REPERCUSSÃO GERAL
OU UNIFORMIZAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA?
Luiz Cláudio Amerise Spolidoro
"É proposta antiga do legislador processual civil a uniformização da
jurisprudência, como base a impedir a desestabilização da ordem social,
medida essa que, de acordo com o que vaticina o art. 479 e incisos do
Código de Processo Civil, é de competência de qualquer juiz ao dar seu
voto na turma, câmara, ou grupo de câmaras."
Fontes do direito são modos de formação e revelação das normas
jurídicas, visando a ordem social.
As fontes formais do direito podem ser principais ou acessórias. A
fonte principal é a lei, ao passo que o costume, a analogia e os princípios
gerais do direito são fontes formais acessórias. Por outro lado, são fontes
não-formais, para a maioria dos juristas, a doutrina e a jurisprudência.
Representam os elementos centrais da elaboração jurídica, a própria
matéria-prima a partir da qual se produzem as normas. Correspondem ao
fato social e ao valor, que são conjugados para a construção de uma lei.
Fato social equivale a todo acontecimento de extrema importância
para a vida coletiva, a ponto de comprometer as relações sociais se não
for disciplinado pelo direito. Quando menos importante, o fato permanece
apenas social e eventualmente tratado por outras esferas reguladoras da
conduta humana (moral, religião, moda etc.).
Valor representa o modo como a sociedade interpreta e reage ao
fato, condenando-o, tolerando-o ou exigindo-o; logo, o valor define o
tratamento que a lei deve dar ao fato social, segundo parâmetros éticos da
sociedade, que são os elementos que atribuem forma à conjugação entre
fato e valor, exteriorizando o tratamento dado a eles por um instrumento
normativo.
Isso significa que toda fonte formal tem por característica constante
expressar-se enquanto regra jurídica. Tais fontes dividem-se em estatais e
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não-estatais;
as
correspondem
à
primeiras
lei
e
à
são
produzidas
jurisprudência;
pelo
as
Poder
Público
não-estatais
e
decorrem
diretamente da sociedade ou de seus grupos e segmentos, sendo
representadas pelo costume, pela doutrina, pelo poder negocial e pelo
poder normativo dos grupos sociais.
Portanto, as fontes do direito são essenciais ao desenvolvimento e à
formação da ordem social, em especial a jurisprudência. E isso por ser ela
a ciência das leis. Consoante preleciona Silvio de Salvo Venosa: É
aplicado o nome jurisprudência ao conjunto de decisões dos tribunais, ou
uma série de decisões similares sobre uma mesma matéria.
E
qual
dicotômica
a
a
separadamente,
repercussão
resposta.
das
A
turmas
na
ordem
primeira
ou
diz
câmaras
social
dessas
respeito
ao
julgadoras
decisões?
É
entendimento,
a
respeito
de
determinada matéria. Assim, havendo de ser decidida certa matéria num
caso concreto, dependendo da turma ou câmara julgadora, o entendimento
pode ser igual a outras turmas ou câmaras, ou divergente. Tem-se daí, ao
sabor da construção cultural dos julgadores, caminhos diversos a respeito
de um mesmo tema. A segunda resposta é que, embora possa aparentar
procedimento democrático a exposição diferencial de turmas ou câmaras
julgadoras a respeito de questões postas para exame dos tribunais, em
verdade, dá-se um excesso que ultrapassa os interesses da ordem social
para gerar instabilidade nas relações vividas em sociedade e, com isso,
colocar em risco ou desprestígio a segurança jurídica.
É proposta antiga do legislador processual civil a uniformização da
jurisprudência, como base a impedir essa desestabilização, medida essa
que, de acordo com o que vaticina o art. 479 e incisos do Código de
Processo Civil, é de competência de qualquer juiz ao dar seu voto na
turma, câmara, ou grupo de câmaras, solicitando o pronunciamento do
tribunal acerca da interpretação do direito quando verificar que a respeito
ocorre divergência, ou no julgamento recorrido a interpretação for diversa
da que lhe haja dado outra turma, câmara, grupo de câmaras ou câmaras
cíveis reunidas. Por outro lado, uma das partes ou todas as partes
envolvidas num determinado litígio pode(m) requerer pronunciamento
prévio, o qual ainda não é o julgamento da causa, mas apenas a
2
enunciação do conteúdo de alguma(s) regra(s) jurídica(s) ou da sua
extensão quanto à incidência ou aplicação. Assim, a(s) parte(s) pode(m)
requerer o prejulgamento pelo tribunal, criando-se daí uma regra jurídica
nova. Infelizmente, neste aspecto, tanto advogados, procuradores (dos
Estados, Municípios) promotores de justiça, procuradores de justiça,
quanto juízes, desembargadores e ministros jamais se deram ao trabalho
do manuseio deste importante instrumento de provocação da necessidade
social.
E isso muito se tem a lamentar, posto que, na expressão de Pontes
de Miranda:2
Se alguma sentença ou outra decisão, que se não haja de
considerar sentença, diverge de outra, em qualquer elemento
relativo à
incidência ou à aplicação de regra jurídica, uma delas é injusta, porque se
disse a no tocante a uma das demandas e b, mesmo não a, a propósito da
quaestio iuris, ou das quaestiones iuris, que em ambas aparecem. Tem-se
de evitar isso, e aí está a razão de algumas medidas constitucionais ou de
direito processual que tem por fito corrigir ou evitar a contradição
na
jurisprudência. Um dos exemplos mais relevantes é o de admitir-se recurso
extraordinário sempre que haja interpretação divergente de alguma regra
jurídica federal, mesmo se é em relação ao próprio Supremo Tribunal
Federal que isso ocorre.
