A REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COMO INSTRUMENTO DE GESTÃO JUDICIÁRIA RENATO LUÍS BENUCCI Juiz Federal Titular da 5ª Vara de Campinas, Especialista em Direito Público pela PUC, Mestre e Doutor em Direito Processual pela USP. 1. Introdução Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, havia grande expectativa de que, com a criação do Superior Tribunal de Justiça, o Supremo Tribunal Federal pudesse desincumbir-se com maior celeridade da tarefa de julgar as ações originárias e os recursos de sua competência. Entretanto, não foi isto que ocorreu. No intuito de estabelecer um freio aos inúmeros recursos extraordinários que abarrotam os escaninhos do Supremo Tribunal Federal, passaram a ser inseridos, paulatinamente, requisitos de admissibilidade com o objetivo de diminuir o número de recursos que alcançam o Supremo Tribunal Federal. A repercussão geral segue tal tendência constritiva. Assim, procurando minimizar o problema da lenta tramitação dos recursos extraordinários no Supremo Tribunal Federal, em razão do excessivo número de feitos, a Emenda Constitucional 45/2004 introduziu o § 3º ao art. 102 da Constituição Federal de 1988, e instituiu como requisito de admissibilidade, no recurso extraordinário, a repercussão geral da questão constitucional suscitada, tendo como inspiração a antiga argüição de relevância. Assim dispõe o art. 102, § 3º: “No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros”. A eficácia deste dispositivo, por tratar, segundo a clássica denominação de José Afonso da Silva, de norma constitucional de eficácia limitada e aplicabilidade mediata, dependia de lei regulamentadora da matéria, para precisar os contornos do procedimento referente à apreciação da repercussão geral, que veio a lume com a Lei 11.418, de 19 de dezembro de 2006. 1 A doutrina denomina a repercussão geral também de transcendência, e de fato, com o advento da repercussão geral, para que o Supremo Tribunal Federal aprecie a questão constitucional debatida no recurso extraordinário, a questão deve transcender o plano estritamente jurídico (transcendência jurídica). Além disto, a questão deve transcender o simples interesse subjetivo da causa, de modo a atingir alcance geral (transcendência individual). Buscou-se, assim, reconduzir o Supremo Tribunal Federal ao seu papel de intérprete precípuo da Constituição e guardião da adequação das normas infraconstitucionais ao texto constitucional, na medida em que os temas trazidos à discussão tenham relevância, transcendendo o âmbito puramente individual da demanda. Parte da doutrina1 entende que a criação da repercussão geral fere o princípio do acesso à justiça (art. 5°, XXXV da Constituição Federal de 1988). Contudo, a posição doutrinária que prestigia o cariz de Tribunal Constitucional do Supremo Tribunal Federal é defendida, entre outros, por Miguel Reale Junior2, para quem a repercussão geral é compatível com a competência de uma Suprema Corte no campo constitucional, que deve ocupar-se apenas com questões de relevo e de interesse geral. Com efeito, o acesso à jurisdição é garantido pela possibilidade de recurso das causas já julgadas pelo juiz de primeiro grau, uma única vez, conforme a abrangência em que foi delimitada a garantia do duplo grau de jurisdição, e não pela litigiosidade contínua e postergatória, possibilitada por um número excessivo de recursos, que não derivam da garantia do duplo grau de jurisdição, como é o caso típico do recurso extraordinário. Além de a repercussão geral caracterizar-se como instituto prestigiador da função de Tribunal Constitucional do Supremo Tribunal Federal, deve ser entendida também como um instrumento de gestão judiciária, a permitir a tramitação mais célere dos processos judiciais, tendo como objetivo o sobreprincípio da “efetividade da atividade jurisdicional”, verdadeira pedra fundamental sobre a qual se edifica o processo civil moderno. Por uma questão de simetria, instrumento semelhante deve ser introduzido pelo legislador constituinte derivado também para o recurso especial, no âmbito 1 Nesse sentido o entendimento de AURELLI, Arlete Inês. Repercussão geral como requisito de admissibilidade do recurso extraordinário. Repro, n. 151. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 147-149. 