CONSELHO ECONÓMICO E SOCIAL COLÓQUIO “A GLOBALIZAÇÃO E A ECONOMIA PORTUGUESA” (Organizado pelo Conselho Económico e Social, na Aula Magna do ISCTE, a 29 de Abril de 1998) LISBOA, 1998 ÍNDICE Investimento Estrangeiro Prof. Guilherme Costa – Relator Prof. António Romão – Comentador 4 13 Internacionalização das Empresas Portuguesas Prof. Víctor Corado Simões – Relator Prof. Víctor Santos – Comentador 24 25 Comércio Externo Prof. César das Neves – Relator Prof.ª Maria Paula Fontoura – Comentadora 33 54 Globalização Financeira Dr. Rui Martins dos Santos – Relator Dr. João Costa Pinto – Comentador 72 84 Implicações para a Economia Portuguesa Prof. Álvaro Martins – Relator Prof. João Joanaz de Melo – Comentador 90 91 Programa 97 2 Investimento Estrangeiro 3 Professor Guilherme Costa* Relator Antes de mais nada, muito obrigado Sr. Professor Silva Lopes, pelas palavras e pelo convite. Minhas senhoras e meus senhores, Começaria por confessar que optei por não ter uma exposição escrita. Se percebo um pouco o âmbito e os objectivos deste Colóquio por parte do Conselho Económico e Social, penso que há neles um triplo objectivo: o objectivo da informação do ponto da situação, o objectivo da reflexão e o objectivo do levantamento das ideias que podem mobilizar os vários intervenientes, os vários agentes económicos em Portugal, para a tomada de decisões e para o apoio a determinadas acções. Nesse sentido, mais do que uma intervenção demasiado articulada, pareceu-me, preferível tentar identificar aquilo que eram as questões informativas e as questões críticas para a promoção do investimento estrangeiro em Portugal. Começaria por referir que o investimento estrangeiro em Portugal ganha dimensão minimamente significativa a partir da adesão de Portugal à CEE. O investimento acumulado entre 1986 e 1996 foi 28 vezes superior ao acumulado no período de 1963-1985. Ao longo desta última década, portanto entre 1986 e 1996, é importante, do meu ponto de vista (até para tirarmos conclusões de ordem prática), distinguir três períodos: Um primeiro período que termina no final de 1991 e caracterizou-se por taxas de crescimento do investimento directo estrangeiro em Portugal extremamente elevadas, em que o valor do investimento directo estrangeiro, face ao Produto Interno Bruto e face à Formação Bruta de Capital Fixo, passou de 0,5% e 2%, respectivamente, para 4,5% e 17%, entre 1986 e 1991. Há depois um segundo período “abrangendo” grosso modo, 3-4 anos, entre 1992 e meados de 1995, que é caracterizado por taxas negativas de crescimento do investimento directo estrangeiro em Portugal, em que os valores que acabei de referir voltaram a baixar, vindo o IDE a situar-se em 2,2% de percentagem do PIB e 9,7% da percentagem da FBCF. Esta evolução terá, a ver com razões simultaneamente estruturais e conjunturais. Não podemos desligar este período da recessão económica mundial que, naturalmente, implicou uma retracção do investimento, não só em Portugal mas também a nível internacional, como também não podemos desligá-lo da alteração de algumas das condições que fizeram de Portugal, no período anterior, um país na moda em matéria de atracção de investimento estrangeiro. Já lá voltaríamos, porque não posso deixar de referir o terceiro período, a partir de 1995 até ao momento, em que se verificou, uma inversão na tendência decrescente * Presidente do ICEP. 4 dos três anos anteriores, assistindo-se a uma retoma do crescimento dos fluxos de capitais externos no nosso país, voltando os dois indicadores a atingir valores semelhantes aos atingidos em 1994 – 4,2% do PIB e 17% da FBCF. Segunda informação quantitativa que me parece importante reter para as conclusões que possamos tirar a seguir, é que no início de cada um destes períodos que eu referi, portanto em 91-92 e depois em 95, há saltos no desinvestimento em Portugal. Portanto, o desinvestimento em Portugal, até 1991-92 é praticamente nulo, os valores do desinvestimento em Portugal dão um salto em 1991-92 e dão um segundo salto em 1995. O fluxo líquido começa a ser afectado, e a sua evolução a “descolar” da evolução dos fluxos brutos. Pessoalmente, não tenho a certeza que devamos sempre raciocinar em termos de saldos, penso que pode ser útil raciocinarmos em termos de in-flows e out-flows e já voltaria a esse assunto, mas creio que esta informação era importante ser dada, ou seja, os valores de desinvestimento atingiram recentemente, em Portugal, ordens de grandeza, num ou outro ano, dos 75% do investimento, o que é significativo. Outro elemento novo que ocorre neste último período é o investimento directo português no estrangeiro. Portugal era, praticamente, inexistente como investidor no exterior. A partir de 1995, os fluxos de investimento português no exterior atingem níveis que não são ainda muito significativos em termos absolutos, mas que marcam, também eles, do ponto de vista qualitativo, uma inversão clara da situação anterior. De tal maneira, que em 1996 e 1997 e em termos líquidos, a situação do investimento internacional, no que respeita a Portugal, está mais ou menos equilibrada, ou seja, o saldo líquido do investimento estrangeiro em Portugal equilibra-se com o saldo líquido do investimento português no estrangeiro. Portanto, penso que há dois temas que poderíamos retomar a partir destas ideias, que é o tema do desinvestimento – que é um tema novo, e é o tema do investimento português no estrangeiro, sem esquecermos, obviamente, o tema principal que nos traz aqui que é o fluxo do investimento estrangeiro em Portugal. Tentando provocar alguma reflexão sobre esse fluxo do investimento estrangeiro em Portugal, eu partiria duma citação do senhor John Richardson, director-geral da DELPHI-DELCO REMY em Portugal, retirada duma publicação que é um instrumento de promoção em que ele acedeu a colaborar com o ICEP – as “success stories” do investimento estrangeiro em Portugal – não tomando posições de carácter publicitário, mas dando um depoimento sobre o seu investimento em Portugal, depoimento que me parece particularmente interessante e que vou tomar a liberdade de citar em inglês, porque me parece mais sugestivo. Ele diz a páginas tantas do seu depoimento o seguinte: “... if you want to come to Portugal to put a couple of boxes on top of a table and assemble stuff, stay home. If you want to come to Portugal to put a manufacturing system together which is going to compete globally in critical areas such as cost and quality, then this is the place.” 5 O que é que pretendo com esta citação num colóquio com esta natureza? Creio que, tendo esta citação objectivos promocionais, apesar de tudo coloca as verdadeiras questões que se põem em termos de investimento, e se quiserem também desinvestimento, de capital estrangeiro em Portugal. Mudou o quadro global onde os fluxos de investimento internacional ocorrem. Aquilo a que se chama a economia global tem um determinado sentido que, para mim, é a gestão global dos cash-flows, quer do ponto de vista dos preços, quer do ponto de vista dos custos. Portanto, há uma racionalização à escala global de todos os estabelecimentos que uma multinacional detém em qualquer país. Mudaram também os factores competitivos que Portugal detinha em matéria de atracção do investimento estrangeiro. Portugal já não é, e cada vez menos será, na medida em que prossiga o seu desenvolvimento económico e em que outras áreas se abram à captação do investimento estrangeiro, uma localização privilegiada para o investimento estrangeiro em busca, exclusivamente, do factor mão-de-obra barata. Portanto, actividades exclusivamente de montagem, ou manufactureiras não integradas no tal sistema das empresas globais, deixam de fazer sentido ou, tendencialmente, fazem cada vez menos sentido em Portugal. Portugal tem que se posicionar em torno de outras vantagens competitivas, o que não é fácil, como já procurei bem mostrar; mas Portugal tem que se posicionar oferecendo e, sobretudo, fazendo conhecer outras vantagens competitivas que não, exclusivamente, as da mão-de-obra barata. Relativamente a esta matéria, o ponto que de seguida gostaria de abordar é de quanto a promoção pode ser importante aqui. De facto, nós constatamos, e fizemos alguns estudos encomendados a empresas consultoras internacionais, que há duas questões interessantes. Em primeiro lugar há uma diferença muito grande na avaliação dos factores competitivos da economia portuguesa, entre as empresas multinacionais que estão instaladas em Portugal e as empresas multinacionais que não estão instaladas em Portugal. As respostas, em termos da avaliação dos nossos factores competitivos, são clara e nitidamente diferenciadas nesse inquérito que fizemos. A segunda constatação interessante que fizemos é que as empresas que não têm a história duma presença produtiva em Portugal têm de Portugal uma imagem estereotipada, assente em informação dispersa e superficial e construída nos tais anos de apogeu da atracção do investimento estrangeiro em Portugal. Portugal é visto como o país de mão-de-obra não qualificada – não há atribuições suplementares a esta classificação. Portugal é, geralmente, incluído no grupo de países europeus com o regime laboral mais rígido. As economias latinas são, geralmente, tipificadas como sendo instáveis, com fortes índices de inflação e desemprego e Portugal é automaticamente associado a estas economias latinas. Constatamos uma coisa curiosa: Portugal sofre pelo facto de ser relacionado com aspectos, também eles estereotipados, de Espanha – absentismo, número de greves, etc., etc. 6 Pessoalmente, eu penso que esta avaliação não é realista, que Portugal teve uma melhoria significativa em vários destes factores. Mas o que me parece mais importante constatar é que as empresas presentes em Portugal qualificam e avaliam diferentemente vários destes factores, designadamente, relativamente à mão-de-obra. Isto é, a opinião das empresas multinacionais presentes em Portugal continua a referir Portugal como gozando de uma vantagem comparativa em termos de custo da mãode-obra – o preço da mão-de-obra é significativamente mais barato do que em Espanha, do que em França, do que na Alemanha, o que, aliás, se constata pelos números – mas, facto significativo, a produtividade da mão-de-obra portuguesa é reconhecida pelas empresas transnacionais estabelecidas em Portugal como sendo excelente. Esta produtividade é associada ao “espírito industrial” de recursos humanos portugueses. O que também é interessante nos estudos efectuados e que gostaria de vos dar conta nesta lógica de reflexão, e não propriamente na lógica de tirarmos grandes conclusões, é que um outro factor começa a ser significativo: o management é cada vez mais português nas empresas multinacionais presentes em Portugal. Quer em termos quantitativos, quer em termos da opinião expressa pelas multinacionais presentes em Portugal, há um claro reconhecimento pela qualidade dos quadros médios e superiores, inclusivamente ao nível de administrador e director-geral, que é possível obter em Portugal. São estes elementos que me parece importante trabalhar, até porque é um elemento que, do ponto de vista de promoção, não é muito fácil de fazer passar. Os indicadores que normalmente se utilizam para tentar fazer as comparações internacionais de produtividade, não são, de facto, muito favoráveis a Portugal. Os índices de qualificação de mão-de-obra, as despesas de formação, etc., etc., não nos colocam no topo da hierarquia dos países que são os nossos principais concorrentes. Mas a verdade é que há uma cultura industrial e de mercado em Portugal, que é reconhecido nas multinacionais presentes em Portugal e de uma forma que não é apenas a da opinião expressa, na medida em que Portugal se caracteriza por um número elevado de projectos de expansão da sua própria actividade. Assim, quando comparamos o número de projectos de expansão que ocorrem em Portugal, com o número de projectos de expansão que ocorrem noutros países, Portugal está bem classificado. Por outro lado, e já agora fazendo referência aos outros dois pontos, vale a pena começar por analisar a questão do regime laboral extremamente rígido em Portugal. É evidente que, na letra da lei, o regime laboral é rígido em Portugal. Quem cá está sabe que é possível, não digo necessariamente contornando a lei, mas indo para além dela, conseguir uma grande flexibilidade – por exemplo, refiro o exemplo da Auto-Europa, que fez um acordo com as comissões sindicais e as comissões de trabalhadores, tendo conseguido um dos regimes de horários mais flexíveis que ambas as empresas – a Ford e a Volkswagen – conseguiram enquanto multinacionais em toda a Europa. E portanto, estes são elementos que, de facto, não se constatam numa avaliação de long- 7 list, em que um conjunto de indicadores são retidos e são comparados através de algumas visitas de técnicos e depois na sede, mas que, de facto, os gestores só se conseguem aperceber após uma presença assídua e sistemática em Portugal. Quanto à questão da instabilidade – instabilidade económica e da instabilidade social, a questão da inflação, e a questão do desemprego – creio que é um elemento de promoção e propaganda importante o facto de Portugal estar dentro dos critérios de Maastricht e estar no pelotão da frente da constituição do Euro. Já me pude aperceber em colóquios feitos no estrangeiro que esta informação não é, nalguns casos, suficientemente conhecida pelas opiniões públicas e até pelos decisores e quando é dada provoca, de facto, uma ligeira inversão na forma como Portugal é visto no estrangeiro. Prosseguindo, duas questões parecem-me importantes Por um lado, os factores competitivos não são os mesmos e isso provoca efeitos, quer ao nível dos fluxos de investimento, quer ao nível dos fluxos de desinvestimento. A percepção que os investidores estrangeiros têm ao nível destes factores competitivos ainda não está suficientemente formada. Podem dizer-me: é culpa do ICEP, é culpa da acção de promoção, a promoção é que deve obviar a essas questões. Já lá iremos, à organização da promoção do investimento estrangeiro em Portugal. Por outro lado há um segundo factor importante a referir que é a alteração do contexto dos fluxos de investimento internacional. Já disse, num ou noutro colóquio, que temos que nos habituar a que a internacionalização já não é o que era, ou seja, o modelo – ciclo de vida do produto – fazia com que, tarde ou cedo, chegasse o momento do investimento estrangeiro em qualquer país que não estivesse claramente à margem das regras mínimas de funcionamento duma economia de mercado. Este processo sequencial e lento – em que se aprendia com os países mais próximos, e dessa aprendizagem resultava um investimento sequencial nos países sucessivamente menos próximos do ponto de vista do desenvolvimento económico, do ponto de vista geográfico ou do ponto de vista cultural – corresponde a um modelo que tende a desaparecer. Aquilo que é característico da economia global, da rapidez da circulação da informação, com reflexos no problema dos conhecimentos, das transferências de tecnologia, dos modos de consumo, é que o tempo para organizar a obsolescência dos produtos está drasticamente diminuído e, portanto, os investimentos são – têm que ser – amortizados a uma escala global e têm pouco tempo para essa amortização. Para vos dar uma ideia, ontem em conversa com um grande investidor estrangeiro na área da electrónica, ele dizia: “Nós temos três anos para fazer o projecto de um produto e construir a fábrica e os equipamentos que vão produzir esse produto – produto que tem um ciclo de vida de um ano e meio”. É evidente que é um exemplo um pouco extremo, não é isto que se passa na maior parte dos sectores económicos, mas é uma realidade dos nossos dias que tem implicações, por exemplo – e estou sistematicamente a tentar fazer a ponte para esse domínio – ao nível da negociação. Quando nós negociamos um grande projecto de investimento estrangeiro não 8 podemos limitar-nos a uma análise técnica do business plan, do valor acrescentado, do montante das exportações... Há investidores que nos dizem: “Mas eu nem sei que produto, exactamente, é que vou ter. Sei que vou produzir um produto nesta área, sei as características tecnológicas, aproximadas, que ele vai ter, sei que o mercado, mais tarde ou mais cedo, há-de precisar deste produto, mas tenho alguma dificuldade em preencher, com certezas, todos os quadros” que, nos termos tradicionais, nós exigíamos para avaliação, segundo um conjunto de critérios muito determinados, do valor industrial e do interesse económico e social desse projecto para Portugal. Associado a esta globalização da actividade económica, há dois elementos que me parecem importantes e relativamente ameaçadores para Portugal. Um deles, com pontos fortes e fracos, é a integração ibérica e a integração europeia. A integração ibérica e a integração europeia provocam uma racionalização da presença das multinacionais, ao nível da Península Ibérica e ao nível da Europa, que nem sempre é favorável a Portugal. E o segundo elemento é que há novos concorrentes em matéria de atracção do investimento estrangeiro. Há concorrentes já antigos, como todos os NPI’s, mas há novos concorrentes extremamente activos hoje em dia, que são os países da Europa de Leste – os chamados PECO’s – que, de facto, estão sistematicamente, nas short-lists das empresas estrangeiras que se apresentam em Portugal. Entre três/quatro países que as multinacionais guardam para decisão em termos de short-lists, nós estamos, sistematicamente, em confronto, pelo menos, com um desses países de Leste. Se quiserem é basicamente a compreensão e a interiorização deste quadro de mudança que coloca, à economia portuguesa, desafios. Eu não digo que nós estamos condenados pela globalização, em matéria de atracção do investimento estrangeiro, eu diria que nós temos que actuar de forma diferente em matéria de atracção e captação de investimento estrangeiro porque, quer em termos exógenos, ou seja, de quadro concorrencial e de comportamento das multinacionais que se nos depara, quer em termos endógenos – dado o desenvolvimento económico e social que felizmente ocorreu no nosso país – os factores de competitividade não são os mesmos. É deste desafio e é da interiorização, por parte de todos os agentes económicos e sociais, deste desafio, que o futuro do investimento estrangeiro, em Portugal, será mais favorável ou menos favorável. Explicado este quadro, os meus dois últimos pontos tinham a ver, muito rapidamente, com dois tipos de questões diferentes. O primeiro é: é ou não é importante o investimento estrangeiro para Portugal? E em que termos é que devemos captar esse investimento estrangeiro para Portugal? A primeira é uma questão que, de certa maneira se deixou de pôr, mas que, por vezes, sub-repticiamente, reaparece nas discussões e, portanto, penso que valia a pena, embora muito brevemente, passar por aí. A segunda questão – o que é que há a fazer? – abrange quer uma consciencialização colectiva do que se pode fazer e designadamente do que é que o 9 ICEP pensa que está bem e que está mal e do que pode ser melhorado naquilo que depende da sua capacidade de decisão e da sua capacidade de actuação. Relativamente ao primeiro problema, recorro a um autor muito conhecido, sempre interessante, Alain Minc, que começa o seu último livro dizendo: “La globalisation est...”, ou seja, podemos discutir vantagens e desvantagens da globalização mas a globalização está, está aí e tem que ser tomada em conta, de forma definitiva e de forma clara, por parte de todos os agentes económicos. E se “a globalização está aí” eu penso que é impensável a participação de Portugal numa economia global em que os fluxos de investimento estrangeiro para Portugal e os fluxos de investimento português para o estrangeiro não estejam em aceleração. É esse o quadro da organização da economia mundial que, progressivamente, se vai construindo e é nesse quadro de organização que me parece, relativamente, irrelevante discutir se nos interessa muito ou pouco o investimento estrangeiro em Portugal. Se Portugal não for capaz de atrair investimento estrangeiro para Portugal e, eu diria que, simetricamente, se Portugal não for capaz de investir no exterior, Portugal ficará, aí sim, em posição periférica relativamente a esta dinâmica de construção da economia global que temos pela nossa frente. Mas isso não quer dizer, do meu ponto de vista, que nós tenhamos, necessariamente, que encarar o investimento estrangeiro segundo as mesmas regras que o encarávamos há dez anos atrás. Primeiro: deixou de haver uma relação directa do IDE com os saldos da balança de pagamentos. Aliás, com algum exagero, é possível dizer que, com a nossa adesão ao Euro, Portugal deixa de ter balança de pagamentos – eu sei que estou a ser propositadamente simplista, e quero com isto dizer que o problema está depois a jusante, mas não na balança de pagamentos – isto é, problemas tradicionais da balança de pagamentos não se põem. Em segundo lugar: creio que temos que perceber quais são os elementos mais importantes, em matéria de atracção