Disciplina de Genética e Evolução, ano lectivo de 2002/2003 Apontamentos para as aulas teóricas Dep artam ento de Bio logia , Unive rsidad e de Évora Interpretação das distribuições genotípicas nas populações II Nes te capítulo descrevem-se e comentam-se algumas das ferramentas analíticas essenciais, baseadas na Genética de Populações, utilizadas nos estudos de Evolução. Correlação genética entre os gâmetas O facto das populações serem finitas implica que haja uma probabilidade de produzirem-se descendentes a partir de gâmetas aparentados, quer h aja ou não a possibilidade de autofertilização. Esta conjugação envolvendo genes idênticos por descendência, ou antes entre g âme tas ge netica men te correlacionados (por exemplo, entre irmãos, meios-irmãos, ou qualquer tipo de parente sco) resulta numa tend ência para o s homo zigóticos apare cerem em frequê ncia superior à da distribuiçã o de Hard y-Weinberg, em detrim ento dos respectivos heterozigóticos, mais precisamente com frequências p 2 + p(1–p)F para o homozigótico com o gene de frequê ncia p, e 2p(1–p)(1–F) para o conjunto dos heteroz igóticos Figura 7 — Fórmula determinística de F n com vários valores de h e N = 10000. com esse gene. Designa-se F como coefic iente d e fixaçã o, visto que a perpetuação do processo de conjugação entre gâmetas geneticamente correlacionados tende para a fixação dum dos alelos nesse locus, isto é, à situação em que a população é virtualmente constituída apenas por um dos homozigóticos inicialmente existentes. Esta acumulaç ão de hom ozigóticos po r conjugaçã o entre gâm etas c orrela ciona dos g enetic ame nte é e xpres sa pela fórm ula em que n referencia a geração actual (e n–1 e n–2 as imediatamente precedentes), h é a proporção de conjugações por au tofertiliz ação (valor 0 nas es pécie s dió icas, . 1 em espé cies p redo mina ntem ente autogâmicas), e N o n úme ro de in divíduo s da po pulaç ão que particip am n a repro duçã o (ass umid o nes ta equação como constante). Mesmo partindo de F = 0 (figura 7), a última parcela desta fórmula implica que logo na primeira geração haverá uma acumulação de hom ozigó ticos, que aumentará até atingir-se o valor 1; embo ra teoricamente possam coexistir nesse ponto vários homozigóticos (plausível especialmente nas espécies autogâmicas, embora não muito frequente na realidade), como o processo de acumulação é acompanhado pelo de de riva ge nética (tamb ém d epen dente do N), o resultado é geralmente a fixação dum dos alelos . Se e sta tendê ncia de fixação é universal nas populações finitas, então a existência de loci não-fixados requer uma interpretação adequada (cf. “interpretação dos polimorfismos”). Tamanh o efectivo das populaç ões (N e ) O valor de N não é, a não ser numa população rigorosamente panmíctica, representativo da diversidade Le plaisir de faire quelque chos e de parfaitement in utile... (Maurice Ravel) Disciplina de Genética e Evolução, ano lectivo de 2002/2003 Apontamentos para as aulas teóricas Dep artam ento de B iologia , Unive rsidad e de Évora genética realmente transmitida em cada ciclo de reprodução da espécie. A medida dessa diversidade é o tamanho populacional efectivo Ne, e pod e defin ir-se c omo o tam anho de um a pop ulação panmíctica isolada, hipotética, onde os gâmetas têm entre si uma correlação genética igual à da população real em estudo. O N e é o parâmetro que deve ser utilizado nas fórmulas como a do Fn acima, em lugar do número N de indivíduos que se observa intervirem na reprodução, e em certas circunstâncias pode ser muito diferente: por exem plo numa espécie dióica, mesmo que os cruzamentos sejam ao acaso mas o número de indivíduos de cada sexo diferente, ½Ne = 2/(1/N f + 1/N m ), ou s eja, a m édia harmónic a entre o número Nf de fême as e o núm ero N m de mac hos intervenie ntes, para da r N e = 4N fN m /(N f + N m ). Por exemplo, com 20 machos e 180 fêmeas, N e = 72 e não 200, e se para este número de machos houver 480 fêmeas