2 Valores Fundamentais da reforma do Judiciário. Reforma do Judiciário. Revista do advogado, n. 75, ano 24.São Paulo:AASP, abril de 2004, p. 80. 2 do Superior Tribunal de Justiça, uma vez que nem todas as questões em que é discutida a lei federal, em sede de recurso especial, por óbvio, são relevantes. De fato, no Projeto de Emenda Constitucional (PEC) 29, do qual resultou a Emenda Constitucional 45/2004, constava a inclusão da “repercussão geral” como requisito de admissibilidade até mesmo do recurso especial, proposta que acabou não sendo aprovada. Contudo, ainda tramita a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 358, de 2005, que permitirá ao legislador infraconstitucional estabelecer os casos de inadmissibilidade do recurso especial por falta de repercussão geral. Verifica-se, portanto, a nítida tendência do legislador nacional em introduzir instrumentos de angustura dos recursos submetidos aos órgãos de cúpula do Poder Judiciário. Tais instrumentos são aplicados por inúmeros outros países, como Estados Unidos e Alemanha, e devem ser recebidos não como formas de cercear o livre acesso ao Poder Judiciário ou à ampla defesa, mas antes como importantes mecanismos de gestão judiciária. 2. Natureza jurídica A exigência da repercussão geral possui natureza jurídica de requisito de admissibilidade do recurso extraordinário, uma vez que, em sua ausência, o recurso extraordinário não será conhecido pelo Supremo Tribunal Federal. De fato, como a repercussão geral deve ser aferida anteriormente ao julgamento de mérito, e somente se presente tal repercussão geral é que o recurso extraordinário será apreciado, cuida-se de verdadeiro requisito de admissibilidade. Assim, o juízo de admissibilidade torna-se bipartido: haverá um juízo de admissibilidade realizado provisoriamente pelo Tribunal a quo sobre os requisitos gerais de admissibilidade e demais requisitos específicos; e haverá um juízo de admissibilidade realizado exclusivamente pelo Supremo Tribunal Federal, para a análise da repercussão geral. A apreciação desse requisito cabe apenas ao Supremo Tribunal Federal, não podendo o tribunal de origem sobre ele se manifestar. Em síntese, pode-se definir a natureza jurídica da repercussão geral como um requisito de admissibilidade para todos os recursos extraordinários, inclusive em matéria penal. 3 3. Antecedentes históricos Sem dúvida, o principal antecedente histórico da “repercussão geral” foi a “arguição de relevância”, prevista na Constituição de 1967 (Emenda Constitucional 1/1969), na qual foi introduzida pela Emenda Constitucional 7/1977. Entretanto, há nítida diferenças entre tais institutos. De fato, embora tanto a repercussão geral como a arguição de relevância tenham a mesma finalidade, ou seja, fazer com que o Supremo Tribunal Federal profira decisões em sede de recurso extraordinário que tenham interesse geral, são institutos distintos. De fato, enquanto a arguição de relevância configurava-se como um prérequisito de admissibilidade, ou seja, cuidava-se de incidente preliminar ao juízo de admissibilidade do recurso extraordinário, no atual sistema, a presença da repercussão geral, analisada pelo próprio Supremo Tribunal Federal, caracterizase como verdadeiro requisito de admissibilidade. Além do que, a argüição de relevância estava restrita à análise de matéria infraconstitucional, pois no regime constitucional anterior o recurso extraordinário podia analisar tanto questões relacionadas à lei federal como questões constitucionais, enquanto a repercussão geral analisa apenas questões constitucionais, uma vez que não foi previsto tal requisito de admissibilidade para o recurso especial. Há outra distinção fundamental: a arguição de relevância, originária do regime ditatorial, poderia ser julgada em sessões secretas do Supremo Tribunal Federal sem necessidade de fundamentar as decisões, enquanto a repercussão geral deve ser apreciada com ampla publicidade (garantida pelo “canal da repercussão” no página eletrônica do Supremo Tribunal Federal), com decisões devidamente fundamentadas (art. 93, IX da Constituição Federal de 1988). Outra fonte inspiradora da sistemática adotada pela Lei 11.418/2006, foi o art. 14, § 4º, da Lei 10.259/2001, que criou os Juizados Especiais Federais. De fato, tal dispositivo prevê que, quando há decisão da Turma Nacional de Uniformização, em questões de direito material, contrária a Súmula ou à jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal, o relator pode conceder liminar, de ofício ou a requerimento das partes, para suspender todos os processos com idêntica controvérsia, inclusive outros pedidos de uniformização e recursos nas Turmas Recursais. 