de investimento estrangeiro: primeira característica importante é a capacidade de nos inserirmos no mercado mundial ou de trazer elementos, segmentos, do mercado mundial para o nosso interior e de nos articularmos com os fornecimentos que possamos fazer a esses nós das redes globais, a esses agentes do mercado mundial. Segunda característica importante: a capacidade de trazer ou atrair competências, sobretudo competências tecnológicas e competências organizacionais, para o nosso país, que possam ser rapidamente imitadas por outras empresas. Em terceiro lugar, a capacidade de suscitar o aproveitamento de trabalho qualificado. Aquilo que passa pelo chavão do “investimento estruturante”, do meu ponto de vista, é sobretudo isto. Assim, obviamente que é importante o volume de emprego e o volume das exportações, mas, creio que, a par destes objectivos tradicionais, temos que dar um peso importante aqueles três outros objectivos, em termos de projectos prioritários de captação do investimento estrangeiro. Quanto à questão do que pode fazer uma agência de promoção de investimento para acelerar esta captação de investimento estrangeiro para Portugal, eu referiria 10 basicamente duas questões: a primeira, ter a ver com a construção, a actualização, o upgrading da imagem do país enquanto factor de localização de investimento estrangeiro em Portugal. Já vimos que a imagem percebida pelas grandes multinacionais não presentes em Portugal, está em atraso relativamente àquilo que é a realidade e a própria imagem percebida das multinacionais presentes em Portugal – e portanto, há aqui um esforço de promoção e de actualização da nossa lógica de promoção que tem que ser feito. Em segundo lugar, diria que, há problemas de organização de vária natureza. Primeira constatação, a promoção do investimento estrangeiro em Portugal tem que ser muito mais pró-activa junto das empresas, tem que ser mais dirigida também para opinion leaders e multipliers nos países de destino – ou seja, uma série de agentes intermediários, como por exemplo bancos de investimento, que podem suscitar a reflexão sobre Portugal como futura localização de investimento estrangeiro. Não podemos ter uma posição passiva, não podemos estar à espera que as multinacionais nos venham visitar ou nos anunciem que nos vêm visitar, porque esse é um dos grandes problemas de Portugal na captação de investimento estrangeiro: também constatamos que nós estamos menos vezes na long-list do que na short-list das multinacionais. O que é que isto quer dizer? Quer dizer que Portugal é menos vezes pensado, à partida, como localização possível de investimento estrangeiro, do que admitido como uma boa localização quando entramos na comparação com outros países e, portanto, isto é um problema, que só uma promoção activa ou pró-activa pode inverter. Segundo tema em matéria de organização, penso que seria importante que houvesse uma melhor coordenação. É o problema da burocracia, é o problema do funcionamento da máquina administrativa, é um problema que temos que encarar seriamente, continuamos a ouvir queixas, por parte dos investidores estrangeiros, da dispersão e da demora em matéria de decisão. É preciso não esquecer que, atendendo ao nosso sistema de incentivos, há o IEFP, há, nalguns casos, o Ministério da Agricultura, há o Ministério do Ambiente, há o IAPMEI, há o ICEP, há o Ministério das Finanças, a entrarem na composição do pacote de incentivos que se oferece ao investidor estrangeiro. Há as câmaras municipais, através dos terrenos, há, às vezes, o Ministério dos Transportes. Portanto há vários agentes e há a necessidade de uma coordenação e uma decisão rápida, em torno destes vários agentes, para decidir aquilo que se oferece e para cumprir aquilo que se oferece – e esta é, uma segunda conclusão que eu tiraria. A terceira constatação que faria, é que há, mesmo para uma agência de promoção, um efeito indutor a montante que é possível e que deve ser ousado, ou seja, – dou um exemplo – a questão dos terrenos. Portugal é carenciado em matéria de localizações boas para grandes investimentos estrangeiros. Porquê? Porque os terrenos não estão previamente identificados, não estão convenientemente estruturados e infraestruturados. Frequentemente, sempre que há a pesquisa de um terreno para 11 investimento estrangeiro, há fenómenos especulativos que fazem aumentar o respectivo preço. Esse factor infra-estrutural é um factor que, creio eu (talvez com alguma ingenuidade) pode ser organizado e que pode ser melhorado e que pode melhorar o nível do nosso produto. Por último, diria que, há factores relativamente aos quais nós temos alguma dificuldade. Por exemplo, em matéria de custos de energia, estamos sistematicamente desfavorecidos em comparação com as outras localizações alternativas. É uma questão que, a longo prazo, deve ser reflectida, mas que, creio que, seria cair num academismo, eventualmente estéril entrar por todos os factores e dizer: vamos mudar as características do nosso produto. Concluindo, tentar fazer conhecer melhor e tentar valorizar melhor as características favoráveis que temos de atracção do investimento estrangeiro, é uma primeira tarefa que se põe ao ICEP. A segunda é tentar melhorar onde é possível, e tentar minorar as desvantagens em matéria de atracção do investimento estrangeiro, relativamente aos quais uma actuação concertada das autoridades públicas é possível. Refiro dois exemplos: uma intervenção integrada e de direcção única, embora coordenando os vários ministérios envolvidos, como resposta aos grandes investidores estrangeiros; uma intervenção em matéria de terrenos industriais disponíveis e de fixação do respectivo preço parece-me também necessária, porque os países nossos concorrentes (e temos sempre que analisar a concorrência) cada vez apostam mais na oferta de terrenos, na oferta das infra-estruturas e na oferta, até, da construção da respectiva fábrica, como um dos elementos do pacote de atracção do investimento estrangeiro. Termino deixando uma mensagem: a concorrência actual em matéria de atracção do investimento estrangeiro para Portugal não permite que nós abdiquemos do recurso aos sistemas de incentivos. Quando integramos a short-list, a questão do montante do sistema de incentivos é muitas vezes determinante e é sempre importante. Ou seja, temos dois tipos de problemas: o produto, propriamente dito e o preço, raciocinando em termos de marketing-mix. O preço depende da forma como o custo dos factores de produção e o custo do investimento é influenciado pelo pacote de incentivos e define a atractividade ou a não atractividade de cada projecto. E, portanto, a questão de uma reflexão, em termos de 3.º Quadro Comunitário de Apoio, de como vamos construir e como vamos reservar meios financeiros para os pacotes de incentivos, se queremos apostar a sério na atracção de investimento estrangeiro, parece-me também crucial. 12 Professor António Romão* Comentador Queria começar por agradecer ao Dr. Silva Lopes o convite que me fez para estar aqui presente, e dizer que é sempre um pouco difícil comentar um texto que não se conhece e não tendo eu, propriamente, os dotes de ultra-repentista, acabei por estruturar a minha intervenção com algumas notas que tomei – que espero que não sejam maçadoras para os senhores e que vos possam dar algumas indicações úteis – procurando, na medida do possível, também, ligar àquilo que o Prof. Guilherme Costa referiu. O tema geral é “globalização e a economia portuguesa” e, depois, como subtema, a questão do investimento estrangeiro. Se me permitem, estruturava a minha curta intervenção – uma vez que o Dr. Silva Lopes teve a amabilidade de me dar 20 minutos – em quatro pontos essenciais. Uma breve referência, ao conceito de globalização, procurando, de seguida, apresentar algumas das suas características. Depois, um terceiro ponto que tem que ver com a globalização e as exclusões sociais, onde penso que podemos integrar, justamente, a questão do investimento estrangeiro na perspectiva da exclusão de um espaço económico e territorial, que está a ser progressivamente ou vai ser, no futuro, progressivamente marginalizado, face a zonas mais centrais. E, finalmente, o último ponto que é desenvolver um pouco esta ideia da exclusão ou marginalização de certos espaços económicos e territoriais, tornando-os mais periféricos, face aos centros de poder e aos centros de decisão. E é isso que explica, do meu ponto de vista, algum do comportamento do investimento estrangeiro em Portugal. Pegando no primeiro ponto – a globalização – e para ser bastante telegráfico, aproveitando notas de uma intervenção que fiz a semana passada, a propósito de uma comunicação do Prof. Ricardo Petrella: a globalização, hoje, está na moda. Todos nós utilizamos a expressão, às vezes dando-lhe um conteúdo diferente, utilizando-a de uma maneira conceptualmente diferente. O certo é que, recordando uma citação do Glen Peters que, em 1996, num artigo que publicou numa revista, dizia que até esse momento – Dezembro de 1996 – estimava que se tinham já escrito mais de 250 milhões de páginas sobre globalização. Isto dá bem a ideia de como é que a globalização hoje é utilizada com conceitos diferentes, adjectivada ou não – globalização de mercados, tecnológica, financeira, etc., etc. No mundo de língua francesa não se usa tanto a palavra globalização, mas sim a palavra mundialização, e, portanto, há aqui uma certa confusão. No fundo a globalização, do meu ponto de vista, não é nada de novo, é uma fase nova no processo que teve já outras designações, começando pela internacionalização, e que adquire hoje características específicas. * Professor do Instituto Superior de Economia e Gestão – ISEG. O texto que se segue é uma adaptação do texto retirado da gravação efectuada. 13 Não há dúvida que se desenvolve mais a partir dos anos 60 e, fundamentalmente, a partir dos anos 80 e que aparece associada a duas grandes perspectivas na análise económica. Uns autores pondo mais a ênfase e realçando as transformações por que passam as empresas transnacionais em termos de organização – e aí temos autores como o Levitt, o Ohmae, o Dekker, etc., que põem a ênfase na globalização dos mercados, na globalização das actividades, na globalização das próprias empresas transnacionais – e há outra perspectiva, uma outra abordagem, que é aquela que foi difundida pelo Grupo de Lisboa, que publicou aqui há alguns anos um livro, em Portugal, sobre essa temática bem como outros autores que seguem essa linha – em que realçam que o problema da globalização tem que ver com transformações estruturais que implicam restrições nas políticas económicas dos governos nacionais, transferindo essa capacidade de regulação da produção e da distribuição da riqueza, para agentes económicos, públicos ou privados. Não me vou deter mais sobre isto. Evidentemente que se trata aqui de uma síntese daquilo que haveria a dizer sobre o assunto. E passo ao segundo ponto, pondo em ênfase ou em evidência que este processo de globalização tem um conjunto de características que eu não vou aqui enunciar muito longamente, mas vou referir três ou quatro elementos que julgo que têm alguma importância. Dados recentes da ONU – e isto tem que ver com o problema da globalização e as exclusões individuais, de grupos sociais e de territórios a nível mundial – referem-nos que, actualmente, com o processo de globalização, em curso, integrando vastas áreas do mundo, exclui outras. Cerca de 24% da população mundial não tem ainda água potável, 28% não tem habitação digna. Em 1994, os 20% mais ricos do mundo detinham 85% da riqueza, os 20% mais pobres detinham apenas 1,4% da riqueza, contra 2,5%, em 1960. Os fluxos financeiros são, hoje, 50 vezes superiores aos fluxos derivados das transacções de bens e serviços. O volume de vendas das 20 maiores empresas transnacionais é superior ao Produto Interno Bruto (PIB) dos EUA. Há uma imensidão de exemplos que se podem dar e que são resultado de todo este processo, que se tem apresentado como globalização. Ora, justamente, neste processo de exclusão e de concentração do poder e da riqueza, há também a concentração das actividades económicas em determinados espaços e há a consequente marginalização de outros espaços. E é nesse quadro que eu insiro o problema do investimento estrangeiro em Portugal, bem como, por exemplo, a situação que se vive hoje, de desemprego na União Europeia, sendo também um problema de exclusão social ou perda de direitos sociais que tem que ver com este processo de globalização. Não é por acaso que em Junho de 1996, na Cimeira de Lyon do G7, os aspectos negativos da globalização estiveram na agenda e foram objecto de análise. Todos estes elementos, creio eu, podem justificar alguma reflexão e ajudar-nos a compreender um pouco melhor a questão do investimento 14 estrangeiro em Portugal, sendo que o investimento português no estrangeiro – e o Prof. Guilherme Costa referiu isso muito por alto – é de facto ainda diminuto. Trouxe alguns acetatos que gostaria de projectar. Neste primeiro acetato (cf. Quadro 1) apresenta-se uma série entre 1985 e 1997, tem o inconveniente, de serem valores a preços correntes. Na primeira coluna temos o investimento, que eu diria o investimento bruto, ou seja, as entradas, na segunda coluna o desinvestimento, na terceira o investimento líquido e depois a relação desinvestimento/investimento. Estes dados revelam – aquilo que há pouco também o Prof. Guilherme Costa referiu – que há um salto grande nas entradas após a adesão, e que se acentua fundamentalmente a partir de 1988 e que prossegue regularmente. Há um salto enorme no desinvestimento por volta de 1991/1992 e depois, um bastante grande, a partir de 1995, e sobretudo em 1997. O que significa que, se olharmos para a coluna do investimento líquido, há anos em que se situa com valores bastante baixos. Na quarta coluna a relação entre o desinvestimento e o investimento apresentou em 1995 quase 84%, do investimento bruto. Em 1996 quase 85% e em 1997, 77% – isto dá bem uma ideia de grandeza do problema. Quadro 1 – Evolução do IDE em Portugal Unidades: milhões de contos Anos 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 ACUM. Investimento 52,612 44,083 82,953 154,086 305,261 490,878 545,023 481,828 475,499 344,465 648,896 717,632 1330,617 5673,833 Desinvestimento 2,596 3,239 10,275 11,349 20,534 77,254 176,939 182,433 226,268 136,259 544,677 608,509 1027,706 3028,038 Inv. líquido 50,016 40,844 72,678 142,737 284,727 413,624 368,084 299,395 249,231 208,206 104,219 109,123 302,911 2645,795 (Des/Inv)* 100 4,934 7,348 12,387 7,365 6,727 15,738 32,465 37,863 47,585 39,557 83,939 84,794 77,235 53,368 Fonte: IDE: Banco de Portugal. FBCF/PIB: DPP 15 FBCF PIB 964,5 1227,0 1590,6 1949,6 2237,0 2612,4 2831,4 3043,3 2989,2 3298,0 3590,2 3866,6 4451,5 4035,1 5061,6 5928,3 6955,5 8284,7 9621,1 11031,7 12427,2 13209,6 14628,8 15817,7 16785,3 17756,8 IDE/ FBCF 5,45 3,59 5,22 7,90 13,65 18,79 19,25 15,83 15,91 10,44 18,07 18,56 29,89 IDE/ PIB 1,30 0.87 1,40 2,22 3,68 5,10 4,94 3,88 3,60 2,35 4,10 4,28 7,49 Gráfico 1 – Evolução do IDEP O acetato seguinte (Quadro 2), dá também uma ideia do investimento português no estrangeiro, até 1997. Temos os valores anuais e o acumulado. Verifica-se que os montantes são relativamente baixos no período em análise (1985-1997). O valor mais elevado situa-se, em 1997, quando atinge 307 milhões de contos, com um desinvestimento relativamente diminuto nesse ano, contrariamente ao ano anterior. O que há aqui a salientar é que no ano de 1995, se tomarmos em consideração os saldos líquidos de entradas no país e de desinvestimento que vimos no quadro anterior e a saída do investimento português, praticamente os fluxos equilibraram-se e que, em 1996 houve até um saldo negativo para Portugal. Não vou agora aqui dizer se esse fenómeno é positivo ou se é negativo, há que referenciá-lo. Com certeza, do meu ponto de vista, que é positivo o facto do investimento português no estrangeiro assumir montantes já relativamente elevados. O que me parece mais problemático é a questão de Portugal, com o seu nível de desenvolvimento, não ser um país suficientemente atractivo de capital, e de capital estrangeiro estruturante, não aquele capital que entra de manhã e que saí à tarde, como veremos mais adiante. Quadro 2 – Evolução do ID Português no Exterior Anos InvesDesinvesInv. líquido timento timento 1985 4,004 0,157 3,847 1986 3,327 0,553 2,774 1987 5,264 6,900 -1,636 1988 7,590 1,045 6,545 1989 15,907 0,950 14,957 1990 31,855 0,938 30,917 1991 75,665 7,560 68,105 1992 97,519 4,666 92,853 1993 53,188 30,597 22,591 1994 54,914 7,933 46,981 1995 138,361 35,023 103,338 1996 158,267 40,256 118,011 1997 307,514 17,167 290,347 Acumulado 953,375 153,745 799,630 Fonte: IDE: Banco de Portugal. FBCF/PIB: DPP (Des/Inv)* 100 3,921 16,622 131,079 13,768 5,972 2,945 9,991 4,785 57,526 14,446 25,313 25,435 5,583 16,126 16 FBCF PIB 964,5 1227 1590,6 1949,6 2237 2612,4 2831,4 3043,3 2989,2 3298 3590,2 3866,6 4451,5 4035,1 5061,6 5928,3 6955,5 8284,7 9621,1 11031,7 21427,2 13209,6 14628,8 15817,7 16785,3 17756,8 IDE/ FBCF 0,42 0,27 0,33 0,39 0,71 1,22 2,67 3,20 1,78 1,67 3,85 4,09 6,91 IDE/ PIB 0,10 0,07 0,09 0,11 0,19 0,33 0,69 0,46 0,40 0,38 0,87 0,94 1,73 Gráfico 2 – Evolução do IDPE Se passarmos ao acetato seguinte (Quadro 3), temos a evolução do investimento por tipo de operação. Na nomenclatura do Banco de Portugal os investimentos estrangeiros estão divididos em duas grandes rubricas: “operações no capital das empresas”, e uma outra rubrica que são “outras operações de capital”, onde há uma muito importante que são os conhecidos “empréstimos e suprimentos”. No Quadro 3 limitamo-nos a apresentar a primeira rubrica e as mais significativas das outras operações de capital. Desta análise fica de fora o investimento em carteira por razões óbvias. Por aqui se vê que as operações no capital das empresas sobem em termos relativos até 1991 e que após este ano perdem posição até 1997. Evolução inversa têm os “empréstimos e suprimentos”. Ou seja, o investimento estrangeiro entrado em Portugal para operações no capital das empresas tem vindo a reduzir-se relativamente e tem sido substituído por esta rubrica dos empréstimos e suprimentos, que em 1997 atingiu 75%, enquanto que em 1985 só representava 15%, contrariamente às operações no capital das empresas que representavam em 1985, 61% e representaram em 1997, 20%. Portanto, há aqui uma alteração substancial. Depois há uma outra operação relevante, que é a operação sobre imóveis – que é uma rubrica, apesar de tudo, mais pequena que ainda tinha 20%, em 1985 e que em 1997 somente representou 2,6% do total. 17 Quadro 3 – Investimento Directo Estrangeiro em Portugal por Tipo de Operação T.O. Anos 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 ACUM. Operações no capital das Empresas Investi% mento 32314 22010 44405 89891 214337 356046 446687 386894 341565 199867 189867 167356 275443 27166178 61,42 49,93 53,53 58,34 70,21 72,53 81,96 80,30 71,83 57,88 29,26 23,32 20,79 48,75 Empréstimos e Suprimentos Investi% mento 7664 7359 11140 18065 42276 59210 53093 54762 93203 116547 416933 506589 1006209 2393050 Operações sobre imóveis Investi% mento 14,57 16,69 13,43 11,72 13,85 12,06 9,74 11,37 19,60 33,83 64,25 70,59 75,62 42,18 10628 12964 21472 39576 38281 53390 31364 27904 18021 21570 24992 28185 34473 362820 20,20 29,41 25,88 25,68 12,54 10,88 5,75 5,79 3,79 6,29 3,85 3,93 2,59 6,39 Outros Investimento 2006 1750 5937 6554 10367 22233 13878 12269 22710 6980 17102 15502 14492 151780 % 3,81 3,97 7,16 4,25 3,40 4,53 2,55 2,55 4,78 2,03 2,64 2,16 1,09 2,68 Total Geral Investimento 52612 44083 82954 154086 305261 490879 545022 481829 475499 344460 648894 717632 1330617 5673828 Fonte: Banco de Portugal. Investimento Directo Estrangeiro em Portugal por tipo de Operação Vejamos agora o problema das saídas de capitais, o desinvestimento (Quadro 4). No desinvestimento podemos constatar, mais uma vez, que, tal como no investimento, os empréstimos e suprimentos assumiram uma importância muito elevada. Temos uma evolução semelhante. Quer dizer que, mais uma vez, os empréstimos e suprimentos que representavam 52% em 1985, representaram 82% em 1997. Esta alteração qualitativa no tipo de investimento que é feito em Portugal merece alguma reflexão. 