o N e não chega a 77. Há várias equações de Ne considerando diferentes situações. Seguem-se algumas das mais representativas: a) Variação da fertilidade dos indivíduos (distribuição do número de descendentes por progenitor com méd ia 6 e variância : N e = (N 6–1)/(6–1+ 2, dando Ne = (4N–2)/(2+ / 6). É de particular relevância a situação com 6= ); se a variância for igual à média (distribuiçã o de P oisso n, ou s eja variação de fertilidade devida ao acaso), N e . N, mas se for superior (um acréscimo de indivíduos produzindo muito mais que 2 descendentes, e doutros dando 1 ou 0, por exemplo por selecção sexua l) o N e pode ser bastante inferior a N (por exemplo N e = 0,4N quando b) Variação do tamanho da = 8). população: considerando N i o tamanho da população na geração i, o Ne é a méd ia harmónica dos valores N i ao longo das n gerações, ou seja, N e = n/[Σ(1/N i)]. Se essa variação for ao acaso e não tiver grande amplitude, Ne . N, porém se ocorrerem episó dios de redução do efectivo populacional o N e pode ser bastante inferior ao N predominante (figura 8). Outra aplicação impo rtante desta fórmula do N e é em certas Figura 8 — Oscilações do tam anho da população, com e sem espécies que atr aves sam ciclos de cre scim ento a ocorrência de crises de redução drástica (bottlenecks). Na e declínio. Por exemplo, uma população com N i curva a cheio, Ne = 993, na curva a tracejado Ne = 723. 2 3 4 5 6 2 = 10, 10 , 10 , 10 , 10 , 10 , 10, 10 , ... tem N e = 54. c) Gerações sobrepostas, por exem plo a espécie hum ana: N e = N m τ, em que N m é o núme ro de indivíduos que nascem por unidade de tempo e atingem a idade média de reprodução τ (esta fórmula é válida se a taxa de natalidade N0 for constante e se a mortalidade à roda da idade τ é desprezável). Um caso particular da fórmula de Fn é quando Fn – 2 . F n–1, que a torna independente de h e permite estimar 2N e = (1–F n–1)/(F n–F n–1). Essa aproximação pode justificar-se em pelo menos duas situações: quando se verifique, da geração n–1 para a geração n, uma alteração das condições em que se dá a reprodução e se assuma que essa alteração não se aplicava anteriormente; ou quando se suponha que há diferentes valores de F em diferentes fases de desenvolvimento (cf. locus B na tabela 2) — então n–1 e n–2 são as gerações Le plaisir de faire quelque chos e de parfaitement in utile... (Maurice Ravel) Disciplina de Genética e Evolução, ano lectivo de 2002/2003 Apontamentos para as aulas teóricas Dep artam ento de Bio logia , Unive rsidad e de Évora adultas anteriores e n a nova geração, por exemplo na fase larvar ou de plântula (a estimativa de Ne será basta nte exac ta nes te cas o, m as a m anute nção de um F constante na fase adulta implica haver mecanismos que anulam o des vio de F nessa fase, cf. “vantage m de heterozigóticos”. Medidas de subdivisão populaciona l (F ST , G ST ) Situação prática: obtêm-se as frequências dos diferentes alelos num locus numa população, fazendo uma amostragem “representativa” dessa população em diferentes pontos da sua extensão geográfica; se se obtiver um desvio signific ativo da distribu ição d e Ha rdy-W einbe rg com F pos itivo, há que c olocar a questão sobre se a população é homogénea ou estratificada , seja d o pon to de vista geográfico (cruzamentos prefe renc ialme nte entre indivíduos da mesma vizinhança) ou “social” (preferência em função de certos fenótipos, por exemplo na espécie humana entre indivíduos de percentis de estatura semelhantes, ou dentro de grupos étnicos numa população mista, ou dentro de níveis socioeconómicos, etc.). Isto é, em populações estratificadas há que identificar subpopulações (às vezes chamadas demes) onde se ve rifique re al panm ixia, e e ntão c onsid erar do is (ou mais) níveis de análise: dentro de subpopulações panmícticas, e entre elas (a analogia com a análise de variância é evidente). Modelo: uma única população subdivide-se em várias subpopulações com maior ou menor grau de migração