4 Assim, apenas com o julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça ou pelo Supremo Tribunal Federal, os recursos, até então sobrestados, serão julgados, com a manutenção ou a retratação da decisão, para adequá-la ao entendimento firmado pelas Cortes Superiores. Por meio da Emenda Regimental 12/2003 (hoje revogada pela Emenda Regimental 21/2007), o Supremo Tribunal Federal acrescentou § 5º ao art. 321 de seu Regimento Interno, conferindo eficácia erga omnes às decisões proferidas nos recursos extraordinários interpostos no âmbito dos Juizados Federais, e evitando a subida de recursos extraordinários de questões repetitivas, eficácia esta que apenas era concedida às decisões proferidas no controle abstrato da constitucionalidade. Este mecanismo da Lei 10.259/2001 serviu de inspiração ao tratamento dos processos múltiplos no âmbito da repercussão geral, por meio da Lei 11.418/2006 e da Emenda Regimental 21/2007. 4. Finalidades A finalidade do legislador constituinte derivado, ao introduzir a repercussão geral em nosso ordenamento jurídico, foi firmar o papel do Supremo Tribunal Federal como verdadeira Corte Constitucional. Ou seja, permitir que o Supremo Tribunal Federal analise apenas questões relevantes para a ordem constitucional, cuja solução extrapole o interesse subjetivo das partes. 5. Regulamentação e direito intertemporal O § 3°, do art. 102, da Constituição Federal de 1988, foi regulamentado pela Lei 11.418/2006, que inseriu os arts. 543-A e 543-B ao Código de Processo Civil. O art. 3º, da Lei 11.418/2006, dispõe que: “compete Supremo Tribunal Federal estabelecer as normas necessárias à execução desta lei”, tendo o Supremo Tribunal Federal, em função desta permissão legal, modificado os arts. 322-A e 328 de seu Regimento Interno, pela Emenda Regimental nº 21/07, em 03 de maio de 2007. Assim, embora a data de vigência da Lei 11.418/2006 tenha sido 18 de fevereiro de 2007 (por força do art. 5º da Lei 11.418/2006, que determinou uma vacatio legis de 60 dias a partir da publicação), o Supremo Tribunal Federal definiu que a exigência da repercussão geral deve ser aferida apenas a partir de 03 de maio 2007, data da entrada em vigor da regulamentação da matéria pela 5 Emenda Regimental 21/07 ao Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF), em função de decisão adotado em Questão de Ordem no Agravo de Instrumento (QOAI) 664567/RS. 6. Conceito O § 1º do art. 543-A contém o conceito legal de repercussão geral, ou seja, a “existência ou não, na questão controvertida, de questões relevantes sob a ótica econômica, política, social ou jurídica, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa”. O legislador optou por estabelecer um “conceito jurídico indeterminado”, e atribuiu ao julgador (in casu, o próprio Supremo Tribunal Federal) a incumbência de determiná-lo em face dos aspectos particulares de cada caso. O § 2° do art. 543-A exige que a demonstração da existência da repercussão geral, como ônus do recorrente, venha explicitada como matéria preliminar nas razões do recurso extraordinário. Desse modo, em um item separado de seu recurso extraordinário, a parte recorrente deverá deduzir a relevância do fundamento da impugnação, e de acordo com o § l° do art. 543-A, deverá demonstrar significativa repercussão econômica, política, social ou jurídica. 6.1. Presunção legal de repercussão geral O § 3.