18 Quadro 4 – Desinvestimento Estrangeiro em Portugal por tipo de Operação T.O. Anos 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 ACUM. Operações no capital das Empresas Desinvesti% mento 1041 1892 7166 4578 8234 45211 125699 140209 168661 38583 166510 67603 164779 940366 40,10 58,41 69,74 40,34 40,10 58,52 71,04 76,86 74,63 28,32 30,57 11,11 16,03 31,06 Empréstimos e Suprimentos Desinvesti% mento 1351 1172 2902 5459 7036 23854 43661 18734 45785 86830 364025 528550 846164 1975523 Operações sobre imóveis Desinvesti% mento 52,04 36,18 28,24 48,10 34,27 30,88 24,68 10,27 20,23 63,72 66,83 86,86 82,34 65,24 204 175 207 1313 5264 8188 7579 234489 5554 5445 10319 11252 14909 93898 7,86 5,40 2,01 11,57 25,64 10,60 4,28 12,88 2,45 4,00 1,89 1,85 1,45 3,10 Outros Desinvestimento 0 0 0 -1 0 0 0 0 6068 5401 3823 1104 1854 18249 % 0,00 0,00 0,00 -0,01 0,00 0,00 0,00 0.00 2,68 3,96 0,70 0,18 0,18 0,60 Total Geral Desinvestimento 2596 3239 10275 11349 20534 77253 176939 182432 226268 136259 544677 608509 1027706 3028036 Fonte: Banco de Portugal. Desinvestimento Estrangeiro em Portugal por tipo de Operação O resultado destes dois movimentos traduz o que está no Quadro 5, que são os montantes e a estrutura do investimento líquido. Esta mostra-nos que as operações no capital das empresas vieram a perder progressiva importância e que os empréstimos e suprimentos vieram a aumentar, verificando-se até que, no ano de 1996, tal como referi há pouco, as entradas e as saídas acabaram por se traduzir negativamente para Portugal. Quadro 5 – Investimento Líquido Estrangeiro em Portugal Por Tipo de Operação T.O. Anos 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 ACUM. Operações no capital das Empresas Inv. Líquido % 31273 20118 37239 85313 206103 310835 320988 246685 172704 160780 23357 99753 110664 1825812 62,53 42,31 51,24 59,77 72,39 75,15 87,21 82,39 69,29 77,22 22,41 91,41 36,53 68,83 Empréstimos e Suprimentos Inv. Líquido % 6313 6187 8238 12606 35240 35356 9432 36028 47418 29717 52908 -21961 160045 417527 Operações sobre imóveis Inv. Líquido % 12,62 13,01 11,33 8,83 12,38 8,55 2,56 12,03 19,03 14,27 50,77 -20,12 52,84 15,74 10424 12789 21265 38264 33017 45202 23785 4415 12467 16125 14673 16933 19564 268923 Fonte: Banco de Portugal. 19 20,84 26,90 29,26 26,81 11,60 10,93 6,46 1,47 5,00 7,74 14,08 15,52 6,46 10,14 Outros Inv. Líquido 2006 8450 5937 6554 10367 22233 13878 12269 16642 1579 13279 14398 12638 140230 % 4,01 17,77 8,17 4,59 3,64 5,38 3,77 4,10 6,68 0,76 12,74 13,19 4,17 5,29 Total Geral Inv. Líquido 50016 47544 72679 142737 284727 413636 368083 299397 249231 208201 104217 109123 302911 2652492 Investimento líquido Estrangeiro em Portugal por tipo de Operação Estes dados que acabo de apresentar, embora estejam ainda a ser trabalhados permitem, desde já, retirar algumas conclusões que são naturalmente provisórias. • A primeira nota é para acentuar a evolução do investimento bruto, em que se verifica, de facto, um salto entre 1986 e 1991. Depois há uma certa inversão entre 1992 e 1994 e um novo acréscimo a partir de 1995. • Constata-se a existência de montantes elevados no desinvestimento, sobretudo a partir de 1991 e depois um novo salto a partir de 1995 e até 1997. • Como resultado do antecedente, o investimento líquido apresenta valores, do meu ponto de vista, relativamente baixos para um país, com o grau de desenvolvimento como o nosso. • Outra ideia a retirar é o peso, progressivamente mais reduzido, que tem vindo a ter o investimento no capital das empresas e a importância crescente da rubrica “empréstimos e suprimentos”. • Nós no ISEG estamos a elaborar um trabalho sobre esta matéria, para o GEPE do Ministério da Economia, ICEP e IAPMEI. A pesquisa que está em fase de conclusão, permite-nos desde já dizer que o peso dos “empréstimos e suprimentos” tem várias razões: primeiro, há uma razão de ordem contabilística, subjacente ao facto de o Banco de Portugal, a partir de 1993 ter passado a contabilizar os empréstimos e suprimentos como investimento ou como desinvestimento, conforme o fluxo e não o levando à dívida externa, como até aí. Há também uma outra razão, com implicações a partir de 1995, quando passaram também a ser consideradas como aplicações e reembolsos de tesouraria, entre as empresas do mesmo grupo, os empréstimos e suprimentos de curto prazo. São movimentos efectuados numa lógica de gestão integrada de tesouraria, e, por conseguinte, isso veio aumentar o peso dos empréstimos e suprimentos. De referir que este tipo de empréstimos e suprimentos representa, actualmente, cerca de 75% do total da rubrica. Mas, para além destas alterações de contabilização, os dados sugerem que há um número limitado de empresas 20 que são responsáveis por uma grande percentagem dos empréstimos e suprimentos. Quadro 6 Unidades 109 Escudos Anos Sectores 1989 1990 1991 1992 Bebidas Intermediação Financeira Seguros e Fundos de Pensões Petrolífero Cimentos Telecomunicações Pasta de Papel Siderurgia Químico Tabaco Electricidade Construção Total 22,7 34,6 51 49,8 113,1 194,7 32,4 18,9 25,6 63,2 9 1993 1994 1995 1996 56,8 73,1 89,4 156,5 138,7 266,9 784,4 6,6 40 12,5 142,8 39,5 9,1 116 146,4 12,8 33,2 103,3 Total 57,3 102,6 106,6 1997 56,8 182,3 333,3 Fonte: Ministério das Finanças. Total do Encaixe por Sectores Total do Encaixe por Anos 21 464,9 363,1 8,1 401,5 98,2 870,9 147,2 49 231,1 652,3 39,5 9,1 20,9 33,2 401,5 98,2 2523,7 • No Quadro 6, podemos ver que há uma evolução – nós sabemos que na legislação portuguesa sobre as privatizações havia restrições aos investidores estrangeiros – das entradas de capitais que acompanha de perto o processo de privatização. Vejamos o gráfico do total de encaixes, por anos, das privatizações desde 1989 a 1997. Verifica-se um crescimento até 1992, depois há um decréscimo em 1993/1994 e uma retoma a partir de 1995, até 1997. Há que pôr a hipótese de certa ligação entre os fluxos de capitais associados e o processo de privatização. • Uma outra ideia que gostaria de aqui deixar tem que ver com o seguinte: parece haver efectivamente dois movimentos paralelos, nas entradas e saídas de capitais. Um que é de entradas e saídas pela via dos empréstimos e suprimentos e que têm que ver, do nosso ponto de vista, com a gestão financeira integrada das empresas, e que se prendem também com questões fiscais e burocráticas. É mais fácil e mais barato para uma empresa fazer a entrada de capital através de empréstimos e suprimentos do que estar a fazer, por exemplo, um aumento de capital. O mesmo se pode dizer para a saída de capitais. • O outro movimento, que é um movimento substancial, é o do capital nas empresas, que esse sim, do meu ponto de vista, é um investimento mais estável e, eventualmente, estruturante e que tem vindo a ser reduzido. • Portugal, embora continue, como seria de esperar, a ser um importador líquido de capitais, não apresenta valores significativos, tendo presente a sua posição na divisão europeia e mundial do trabalho. • Já não tenho tempo para vos apresentar alguns dados sobre países (empresas) em que têm origem, quer os fluxos de entradas, quer de saídas de capitais, bem como sobre os sectores em que esses fluxos mais incidem, mas em termos gerais são, obviamente, os países da União Europeia e três grandes sectores “indústria transformadora” (importa ver os ramos), sectores financeiro e comercial. E terminaria com duas ideias-chave. A primeira para referir o receio que tenho – para pegar nas palavras do Prof. Guilherme Costa, com que terminou também a sua intervenção – que o processo de que falou, da integração ibérica e da integração europeia e, agora sobretudo com o alargamento a Leste, nos vá criar problemas adicionais com a capacidade atractiva que têm países como a Hungria, ou a República Checa e até mesmo a Polónia por outras razões, pois representa um maior mercado. A segunda para enfatizar que os fluxos de entradas e saídas pela via dos “empréstimos e suprimentos” devem ser considerados normais em economias altamente abertas e integradas, já sendo mais preocupante a fraca capacidade atractiva do país relativamente ao investimento estrangeiro, estável e estruturante. Muito obrigado! 22 Internacionalização das Empresas Portuguesas 23 Professor Victor Corado Simões* Relator O texto desta comunicação já se encontra integralmente publicado numa edição do CES, intitulada Globalização: Documentos de Suporte ao Parecer “Globalização – Implicações para o Desenvolvimento Sustentável”. Série “Estudos e Documentos”, Lisboa 1998 * Docente do Instituto Superior de Economia e Gestão – ISEG. 24 Professor Víctor Santos* Comentador Gostaria de começar por agradecer o convite que me foi formulado pelo Dr. Silva Lopes. É um prazer poder estar numa sessão como esta, rodeado de especialistas que têm coisas a dizer sobre este tema e, em consequência, ter o privilégio de partilhar algumas preocupações que eu próprio tenho sobre esta temática. Não vou fazer propriamente uma análise crítica detalhada da comunicação anterior, já que acabámos de assistir a uma intervenção brilhante (como sempre!) do Dr. Vítor Corado Simões, que é claramente um dos especialistas nesta área do conhecimento e, portanto, quem sou eu, que sei tão pouco sobre esta temática, para estar a tecer comentários críticos. O que vou fazer sobretudo é levantar algumas questões, de natureza mais ou menos geral, que estão relacionadas com aquilo que o Dr. Vítor Corado Simões acabou de nos dizer, sobre a internacionalização. Antes de iniciar as referências mais directas à apresentação do Dr. Victor Corado Simões, começarei por fazer um enquadramento que nos permita situar e remeter para aquilo que penso que são actualmente as grandes linhas tendenciais do perfil da internacionalização das economias. No passado recente, os processos de internacionalização eram determinados sobretudo pelas vantagens competitivas adquiridas no país de origem onde a empresa encontra os factores críticos de produção (recursos humanos, tecnologia, capital), mercados dinâmicos, exigentes e competitivos, numa palavra um ambiente envolvente eficiente e diversificado com efeitos catalizadores na performance sustentada dos agentes económicos. Não beneficiando Portugal das vantagens do chamado “diamante da competitividade” Porteriano, não surpreende o carácter relativamente incipiente ou embrionário que ainda caracteriza, na actualidade, o processo de internacionalização das empresas portuguesas. Por um lado, e apesar de haver novos sectores emergentes, a nossa economia é ainda caracterizada por uma estrutura económica em que têm expressão significativa actividades orientadas para mercados saturados e pouco dinâmicos, em que se faz sentir uma forte concorrência dos países do Leste Europeu e do Sueste Asiático e onde o domínio dos factores dinâmicos da competitividade é ainda muito limitado. Por outro lado, o processo de internacionalização das empresas portuguesas é ainda relativamente desequilibrado, claramente dominado pela vertente exportadora, sendo ainda escassas algumas formas de internacionalização típicas das economias mais desenvolvidas. Neste aspecto realçam-se as seguintes características: • Reduzido investimento português no estrangeiro, seja para assegurar a competitividade-custo pela via da deslocalização industrial ou para assegurar uma presença multimercados através de formas de instalação comercial; * Presidente da Comissão para a Promoção da Adaptação das Empresas não Financeiras ao Euro. 25 • Excessiva dependência dos mercados tradicionais e limitada capacidade de penetração em novos mercados; • Finalmente, insuficiente reflexão estratégica, quer nas empresas, quer na Administração Pública, sobre o desafio das “novas fronteiras” geográficas e organizativas. A globalização, a par das novas tecnologias da informação e da comunicação, tem vindo a contribuir para tornar os mercados mais transparentes e menos incertos, minimizar os custos de transacção, estimular a descentralização dos processos de tomada de decisão, tornar os mercados mais contestáveis e reduzir a eficácia das barreiras à entrada e acelerar o período de desenvolvimento e o processo de difusão das tecnologias e encurtar o tempo de vida dos produtos. O Euro, na medida em que corresponde a um processo de integração dos espaços económicos nacionais e, portanto, constitui um passo decisivo no processo de consolidação do Mercado Único, contribui para reforçar e acelerar este processo de integração de mercados! Com alguma propriedade se poderia dizer que o Euro é apenas uma das faixas da grande auto-estrada da globalização que, apesar de tudo, permite descongestionar e agilizar a fluidez do tráfego. Mas a auto-estrada já está lá, irreversível, e em constante processo de crescimento!… A chamada economia digital tem vindo a contribuir para uma alteração substancial das estratégias e dos comportamentos das empresas. Enquanto, a vantagem competitiva das empresas ainda hoje é avaliada pela posse e o controlo de activos tangíveis, o grande desafio da empresa do futuro será a capacidade para aceder a recursos imateriais baseados em saberes geograficamente dispersos. Internacionalizar já não é mais projectar as vantagens ganhas no país mas a capacidade para integrar saberes dispersos num espaço mundializado e criar condições para a sua partilha com aliados estratégicos. Este processo corresponde, no fundo, aquilo que alguns autores designam de metanacionalização das economias! Esta reconfiguração da envolvente induzida pela emergência das novas tecnologias da informação põe em causa a excessiva centralização e as relações hierárquicas e remete-nos para uma nova postura que valorize a descentralização, as relações em rede, a cooperação e a confiança. Como alguém dizia, com toda a propriedade, em vez de peso-pesados, as multinacionais são, cada vez mais, peso-leves! Neste novo contexto, a internacionalização das empresas já não é um mero reflexo da performance das economias domésticas mas é, para além disso, uma pré-condição para o reforço e a consolidação da competitividade das empresas. Isto é, neste contexto metanacional, as políticas de internacionalização são um instrumento e uma condição necessária para assegurar competitividade sustentada das economias e das empresas. Ao contrário do que acontecia no passado recente em que a competitividade das empresas era sobredeterminada pelas vantagens competitivas do país, no futuro 26 próximo, as empresas localizadas nas pequenas economias periféricas e em vias de desenvolvimento, se adoptarem estratégias adequadas de internacionalização, têm maior probabilidade de obterem sucesso nos seus processos de crescimento sustentado. De algum modo, é o que já está a acontecer com algumas empresas portuguesas que, ao dotarem-se de níveis de saber e de capacidade estratégica e organizativa semelhante às suas congéneres internacionais, têm vindo a desenvolver o seu processo de internacionalização apesar das desvantagens competitivas inerentes a uma economia periférica. O quadro da globalização e o processo de intensificação da concorrência decorrente do processo de construção europeia tem vindo assim a suscitar a internacionalização progressiva e sustentada de algumas empresas portuguesas. Existem diferentes factores que têm estimulado este processo: a) A integração progressiva do nosso mercado interno no contexto da integração europeia e o processo de alargamento dos mercados tornou claro, para várias empresas, que a aposta num mercado regional (o mercado ibérico) poderia ser uma condição necessária para a preservação da sua competitividade. Para além disso, a aposta no mercado espanhol, por parte de empresas com elevadas quotas no mercado interno, pode constituir uma forma de aprendizagem que lhe permitirá no futuro dar voos para mercados adjacentes. b) O crescimento relativo dos salários portugueses ou dos preços de alguns recursos naturais criou problemas de competitividade-custo a algumas empresas que deslocalizaram segmentos do processo produtivo para espaços económicos que exibem custos mais baixos; c) As posições adquiridas e a performance exibida como fornecedores de algumas multinacionais que se instalaram no país conduziu à internacionalização de algumas empresas portuguesas (tem vindo a ocorrer sobretudo nas componentes para automóveis, mas também na indústria dos moldes e da embalagem) que acompanharam o processo de globalização dos seus clientes. Até bem recentemente, e face ao padrão de especialização da economia portuguesa e ao perfil de internacionalização das economias, a política de internacionalização seguia duas orientações essenciais: dirigia-se, sobretudo, à promoção das exportações e concentrava-se essencialmente na promoção da competitividade das empresas e, apenas subsidiariamente, no apoio à internacionalização. Esta postura era consistente com o facto de que a internacionalização, no fundo, reflectia as vantagens competitivas domésticas. Com os novos contornos assumidos pela globalização, a filosofia subjacente à política económica tem que adaptar-se: a aposta já não se limita às vantagens competitivas de base nacional, devendo o próprio processo de internacionalização das empresas ser objecto de reflexão dos decisores públicos e privados. 27 Tomando como referencial este enquadramento, queria formular um conjunto de questões para as quais gostaria de ter a resposta ou a reflexão do Dr. Vítor Corado Simões A primeira tem a ver com a cooperação! A cooperação parece ser, não um factor chave para a internacionalização, diria que a cooperação – um pouco na linha do que foi dito anteriormente pelo Dr. Vítor Corado Simões – é o factor chave para a internacionalização. Só que a sociedade portuguesa, no seu conjunto, e os agentes económicos, em particular, exibem, no caso português, uma fraca propensão à cooperação. Neste contexto, a questão que se põe é esta: fraca propensão à cooperação, porquê? Penso que há diferentes ordens de razão para este comportamento tipicamente português. Por um lado, há naturalmente factores sociológicos. Há um livro publicado em princípios de 1997 por Francis Fukuyama, que se designa “Confiança”, em que ele apresenta vários “estudos de caso”. Embora não haja, nesta obra, uma referência expressa à economia portuguesa, penso que o autor apresenta um conjunto de argumentos, de natureza sociológica, que explicam e ajudam a perceber aquilo que se passa na sociedade portuguesa relativamente à cooperação. A fraca predisposição à cooperação também é determinada por factores de natureza política. Numa economia caracterizada, durante décadas, pela dominância do proteccionismo, do condicionamento industrial e, em termos gerais, por uma postura excessivamente voluntarista do Estado, não é de estranhar que as empresas não tenham sentido necessidade de ocupar um espaço e de assumir um papel que era protagonizado, com a eficácia possível, pelo Estado. Trata-se naturalmente de uma herança pesada para todos nós que, de alguma maneira, vamos ter que gerir. Nós e porventura – não quero ser pessimista – as gerações vindouras! Finalmente, há também factores económicos que influenciam a nossa predisposição à cooperação. A maior pressão competitiva resultante da globalização crescente da economia portuguesa a par duma alteração do modelo de especialização da nossa economia de uma lógica inter-industrial para um modelo de desenvolvimento que se estrutura segundo uma perspectiva intra-industrial que tende a privilegiar a inovação, a diferenciação do produto e as relações produçãodistribuição, contribuirão para promover a alteração das mentalidades que conduzirão os empresários portugueses a aceitar a cooperação como inevitável e imprescindível. O que pretendo realçar com estas considerações é que a propensão à cooperação é determinada por factores de natureza estrutural e que, portanto, parece haver um certo determinismo sociológico, político, económico associado a este fenómeno. Para além disso, não podemos ignorar que, por um lado, o comportamento dos agentes, dos cidadãos, das empresas, dos agentes económicos no seu conjunto, apenas se altera se se modificarem também as pré-condições e o contexto envolvente no qual as decisões são tomadas e que, por outro lado, é necessário que decorra um período de tempo mínimo para que tudo isto aconteça! O Dr. Vítor Corado Simões nalguns dos seus 28 escritos afirma – e muito bem – que a cooperação só existe se houver um quadro de incentivos que motive e estimule todas as partes interessadas. Acrescenta que não se coopera por decisão pública, por decreto, nem apenas por intervenção de um “casamenteiro” externo. Sendo assim, deixava esta questão: o que é que o Estado pode fazer, utilizando mecanismos institucionais ou instrumentos de natureza económica, de forma a contribuir para que haja um incremento na propensão à cooperação, na sociedade portuguesa, em geral, e nas empresas, em particular? Queria também pôr uma questão metodológica que decorre das mutações que estão a ocorrer no perfil de internacionalização das economias. Basicamente, e em termos muito sintéticos, aquilo que foi dito é que, por um lado a internacionalização é um instrumento e não uma resultante e, por outro lado, a vantagem competitiva das empresas é, actualmente, determinada pelos seus activos materiais, mas no futuro a vantagem competitiva das empresas e das economias será determinada, sobretudo, para a capacidade para aceder a saberes intangíveis. Tendo em consideração que estamos numa fase de transição e que a maioria dos estudos produzidos pelo autor assumem a natureza de estudos empíricos baseados em inquéritos e em estudos de caso gostaria de colocar a seguinte questão: qual a legitimidade de proceder a extrapolações a partir de resultados obtidos para os dias de hoje, sendo certo, que estamos numa situação de transição. Posso dar um exemplo que é o da correlação positiva existente entre dimensão e o grau de