entre elas, is to é, é estratific ada. V isto que cada subpo pulação tem um valor N e finito, ao longo do tempo haverá uma divergência entre as frequências genéticas que se observam entre elas (e daí, uma variância das frequências, F2 p ), em princíp io em resulta do da deriva . Assim , a frequência dos heterozigóticos para um gene de frequência p numa população estratificada é dada por 2p(1–p)–2 F2 p’, ou seja F = F2p’/[p(1–p)] (aqui, F2 p’ refere-se à frequência n a geração anterior, p’). Esta e xplicação do F positivo é con hecido po r efeito de Wahlund. Mas dado que F é uma m edida de co rrelação entre gâmetas , então define -se uma correlação entre os gâm etas d os dife rente s indivíd uos (n ível I) du ma m esm a subp opula ção ( nível S) simbolizada por F IS, e outra em relação a toda a população (nível T), simb olizada por F IT. Para calcular F IS e FIT utilizam-se os valores das frequências dos n alelos (p i, i=1,...,n) e as frequências de heterozigóticos observados (Ho) presentes em cada subpopulação e na população como um todo: Proporção de heterozigóticos observados. , em que P ij é a frequência relativa de homozigóticos para o alelo i em cada subpopulação j; aplicando-se para a população total a mesma fórmula, ou seja com os totais acumulados de homozigóticos Pi, obtém-se Ho. Proporção de heterozigóticos esperados pela distribuição de Hardy-Weinberg ( heter ozigotia virtu al). para cada subpopulação j, em que pij representa a frequência de cada alelo i nessa subpo pulação, e como valor médio entre as s subpopulações. Para a população no seu todo, aplica-se a mesma fórmula que a de Hsj mas com as frequências globais pi, para dar H T. Le plaisir de faire quelque chos e de parfaitement in utile... (Maurice Ravel) Disciplina de Genética e Evolução, ano lectivo de 2002/2003 Apontamentos para as aulas teóricas Dep artam ento de B iologia , Unive rsidad e de Évora e , que representam a diferença relativa entre os heterozigóticos observados H o e os heterozigóticos esperados nas subpopulações ( ) ou na população no se u todo (H T). Pelo efeito de Wahlund, F IT > FIS, sendo FST = (F IT – F IS)/(1 – FIS) a me dida pa ra ess e efe ito 1 . Entre outras utilizações do FST, a sua igualdade com (1+4Nm ")–1 para o chamado modelo das ilhas (fluxo genético entre todas as subpopulações representado por um único valor m), em que N é o tamanho da po pulação (isto é, ao nível T), e " = [s/(s–1)] 2 corrige para um número de subpopulações que não seja grande, é muito utilizada para indicar o número Nm de genes que são substituídos no conjunto das subpopulações, provenientes das outras subpopulações (a nã o ser que se conh eça o valor N, m pe rmanece incó gnito, evidentemente). Dado que o efeito de Wahlund resulta em princípio da deriva genética, em princípio poderá ser descrito por uma grandeza que não dependa dos genótipos mas sim das frequ ências ge néticas em si. Para tal, define-se G ST = D ST/H T, sendo o cálculo de DST feito da seguinte maneira: é uma medida das diferenças entre as frequências genéticas pi, para o conjunto de n alelos, entre as subpopulaç ões j e k, ou s eja, é a me dida básica para o efeito da deriva genética entre cada par de subpopulações. Destes valores se obtém , e G ST, que é geralmente bastante próximo de F ST. 1 Utilizando a definição de índice panmíctico P = 1 – F, verifica-se a relação intuitiva PIT = PISPST, que é útil em formulações mais complexas, por exemplo se se considerarem 2 níveis entre I e T, isto é, I d R d S d T, a relação acima expande simplesmente para PIT = PIRPRSPST. Note-se ainda que FIT . 0 não implica homogeneidade da população no todo, especialmente se se verificar numa minoria de loci (cf. “interpretação dos polimorfismos”): o FIS pode ser negativo, por exemplo, o que por definição indica excesso de heterozigóticos; ou o FST ser muito baixo por via de paralelismo evolutivo. Le plaisir de faire quelque chos e de parfaitement in utile... (Maurice Ravel)