
organizacionais serem apenas marionetas de regimes de regras extra e intraorganizacionais,
mesmo que eles queiram apenas ser isso ou queiram ser mais do que isso, mas isso terá que
ser objecto de outro estudo. Portanto, a gramática de regras da organização escolar e a
estruturação em continuum díptico são dimensões macro e meso que provam que as
organizações escolares como entidades autónomas, na acepção forte do conceito, só
poderão tornar-se realidade se, por um lado, o ME prescindir de uma das suas prerrogativas
fortificantes: regular e administrar centralmente para além do controlo homogeneizador que
exerce sobre todo o processo e, por outro, se os mesoactores forem sujeitos de uma
estruturação organizacional escolar de alta intensidade. Caso contrário, a possibilidade de
uma estruturação organizacional escolar de alta intensidade estará condenada a ser uma
réstia quimérica do período autogestionário.
Sincronicamente parecem delinear-se e conjugar-se os traços que apontarão,
porventura, para a problematização da emblemática designação gestão democrática da
escola pública, já que nos parece que terá já avançado do mero estádio crepuscular um
período que, à falta de melhor e para deixar diacronicamente um carimbo da existência
daquela, se poderá designar por pós-gestão democrática.
Terminamos apontando aquele que nos parece ser um aspecto mais débil desta
dissertação de mestrado, pelas razões aduzidas e que nos dispensamos de repetir, a
exiguidade da análise em relação à configuração poliédrica da realidade total. Se a exigência
e a aproximação à perfeição exequível foram sempre nossa preocupação não a descurámos
relativamente a este aspecto, mas esta limitação não pode deixar de ser entendida como uma
limitação própria de um trabalho com as características, os requisitos e o alcance de um
trabalho de investigação que formalmente é uma dissertação de um curso de mestrado.
280
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CONCLUSÃO - Universidade do Minho