envolvimento internacional das empresas. A questão que se põe é a seguinte: será que a dimensão, isto é o volume de activos tangíveis, sobretudo neste novo quadro que se configura, constitui o melhor indicador para avaliar a capacidade de internacionalização das empresas? Pondo a questão de outra forma: não será necessário identificar outros indicadores, que sejam capazes de medir, sobretudo a capacidade das empresas para aceder a recursos imateriais e estabelecer parcerias estratégicas? Penso que não é, do ponto de vista metodológico, uma tarefa fácil, mas penso que se tem que caminhar um pouco por essa via. Uma outra questão que gostava de colocar relaciona-se com o importante tema do voluntarismo do Estado: quem deve seleccionar os cavalos vencedores. É um tema teórico, embora de grande relevância prática, em que há basicamente duas posturas. Por um lado, temos os argumentos apresentados pelo main-stream económico, pelos meios académicos, pelas grandes organizações económicas internacionais, que defendem basicamente que as agências públicas têm dificuldades em seleccionar os cavalos vencedores ou, se quiserem, os sectores e as empresas. Por outro lado, há economistas que defendem as virtualidades duma opção mais voluntarista do Estado que defina as grandes opções estratégicas a que devem obedecer as decisões de investimento e a afectação de recursos. Até bem recentemente, as novas economias emergentes do Sueste Asiático eram citadas como sendo os exemplos de sucesso desta postura normativa! Penso que aquilo que se passou e que se está a passar no Sueste asiático não é apenas uma crise de natureza 29 financeira, sendo, sobretudo, o reflexo de factores de natureza estrutural, relacionados com a forma como essas economias estão organizadas e também com a postura excessivamente voluntarista que o Estado assume nesses países. Mas deixava a questão de saber, por um lado, o que pensa disto e por outro lado de que forma é que este debate pode, ou não, influenciar as opções de política económica, que possam ser, no fundo, utilizadas no combate às distorções identificadas nos resultados empíricos que obteve? Finalmente, gostaria de colocar uma última questão relativamente à aparente contradição que parece continuar existir entre a globalização das economias e o âmbito espacial das políticas económicas. De facto, se, por um lado, assistimos a uma transnacionalização crescente das actividades económicas, por outro, ainda são dominantes, hoje em dia, as políticas económicas formuladas e desenvolvidas no âmbito nacional. Isto remete para a necessidade de haver cooperação entre os diferentes Estados, ao nível das políticas, sejam as políticas macroeconómicas, sejam as políticas microeconómicas. Hoje em dia é de grande relevância a cooperação InterEstados, não só ao nível da política comercial mas também ao nível das políticas de concorrência, do ambiente, dos transportes, das telecomunicações, ao nível das políticas de promoção do investimento directo estrangeiro – só para citar alguns exemplos. A evidência empírica sugere que a cooperação internacional tende a não ser eficaz e eficiente. Se quiserem, em termos técnicos e utilizando o jargão económico, poderse-ia citar aqui o conhecido problema do “dilema do prisioneiro”. Basicamente a questão é esta: enquanto que os ganhos resultantes da cooperação internacional são colectivos, o ónus tem que ser sempre assumido por cada Estado considerado individualmente. E todos os países estão disponíveis em beneficiar dos ganhos resultantes da cooperação, mas ninguém está interessado em suportar os custos. A questão que se põe é a de saber o que é que se pode fazer. Penso que quando se fala na internacionalização não podemos ignorar estes factores! O que é que se pode fazer no sentido de agilizar a cooperação internacional? Os cientistas políticos têm uma resposta para isto que, basicamente, decorre da análise histórica que fazem, das duas ondas de globalização que ocorreram durante os finais do séc. XIX e durante o séc. XX: a necessidade de haver sempre uma liderança forte à escala mundial. É a chamada teoria da liderança hegemónica! Como sabem, a 1.ª onda de globalização foi liderada pela Inglaterra, correspondendo ao período que se designou de Pax Britânica e acabou mal, com a crise do império britânico e a emergência de blocos regionais que conduziram, como sabemos, a uma situação de proteccionismo no pós 1.ª Guerra Mundial. Temos depois a 2.ª onda de globalização que correspondeu também ao conhecido período da Pax Americana que foi liderada pelos EUA. E agora temos uma situação de transição complexa, relativamente à qual é difícil fazer interpretações e chegar a grandes conclusões: a fase da emergência dos novos blocos regionais. O que é que isto 30 significa? Denuncia o enfraquecimento dos EUA? Umas vezes parece que sim, outras vezes parece que não! A que é que vai conduzir a dinâmica interactiva dos blocos regionais emergentes? Vai conduzir, tal como aconteceu no pós 1.ª Guerra Mundial, a um retorno ao proteccionismo. Ou, antes pelo contrário, irá constituir um trampolim para a mundialização das economias? Em qualquer caso qual é o papel económico, político, social, cultural, que fica reservado ao Estado-Nação neste contexto de globalização crescente? Se quiserem, e sem querer deixar uma nota de pessimismo, parece-me relevante reflectir sobre esta questão: será que a globalização veio mesmo para ficar? Por outras palavras, será a globalização um fenómeno sustentável? A este respeito gostaria de deixar aqui, basicamente, dois factores que podem ser perspectivados como sendo potencialmente inibidores da sustentabilidade da globalização. Em primeiro lugar, a mundialização crescente das economias tem contribuído, em conjunto com outros factores, para um aumento da desigualdade nos países mais desenvolvidos, quer pela via da degradação dos salários e das condições de vida, como acontece nos EUA, quer pelo crescimento da taxa de desemprego, como tem acontecido nos países europeus. Um dos desafios para o século XXI será, certamente, o de procurar o compromisso possível entre “mercado e sociedade” de forma que, sem afectar a capacidade competitiva das economias, seja possível gerar consensos que permitam a sustentabilidade política, económica e social da globalização. Em segundo lugar, coloca-se-nos a importante questão de saber se o eventual sucesso dos esforços de coordenação de políticas irão conduzir a um período de crescimento sustentável da economia mundial ou se, pelo contrário, e tal como foi referido anteriormente, o eventual fracasso da coordenação de políticas, irá conduzir a um retorno ao proteccionismo. Muito obrigado! 31 Comércio Externo 32 Comércio Externo Português Professor João César das Neves* Relator Perante a realidade do comércio externo português, o primeiro passo é, simplesmente, observar essa realidade. É apenas esse o objectivo do presente texto. Traçando as linhas mais importantes da evolução das relações comerciais de Portugal com o resto do mundo, é possível captar elementos que, embora simples, são muito importantes na discussão destes temas. Algumas interpretações rudimentares serão feitas à margem. A análise que se segue centra-se neste nível e não discute aspectos mais profundos e subtis. Estas páginas mais não são, pois, do que um breve comentário a uma sequência de quadros que são elucidativos por si mesmos e, alegadamente, captam os elementos mais importantes da grande evolução do comércio externo português na segunda metade deste século. Os temas a abordar são de vária ordem. O texto começa por um esboço da situação geral do nosso comércio, analisando a evolução do nosso grau de abertura, taxa de cobertura e quotas de mercado. O resto do estudo centra-se na análise da ventilação do nosso comércio por zonas geográficas e por tipos de produto. No primeiro aspecto, e dado que o texto se enquadra num seminário sobre globalização, é feito um breve estudo comparativo do grau de transformação comércio e da sua orientação na União Europeia. Em ambos os tópicos é descrita a evolução da estrutura ao longo do tempo. O texto termina com uma breve secção de conclusões. A fonte dos indicadores, quando não referida explicitamente, é a das “séries longas” recentemente publicadas pelo Banco de Portugal (Banco de Portugal (1997). 1. Situação Geral e Enquadramento Mundial O primeiro aspecto que salta à vista no estudo do nosso comércio externo é a crescente abertura da economia portuguesa. O gráfico 1 elabora esse ponto precisamente, indicando o peso do total do comércio externo (importações mais exportações) no produto português. Os dados são apresentados a preços correntes e a preços constantes. * Professor da Universidade Católica Portuguesa. 33 Gráfico 1 Grau de Abertura (Exp + Imp)/PIB (p.1953) Grau de Abertura (Exp + Imp)/PIB (p.corr.) Naturalmente que a forma correcta de analisar o grau de abertura é fazer o estudo a preços correntes, análise que assim inclui o efeito de preços. Note-se que, de um nível de cerca de 30% do PIB no início dos anos 50, Portugal subiu para um comércio de mais de 70%, mais do que duplicando a importância das relações externas na nossa economia em 40 anos. No entanto, o nosso país ainda está longe dos níveis de pequenos países europeus desenvolvidos, que apresentam valores acima dos 100% do PIB. 34 Um estudo a preços constantes de 1953 apresenta um crescimento muito mais favorável do peso do comércio no PIB do que os valores a preços correntes. Este facto, naturalmente, não pode ser considerado, como às vezes se diz, como indicativo de uma grande abertura. Ele revela, mais do que tudo, que a inflação dos bens transaccionados é muito inferior à dos bens produzidos internamente. No que respeita à taxa de cobertura, a situação é mais estável, embora se tenham registado algumas mudanças recentes. É possível afirmar que Portugal tem uma taxa de cobertura das importações pelas exportações que, sendo de cerca de mais de 70% no início do nosso desenvolvimento, se degradou nas décadas mais recentes. Esta é a visão corrente do problema. Este facto, que aliás é normal numa economia nas primeiras fases do seu progresso, é evidente quando a série é analisada a preços constantes. Aí é nítida uma degradação ao longo dos anos 50 e 60 que, depois de alguma recuperação nos inícios dos anos 80, voltou aos níveis baixos anteriores. Mas esta ideia é, em grande medida, errónea. Gráfico 2 Taxa de cobertura das importações (p. 1953) 35 Gráfico 2 – cont. Taxa de cobertura das importações (p. corr.) Realmente, nota-se que muito desta evolução se deve ao esquecimento dos efeitos preço. Na verdade, os termos de troca portugueses tiveram, em geral, uma tendência positiva. Por isso, a constatação fica muito relativizada quando a análise é feita, correctamente, a preços correntes. Incluindo o efeito dos termos de troca, como se faz no painel inferior da figura 2, vê-se que, esquecendo a década de 70 (devido, certamente ao efeito do petróleo) e alguns episódios pontuais, a taxa de cobertura das importações portuguesas tem-se mantido e, ultimamente, tem mesmo subido. Finalmente, se analisarmos a quota de mercado do comércio português no mundo a evolução é também muito favorável. Estes valores são retirados de FMI (1985) e (1996). A pequena dimensão do nosso país leva a que as nossas exportações e importações não cheguem a representar 1% do valor mundial. No entanto, registou-se uma evolução bastante significativa. As exportações portugueses, que eram cerca de 0.3% das exportações mundiais, tendo caído nos anos 70 para quase 0.1%, subiram recentemente a mais de 0.4%. Quanto às importações subiram de um nível de cerca de 0.4% do mundo para cerca de 0.6%. 36 Gráfico 3 Peso do Comércio Externo Português face ao do Mundo e dos Países Desenvolvidos Analisando a dimensão do nosso comércio relativamente apenas ao dos países desenvolvidos, o mesmo padrão de tendência geral é captado. As exportações portugueses representavam cerca de 0.4% quando comparadas com as exportações das economias ricas, mas têm flutuado ultimamente à volta de 0.7%. Relativamente às importações, a evolução foi de 0.7% para 1% dos valores das economias mundiais. Gráfico 4 Exportações mundiais 37 Gráfico 4 – cont. Importações mundiais Este crescimento de quota é tanto mais significativo porquanto, como mostra o gráfico 4, o crescimento do comércio mundial foi extraordinário neste período. Debaixo da liberalização do GATT, da estabilidade nominal de Bretton Woods e da paz da “guerra fria, o comércio mundial disparou. E foi dentro dessa explosão comercial que Portugal ainda conseguiu aumentar a sua quota de mercado, manifestando um crescimento ainda maior que a média do mundo. Este crescimento do comércio externo nacional, que se pode considerar muito bem sucedido, foi acompanhado de uma fortíssima transformação estrutural. Aliás, em boa medida, foi essa transformação que deu oportunidade ao desenvolvimento. Para captar as principais dimensões da modificação na estrutura, as duas secções seguintes vão focar os aspectos geográficos e sectoriais. 2. Estrutura Geográfica do comércio O comércio internacional tem, naturalmente, uma dimensão geográfica na sua essência mais profunda. O elemento espacial e, consequentemente, as interacções culturais, políticas e sociais que ele levanta, estão sempre presentes no comércio externo e geram alguns dos aspectos mais complexos que ele revela. Por esta razão, o primeiro elemento que vamos analisar na transformação do comércio externo português é a modificação de destino e origem dos fluxos comerciais. Em primeiro lugar, a taxa de transformação estrutural e a estrutura de relação serão comparadas com os outros países da União Europeia. Seguir-se-á uma análise mais detalhada da evolução dessa estrutura. 38 2.1. Comparação com a União Europeia Portugal é, sem dúvida, um dos país que revelou maior flexibilidade e capacidade de modificação das suas relações comerciais ao longo do período desde o pós-guerra. Este facto é bem patente no gráfico 5, que se baseia na comparação da estrutura geográfica do comércio externo dos países europeus, publicada em Comissão Europeia (1997). Gráfico 5 Distância da estrutura de 1958 a 1994 No painel superior do gráfico encontra-se representada a distância euclidiana (raiz quadrada da soma dos desvios quadrados) entre a estrutura de 1958 e a de 1994, quer de exportações, quer de importações. Portugal é o país que, em ambos os casos, ocupa o segundo lugar na ordenação das distâncias. Nas exportações, o país com maior transformação da sua estrutura de comércio é a Irlanda. 39 Gráfico 5 – cont. Coeficiente de variação da estrutura 1994 No entanto, o alto valor da sua distância é dominado pela enorme queda do comércio irlandês com o Reino Unido; esse único ponto justifica o valor anormal. Nas importações, a Irlanda tem um valor baixo, mas aí o primeiro lugar vai para a França, a pequena distância do segundo, sobretudo por causa da evolução com as suas colónias. Portugal pode, assim, ser facilmente considerado como o país que teve, no conjunto das exportações e importações, uma maior transformação, revelando maior flexibilidade. Na mudança do comércio português, como se verá adiante, as colónias e a Espanha são os parceiros que mais contribuíram para a mudança. Mas o mais notável no comércio português é que a modificação dá-se em todos os quadrantes, e não apenas numa direcção. O painel inferior tenta abordar o padrão da estrutura, considerando a diversidade de parceiros através do coeficiente de variação. Este indicador (o desvio padrão dividido pela média) é muito baixo se os pesos dos vários parceiros forem semelhantes, e alto se houver uma grande diversidade. Neste sentido, um país com uma grande diversidade de parceiros terá um valor inferior ao de um país que centre o seu comércio em alguns poucos pontos. Portugal, quer nas importações, quer nas exportações, tem um valor intermédio do indicador, mostrando uma estrutura regular. O gráfico seguinte tenta analisar directamente a questão da globalização na sua forma mais corrente. Para a maioria das discussões públicas, a globalização significa a entrada de produtos dos novos países em alto desenvolvimento, sobretudo do Extremo Oriente, nos países europeus. Essa entrada é vista com temor em Portugal e noutros países, identificando-a com uma concorrência indesejável e difícil de combater. O gráfico 6 relativiza muito esta visão. 40 Gráfico 6 Exportação para a OCDE Importações da OCDE 41 Gráfico 6 – cont. Exportações para Países em Desenvolvimento (não OPEP) Importações de Países em Desenvolvimento (não OPEP) Este gráfico limita-se a mostrar, para cada um dos países da União Europeia, o peso das suas importações e exportações relativamente a dois parceiros específicos: a OCDE, que junta os países ricos, e os países em desenvolvimento fora da OPEP. Os valores são indicados para 1958 e 1994. Os valores são suficientemente eloquentes para não precisarem de comentários. Olhando apenas para a sua média, vemos que a OCDE, que representava 70.0% das exportações e 70.6% das importações da União Europeia, subiu para 81.3% e 81.7% respectivamente. Pelo seu lado, os países em desenvolvimento caíram de 16.9% para 10.8% das exportações e de 15.1% para 9.0% das importações da União. Isso quer dizer que a concorrência dos países em desenvolvimento, quer em Portugal, quer nos nossos principais clientes (que são a OCDE) não só é pequena como está mesmo a descer. Isso não quer dizer que o problema não exista, nem que a tendência registada não se venha a inverter nos próximos tempos. Afinal, esta a grande novidade da globalização. Mas, ao mesmo tempo, é preciso notar que a grande 42 preocupação de que hoje se fala está ainda centrada num pequeno detalhe da estrutura, ainda sem influência real. 2.2. Evolução Portuguesa Analisando agora, com mais detalhe a evolução da inserção geográfica do nosso comércio externo nas últimas décadas, alguns traços são muito claros. Os números apresentados referem-se aos anos de 1938, 1947, 1952, 1958, 1965 e a partir de 1970. As fontes estão indicadas em Neves (1994) 2.D.2. Gráfico 7 Destino das Exportações Olhando primeiro a situação em grandes grupos, no gráfico 7 é possível identificar a ascensão e queda das colónias como destino das exportações portuguesas. Subindo de cerca de 10% em meados dos anos 30 para quase 30% nos anos 50 e 60, começam a descer nos inícios dos anos 70, representando ultimamente esses países, agora independentes, menos de 3% das nossas exportações. Em contrapartida, nota-se claramente a subida do destino OCDE, sobretudo devido ao seu sub-conjunto União Europeia. 43 Gráfico 8 Origem das Importações Embora menos marcado, o padrão das importações é muito semelhante. As importações das colónias já eram elevadas nos anos 30, e em vez de triplicarem o seu peso, limitam-se a duplicá-lo de 12% para 26%. A queda acelerada também se dá no início dos anos 70, sendo hoje a sua importância como fornecedor praticamente nula (0.1% em 1994). A subida da OCDE e da UE é permanente, mas só se torna marcada a partir dos anos 80. Analisando agora esta evolução de forma mais pormenorizada, indicando os países individuais, é possível entrar mais no detalhe da transformação concreta. O padrão das exportações e das importações está dividido respectivamente em dois gráficos. O primeiro representa os principais países da União Europeia, que são também os principais parceiros, enquanto o segundo inclui os parceiros mais relevantes fora da União. 44 Gráfico 9 Destino das Exportações Nas exportações, o “soluço” causado pela II Guerra é bastante claro. Recuperada a situação depois do conflito, o Reino Unido começa por reforçar a sua liderança, atingindo quase um quarto das nossas vendas externas no início dos anos 70. Desde então, esse destino tem vindo a perder importância, sendo actualmente o quarto destino para exportações portuguesas. A Alemanha regista a tendência mais constante de crescimento nas nossas exportações, ocupando o primeiro lugar desde meados dos anos 80. A França, que quase igualou o avanço alemão, desacelerou recentemente. Mas o fenómeno mais recente é a subida do destino espanhol que arrancou de um valor modesto em 1985 para subir ao segundo lugar actualmente. Gráfico 10 Destino das Exportações 45 No segundo grupo de destinos de exportações, fora da Europa, o “soluço” da guerra foi quase simétrico ao dos países europeus. Foi nessa altura também que Angola e Moçambique tiveram grande relevância no nosso comércio, facto que se manteve até aos anos 70. Mas ultimamente é claro que todos esses destinos perderam significado. O único que ainda deve ser notado, embora apenas por volta dos 5% das nossas exportações, são os Estados Unidos. Gráfico 11 Origem das Importações As importações portuguesas não sofreram a variabilidade de estrutura das exportações. Mesmo a guerra teve um pequeno efeito nos pesos das importações, exeptuando, naturalmente a Alemanha e (no gráfico 12) os EUA. Os pesos relativos das nossas compras ao exterior mantêm-se quase invariáveis ao longo de 60 anos, o que não deixa de ser surpreendente, dado o quadro traçado até aqui. 46 Gráfico 12 Origem das Importações Apenas há a registar dois factos, um em cada um dos gráficos 11 e 12. O primeiro é a grande subida da Espanha, que tal como nas exportações, sobe de um valor modesto em 1985 para valores muito elevados dez anos depois. Neste caso, cabe-lhe desde 1991 o primeiro lugar, que era ocupado pela Alemanha desde o fim da guerra. O segundo elemento, muito menos significativo mas que se destaca na estabilidade do quadro, é a descida dos EUA que, quase no mesmo período, desce de cerca de 15% para valores muito reduzidos. Deste modo, os elementos mais destacáveis da nossa estrutura comercial no campo geográfico são, primeiro, o domínio da Europa em particular e dos países ricos em geral, facto que é, aliás, semelhante ao registado nos mesmos países ricos. O fenómeno espanhol tem dominado os últimos anos, mas não desequilibrando a nossa estrutura, que continua a ser muito diversificada. A enorme transformação nas exportações e uma transformação muito mais reduzida nas importações são bem patentes. 