Esse tema, embora com instrumentalidade aparentemente diversa, já
era objeto de normatização no art. 861 do diploma processual civil de
1939, aperfeiçoado pelo diploma de 1973, que se mantém íntegro e a tanto
tempo não observado. É certo que o resultado de tal procedimento é o
verbete sumular, originário da uniformização da jurisprudência.
Em tempo relativamente recente, o Supremo Tribunal Federal, em
regulamentação da Emenda Constitucional nº 45, arroupou com nova
indumentária o vetusto instrumento, que doravante passa a ser conhecido
como matéria de "repercussão geral". Com isso, se houve inaugurados os
verbetes das súmulas vinculantes, como forma a desafogar os tribunais,
conforme salientado pelo Ministro-Presidente da Excelsa Corte, Gilmar
Mendes,3 no final do mês de abril de 2008, mas não como elemento a
exteriorizar o princípio da justiça social e da segurança jurídica, no quanto
3
não poderia ter silenciado tão ilustre jurista e de reconhecida capacidade
julgadora. Isso, contudo, não importa, tendo em vista que vivenciamos uma
sociedade de absoluta desorganização da ordem.
O fato é que um primeiro passo foi dado pelo Supremo Tribunal
Federal, seja sob qual denominação se queira lhe atribuir, e é relevante. O
equívoco do legislador, a meu sentir, foi ter lançado o tema para a sede da
facultatividade – circunstância da preexistência humana –, postergando a
cogência de que a norma devia vir revestida. Doutro ângulo, o prejulgado
não contém em si a pretensão do per saltum de que tratava o art. 116 da
Carta de 1967 e sua Emenda n° 1, pois, em verdade, guarda consigo mais
a aparência de evitar a divergência e, pois, o recurso posterior.
A verdade é que a falta de zelo a tal princípio, quer por parte dos
julgadores das respectivas turmas, câmaras ou câmaras cíveis reunidas ou
pelas partes, por pouco mais ou menos de setenta anos, ensejou não só o
abarrotamento dos tribunais, mas a inconsistência da segurança jurídica e
da efetivação da justiça. Com isso, o volume incontrolável de ações de
idêntico teor, de determinada regra jurídica, tratada sob policromia entre
turmas e câmaras, ensejando aos menos inspirados no controle da
distribuição da justiça, em especial os profissionais indispensáveis à
promoção da justiça, a conseqüência inspiradora da Carta Maior, que é a
construção de uma sociedade justa e seu destaque como valor supremo.
NOTAS
1 Direito Civil: parte geral. São Paulo: Atlas, 3. ed., 2003.
2 Comentários ao Código de Processo Civil, Tomo VI, 3. ed., p. 3.
3 Três anos depois de sua criação pela Emenda Constitucional nº
45(Reforma do Judiciá-rio), a repercussão geral começa a mostrar efeitos
nos trabalhos do Supremo Tribunal Federal. O mais relevante deles,
segundo o Ministro Gilmar Mendes, é a redução na distribuição de
processos à Corte. Quando o STF declara a existência da repercussão
geral em um determinado tema, os tribunais locais (estaduais e federais)
suspendem o envio de recursos semelhantes até que o Plenário julgue o
caso, diminuindo assim o fluxo de processos. Depois do julgamento
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definitivo no Supremo, o resultado deve ser aplicado aos demais processos
de idêntica matéria pelas instâncias inferiores. Todas essas práticas e
regras, que prometem mudar o perfil da mais alta Corte de Justiça do País,
estão previstas na Lei nº 11.418, que regulamentou a repercussão
impondo alterações ao Código de Processo Civil, bem como no Regimento
Interno do Supremo. O princípio da repercussão geral permite que o STF
deixe de julgar casos sem relevância social, econômica, política ou jurídica
e dedique mais tempo aos recursos extraordinários que discutem questões
constitucionais e que ultrapassem o interesse subjetivo das partes do
processo. A repercussão geral não tira do cidadão o direito de recorrer de
uma decisão judicial, uma vez que é livre o recurso para os tribunais
locais. A partir do dia 3 de maio deste ano, quando o Supremo
regulamentou o processamento da preliminar de repercussão geral, ficou
definido que a fundamentação da repercussão geral seria exigida nos
recursos extraordinários, que devem trazer matéria relevante que atinja um
grande número de pessoas. Para o Ministro Gilmar Mendes, a repercussão
é um dos caminhos para aplacar a crise numérica que agrava a situação
do Supremo já há alguns anos. Cada Ministro recebeu pouco mais de 10
mil processos em 2007 contra os dois mil processos que cada Ministro
recebia ao ano no início da década de 90. "O importante é que está
havendo uma seleção e o número de processos distribuídos vem caindo",
afirma Gilmar Mendes. (Consultor Jurídico, 04.05.08, por Maria Fernanda
Ederlyi.)
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