° do art. 543-A do Código de Processo Civil pressupõe, de modo expresso, a existência de repercussão geral nas hipóteses em que o recurso extraordinário impugnar acórdão, cujo fundamento contrariar súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal. Isto decorre da valorização cada vez maior da jurisprudência e das súmulas no ordenamento jurídico nacional. Exemplo disto é a Lei 9.756/98, que deu nova redação ao art. 557 do Código de Processo Civil, possibilitando o indeferimento liminar de qualquer recurso, pelo relator, quando seu fundamento colidir “com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior”. A criação da súmula vinculante, pela Emenda Constitucional 45/2004, regulamentada pela Lei 11.417/2006, aponta no mesmo sentido de valorização da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Neste contexto, o § 3º do art. 543-A do Código de Processo Civil estabelece uma presunção legal de repercussão geral, ao dispor que, na hipótese 6 de a decisão impugnada afrontar súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ao recorrente apenas caberá demonstrar a contrariedade do acórdão recorrido com a jurisprudência ou súmula, sem a necessidade de demonstração, in casu, da relevância econômica, política, social ou jurídica da questão constitucional debatida. 7. Competência O § 2º do art. 543-A deixa claro que o tribunal a quo não poderá negar trânsito ao recurso extraordinário sob o fundamento de inexistência de repercussão geral, pois a apreciação deste requisito é exclusiva do Supremo Tribunal Federal. Isto facilmente se explica, porque, em consonância com o art. 102, § 3°, da Constituição Federal de 1988, o recurso somente pode ser inadmitido, por falta de repercussão geral, por 2/3 (dois terços) dos Ministros do Supremo Tribunal Federal. Para evitar desnecessária sobrecarga ao Tribunal Pleno, o § 4° do art. 543A determina que, se a turma decidir pela existência de repercussão geral pelo mínimo de 4 votos, não será necessário o referendo do plenário, vale dizer, o recurso extraordinário terá preenchido tal pressuposto, sendo, portanto, processado e julgado sem ser analisado pelo Plenário. O motivo desta regra é óbvio, pois com 4 votos pela existência da repercussão geral, não poderiam ser alcançados os 2/3 (dois terços), ou seja, os 8 (oito) votos necessários para o não conhecimento do recurso. Caso contrário, ou seja, se não atingido o mencionado quorum (4 votos), o recurso extraordinário deverá ser submetido ao plenário, visto que o não conhecimento do recurso pela inexistência de repercussão geral reclama um mínimo de 2/3 (dois terços) dos votos dos Ministros do Supremo Tribunal Federal. A exigência de expressiva maioria dos Ministros do Supremo Tribunal Federal para o veredicto de inexistência de repercussão geral constitui, segundo posicionamento dominante, garantia às partes, evitando o monopólio de poder decisório nas mãos do relator sobre tema de significativa importância. Contudo, cabe indagar se esta maioria qualificada de 2/3 (dois terços), para a recusa de repercussão geral no recurso extraordinário, guarda compatibilidade sistemática com os quoruns exigidos pelo Supremo Tribunal Federal. E, de fato, respeitadass as opiniões divergentes, verifica-se autêntica 7 incongruência, pois o quorum normal de votação de questões do Supremo Tribunal Federal, quanto a questões constitucionais, é de maioria absoluta. Apenas em casos excepcionais, como no caso de restrição de efeitos da declaração de inconstitucionalidade, para que venha a ter eficácia a partir do trânsito em julgado da decisão, ou em outro momento, e por razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, é exigido o quorum de 2/3 dos Ministros, conforme o disposto no art. 27 da Lei n. 9.868/99, motivo pelo qual concluo que tal quorum de 2/3 (dois terços) dos votos dos Ministros do Supremo Tribunal Federal para decidir sobre um mero requisito de admissibilidade de recurso extraordinário, é demasiado e assistemático, pois deveria ser adotado o quorum de maioria absoluta. Por outro giro, embora haja temores que a apreciação da repercussão geral pelo Plenário sujeitaria tais incidentes à longa e demorada pauta de julgamentos do Tribunal Pleno, verifica-se que o enfrentamento deste problema pela administração da Suprema Corte tem sido eficaz, com a criação dos mecanismos do “plenário virtual” e do “canal da repercussão geral”, analisados infra. De qualquer sorte, pela sistemática adotada, a rejeição do recurso extraordinário por ausência de repercussão geral apenas pode ser realizada pela manifestação do Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal, enquanto que o reconhecimento da repercussão geral pode ser realizado pela Turma, por, no mínimo, 4 (quatro) votos. 