A Criminalização dos Movimentos Sociais Marco Antônio Ferreira Lima Criminalizar, no sentido estritamente técnico, é dar tipicidade a um fato. Essa tipicidade implica não só indicar o que venha a ser crime, como dar à ele o tratamento adequado, sua definição e em destaque proporcionalidade quanto a sanção imposta. O Direito Pátrio não trás normas de proibição, mas sim, descritivas, onde se descreve o fato típico e a ele se estabelece uma sanção. Há por detrás disso, um pacto social, no qual o ordenamento jurídico surge, a partir de preceitos constitucionais garantistas, sempre, na proposta de pacificação social. O Estado é mero organizador e guardião da norma jurídica, sendo que o direito, por ele tutelado é da sociedade. Entenda-se por sociedade não discordâncias individuais, mas sim, um pacto comum e voltado a esse interesse comum. Ao se assegurar tutela de um bem jurídico, o que se procura proteger não é necessariamente os bens individualmente considerados, mas ele em si, como vida, patrimônio, liberdade, destaca-se, sempre na proposta de pacificação social. A raiz está além da mera legalidade, mas dentro do devido processo legislativo, gerado pelo pacto social e segmentado pelos princípios sejam esses explícitos ou implícitos. Surge o garantísmo, talvez iniciado com “João Sem Terra” e consagrado com a Revolução Francesa. O que aqui é essencial se estabelecer, no campo dúplice legalidade-tipicidade é se apurar se o fato é típico ou não. Não há direito absoluto e direito não se confunde com garantia. O direito é em tese disponível enquanto que a garantia integra a pessoa com sua dignidade, na seqüência do pacto social, portanto, indisponível. Garantia transcende a individualidade e é indestacável da condição humana. Integra a universalidade e suas gerações desde o homem como ser social até a bioetica e o biodireito. Compete assim ao Estado Democrático e de Direito assegurar os preceitos garantistas e preservar o direito, na sua obrigação tutelar de zelar pela pacificação social. Liberdade alguma é absoluta. O limite da liberdade de expressão está delimitada pelos crimes contra a honra, a liberdade de gênero pela individualidade e tutela da intimidade, essa, cada vez mais exposta. Os chamados movimentos sociais, nada representam, além de um misto entre liberdade de expressão sob o manto de livre direito de associação para fins pacíficos. É o que se tem dentro de um Estado legítimo e democrático de direitos. Sempre encontraremos no direito fatos que, em si considerados, não constituem crime. Entretanto, fatos que a ele atrelados sim. A prostituição é um exemplo disso, quando ela em si é atípica mas sua exploração sob várias formas constitui crime. Dentro dos movimentos sociais, prefiro definir como, liberdade de expressão e manifestação, há que se preservar a ordem garantista. Isso não implica em criminaliza-los, mas sim, assegurar que seus desvios venham a atingir a proposta de um pacto social de pacificação e ordem jurídica e social. Nessa proposta de direito de manifestação e liberdade de expressão e pensamento, por exemplo, veda-se o anonimato. Veda-se a destruição ao patrimônio público e privado, assim como, a liberdade individual. Em nenhum momento, sob pena de se atingir preceitos garantistas, se pode dar tratamento de crime aos movimentos sociais, repito, que prefiro tratar como direito de manifestação. Porém é dever do Estado, detentor da norma jurídica, preservar essa norma e dar o devido procedimento legal para todo e qualquer ato correlato que, em si, constitua crime. A questão não está em criminalizar – nome impróprio para dizer dar tipicidade – ao direito de manifestação, mas sim, reprimir ações que a pretexto desse exercício venham a constituir crime. Em qualquer ação coletiva existem aqueles que a deturpam, dando a um segmento com propostas sérias, o viés de crime. A esses devem ser impostas sanções por seus crimes, mas não as liberdades nela envolvidas. Não há que se falar em crime político ou contra o Estado Democrático de Direito, na proporção que não se pode falar na aplicação da Lei de Segurança Nacional. Crime não pode ter a liberdade de expressão como escudo. A Constituição trata no seu artigo 5o. do terrorismo. Mas esse, tecnicamente, não existe. Isso porque não há crime sem lei anterior que o defina e nem pena, sem prévia cominação legal. Esse é um antigo vício do legislador nacional. Constituição tratando de crime hediondo em 1988. Lei dando regulamentação em 1990. Tortura em 1997. E o terrorismo ? São 26 anos sem definir o que seja ou se estabecendo sanção. Lacuna legislativa e omissão do legislador, como se disse, usual. É o impacto impressionista forçado diante de um fato social. O legislador nacional acaba legislando por pressão social e nem sempre, adequadamente. Cria a inflação legislativa, num emaranhado de leis que se nem o técnico consegue conhecer todas, quem dirá a sociedade para quem é dirigida. Isso terá como consequência a flexibilização não da legalidade, mas do princípio de que ninguém pode deixar de cumprir a lei dizendo que não a conhece. Nossa conclusão, portanto, não é no sentido de se dar tipicidade aos movimentos sociais, mas dar o devido tratamento legal aos crimes que deles possam derivar como preservação da pacificação social, fruto de um pacto social, elemento basilar do Estado Democrático de Direito e do Garantísmo.