3. Análise sectorial do comércio O presente estudo termina com uma descrição da estrutura do comércio por tipo de bens. Aqui os dados, obtidos das “séries longas” do Banco de Portugal (1997) dão todos os valores anuais de 1947 a 1993. A totalidade do comércio, quer em exportações, quer em importações, é dividida em “bens de consumo”, “bens de investimento”, “bens intermédios”, “bens energéticos” e “outros bens”. Em seguida, as duas primeiras classes são subdivididas para tentar captar melhor a sua evolução. Um exercício que NÃO será aqui realizado, apesar de ser corrente, é considerar quais destes bens são “bons” ou “maus” para o desenvolvimento. Muitos são os que emitem comentários sobre a conveniência de Portugal exportar ou importar certos 47 bens, lamentando a presença ou ausência de certos itens na nossa estrutura. Como é patente dessas análises, a sua fundamentação não está na ciência económica, embora frequentemente o tentem aparentar. Por isso, tais enunciados não serão encontrados nas próximas páginas. Gráfico 13 Exportações por tipo de bens A evolução das exportações, em grandes grupos de bens, mostra um primeiro lugar folgado para os bens intermédios, que revelam também uma tendência de queda desde o início da industrialização. Em compensação, existe uma tendência crescente nos bens de consumo, que tendo o segundo lugar passaram a ter a liderança desde meados dos anos 80, e também dos bens de investimento. Estes últimos registaram a evolução mais impressionante, multiplicando o seu peso por um factor superior a 10. Assim, de uma estrutura dos anos 50, que dava cerca de 55% aos bens intermédios, 35% aos bens de consumo e 10% dividido igualmente pelas outras três classes de bens, passou-se actualmente para uma estrutura onde os bens de consumo têm uma quota de 50%, os bens intermédios caíram para 30% e os bens de investimento subiram aos 15%. Olhando agora para os bens de consumo, é possível dividi-los em bens de consumo não duradouro e bens de consumo duradouro. Esta partição é relativamente estável, com o consumo não duradouro flutuar entre os 30% e os 40% das exportações, tendo recentemente subido a 50%. Os bens de consumo duradouro, que durante a fase inicial não foram relevantes, subiram desde os anos 70, atingindo mais 5% actualmente. 48 Gráfico 14 Exp. Bens consumo não duradouro Dentro dos bens de consumo não duradouros houve grande transformação. Registou-se uma clara inversão entre as exportações de bens alimentares, que tinham quase 20% nos anos 50 e que caíram para menos de 5%, e o vestuário e acessórios, que tinham menos de 2% no início e subiram hoje para mais de 20%. De notar ainda a subida do calçado de 1% para quase 10% e a queda das bebidas (certamente vinho) de mais de 15% para menos de 5%. Gráfico 15 Exp. Bens consumo duradouro O valor dos bens de consumo duradouro quase justifica o seu esquecimento. Além disso, a sua ventilação não é muito informativa, visto que a classe “outros” domina completamente o padrão. É de notar, no entanto, o aumento significativo de todas as 49 outras componentes. Os automóveis ligeiros de passageiros, que não tinham expressão até aos anos 70, ocupam neste momento 2% das nossas exportações. Gráfico 16 Exp. Bens de Investimento Relativamente aos bens de investimento, que como se viu atrás, estão a aumentar a sua importância, a evolução é mais estável, embora sempre crescente. As máquinas e aparelhos começaram a ser notadas nas nossas exportações no início dos anos 60. Subiram rapidamente, atingindo um peso de mais de 7% no fim da década, tendo flutuado desde então. É só na década de 70 que o material de transporte começa uma evolução paralela, atingindo níveis semelhantes. O quadro da ventilação das importações mostra uma transformação de uma ordem de grandeza inferior à das exportações, numa estrutura mais equilibrada. Os bens intermédios tinham o primeiro lugar no início e mantiveram-no, embora perdendo terreno recentemente. Para além do surto no peso das importações energéticas nos anos 70, que esmorece a meio dos anos 80, há a registar a tendência crescente dos bens de consumo. O resto das classes flutuam à volta dos seus valores médios, embora com um claro aumento de volatilidade recente. 50 Gráfico 17 Importação por tipo de bens A estabilidade da estrutura é também notável nos sub-conjuntos das classes anteriores. De referir o domínio dos bens de alimentação e dos outros bens no consumo não duradouro, flutuando ambos à volta de um valor central de 4%-5% e o aumento recente das importações de vestuário. No consumo duradouro nota-se apenas o surto recente das importações de automóveis ligeiros de passageiros, que ocupam desde o início a liderança quase ininterruptamente. Nos bens de investimento, as máquinas e aparelhos flutuam à volta dos 14%, enquanto o material de transporte flutua à volta dos 8%. Gráfico 18 Imp. bens consumo não duradouro 51 Gráfico 19 Imp. bens consumo duradouro Gráfico 20 Imp. bens de Investimento Em conclusão, mais uma vez se destaca a flexibilidade das exportações e a relativa estabilidade das importações. Não havendo desequilíbrios estruturais claros no nosso comércio externo, Portugal tem adaptado a sua capacidade produtiva, facto que é notório, mesmo numa análise tão rudimentar como esta. 4. Conclusões Propositadamente, este texto não tem conclusões muito significativas. Pretendeu ele substituir os habituais lugares comuns que são apresentadas sobre o nosso comércio externo por uma simples observação do padrão geral da evolução. O resumo dos traços mais salientes foi feito ao longo do texto. Viu-se a grande flexibilidade das 52 nossas exportações, a modificação de mercados de destino, concentrando-se recentemente na Europa e a transformação dos tipos de produtos exportados. As importações, muito mais estáveis, sofreram no entanto algumas modificações importantes. Um economista, olhando para esta realidade, e notando que ela se realiza durante a modernização acelerada da economia, deve referir apenas que está em presença de uma economia que soube adaptar-se a uma realidade que, sendo em geral favorável, não deixou de criar desafios e obstáculos importantes. A fase seguinte, da crescente globalização não deixará de trazer mais desses desafios e obstáculos. O sucesso anterior pode trazer algumas lições, apesar de a realidade ser tão variável que poucas semelhanças serão certamente registadas. BIBLIOGRAFIA Banco de Portugal (1997) Séries Longas para a Economia Portuguesa, Banco de Portugal, Lisboa Comissão Europeia (1997) European Economy, n.º 63, European Commission FMI (1985) International Financial Statistics, 1985 yearbook, Fundo Monetário Internacional, Washington DC FMI (1996) International Financial Statistics, 1996 yearbook, Fundo Monetário Internacional, Washington DC Neves, J. C. (1994) The Portuguese Economy - a picture in figures, Universidade Católica Editora 53 Padrão das exportações portuguesas: evolução e perspectivas Professora Maria Paula Fontoura* Comentadora Esta comunicação visa uma reflexão sobre o padrão das exportações da indústria transformadora portuguesa no período posterior à adesão à União Europeia (secção 1) e a evolução previsível da actual estrutura (secção 2). Encerra com alguns comentários conclusivos. 1. Padrão das exportações portuguesas: principais características No período que se segue à adesão à União Europeia (UE), a economia portuguesa evidenciou, a par do aumento do grau de abertura1 e de uma maior concentração das exportações e importações no mercado comunitário2, uma importante alteração no padrão do comércio externo. O quadro 1 indica que no ano anterior à adesão (1985), o comércio intra-ramo (CIR) – relacionado com a exportação e importação simultânea de produtos do mesmo sector – de Portugal com a UE no âmbito da indústria transformadora, era 20 por cento, bastante inferior à média dos países considerados (58 por cento) e registando somente a Grécia um valor mais baixo3. Em 1990, a posição relativa de Portugal permanecia inalterada mas o CIR registava um aumento de 30 por cento, o mais elevado no contexto dos países estudados depois da Espanha. No quadro 1 constata-se ainda que no mesmo período o aumento do CIR em Portugal é inferior quando se considera o comércio total (11 por cento), o que confirma a relação entre este fenómeno e a integração4. * Professora do Instituto Superior de Economia e Gestão – ISEG. O peso do comércio externo no PIB ultrapassou os 70 % em 1996 enquanto em 1986 era cerca de 50 % (Cabral, 1997). 2 A UE absorveu 63% das exportações totais portuguesas em 1985 e 79 % em 1996. Quanto às importações, os respectivos valores são 47% e 75 %. 3 Note-se que o valor do CIR de 1985 é semelhante ao de 1972 (19 %). Em 1977 o CIR registará, inclusive, uma diminuição, para 15 % no comércio intra-EU e 20 % no comércio com o mundo. 4 Sobre este assunto, v. Silva (1996) e Cabral (1997). 1 54 Quadro 1 - Comércio intra-ramo por país com a UE e o Mundo (indicador de Grubel-Lloyd não-ajustado5, indústria transformadora) País 1972 UE Bélgica-Luxemburgo Dinamarca França Alemanha Grécia Irlanda Itália Holanda Portugal Espanha RU Média UE 1985 Mundo 0.49 0.39 0.57 0.42 0.11 0.32 0.40 0.53 0.19 0.21 0.51 0.57 0.58 0.49 0.69 0.55 0.13 0.38 0.53 0.63 0.23 0.30 0.63 0.57 UE 0.56 0.42 0.55 0.50 0.18 0.40 0.41 0.52 0.20 0.33 0.59 0.58 1990 Mundo 0.58 0.49 0.67 0.58 0.20 0.47 0.52 0.64 0.27 0.45 0.68 0.59 UE Mundo 0.58 0.46 0.60 0.51 0.20 0.38 0.46 0.54 0.26 0.46 0.61 0.59 0.62 0.49 0.68 0.61 0.19 0.44 0.52 0.64 0.30 0.55 0.65 0.60 Fonte: Projecto SPES (v. Brülhart e Elliot 1996, quadro 2). Dados OCDE- 5 dígitos Para os anos posteriores aos do quadro 1 dispomos dos cálculos do quadro 2, relativos ao comércio intra-EU. Tratando-se de um nível menos desagregado (4 dígitos, enquanto no quadro anterior se utilizaram os 5 dígitos), esta série incorpora em parte o designado “falso CIR” (i.e., o que resulta de um puro fenómeno de agregação estatística), mais expurgado quando se utiliza um nível de desagregação superior. Tendo em consideração que a base dos dois quadros não é comum, a evolução do CIR é contudo clara: relativa estabilidade entre 1990 e 1994 seguida de crescimento até 1996, destacando-se o aumento de 16 por cento de 1995 para 1996. Quadro 26 - Comércio intra-ramo de Portugal com a UE (indicador GL não ajustado, indústria transformadora) Ano 1990 1991 1992 1994 1995 1996 CIR 0.37 0.37 0.37 0.36 0.38 0.44 Fonte: Eurostat-Comext (4 dígitos) 5 CIR=∑[(Xj+Mj)-Xj-Mj]/∑(Xj+Mj), em que Xj e Mj são, respectivamente, as exportações e importações do sector /ramo j. À medida que o valor de CIR se aproxima da unidade, o grau de CIR aumenta; se CIR se aproximar de zero, as exportações ou as importações dominam o comércio que, consequentemente, é predominantemente do tipo inter-ramo. 6 Agradeço à Dr.ª Elsa Vaz a elaboração destes cálculos, assim como os do quadro 3. 55 A análise da evolução da estrutura das exportações7, elucida sobre o comportamento do CIR. No gráfico 1 destaca-se a redução contínua entre 1960 e 1996, nas exportações totais, do peso do grupo de sectores relacionados com a exploração de recursos naturais e o aumento do peso dos sectores automóvel, máquinas e material eléctrico. Este segundo grupo de sectores (que designamos de “dinâmicos”), ultrapassou, no seu conjunto, em 1996, o peso dos sectores ditos tradicionais: têxteis, vestuário e calçado8. Um contributo decisivo para esta evolução foi o impacto da nova unidade de produção de automóveis de passageiros (no âmbito da Auto-Europa) – que iniciou a sua actividade exportadora no segundo semestre de 1995. Gráfico 1 - Estrutura das exportações portuguesas (peso dos sectores assinalados nas exportações totais)* 50 45 40 35 Recursos naturais 30 25 Têxteis, vestuário e calçado 20 15 Automóvel, m. eléctrico e máq. e aparelhos eléctricos 10 5 0 1960 1970 1978 1983 1986 1989 1992 1993 1994 1995 1996 Fonte: Cabral (1997) (dados do INE) * Os sectores designados de “recursos naturais “ incluem os combustíveis, bens agrícolas, agro-indústrias, bebidas, madeira e cortiça, pasta de papel e papel. Se desagregarmos a evolução do CIR de Portugal com a UE por sectores (quadro 3), verifica-se que em 1996 o valor mais elevado ocorre no sector material de transporte, que é também responsável pela subida mais acentuada nos últimos três anos (37 por cento em 1994 e 77 por cento em 1996), confirmando-se o contributo do grupo de sectores “dinâmicos” para o aumento do CIR médio. 7 8 Na estrutura sectorial das importações não se evidenciam alterações acentuadas (v. Cabral, 1996). Optámos, nesta análise, pela agregação sectorial de Cabral (1997) pela conveniência desta escolha. 56 Quadro 3 - Comércio intra-ramo: Portugal-UE (indicador de Grubel-Lloyd não ajustado) Sectores Química Plásticos Peles e couro Madeira e cortiça Pasta de madeira e papel Têxteis Calçado Pedra, cimento e vidro Pedras preciosas Metais comuns Máq. e apar. eléctricos Mat. de transporte Inst. e apar. de precisão Armas e munições Produtos diversos 1994 0.26 0.50 0.24 0.34 0.23 0.41 0.23 0.43 0.19 0.36 0.38 0.37 0.37 0.43 0.62 1995 0.28 0.54 0.26 0.36 0.29 0.39 0.25 0.41 0.24 0.38 0.40 0.51 0.39 0.67 0.64 1996 0.28 0.53 0.26 0.36 0.29 0.41 0.26 0.40 0.37 0.42 0.36 0.77 0.33 0.39 0.57 Fonte: Eurostat- Comext (4 dígitos). O aumento do peso do comércio intra-ramo nas trocas com a UE – e a redução do peso do comércio inter-ramo (i.e., o comércio que ocorre quando as exportações e as importações correspondem a produtos de sectores diferentes) – é relevante por diversas razões9: 1. As teorias do comércio internacional associam factores diferentes a estes dois tipos de comércio. Genericamente, o comércio inter-ramo é relacionado com a exploração da dotação relativa de factores (e produtividade relativa do trabalho, no modelo ricardiano) e o comércio intra-ramo com a exploração de economias de escala, grau de diferenciação do produto e reacções estratégicas inter-empresariais. Estudos específicos10 relativos ao padrão de especialização do comércio externo português concluíram que na década de 70 e primeira metade dos anos 80 o padrão de comércio externo de Portugal era determinado pela utilização de recursos naturais, mão-de-obra não qualificada, capacidade de adaptação/imitação da tecnologia líder, enquanto o capital revelava um influência negativa nos anos 70 e neutra a partir do início dos anos 80. Estes factores explicavam a especialização em têxteis, vestuário, calçado e produtos florestais, assim como a elevada dependência em máquinas, automóveis e outros bens com elevada incorporação tecnológica e economias de escala. O aumento do peso do comércio intra-ramo em Portugal no período pós-adesão evidenciará, portanto, a exploração de novos factores produtivos, nomeadamente uma maior incorporação tecnológica e intensidade mais elevada em capital e mão-de-obra 9 Cf. Cabral (1997). V. Moura Roque, Fontoura e Barros (1991). 10 57 qualificada, com economias de escala e produção de bens diferenciados, no contexto de novas estruturas de mercado. 2. O aumento do peso do comércio intra-ramo em Portugal proporciona um cenário de convergência com a estrutura da especialização e trocas comunitárias, o que diminui a probabilidade de ocorrerem choques assimétricos e facilita, consequentemente, o sucesso da União Monetária.11 3. Nos casos de perda da vantagem competitiva nacional, esperam-se custos de ajustamento mais baixos nos sectores com níveis de comércio intra-ramo elevado, na medida em que os recursos podem ser mais facilmente transferidos entre empresas do mesmo sector do que entre sectores diferentes. A este cenário optimista podem no entanto ser formuladas algumas reservas: 1. Estudos recentes indiciam que o comércio intra-ramo poderá estar a diminuir na UE no caso das indústrias com economias de escala significativas (Brülhart 1995), sendo esta descida tanto mais acentuada quanto mais elevadas são as economias de escala e a intensidade tecnológica da indústria. São exemplo desta evolução as indústrias de material eléctrico, electrónica e instrumentos científicos. Estes resultados foram confirmados para o período 1985-1990 com diversos níveis de desagregação das indústrias. O autor verificou ainda, através do indicador de localização de GINI, que as indústrias com economias de escala são também as mais concentradas geograficamente. Parece, portanto, estar em curso um processo de concentração industrial em alguns sectores que, a confirmar-se, poderá criar importantes assimetrias na distribuição do rendimento entre os mercados integrados12. 2. Estudos específicos (Comissão Europeia, 1996) indicam que os Estados Membros da UE estarão a especializar-se à volta do espectro da qualidade, isto é, em segmentos de mercado diferentes. Assumindo-se que diferenças nos preços (valores unitários) dos fluxos comerciais revelam diferenças na qualidade, é possível distinguir vários níveis de qualidade das exportações de um país com base no cálculo, para cada produto exportado, da razão entre o valor unitário do país membro da UE e o valor unitário médio da UE (A). É usual distinguir três níveis de qualidade segundo o critério standard: A≥ 1.15- Qualidade elevada A∈[0.85-1.14]- Qualidade média A< 0.85- Qualidade baixa A análise mostra que entre 1985/86 e 1993/94, o segmento de mercado mais importante – o dos produtos de qualidade média – verificou um declínio (de cerca de 15 pontos). Isto significa que a dispersão dos valores unitários aumentou neste 11 12 Esta é a tese de Cabral (1997). Esta é a tese de Krugman (1991). 58 período, exprimindo o aumento do comércio de produtos de qualidade elevada e baixa13. O quadro 4.1 indica os países membros da UE-12 com um peso relativo de exportações de produtos de qualidade elevada superior a 40 por cento em 1993/9414 e o quadro 4.2 o grupo de países em que os produtos de qualidade baixa representam mais de 25 por cento do total das exportações no mesmo sub-período. Na medida em que a qualidade elevada é geralmente atribuída a trabalho mais qualificado, I&D, técnicas de marketing, melhor organização interna das empresas, o aprofundamento deste padrão de especialização reforçará a tendência para a criação de assimetrias no espaço europeu com eventual manifestação de um modelo centro-periferia. Quadro 4 - Estrutura da qualidade-preço das exportações no comércio intra-EU (Os valores entre parênteses referem-se aos produtos de qualidade média) Quadro 4.1 - Especialização em produtos de qualidade elevada* País Irlanda Alemanha Dinamarca RU França 1985/86 49.3 (31.1) 41.7 (46.4) 38.1 (45.6) 33.3 (51.5) 33.2 (54.6) 1993/94 53.8 (24.9) 47.7 (38.6) 41.7 (38.4) 40.5 (39.1) 39.9 (45.2) * Exportações de produtos de qualidade elevada em percentagem das exportações totais Quadro 4.2 - Especialização em produtos de qualidade baixa** País Portugal Grécia Espanha Itália 1985/86 20.8 (42.2) 24.9 (57.8) 19.9 (50.8) 26.0 (47.1) 1993/94 34.1 (39.6) 31.1 (42.3) 28.9 (48.0) 28.5 (39.4) **Exportações de produtos de qualidade baixa em percentagem das exportações totais Fonte: Comissão Europeia (1996), cálculos do CEPII (Eurostat-Comext- Nimex, 6 dígitos, em 1985/86 e NC, 8 dígitos, em 1993/94) Apesar de Portugal liderar o grupo de países relativamente mais especializados em produtos de qualidade baixa, assinale-se que entre os dois sub-períodos analisados se registou uma redução no peso relativo tanto das exportações de qualidade baixa como das de qualidade média (facto sem paralelo nos restantes países analisados) compensada pela subida de 5.5 pontos no que se refere ao peso relativo dos produtos de qualidade elevada. Existe, portanto, uma evolução no sentido de uma maior especialização em produtos de qualidade elevada. 13 A especialização dos países não parece ter sido afectada pelas flutuações monetárias (ob. cit., pp. 75/76). 14 Os resultados da Irlanda poderão ser explicados pelo papel das sucursais estrangeiras que utilizam este país como localização para linhas de montagem. 