8. Procedimento O recorrente deverá demonstrar a existência da repercussão geral em preliminar do recurso extraordinário, em tópico específico. O recurso não poderá ser indeferido pelo Tribunal de origem por falta de repercussão geral, sob pena de usurpação de competência. Caso isso ocorra, além do agravo de instrumento contra decisão denegatória, o interessado deverá interpor reclamação para o Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 156 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF). Em relação à repercussão geral, o único ato de oficio que o tribunal de origem poderá tomar é o previsto no art. 543-B, § 1° do Código de Processo Civil, qual seja, selecionar um ou mais recursos com o mesmo objeto e encaminhá-los ao Supremo Tribunal Federal, sobrestando os demais até o julgamento definitivo da repercussão geral pela Corte Suprema. 8 Com efeito, a repercussão geral permite minimizar o impacto da multiplicidade de recursos extraordinários baseados em idêntica questão constitucional controvertida. Assim, existindo repetição de recursos sobre o mesmo tema, aos Tribunais de origem cabe a tarefa de procederem à seleção de recursos sobrestando o processamento dos demais, até o pronunciamento definitivo pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (art. 543-B, § 1º). Consoante o § 2º do art. 543-B, definida a inexistência de repercussão geral, os recursos extraordinários sobrestados “considerar-se-ão automaticamente não admitidos”. Se, pelo contrário, conhecido e julgado o mérito de recurso extraordinário versando matéria idêntica, todos os demais recursos extraordinários que ficaram sobrestados serão apreciados pelos próprios Tribunais de origem, turmas de uniformização ou turmas recursais, que poderão declará-los prejudicados ou retratarem-se (art. 543-B, § 3°). Em outras palavras, estando o acórdão de origem em conformidade com a decisão de mérito do recursos extraordinário que versar sobre matéria idêntica, os Tribunais de origem consideram prejudicados os recursos extraordinários sobrestados e eventuais agravos de instrumento. Por outro giro, caso o acórdão de origem seja contrário à decisão de mérito do recurso extraordinário que versar sobre matéria idêntica, os Tribunais de origem verificam a admissibilidade do recurso extraordinário e o encaminham à Turma, Câmara ou Seção para eventual retratação. Caso haja inadmissibilidade do recurso extraordinário decorrente da ausência de outro pressuposto de admissibilidade, e caso interposto agravo de instrumento, o Tribunal de origem mantiver a decisão de não recebimento do recurso extraordinário, o agravo de instrumento interposto será encaminhado ao Supremo Tribunal Federal para análise, já que eventual juízo de retratação da decisão proferida no acórdão pelo tribunal de origem dependeria da admissibilidade do recurso extraordinário. Não ocorrendo qualquer uma destas hipóteses, o recurso sobe ao Supremo Tribunal Federal, que poderá “cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão contrário à orientação firmada” (art. 543-B, § 4°). Como visto, o § 4° do art. 543-A, do Código de Processo Civil, estabelece que a existência de repercussão geral, pelas Turmas, deverá ser declarada por, no mínimo, 4 (quatro) votos, para dispensar o encaminhamento ao Plenário do 9 Tribunal. Caso esta votação não seja alcançada, o recurso será encaminhado para o Pleno para apreciação da repercussão geral. Pela Emenda Regimental 21/2007, o Presidente do Supremo Tribunal Federal, pela Secretaria Judiciária, seleciona e devolve à origem os processos múltiplos com recurso extraordinário posteriores a 3 de maio de 2007, que nem serão distribuídos. O presidente também prioriza a pauta dos processos com repercussão geral e deve dar publicidade às decisões sobre repercussão geral no órgão de publicação oficial e no página eletrônica do Supremo Tribunal Federal. Os demais Ministros do Supremo Tribunal Federal submetem, de cada matéria, um único recurso extraordinário à análise da repercussão geral e devolvem os demais aos Tribunais ou Turmas Recursais de origem, e uma vez negada a repercussão, recusam o recurso extraordinário. Caso seja reconhecida a repercussão, pedem dia para julgamento do mérito apenas naquele feito. É importante ressaltar que a decisão do Supremo Tribunal Federal, em caso de negativa de repercussão geral, terá eficácia sobre todos os demais recursos extraordinário que versem sobre matéria idêntica, os quais também serão indeferidos (art. 543-A, § 5°do Código de Processo Civil). O art. 543-A, § 6° do Código de Processo Civil incluiu hipótese de manifestação por intervenção durante o julgamento da repercussão geral, a que a doutrina denomina de “intervenção do amicus curiae”. 9. Intervenção do amicus curiae Repetindo regra constante em outros diplomas legais, como na Lei 6.875/76 (intervenção da CVM); na Lei 8.884/94 (intervenção do CADE); nas Leis 9.868/99 e 9.882/99 (amicus curiae no controle concentrado de constitucionalidade); na Lei 11.417/2006 (amicus curiae na súmula vinculante), a Lei 11.418/2006 também prevê a possibilidade de participação do amicus curiae em sede da análise da repercussão geral, ao introduzir o § 6º, do art. 543-A, no Código de Processo Civil. O amicus curiae é um auxiliar do juízo. A etimologia da expressão criada pela doutrina revela este sentido, pois significa “amigo da cúria”, ou “amigo da corte”. Trata-se de uma intervenção cujo objetivo é apoiar tecnicamente o magistrado na decisão a ser proferida. Na análise da repercussão geral, a intervenção do amicus curiae tem por finalidade proporcionar ao Supremo Tribunal Federal o pleno conhecimento de todas as implicações e repercussões de seus julgamentos, pluralizando o debate 10 constitucional. É uma forma de legitimar as decisões do Supremo Tribunal Federal, em especial aquelas que projetam eficácia sobre um número considerável de jurisdicionados. Cabe esclarecer que a intervenção do amicus curiae não é espécie de intervenção de terceiro. Isto porque o amicus curiae não é um postulante parcial, como na intervenção de terceiros, mas tem por objetivo apenas municiar o Supremo Tribunal Federal com elementos para melhor decidir as questões acerca da repercussão geral em recurso extraordinário. 10. Irrecorribilidade e eficácia do ato decisório que afasta a repercussão geral Segundo o caput do art. 543-A, é irrecorrível o acórdão do Plenário que não conhecer do recurso extraordinário pela inexistência de repercussão geral da questão constitucional submetida à sua apreciação. Nesse caso, caso haja recursos que tenham por base a mesma preliminar de repercussão geral, o julgado terá eficácia futura para todos os casos idênticos de recursos extraordinários, que deverão ser liminarmente indeferidos. A inadmissibilidade do recurso extraordinário, em tais hipóteses, segue o regime ordinário, ou seja, o próprio relator poderá rejeitá-la, nos termos do art. 557 do Código de Processo Civil, e do respectivo Regimento Interno. Muito embora parte da doutrina entenda que não se deve pensar na repercussão geral como geradora de decisão com efeito erga omnes, o fato é que o julgado terá eficácia futura para todos os casos idênticos de recurso extraordinário em que a mesma questão controvertida esteja sendo debatida. Assim, o Supremo Tribunal Federal, em seu página eletrônica, por meio do “canal da repercussão” (analisado infra) disponibiliza a lista de questões controvertidas sobre as quais não é reconhecida a repercussão geral, possibilitando, assim, o acesso imediato dos Tribunais de origem e o indeferimento liminar do recurso extraordinário. 11. A gerência dos processo múltiplos Sem dúvida, a principal inovação da repercussão geral diz respeito ao sobrestamento dos processos múltiplos, a possibilitar que a Suprema Corte possa deixar de processar um elevado número de recursos extraordinários e concentrarse nas questões constitucionais de maior importância. De fato, como, os Tribunais inferiores apenas devem encaminhar ao Supremo Tribunal Federal poucos recursos extraordinários (até três) 11 representativos de cada matéria que esteja sendo questionada em sua jurisdição nos casos dos processos múltiplos. Os demais devem permanecer sobrestados, inclusive os respectivos agravos. O Supremo Tribunal Federal analisará cada questão constitucional nestes processos representativos. Caso seja negada a repercussão geral, o recurso extraordinário é recusado, assim como todos os outros sobre o mesmo tema. Caso a repercussão geral seja reconhecida, os ministros deverão julgar a matéria e o resultado final terá reflexos em todos os recursos extraordinários pendentes. Os ganhos obtidos com a redução de distribuição de Recursos Extraordinários são evidentes, e possibilitam a gestão judiciária do processamento dos recursos extraordinários, de modo integrado pelo Poder Judiciário. 