59 3. Os sectores exportadores tradicionais – têxteis, vestuário e calçado – ainda têm um elevado peso nas exportações totais portuguesas. No gráfico 1 verifica-se que em 1996 representavam cerca de 30 por cento das exportações totais, o que traduz um retorno aos valores anteriores à adesão (32 por cento em 1983). Os dois primeiros sectores têm beneficiado no mercado comunitário de uma situação privilegiada que é a diminuição da concorrência internacional por via das restrições quantitativas do Acordo Multifibras (AMF) (directamente pela redução das quantidades importadas pela UE e indirectamente pelo efeito preço destas restrições). Com a adesão à UE registou-se o aumento do peso relativo destes sectores (ver gráfico 1), mas em boa medida por terem terminado os “arranjos de cooperação administrativa” assinados por Portugal com a Comunidade Europeia entre 1979 e 1986, para todos os efeitos análogos ao AMF. A situação de protecção “anormal” de que estes sectores têm beneficiado é responsável pela sua baixa produtividade e o peso desmesurado que têm na estrutura produtiva nacional, que os tornam particularmente vulneráveis ao aumento anunciado da concorrência de terceiros países. Quanto aos sectores “dinâmicos”, os principais problemas registam-se na evolução de variáveis externas, nomeadamente no que se refere ao comportamento das empresas multinacionais, e na capacidade da economia nacional de criar as condições necessárias à atracção do capital estrangeiro. Ambos os casos são objecto de uma análise mais detalhada na secção 2. 2. Evolução do padrão actual das exportações portuguesas: algumas perspectivas 2.1. Sectores tradicionais No âmbito da indústria comunitária, Portugal detém, no que se refere aos sectores têxtil, vestuário e calçado, o índice de especialização industrial mais elevado (em termos do peso no valor acrescentado da indústria transformadora de cada país membro)15. Têm como característica genérica a intensidade em mão-de-obra pouco qualificada (embora alguns sub-sectores dos têxteis, como fiação, tecelagem e tapeçaria, sejam capital-intensivos), enfrentando a concorrência sobretudo por via dos preços. No que respeita a estes sectores, espera-se uma penetração crescente no mercado comunitário de produtos de países terceiros no âmbito das reduções acordadas no final da Ronda de Uruguai do GATT16, assim como de acordos da União Europeia com alguns dos principais concorrentes como é o caso da Turquia (existe uma união 15 Ver Eurostat, Panorama mensuel de l´Industrie européene, cap. sobre análise sectorial, 1997. No que se refere aos direitos aduaneiros, estão em curso, desde 1995, as reduções acordadas, faseadas para 10 anos no caso dos produtos sensíveis (5 anos para os restantes). Note-se, todavia, que no caso dos têxteis e vestuário os direitos são menos reduzidos do que nas restantes indústrias (valor médio final de 12.1%, enquanto o de todas as indústrias é 3.9 %). V., por ex., Messerlin (1995), quadro 3.2. 16 60 aduaneira desde 1996) e os países da Europa Central e Oriental, com os quais existem acordos de associação (Acordos Europeus) que conduziram à abolição pela Comunidade dos direitos aduaneiros desde 1997 e das restrições quantitativas desde 1998. A concorrência intensificar-se-á significativamente se a candidatura da China à Organização Mundial do Comércio (OMC)17 se concretizar. Para enfrentar esta concorrência, a indústria nacional apresenta alguns elementos de fragilidade, tais como18: – A produtividade do trabalho medida pelo valor acrescentado por trabalhador é ainda muito baixa em Portugal (em 1992, segundo cálculos do OETH, Portugal tinha os valores mais baixos da Comunidade Europeia nos sectores dos têxteis e vestuário), o que se relaciona com uma excessiva intensidade em trabalho. Em 1996, a parte de Portugal na produção e no emprego da UE era, no caso do têxtil, de 4.3 por cento e 11.9 por cento, respectivamente, enquanto em Espanha os mesmos indicadores apontam para 7.5 por cento contra 11.3 por cento e, em Itália, 28.8 por cento contra 23.8 por cento. No vestuário esta relação agrava-se: para 4.3 por cento da produção comunitária, Portugal emprega um volume de mão-de-obra correspondente a 13.6 por cento do comunitário, enquanto em Espanha estes valores são, respectivamente, 10.7 por cento e 11.5 por cento e, em Itália, 34.8 por cento e 23.3 por cento – Face à média comunitária, a dependência inter-sectores têxtil-vestuário e curtumes-calçado é muito elevada em Portugal. Assim, enquanto na UE, em média, o calçado e o vestuário absorvem cerca de 50 por cento da produção dos sectores a montante, em Portugal essa percentagem é superior a 90 por cento, o que desencadeia elevadas repercussões a montante no caso de crise na indústria produtora de bens finais. No caso dos têxteis e vestuário, estes sectores vão estar sujeitos ao impacto adicional do desmantelamento do AMF. Segundo o Acordo sobre Têxteis e Vestuário aprovado no âmbito da Ronda de Uruguai, verificar-se-á a abertura dos mercados ao longo de um período de 10 anos faseado em 4 etapas19 (as percentagens indicadas referem-se ao volume total de importações de 1990): 1ª fase:1995-16 % 2ª fase:1998-17 % 3ª fase: 2002-18 % 4ª fase: 2005-49 % 17 Existe desde 1995 um acordo com este país para a liberalização de alguns produtos têxteis como a seda e linho. 18 Ver Freitas (1997). 19 Às taxas anuais de crescimento das quotas, deverão ser aplicados factores de acréscimo de 16 %, 25 % e 27 %, nas três primeiras fases, respectivamente. 61 Tratando-se da abertura dos mercados comunitários a produtos originários de fornecedores até então sujeitos a limitações, são de esperar repercussões significativas nas exportações portuguesas20. Por enquanto, as liberalizações ocorridas são pouco relevantes para Portugal. A primeira fase de liberalização só incluiu produtos que não estavam submetidos a quotas no mercado comunitário. Quanto à segunda fase, no caso de Portugal, os produtos incluídos ou não estão submetidos a quotas ou estas têm estado sub-utilizadas em anos recentes21. O principal impacto ocorrerá portanto em 2002 e sobretudo em 2005, não só porque na última fase será liberalizada a parte mais significativa do comércio mas também porque incluirá, pela lógica política e do próprio Acordo, os produtos mais sensíveis22. A manutenção do AMF tem tido um importante efeito nos preços, conforme é confirmado por diversas estimativas. Entre 1985 e 1995, a subida dos preços nos países da OCDE por via destas restrições foi, em média, de 20 por cento para os têxteis e de 40-50 por cento para o vestuário, com alguns picos da ordem do dobro ou triplo (Messerlin, 1995, pp. 121-22). Diversos cálculos para o mercado comunitário confirmam estes valores. Por exemplo, Mennes e Koekkoek (1988) encontraram um efeito médio neste mercado de 38 por cento para o vestuário23. Apoiando-se em algumas destas medições para amostras específicas, Pina Cabral (1994) procurou medir o efeito do desmantelamento do AMF nas exportações portuguesas de produtos de vestuário ultra-sensíveis, caracterizados por elevada intensidade em trabalho24. Os resultados, embora condicionados pelas hipóteses do modelo (assume-se que as empresas operam sob um elevado grau de concorrência, que existe substituição perfeita entre os produtos dos produtores internos e os originários de outros fornecedores, que os fornecedores estrangeiros têm capacidade para expandir as exportações e respectivas quotas de mercado a custo unitário constante) e pelos valores atribuídos aos parâmetros (relativos ao efeito preço das restrições quantitativas e à elasticidade da oferta dos produtores internos) mostram que os efeitos esperados não são despicientes. Assim, a perda do excedente do produtor e a redução das exportações portuguesas para o mercado comunitário variam, em percentagem do valor das exportações anteriores ao desmantelamento25, no primeiro caso, entre 16 e 23 por cento e, no segundo caso, entre 39 e 67 por cento. 20 Existe uma cláusula de salvaguarda transitória, mas com a duração máxima de três anos. Wool Trade Watch, vol. 4, Nov. 1996. 22 A única restrição na selecção dos produtos a incluir em cada etapa é pertencerem a quatro grandes grupos de têxteis e vestuário. Se atendermos a que cada tranche é definida em relação ao volume das importações totais e que, em média, um terço das quantidades totais de têxteis e vestuário importados por um país industrializado provém de outros países desenvolvidos (não estando, por isso, abrangido pelo AMF), compreende-se que as primeiras etapas consistem no que Messerlin (ob. cit) designa de um “crédito de liberalização” e que o essencial da liberalização terá lugar “no último minuto” (em 2005). 23 As estimativas variam contudo bastante consoante as categorias incluídas e mercado de destino. 24 Os países concorrentes seleccionados foram Hong-Kong, Coreia do Sul, China, Índia, Marrocos, Turquia e Jugoslávia. 25 Assume-se que o desmantelamento é feito numa única etapa, o que se aproxima do significado real da última fase (2005). O ano de referência para a situação anterior ao desmantelamento foi 1990. 21 62 No caso dos sectores tradicionais procurámos avaliar se a composição das exportações portuguesas e dos países concorrentes de Portugal no mercado comunitário são semelhantes. Para o efeito utilizámos o indicador de sobreposição de exportações de Finger-Kreinin26, que indica o grau de semelhança na estrutura das exportações, e comparámos o caso português com o de alguns dos principais concorrentes de terceiros países no mercado comunitário. O valor extremo um assinala que o peso relativo dos produtos considerados nas exportações totais é igual nas duas economias, enquanto o valor zero assinala a total dessemelhança. No quadro 5 encontram-se os resultados obtidos. Nos sectores dos têxteis e vestuário, assinala-se, por ordem crescente de semelhança na estrutura das exportações, a Índia, os países do Visegrado e a China, as Economias Dinâmicas da Ásia (EDA)27 e a Turquia, em todos os casos com valores superiores a 50 por cento. Idêntica análise para o calçado permite destacar a Índia, as EDA, os países do Visegrado e a Turquia. Quadro 5 - Grau de sobreposição das exportações (indicador de Finger-Kreinin) Têxteis e vestuário Países 1990-92 1994-96 concorrentes Visegrado 0.55 0.53 Turquia 0.71 0.72 Índia 0.45 0.50 China 0.55 0.54 EDA* 0.65 0.64 Países concorrentes Visegrado Turquia Índia China EDA** Calçado 1990-92 0.77 0.68 0.45 0.21 0.57 1994-96 0.60 0.66 0.52 0.26 0.50 Fonte: Eurostat-Comext (4 dígitos) Cf. Fontoura e Vaz (1998) Seguidamente, procurou-se analisar se a estrutura preço-qualidade das exportações para o mercado comunitário de Portugal e dos países concorrentes seleccionados é semelhante ou corresponde a segmentos de mercado diferentes. Neste caso foi necessário excluir os países do Visegrado por ausência de dados. Na medida em que 26 ∑min (Siac; Sibc) Siac -peso do produto i nas exportações do país a para o país c Sibc-peso do produto i nas exportações do país b para o país c 27 Coreia do Sul, Malásia, Taiwan, Tailândia, Hong-Kong, Singapura e Filipinas. 63 as exportações dos países concorrentes verificarão descidas de preço no mercado comunitário, existe ameaça de conflito sempre que a gama (qualidade) das exportações portuguesas for semelhante. Utilizando a metodologia descrita na secção 1, obtém-se o quadro 6, que regista, para cada país indicado, as exportações de qualidade elevada (E), média (M) e baixa (B), em percentagem das exportações totais da indústria transformadora para a UE. Os resultados do quadro 6 deverão ser interpretados com algumas reservas, na medida em que, no período estudado, as importações comunitárias de terceiros países não estão totalmente liberalizadas. Esta situação tem consequências importantes sobretudo no caso das exportações portuguesas de têxteis e vestuário, por beneficiarem, no mercado comunitário, do efeito preço das restrições quantitativas no âmbito do Acordo Multifibras. Assim, se assumirmos que o preço médio de referência é uma proxy (razoável) para a situação de comércio livre, o peso das gamas de qualidade mais elevada destes sectores está sobreavaliado (sobretudo no vestuário, onde o efeito preço é, em média, mais elevado) 28. Alguns resultados gerais podem contudo ser retirados. Quadro 6 - Estrutura qualidade-preço das exportações para a UE: Portugal e países concorrentes seleccionados* Portugal Turquia Índia China EDA E M B E M B E M B E M B E M B Têxteis Vestuário Calçado 1990-92 1994-96 1990-92 1994-96 1990-92 1994-96 15 17 53 74 40 44 85 83 29 20 24 27 0 0 18 6 36 29 10 10 13 38 17 28 34 11 42 49 23 41 56 79 45 13 60 31 63 57 0 0 4 8 1 1 4 12 20 22 36 42 96 88 76 70 0 0 21 19 21 39 30 31 2 33 22 30 70 69 77 48 57 31 31 2 7 0 5 4 19 9 46 34 41 8 50 89 47 66 54 88 Fonte: Eurostat-Comext (4 dígitos). * Cf. Fontoura e Vaz (1998) No sector têxtil, a estrutura portuguesa da qualidade-preço é semelhante à da China, destacando-se ainda o caso da Turquia, em particular pelo aumento, do primeiro para o segundo triénio, da qualidade-preço das gamas exportadas. 28 O cálculo do preço médio na UE refere-se às importações totais da UE, estando, de facto, também sobreavaliado na parcela relativa às trocas intra-comunitárias. 64 No caso do vestuário, o peso das gamas de qualidade elevada nas exportações portuguesas, além de ser superior ao dos países concorrentes em qualquer dos períodos estudados, aumenta do primeiro para o segundo triénio. Comparando a estrutura de Portugal com a dos restantes países, conclui-se que a Índia e as EDA se especializam em produtos de gama relativamente mais baixa, mas a Turquia e a China têm uma estrutura mais equilibrada, que poderá constituir uma importante ameaça às exportações portuguesas, se atendermos à sobreavaliação do peso das gamas de qualidade alta e média no caso de Portugal. A Turquia regista, adicionalmente, um aprofundamento da especialização em gamas de qualidade elevada entre os dois triénios. Quanto ao calçado, predominam, no caso de Portugal, as exportações de gamas de qualidade média e, nos restantes países, as de qualidade baixa. A concorrência é aparentemente mais elevada do lado da China, mas o grau de sobreposição das exportações portuguesas com as deste país é baixo (v. quadro 5)29. Assim sendo é possível concluir-se que existe concorrência dos países terceiros analisados (sobretudo por parte da Turquia, seguida da China) numa parte significativa das exportações tradicionais portuguesas, em particular nos têxteis e vestuário. No vestuário e calçado, no entanto, o padrão qualidade-preço denota uma especialização mais acentuada em Portugal em produtos de qualidade relativamente mais elevada, face a todos os países estudados30. O facto adicional de a adesão às regras da OMC facilitar a penetração de produtos portugueses em mercados extracomunitários31, poderá constituir, no actual contexto europeu de procura estacionária, um estímulo para a dinamização da indústria nacional e aprofundamento desta vantagem32. 29 A especialização significativa da Índia em gamas de qualidade elevada pode parecer surpreendente, mas trata-se de produtos marginais ao sector, que não seriam incluídos com uma desagregação sectorial superior. 30 A especialização segundo a diferenciação “vertical” do produto – i.e., em gamas de qualidade diferente, está de acordo com a teoria relativa ao comércio entre países com um grau de desenvolvimento diferente. V. por exemplo, Falvey (1981) ou Shaked e Sutton (1984) e Ballance, Forstner e Sawyer (1992) para uma evidência empírica. 31 No que se refere aos países em desenvolvimento, na Ronda de Uruguai aprovou-se uma redução média dos direitos aduaneiros de 20 % e a sua consolidação (que a maioria destes países não praticava). 32 Estudos específicos indicam que a remodelação mais profunda deverá ocorrer no sector da comercialização, a par de estratégias baseadas na racionalização dos custos, eventualmente através de um maior recurso à sub-contratação internacional e sustentadas por uma maior cooperação interempresarial (Freitas, 1997 e Monitor Company, 1994). 65 2. 2. Sectores “dinâmicos” A evolução do grupo de sectores que registam um peso crescente nas exportações totais no período pós-adesão – automóvel, máquinas e material eléctrico – caracteriza-se pela forte presença de multinacionais. No quadro A-1 (em anexo) verifica-se que estes são os sectores da indústria transformadora portuguesa em que o investimento directo do estrangeiro (IDE) nas operações no capital das empresas33 é mais elevado, correspondendo a 9.2 por cento do total acumulado em 1992-96, ou seja, 35.3 por cento do total investido na indústria transformadora. A evolução destes sectores é por isso indissociável da decisão das empresas multinacionais sobre o investimento directo em Portugal. Ora o gráfico 2 revela que o IDE em Portugal relativo às operações no capital das empresas34 diminuiu entre 1994 e 1996 (apesar de em 1997 ter verificado uma ligeira subida, atingindo, todavia, valores bastante inferiores ao valor máximo, verificado em 1991). O mesmo gráfico evidencia ainda a importância do fenómeno do desinvestimento directo do estrangeiro, que não sendo superior ao investimento, reduz o valor do investimento líquido em 1995 a um valor escasso de 23 milhões de contos. Mesmo em 1996, ano em que o investimento directo do estrangeiro aumentou, alterando a tendência decrescente que se vinha verificando desde 1994, o investimento líquido é somente cerca de 1/3 do valor de 1991 (111 milhões de contos). Gráfico 2 - Evolução do IDE-Operações no capital das empresas Unidade: milhões de escudos 450000 400000 350000 300000 250000 200000 150000 100000 50000 0 Invest. Desinv. Inv. líq. 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 Fonte: Banco de Portugal (cf. Romão et al., 1998). 33 Só estão disponíveis dados para as indústrias e períodos discriminados. O Banco de Portugal fornece informação do IDE por tipo de operação, distinguindo: operações no capital das empresas, empréstimos e suprimentos, lucros reinvestidos, operações sobre imóveis e outras operações (como contratos de consórcio e constituição de fundos de cobertura de prejuízos). Destacam-se, pelo seu peso relativo, as duas primeiras rubricas, mas enquanto os empréstimos e suprimentos (que entre 1994 e 1996 representaram, respectivamente, 64.3%, 70.6% e 75.6% do investimento directo do estrangeiro realizado em Portugal ) estarão relacionados com a cada vez maior integração da gestão financeira e de tesouraria por parte das empresas estrangeiras com actividade em Portugal , as operações no capital das empresas traduzem os movimentos mais estáveis, indicadores, por isso do comportamento da economia real (ver Romão et al., 1998). 34 66 Razões diversas, de ordem económica, fiscal, administrativo-burocrático, entre outras, poderão estar a tornar Portugal um espaço insuficientemente atractivo para o investimento directo do estrangeiro quando comparado com outras localizações alternativas35. É frequentemente referida a importância da pressão competitiva de outros espaços da periferia europeia, como a Irlanda e Espanha, e sobretudo a concorrência mais recente dos países da Europa Central e Oriental (PECO). Estes países oferecem as reconhecidas vantagens como salários relativamente baixos, mão-de-obra qualificada, mercados em expansão, proximidade geográfica e cultural com o centro da Europa36. A disposição comunitária que prevê a extinção dos incentivos de carácter fiscal para promover a deslocalização de empresas no espaço comunitário a partir do ano 2000, regra que não se aplica, em princípio, aos PECO, a ser aprovada, constituirá um novo factor de penalização para Portugal37. A globalização, associada à expansão das tecnologias de informação e de telecomunicações, pode inclusive determinar o aparecimento de concorrentes fora do espaço europeu. É exemplo a decisão da Seagate de transferir a sua fábrica da Irlanda (iniciada há menos de dois anos) para a Malásia, no seguimento da desvalorização acentuada da moeda malaia. A par da concorrência acrescida no “mercado de localização do investimento internacional”, é de realçar que existem importantes mutações em curso que colocam novos desafios a Portugal em termos da oferta de factores de atractibilidade do IDE. A questão “onde instalar determinada actividade” tem actualmente novos factores explicativos. Enquanto até aos anos 70 os atributos ao nível de um país que promoviam a atracção de IDE se relacionavam sobretudo com o impacto nos custos directos de produção (preços dos factores, qualidade e produtividade, incentivos ao IDE...), nas duas últimas décadas, à medida que as vantagens competitivas das empresas transnacionais se tornam mais flexíveis e sistémicas, estas empresas dão preferência a outros factores com impacto nos custos de transacção e coordenação: facilidades financeiras e de transmissão de informação e de tecnologia, o ambiente legal e respectiva capacidade de resolver rapidamente questões processuais e conflitos contratuais, infra-estruturas educacionais e tecnológicas, oferta de clusters microregionais de actividades económicas, capacidade de cooperação das empresas nacionais no caso das “alianças estratégicas” (acordos inter-empresas) 38. Mesmo quando os critérios de “preço” são relevantes, o custo da mão-de-obra não representa 35 Cf. Romão et al. (1998). O encerramento da unidade da Renault em Setúbal não parece independente da decisão de investir na Eslovénia. 37 Os projetos de IDE realizados em Portugal entre 1980 e 1994 receberam um total de incentivos superior a 250 milhões de contos (a preços de 1994). Destacam-se a Renault e a Auto-Europa que receberam, respectivamente, 15 % e 60 % do total; 20 % e 70 %, respectivamente, se adicionarmos os projectos que induziram (Guerra, 1997). Para um análise do custo em “escudos públicos” de cada posto de trabalho efectivamente criado, ver obra cit. 36 67 mais do que um aspecto relativamente secundário (estima-se que em média é inferior a 20 por cento dos custos totais), tornando-se relevantes outros factores como a regulamentação social local ou a produtividade do trabalho. Esta lógica poderá ser negativa para Portugal39, que corre o risco de não ser suficientemente competitivo em qualquer dos tipos de factores, quer por já não ser um país de mão de obra barata, quer por não ser ainda relevante no plano da “atmosfera industrial” relacionada com os novos factores. Refira-se, para finalizar, que a par da importância crescente dos activos criados específicos da localização, se verifica uma crescente mobilidade dos activos criados específicos da empresa conducentes a movimentos de reestruturação profunda da produção em termos de (i) bens produzidos, com concentração da produção em produtos relativamente aos quais existe uma maior capacidade competitiva40, (ii) localização geográfica da produção, com substituição de múltiplas localizações regionais ou nacionais por estruturas de produção e comercialização centralizadas41. No que se refere a Portugal, este processo de racionalização empresarial poderá traduzir-se na eliminação de determinadas unidades fabris de modo a evitar a duplicação de produções num espaço integrado e aproveitar as economias de escala proporcionadas pela integração. 3. Comentários finais A análise desenvolvida nas secções anteriores ilustra que apesar de uma evolução do padrão das exportações portuguesas no pós-adesão favorável a sectores que potenciam a alteração dos factores determinantes tradicionais, existem ameaças de curto prazo a uma parte significativa da indústria nacional assim como riscos de instabilidade e desinvestimento nos sectores ditos “dinâmicos”. A resposta aos desafios actuais passa pela afirmação da capacidade competitiva das empresas nos mercados externos, indissociável da exploração dos segmentos de mercado adequados e de uma rápida adaptação às mutações em curso. Na criação de “atributos” nacionais que promovam a atracção do IDE nas suas novas “formas”, poderão as empresas nacionais encontrar um suporte adequado. 38 Sobre as novas tendências do IDE, ver, por ex., Dunning (1995). Fontoura (1997) resume os principais desenvolvimentos teóricos. 39 Em Fontoura (1995) conclui-se que em 1991/92 já as condições de implantação do IDE em Portugal apresentavam sintomas de vulnerabilidade pelo facto de “o país não ser particularmente dotado em factores de localização detectados como importantes”. Nomeadamente, o trabalho abundante não parecia constituir mais um factor decisivo de localização do IDE, destacando o modelo utilizado a necessidade de reforçar o “capital humano” e outros factores relacionados com a “organização industrial”. 40 É exemplo o comportamento da BSN que abandonou certas actividades para se concentrar na água mineral; percurso idêntico é seguido pela Volvo, Unilever ou Philips no âmbito do Mercado Único Europeu. 68 Bibliografia Ballance, R. H., Forstner, H. e Sawyer, W. (1992), “An Empirical Examination of the Role of Vertical Product Differentiation in North-South Trade, Welwirtschaftliches Archiv, vol. 128, pp. 330-38. Brülhart, M. e Elliot, R. (1996), “A Critical Survey of Trends in Intra-Industry Trade”, in Integração e Especialização, Curso de Estudos Europeus, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, pp. 59-83. Cabral, M. H. 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(1991) “Teorias do comércio internacional e padrão de especialização da indústria transformadora portuguesa: 1973-82”, Economia, vol. 14, n.º 1, pp. 13-50. 41 Com a formação do Mercado Único Europeu, a Colgate e a Kodak reduziram o número de localizações, a Unilever e a Suchard o número de unidades de produção, a Colgate-Palmolive e a Petrofina o número de unidades de comercialização e distribuição. 69 Pina Cabral, M. J. (1994), A abolição do acordo multifibras e as exportações portuguesas de vestuário, dissertação de Mestrado, Faculdade de Economia, Universidade de Coimbra. Romão, A. et al. (1998), O desinvestimento directo do estrangeiro em Portugal: suas determinantes, Projecto GEPE/ICEP/IAPMEI realizado no âmbito do CEDIN/ISEG. Shaked, A e Sutton, J. (1984), Natural Oligopolies and International Trade, in H. Kierzkowski (ed.), pp. 34-50. Silva, A. P. Africano (1996), “The nature of trade changes associated with portuguese membership of EC”, in Integração e Especialização, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Curso de Estudos Europeus, Coimbra, pp. 191-207. Quadro A-1 - Investimento directo do estrangeiro em Portugal Operações no capital das empresas por sector de actividade Unidade: milhões de escudos Sectores Agricul. e pescas Ind. extractiva Ind.transformadora* Produtos alimentares Têxteis e vestuário Madeira e publicações Prod. petrolíferos Prod. químicos Borracha e prod.plásticos Prod. metálicos Prod. mecânicos Máquinas e mat. eléctrico** Material de transporte*** Serviços Total 1992 invest. % 1994 invest. % 1996 invest. % 1992-96 invest. % 2909 924 69823 8276 8406 5556 25646 696 3906 1126 238 11060 0.7 0.2 16.6 2.0 2.0 1.3 6.1 0.2 0.7 0.3 0.1 2.6 252 137 85798 7212 2207 1791 1497 1061 3055 1200 985 11198 0.1 0.1 38.8 3.3 1.0 0.8 0.7 0.5 1.4 0.5 0.4 5.1 683 0 2 9177 5934 957 3517 0 1203 830 54 37 189 0.4 0.0 15.8 3.2 0.5 1.9 0.0 0.7 0.5 0.0 0.0 0.1 4702 2636 367209 25288 14122 27692 33070 19323 10538 6762 1952 35576 0.3 0.2 26.3 1.8 1.0 2.0 2.4 1.4 0.8 0.5 0.1 2.5 1754 346602 0.4 82.5 41137 134737 18.6 61.0 10184 154296 5.5 83.8 94008 1021243 6.7 73.2 420258 220924 184156 1395790 * Com os dados disponíveis só é possível discriminar os sectores da indústria transformadora infra indicados **Máquinas, computadores, rádio, TV, equip. de comunicação. ***Esta rubrica inclui veículos a motor e outro equipamento de transporte, sendo o peso da segunda irrelevante (0.08 % do total acumulado da indústria transformadora) Fonte: Banco de Portugal (cf. Romão et al.) 70 Globalização Financeira 71 Dr. Rui Martins dos Santos* Relator Introdução (…) 1. Caracterização da globalização financeira A globalização financeira é um fenómeno de expressão múltipla, ao nível regulamentar, ao nível institucional, ou ao nível dos mercados e instrumentos financeiros, cujas características, causas e consequências são difíceis de destrinçar entre si, ou de outros fenómenos simultâneos. No domínio regulamentar, a globalização financeira poderia caracterizar-se pela procura, à escala mundial, de padrões comuns de definição das regras de estruturação dos mercados financeiros, um aspecto essencial para garantir o interesse e a confiança (familiaridade) dos investidores e para promover maior igualdade competitiva entre instituições financeiras. As Directivas Comunitárias de serviços bancários, as regras do BIS, a abertura de fronteiras estaduais nos EUA, a prometida reforma do sistema financeiro japonês, as regras das Bolsas, ou a cópia de modelos legislativos de países desenvolvidos pelas designadas economias emergentes, são alguns exemplos marcantes neste domínio. Um outro aspecto particularmente em evidência na regulamentação é a tendência generalizada para a eliminação de restrições à movimentação de capitais, sejam de investimento directo, de investimento de carteira, de créditos, ou finalmente – e talvez mais importante – de transacções interbancárias. No plano institucional, a globalização poderia caracterizar-se por uma clara tendência de internacionalização do capital e da gestão das instituições financeiras. Multiplicam-se as fusões e aquisições, mas também os acordos de parceria dentro e fora de fronteiras. Ainda no plano institucional, destacam-se os volumosos recursos, materiais e humanos, dedicados ao trading/especulação de um leque cada vez mais vasto de activos financeiros – “play global is the name of the game”. * Director do Departamento de Estudos Económicos e Financeiros do Banco Português de 72 Um outro aspecto marcante no plano institucional, é sem dúvida, o papel desempenhado pelas mega-agências de informação, porporcionando o acesso – em tempo real e por todos partilhado – à informação política, económica e financeira. Não é demais realçar o papel desempenhado pelas agências de informação como a Reuters, a Bloomberg, a Bridge News ou a CNN (para citar apenas alguns exemplos), num processo que permite hoje, mais facilmente, a formação de expectativas homogéneas sobre a direcção das principais variáveis financeiras. A divulgação de research através da Internet (Multex,…), é um outro exemplo mais recente que começa a despontar, e que aponta no mesmo sentido: o da geração de informação à escala global. No plano dos mercados e instrumentos financeiros surge a característica mais marcante do processo de globalização: a correlação existente entre diferentes instrumentos financeiros em diferentes mercados. “Quando Wall Street espirra o nosso mercado constipa-se” é já uma apreciação demasiado restrita, nos tempos em que muitos mercados “se constipam”, ”correm”, ou simplesmente “bocejam”, senão simultaneamente, pelo menos de forma correlacionada, movimentando diariamente, de forma praticamente ininterrupta, biliões de USD que vão muito para além dos chamados movimentos de “base comercial”. Alguns exemplos: As taxas de juro de longo prazo portuguesas mantêm uma correlação com as taxas espanholas de mais de 90%. O mercado europeu de acções mantém uma correlação com o USD/DEM superior a 85%. (…) Investimento – BPI. 73 2. Causas da globalização financeira A globalização financeira tem causas difíceis de destrinçar entre si. Por outro lado, muitas das causas podem também ser parcialmente entendidas como consequências da globalização. De qualquer modo, numa tentativa de simplificação, destacaria causas no plano político, no plano económico, no plano financeiro e no plano tecnológico. Em primeiro lugar há a salientar neste processo, o papel das Autoridades políticas. Nalguns países, a tendência de liberalização financeira que caracteriza o fenómeno de globalização, correspondeu, sem dúvida, à escolha deliberada de uma solução entendida como “first best”, integrada num modelo neo-liberal mais vasto com expressão nos meios político e económico, inspirado nas escolas americanas e inglesas e suportada pelo poder político e económico americano ou europeu. Noutros países, esta tendência terá sido entendida como a solução “menos má” em face da capacidade demonstrada por empresas e instituições financeiras em contornarem regulamentações existentes, ou em face de uma dinâmica competitiva entre Estados, na tentativa de atrair capitais. Noutros países ainda, esta terá sido uma solução de último recurso (vencidos mas não convencidos), em face das exigências das entidades financiadoras, “lideradas” geralmente pelo FMI. Em segundo lugar, há a destacar, no rol de causas da globalização, o papel da evolução económica. A tendência de globalização de actividades fora da esfera do sector financeiro acabou por condicionar a globalização financeira (o inverso é também verdadeiro). As instituições financeiras foram ao encontro dos seus clientes e em muitas circunstâncias, após terem ultrapassado as barreiras iniciais à entrada em novos mercados, adoptaram planos de expansão ambiciosos. No plano financeiro, identificam-se também, causas importantes do fenómeno de globalização. Destaca-se – sem qualquer juízo de valor – a imaginação dos agentes económicos na procura e criação de processos ou de instrumentos financeiros capazes de contornar a regulamentação existente; ou o desenvolvimento de instrumentos híbridos, partilhando características de activos financeiros clássicos como a moeda, as Obrigações e as acções, e capazes de promover maior correlação entre os diferentes mercados. No plano tecnológico, destaca-se a extensão de redes de informação política, económica e financeira, o aumento da capacidade de registo de informação ou de rápida execução de liquidações. Estes avanços tecnológicos, entre outros, permitiram e foram ao mesmo tempo estimulados pela globalização. De certa forma, a discussão sobre a origem do fenómeno de globalização é algo inútil. Certo é que após os primeiros impulsos, o processo de globalização parece ter “ganho uma vida própria”, em que cada passo dado nesta direcção veio criar novas pressões no mesmo sentido. 74 3. Consequências da globalização financeira Chegamos então à discussão das consequências da globalização: No plano político, a globalização financeira veio retirar alguma autonomia aos Estados-Nação na definição das suas políticas económicas e sociais: o medo de ataques especulativos de curto prazo ou de fugas de capitais a médio e longo prazo, de “auto-profecias” ou efeitos “bola-de-neve”, gerados nos meios financeiros, veio implicar a necessidade de acarinhar, ou no mínimo não hostilizar o chamado “sentimento de mercado”. Mas há que sublinhar que a perda de autonomia na condução da política económica não é em si um facto inédito. A política de qualquer Estado-Nação ao longo da sua história sempre foi condicionada de modo mais ou menos marcante por vários factores, desde a indisponibilidade de recursos naturais, passando pela acção de outros Estados. Por outro lado, sobram problemas aos quais os políticos podem e devem dedicar a sua atenção. Assim, mais do que uma lamentação ou discussão em abstracto sobre a influência perdida na condução dos destinos económicos, há que olhar para as consequências concretas deste fenómeno de globalização No plano financeiro, destacam-se várias consequências parcialmente imputáveis à globalização: a volatilidade dos preços financeiros associada às expectativas homogéneas e a consequente atracção dos investidores por activos financeiros com alguma “alavancagem” ou por formas de gestão centradas em prazos curtos, em detrimento de apostas mais estáveis de longo prazo. Estas formas de gestão destinadas a aproveitar as flutuações de preços, contribuíram por seu turno para reforçar essas mesmas flutuações. Movimentam-se diariamente mais de 1600 biliões de USD no mercado cambial. Os designados movimentos de base comercial, incluindo movimentos da balança de transacções correntes, investimentos directos, financiamentos bancários e investimentos de carteira, não representam mais de 15% deste volume de transacções. Nos mercados de derivados de Bolsa, por exemplo, há mesmo quem argumente que a volatilidade adicionada aos preços financeiros retirou utilidade económica e social a um mercado onde as operações de cobertura de risco tinham já em si, um peso diminuto (5%). Será difícil provar esta tese em toda a sua extensão, mas os números disponíveis merecem pelo menos alguma reflexão. No plano macroeconómico, a necessidade de conquistar ou preservar a credibilidade junto dos mercados financeiros, contribuiu em muitos países, para gerar uma competição entre Estados na atribuição de incentivos ao investimento virados para a exportação (em detrimento de incentivos ao consumo interno ou à substituição 75 de importações); para reduzir a base de tributação necessária à prossecução de políticas económicas e sociais em cada Estado; e para fazer do combate à inflação o objectivo central da política económica. Surgiu uma nova ortodoxia: a designada “austeridade competitiva”. A geração de um excesso de oferta global alimentado pela aposta simultânea de todos os países no fomento das exportações e a erosão da base de tributação, são duas características menos positivas ou mesmo negativas, deste processo. Mas em contrapartida, e numa primeira análise, nada parece mais saudável que uma política monetária dedicada ao objectivo de controlo da inflação e uma política orçamental equilibrada, consistente com este objectivo. E na verdade, é possível neste contexto, a formação de círculos virtuosos, em que a liberalização do sistema financeiro e dos movimentos de capitais, contribui para estabilizar a taxa de câmbio. Esta estabilização contribui por seu turno, para a redução da inflação, favorecendo a descida das taxas de juro, o crescimento económico e a redução dos déficits orçamentais. Estes resultados alimentam depois um sentimento de mercado mais positivo, estimulando as aplicações em activos em moeda nacional. Esta é uma história que Portugal conhece bem. A estabilidade cambial, a redução da inflação e das taxas de juro externas permitiu em Portugal, a queda das taxas de juro. Atenuaram-se as expectativas inflacionistas, os custos financeiros das empresas desceram e o déficit orçamental reduziu-se. As consequências positivas daí resultantes contribuíram para reforçar o sentimento de mercado positivo, para manter a estabilidade cambial e reduzir a inflação. Contudo, o “fundamentalismo” e os erros de percepção demonstrados pelos mercados na apreciação de algumas linhas de acção governamentais ou na interpretação de alguns dados políticos, económicos e financeiros, não permitem confiar inteiramente no seu juízo e na formação de um círculo virtuoso como o que foi atrás descrito. 76 São exemplos deste “fundamentalismo” e dos erros de percepção do mercado: a visão empolada das consequências do acesso de alguns partidos ao poder; a atenção excessiva prestada a indicadores americanos de menor significado; a total distracção perante factos que (anos) mais tarde vêm a despoletar o designado “reality check”; a convicção da existência de um trade-off entre inflação e emprego; a convicção de existência de um forçoso trade off entre déficits orçamentais e inflação; a apreciação excessivamente negativa dos números da Balança de Transacções Correntes nalguns países, apesar de abundantes e estáveis reservas cambiais; a deficiente leitura da origem e volume dos ataques cambiais ou do significado da descida do volume de reservas. Este “fundamentalismo” ou os erros de percepção do mercado não seriam particularmente graves, se as “penas” e “bónus” aplicados pelo mercado não exorbitassem por vezes, os limites da razoabilidade económica e financeira. São exemplos desta acção desproporcionada (entre muitos outros) a cotação do USD/DEM a 3.45 há cerca de 10 anos, contra os actuais 1.80; a queda da Libra atingindo a paridade face ao USD no princípio da década em contraste com os 1.70 registados actualmente; a “exuberância irracional” em muitas Bolsas; o surto de desvalorizações que assaltou o MTC ou ainda a recente desvalorização das moedas asiáticas. Sendo difícil em todos estes casos, identificar os “preços certos”, é ainda assim relativamente fácil, classificar estas variações como “desproporcionadas” face à realidade económica subjacente. Pode argumentar-se que todos estes movimentos, sendo desproporcionados, foram sempre corrigidos a prazo. Contudo, este designado “reality check” vem em regra tarde, e muitas vezes assume a forma de uma nova “bolha especulativa” de sentido oposto, não possuindo assim a relevância económica ou a bondade que lhe é atribuída. Estudos recentes sobre a correcção de cotações cambiais face a uma trajectória teórica dita “de equilíbrio”, revelam afastamentos por 3/4 anos dos designados pontos de equilíbrio. E a um prolongado afastamento numa direcção, sucede-se em regra um outro, noutra direcção, pelo que o chamado ponto de equilíbrio não possui a relevância económica que só o tempo lhe poderia conferir. 