12. A informatização do processo judicial aplicada à repercussão geral A informatização do processo judicial, indubitavelmente uma das tendências do processo civil moderno3, é peça fundamental na verificação da repercussão geral, em razão do modelo idealizado no âmbito do Supremo Tribunal Federal, por meio da Emenda Regimental 21/2007, que estabeleceu as normas necessárias à execução das disposições legais e constitucionais sobre a repercussão geral. De fato, há dois mecanismos inovadores, no âmbito da utilização do arsenal tecnológico, aplicados à repercussão geral: o “plenário virtual” e o “canal da repercussão”. De fato, as sessões para a verificação da repercussão geral já estão sendo realizadas sem a presença física dos Ministros, que têm acesso virtual ao recurso extraordinário, aos votos já proferidos, e poderão incluir os seus votos no sistema sem a necessidade da instalação de uma sessão física do Plenário, com evidentes ganhos em relação à celeridade na apreciação dos feitos Já o “canal da repercussão” é um espaço virtual reservado no página eletrônica do Supremo Tribunal Federal, para intercâmbio de informações entre a Suprema Corte, os Tribunais Superiores, os Tribunais de segundo grau e as turmas recursais de juizado especial, no que se refere aos procedimentos de implantação da repercussão geral. Este espaço virtual possibilita o conhecimento 3 BENUCCI, Renato Luís. A tecnologia aplicada ao processo judicial. Campinas: Millennium Editora, p. 61. 12 imediato das questões acerca da repercussão geral apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, bem como o controle e o gerenciamento do envio e sobrestamento dos processos múltiplos (recursos extraordinários com a mesma questão constitucional suscitada). O acesso ao portal faz-se mediante cadastramento, que é permitido aos Tribunais e coordenadorias de Juizados Especiais4. Assim, uma vez que as decisões do Supremo Tribunal Federal sobre repercussão geral são publicadas; tais decisões ficam disponíveis no portal “canal da repercussão”, da página eletrônica do Supremo Tribunal Federal (menu “Jurisprudência”, item “repercussão geral”); possibilitando aos Tribunais acompanharem o julgamento pelo Plenário Virtual, por meio de canal de comunicação específico, e mediante prévio cadastramento. O objetivo desta inovação é divulgar e uniformizar procedimentos, indicar as matérias em que já houve exame de repercussão geral, bem como as que estão em julgamento, além de ser uma via para o encaminhamento de questionamentos e sugestões. Por meio desse “canal de repercussão”, os diversos Tribunais do país devem fornecer informações sobre o número de processos sobrestados na origem, no aguardo do pronunciamento dos ministros, para que se saiba quais temas constitucionais são mais representativos, para que a Suprema Corte possa priorizar os julgamentos daqueles temas com maior repercussão geral. Além disto, todo cidadão poderá acompanhar os resultados do exame de repercussão geral das matérias sob análise da Suprema Corte, potencializando o princípio da publicidade processual. 4 www.stf.gov.br/portal/repercussaogeral 13 BIBLIOGRAFIA ARRUDA ALVIM, J. M. de. A EC n. 45 e o instituto da repercussão geral, Reforma do Judiciário (obra coletiva). São Paulo: RT, 2005. AURELLI, Arlete Inês. Repercussão geral como requisito de admissibilidade do recurso extraordinário. Repro, n. 151. São Paulo: RT, setembro de 2007. BENUCCI, Renato Luís. A tecnologia aplicada ao processo judicial. Campinas: Millennium Editora, 2007. CRUZ E TUCCI, José Rogério. Anotações sobre a repercussão geral como pressuposto de admissibilidade do recurso extraordinário (Lei 11.418/2006). Repro n. 145. São Paulo: RT, março de 2007 FÉRES, Marcelo Andrade. Impactos da EC 45/2004sobre o recurso extraordinário: a repercussão geral (ou transcendência) e a nova alínea d do inciso III do art. 102 da Constituição. Revista Dialética de Direito Processual, n. 39. São Paulo: Dialética, junho de 2006. MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil, 2. ed. São Paulo: Atlas, 2006. REALE JÚNIOR, Miguel. Valores Fundamentais da reforma do Judiciário. Reforma do Judiciário. Revista do advogado, n. 75, ano 24. São Paulo:AASP, abril de 2004. 14