77 4. Perspectivas de evolução Analisadas as consequências da globalização, quais as linhas de evolução possível deste fenómeno? Os mais pessimistas neste domínio salientam que os países que procurarem afirmar intenções diferentes da ortodoxia vigente, implicando de algum modo, a nomeação de objectivos macro-económicos prioritários que não a inflação, restrições à mobilidade de capitais, ou o adiamento de reformas liberalizadoras, serão de imediato penalizados, condenando a sua iniciativa a um fracasso à nascença. A nomeação de objectivos de emprego, crescimento salarial ou de crescimento económico, por exemplo, sendo tomada pelo mercado como uma ameaça ao controlo da inflação, pode implicar a fuga de capitais, a subida das taxas de juro, o desvio de recursos orçamentais para o pagamento de juros, a depreciação da moeda, e a consequente falha no alcance dos objectivos de crescimento económico e inflação. Nestas circunstâncias torna-se até irrelevante discutir se o “pecado original” está no programa económico ou na reacção ao mesmo. O programa tornase inviável, é tudo. O apelo à restrição dos movimentos de capitais tende a ser igualmente penalizado por movimentos especulativos, capazes de inutilizarem à partida, o esforço empreendido nessa direcção. Recentemente, o Primeiro Ministro da Malásia foi ridicularizado por analistas e traders do meio financeiro ao fazer apelo à introdução de restrições à especulação que, no fundo, não são mais que a reedição de medidas propostas noutras circunstâncias por ilustres economistas ou políticos ocidentais. A consequência deste protesto foi uma desvalorização ainda mais pronunciada do Ringgit. Para os realmente pessimistas, tudo desabará quando as manifestações sociais ou o voto democrático de uma população em fúria pelas desigualdades crescentes, pelo elevado nível de desemprego ou pela precariedade do emprego, chamar à ribalta política um novo-proteccionismo. Não partilho este pessimismo. A aceitação de que o processo de globalização possui consequências indesejadas não equivale à defesa da sua supressão ou à previsão do seu colapso resultante das contradições do processo. É certo que a complexidade resultante da interacção de forças libertadas é difícil de conter, quanto mais de reduzir ou eliminar. Contudo, podem ser tomadas algumas medidas de correcção de algumas distorções, quer ao nível de cada país, quer sobretudo, ao nível 78 internacional, apostando na coordenação de esforços. Não se trata de “atirar cimento para a linha”, mas de acreditar que o rumo seguido tem as suas virtualidades, sendo contudo necessário um esforço contínuo de “afinação da locomotiva”. Que factores permitem então alimentar algum optimismo? E que medidas podem ser tomadas para corrigir as distorções detectadas? Em primeiro lugar, o processo de competição na concessão de incentivos ao Investimento, embora esteja associado à geração de algum excesso de capacidade de oferta global, continua a ser limitado pela racionalidade dos empresários que não podem dispensar integralmente, por razões óbvias, a procura dirigida à sua produção. O mercado encontrará, portanto, o seu equilíbrio. Mas também os Estados deverão promover esforços de harmonização das suas políticas neste domínio. Será talvez utópico ambicionar resultados significativos neste processo de cooperação, mas destacam-se hoje os esforços da Comissão Europeia nesse sentido. Em segundo lugar, a erosão da base fiscal atrás citada como consequência da globalização, não é também inteiramente incontornável. A tecnologia posta ao serviço dos mercados financeiros, pode ser aproveitada, de igual modo, para garantir maior eficiência fiscal. A tecnologia colocada ao serviço da desmaterialização das acções e da liquidação de compras e vendas, permitiria também, por exemplo, a cobrança efectiva de 10% de imposto sobre as mais-valias das acções. Contudo, exige-se da parte dos Estados uma definição clara e estável do leque de impostos, de forma a não perder a autoridade necessária nesta matéria. Só assim é possível também inverter o processo de aceitação social de fuga aos impostos que em muitos países se regista. Exige-se também, por outro lado, maior cooperação entre Estados neste domínio, dado que, de outro modo, todos sairão perdedores. Espera-se que não seja necessário um “reality check” profundamente negativo para desencadear o esforço de cooperação necessário. Em terceiro lugar, os países que ainda não liberalizaram totalmente os seus movimentos de capitais devem ponderar seriamente a necessidade de procederem a liberalizações adicionais, tendo presente que se torna difícil – embora não impossível em todas as circunstâncias – retroceder neste campo. Na lista de prioridades, os empréstimos no mercado monetário ao exterior e a execução de swaps equivalentes, 79 deverão figurar em último lugar, pois é aí que têm origem os ataques mais perigosos a todo o equilíbrio económico e financeiro. Não se pense que estas restrições são totalmente ultrapassáveis. De facto, nem sempre poderão ou serão ultrapassadas de forma significativa, sobretudo se o mercado financeiro local nunca tiver conhecido anteriormente dias mais liberais. Portugal é o exemplo acabado de uma economia que foi mantendo, com eficácia, diversas restrições aos movimentos no mercado monetário e que poderiam, inclusivamente, ter sido melhor aproveitadas, para uma descida mais rápida das taxas de juro, do déficit orçamental e da inflação. O Chile é outro exemplo relevante neste domínio, dado que ainda mantém, com sucesso algumas restrições aos movimentos de curto prazo. Em quarto lugar, os países que já procederam à integral liberalização dos movimentos de capitais devem, por seu turno, estar conscientes de que não é fácil recuar. Vários economistas têm defendido como medida preventiva, a introdução de um imposto sobre as transacções cambiais. Mas não existindo restrições aos movimentos de mercado monetário, as restrições parecem relativamente fáceis de contornar através de praças off-shore. Outras restrições aos movimentos de capitais exigem também um esforço legislativo lento e complexo, não sendo por isso exequíveis. As correcções mais positivas no sistema têm passado e continuarão a passar, segundo creio, por outras vias. É necessária uma…. i) ii) iii) …definição de objectivos de política económica consistentes e credíveis; é necessária maior atenção às expectativas formadas no mercado e uma percepção mais aguda dos fenómenos em presença; e em última instância, será necessário um plano de emergência perante bolhas especulativas muito pronunciadas e prolongadas. Sem objectivos claros, consistentes, será difícil, por definição, uma adesão do sentimento do mercado aos mesmos. 80 O Euro é, sob esta perspectiva, uma excelente ideia. É um exemplo marcante que se inscreve no próprio processo de globalização, e onde o papel das Autoridades Monetárias foi decisivo, dado que o mercado, por si mesmo, nunca teria permitido a construção de uma estabilidade duradoura equivalente no plano cambial. E se por um lado a introdução do Euro pode retirar a alguns países uma autonomia já de si muito diluída, por outro lado é também claro que vem retirar ao mercado o “combustível” com que foram já “queimados” muitos sonhos de estabilidade ao longo dos últimos anos. Na verdade, o surgimento de 3 moedas de relevo no plano financeiro internacional, coloca o mercado perante 3 grandes Bancos Centrais, capazes de concertarem entre si, mais facilmente, uma estratégia comum e de suportarem essa estratégia através de intervenções cambiais volumosas. Elimina para além disso, todo o “ruído” em torno das transacções cambiais intraeuropeias; reduz significativamente o leque de informações relevantes que podem alimentar as transacções cambiais fora da União Europeia (subtraindo assim volatilidade ao sistema); e facilita a definição de políticas cambiais das economias emergentes e convergentes. Muitos operadores no mercado poderão não acreditar nas virtudes desta moeda única, mas a sua acção para expressar esse sentimento ficará também, por definição, muito mais limitada. Progressivamente vai-se construindo a credibilidade da nova moeda. Mas há também exemplos negativos a destacar a este propósito: Na base dos movimentos desproporcionados da Libra está também uma certa ausência de definição de objectivos claros. A prioridade parece assentar no controlo das taxas de juro em detrimento da taxa de câmbio da Libra, mas ao mesmo tempo, causa uma certa perplexidade que uma economia que pretende aderir a prazo ao Euro, não mantenha, em alternativa, objectivos claros na definição da sua taxa de câmbio. A resolução deste conflito parece assentar na esperança de estabilização do USD face ao Euro. Mas entretanto, a elevada volatilidade da Libra mantém-se. Por outro lado, é necessário um diálogo frequente com os operadores no mercado de forma a permitir um conhecimento mais profundo do sentimento que se vai formando e das operações que se vão realizando, permitindo às Autoridades agir por antecipação neste domínio. A batalha contra os movimentos especulativos 81 desproporcionados tem, na realidade que se processar não apenas no campo das intervenções das Autoridades Monetárias, mas no campo das expectativas. São expectativas homogéneas sobre a direcção das variáveis financeiras que derrotam Bancos Centrais e Governos. É pois necessário criar expectativas homogéneas favoráveis, ou no mínimo, contrariar, com sabedoria, a formação de expectativas homogéneas de sinal contrário. Seria errado pensar-se que é possível controlar inteiramente as expectativas do mercado. Mas é igualmente errado partir do pressuposto que o “mercado é eficiente”, que o “mercado tudo sabe”, que o “mercado não se engana” ou que “nada pode influenciar o sentimento do mercado”. É necessária alguma atenção e algum cuidado na preparação e timing de apresentação de matérias mais sensíveis no domínio político, ou na escolha de modos e timings de intervenção por parte dos Bancos Centrais: existem, na política, consultores de imagem; os discursos nos congressos partidários são cuidados ao pormenor; os mercados financeiros não merecem menos atenção. Há muitos exemplos positivos do modo de actuar no mercado. Na Alemanha, é curioso constatar que as intervenções cambiais e as declarações dos dirigentes do Bundesbank coincidem hoje em dia, com momentos particularmente vulneráveis do sentimento de mercado, indicados pela “análise técnica” (leitura de gráficos seguida pelos traders). Contudo, há também múltiplos exemplos negativos. A Malásia tem gasto recentemente avultadas quantias em publicidade destinada a promover um sentimento de mercado positivo em torno do seu país. Embora se reconheça aqui um problema de contágio de um processo originado também noutras paragens, melhor teria feito a Malásia em promover esse sentimento em fase anterior (ainda que de outro modo), não o dando por garantido (“casa roubada, trancas à porta”). Finalmente, devem também estes países estar conscientes de que por mais consistentes e claros que sejam os objectivos e por melhor que seja a sua performance económica, o círculo virtuoso atrás citado pode, mesmo assim, ser quebrado, devido às ligações com outras economias que se desviem da sua rota de estabilidade, devido a um ou outro dado negativo que capte as atenções dos especuladores ou devido até, paradoxalmente, ao sucesso alcançado. Com a maturidade, isto é, sem volatilidade em torno de tendências associadas a fundamentos positivos, a economia perde o seu aspecto “sexy” para os especuladores – o que pode ironicamente, precipitar novos 82 desequilíbrios financeiros e económicos, deitando a perder a estabilidade alcançada. É por isso necessário um plano de emergência. O low profile mantido deliberadamente pelas Autoridades Monetárias e Governamentais em Portugal durante alguns momentos de pressão cambial, foi uma estratégia bem sucedida, depois de alguns erros de percurso. Um erro frequente em momentos de alguma pressão cambial, é a subida das taxas de intervenção por parte dos Bancos Centrais, sem atender à origem e volume dos movimentos especulativos ou à natureza das expectativas formadas. A medida revelase bastas vezes contraproducente, por não constituir um verdadeiro desincentivo no plano dos custos financeiros; por evidenciar ao mercado um medo das Autoridades Monetárias que só estimula a agressividade dos movimentos especulativos; e por contribuir para cristalizar a ideia de que a taxa de câmbio necessita, a médio prazo, de taxas de juro fixadas a um nível elevado para se manter estável, armadilhando assim a via de retorno das taxas de juro para níveis coerentes com a inflação. Outro erro frequente é a ideia, frequentemente ventilada pelos políticos, da inevitabilidade e acerto dos movimentos de depreciação ocorridos (“o juíz decide está decidido!”) o que só reforça a intensidade dos mesmos, muito para além do que seria legítimo esperar, atendendo às diferenças económicas sempre existentes entre países. O próprio Tratado de Maastricht parece consagrar, contraditoriamente, as virtudes deste “juízo do mercado”, ao sublinhar a necessidade de manutenção de uma taxa de câmbio em margens reduzidas num período de dois anos anteriores à União. Ora se o mercado fosse capaz de encontrar, em toda e qualquer situação, um equilíbrio virtuoso, a moeda única seria provavelmente dispensável. Sensatamente, este critério foi praticamente ignorado na apreciação final dos critérios de Maastricht, embora a conjuntura económica tenha também afastado os problemas sentidos há alguns anos atrás. Estes exemplos negativos e positivos, mostram afinal, algo que se revela igualmente verdadeiro na apreciação de outros fenómenos económicos que não a globalização: o mercado mostra virtudes mas é imperfeito; e a actuação do Estado é necessária, mas deverá adaptar-se continuamente às novas circunstâncias, corrigindo erros de percurso. Muito Obrigado. 83 Dr. João Costa Pinto* Comentador 1. Queria começar por referir que também participo com gosto nesta iniciativa do Conselho Económico e Social. A complexidade e as consequências do processo de globalização e de integração dos mercados aconselha, impõe mesmo, uma reflexão sobre o seu impacto, quer na actividade de intermediação financeira, quer na própria actividade económica global. O Dr. Martins dos Santos tem destes problemas um conhecimento que reflecte muitos anos de acompanhamento diário dos mercados financeiros e de avaliação sistemática dos factores e pressões que modelam e condicionam o seu comportamento. Acresce que, ao longo da sua carreira, acumulou a experiência de um Técnico qualificado do Banco de Portugal, com a perspectiva de quem observa os mercados a partir de um dos operadores especializados privados mais activos do nosso mercado. Na sua intervenção fez-nos uma apresentação detalhada, quer do processo de globalização em si, quer das suas características principais e das causas que lhe estão na origem. Abordou igualmente de forma interessante alguns dos problemas que a globalização está a originar, quer aos supervisores e às Autoridades Financeiras em geral, quer aos próprios Governos e à formulação e condução das políticas de controlo conjuntural e de desenvolvimento económico. Da sua intervenção resulta uma ideia central com que concordo. A globalização está a alterar profundamente, quer a organização e o funcionamento dos mecanismos de intermediação financeira, quer mesmo o comportamento tradicional dos intermediários financeiros, dos consumidores e dos investidores. Cresce mesmo entre muitos especialistas a sensação de instabilidade e de insegurança que resulta do receio de que a situação económica dos indivíduos, das empresas e mesmo dos Países, depende cada vez mais dos rumores, dos comportamentos, das reacções e, das expectativas da entidade abstracta que dá pelo nome de mercado. Este sentimento deve, em meu entender, ser discutido e analisado de modo a avaliar para onde é que os mercados financeiros e a própria economia mundial se encaminham. 2. O Dr. Martins dos Santos abordou na sua intervenção, como já referi, as principais causas e o impacto do processo de globalização. Concordo, no essencial, com as suas observações e parece-me de interesse acentuar apenas alguns aspectos que, a meu ver, se revestem de particular importância: • o primeiro, refere-se aos efeitos de globalização sobre as relações financeiras e comerciais entre os diferentes mercados. * Caixa de Crédito Agrícola Mútuo. 84 Este movimento está a aumentar a interdependência entre as economias, com reflexos cada vez mais fortes sobre a chamada “economia real”. A crise que afectou – e afecta – algumas economias asiáticas, provocando movimentos de acentuada desvalorização das respectivas moedas, alterou a competitividade externa dos diferentes Países, com impacto inevitável sobre o próprio crescimento económico; • o segundo aspecto a salientar refere-se à situação europeia e à nossa própria economia. No caso europeu o facto de nos encontrarmos em pleno movimento em direcção ao lançamento da moeda única e à criação de uma União Monetária, faz com que os efeitos do processo de globalização e de integração se amplifiquem e se concentrem num período relativamente curto. A posição da Economia Portuguesa – pequena economia, aberta e periférica – é, neste contexto, particularmente sensível e exposta. Apenas o facto de se ter “abrigado” debaixo do manto protector da União Monetária e da moeda única evitou que a crise de instabilidade que tem afectado alguns mercados e moedas se tivesse feito sentir entre nós, com consequências imprevisíveis. 3. Quanto ao referido acentuar da interdependência entre os mercados, a situação asiática é clara. A instabilidade que se abateu sobre os mercados daquela região provocou fortes movimentos de especulação sobre as respectivas moedas. A rápida desvalorização destas originou, por sua vez, alterações súbitas e muito acentuadas no valor externo das diferentes moedas, com impacto sobre os preços relativos entre Países – importadores, exportadores ou competidores directos nos mercados regionais e mundiais. Estes movimentos, incontroláveis pela sua rapidez e magnitude, bloquearam ou travaram processos de crescimento e/ou de desenvolvimento económico baseados em sectores exportadores agressivos. Acresce, como aliás o Dr. Martins dos Santos referiu, que, em paralelo, o processo de globalização e de integração está a criar desafios e dilemas crescentes às próprias políticas económicas, quer às dirigidas ao controlo conjuntural, quer mesmo às políticas de desenvolvimento económico, mais viradas para uma perspectiva de médio prazo. O exemplo da economia dos EUA é, a este respeito, exemplar. De acordo com o comportamento tradicional, da Autoridade Monetária deste País – o FED – tendo em conta a evolução da economia americana – o nível de emprego e a taxa de crescimento – esta teria já actuado e subido as taxas de juro oficiais. No entanto a incerteza gerada pelo impacto final da crise asiática, leva o poderoso FED a hesitar. O que me parece importante realçar é o facto de mesmo a primeira e mais poderosa economia mundial, apesar do seu relativamente baixo nível de abertura e de dependência externa e com uma moeda que é hoje o “pivot” por excelência do sistema financeiro 85 mundial, ter dúvidas quanto ao impacto final da crise que abalou os mercados financeiros e as economias asiáticas. As autoridades monetárias norte-americanas começaram, aliás, por admitir que o impacto seria substancial, depois pareceram recuar e aceitar que seria menor e que não se estaria a propagar com a velocidade e a intensidade esperadas. Verificaram-se, mesmo opiniões distintas no seio do próprio “Board” do FED o que, por sua vez, provocou instabilidade adicional e dúvidas nos mercados financeiros mundiais.1 Outra questão de grande relevo, referida pelo orador, refere-se à multiplicação de paraísos fiscais, que estão a atrair montantes crescentes de rendimentos com os efeitos conhecidos sobre as receitas fiscais de muitos Países. 4. Parece-me ainda importante deixar uma observação sobre a organização institucional dos mercados financeiros mundiais. Ao mesmo tempo que se acentua a globalização mundial e na Europa se caminha para o EURO e para a União Monetária, constata-se uma inoperância crescente das Instituições e Agências internacionais que emergiram dos Acordos de Britain Woods, no final da 2.ª Guerra Mundial. Conhecemos o papel que estes Acordos atribuíram em particular ao Fundo Monetário Internacional – FMI – como guardião da estabilidade financeira mundial. A crise asiática e a clara falência das receitas tradicionais utilizadas pelo FMI, veio demonstrar a necessidade de redefinir as suas responsabilidades, nesta época de liberdade de movimentos de capitais e de flutuação cambial. Parece-me particularmente importante discutir esta questão, porque esta se prende directamente com o lançamento da moeda única europeia e com a criação do chamado SEBC – Sistema Europeu de Bancos Centrais. Como sabemos, os acordos monetários pós-guerra foram, no essencial, propostos e discutidos pelas duas Nações vencedoras – E.U.A. e R.U. Uma Europa unida monetariamente terá – se souber tirar devido partido desta situação – uma forte palavra a dizer nos futuros acordos que, mais tarde ou mais cedo, terão de suceder aos velhos acordos de pós-guerra. 5. Em paralelo com todo este movimento ou, melhor, como parte integrante deste, estamos a assistir a uma alteração profunda dos próprios hábitos dos aforradores, investidores e consumidores. Esta evolução está, por sua vez, a criar novos problemas e desafios às formas tradicionais de condução das políticas macroeconómicas, alguns dos quais se prendem com a própria organização política e social de alguns Países. Há alguns anos um economista americano – Paul Krugman – sustentou a opinião de que o facto de a generalidade das economias asiáticas não estarem a evoluir para a 1 Recentemente, meses depois da realização destes Colóquio, a crise russa e o reacender da instabilidade nos mercados asiáticos obrigou as Autoridades Mundiais a reconhecer os perigos e as ameaças da instabilidade financeira. 86 instalação de regimes democráticos, acabaria por bloquear o próprio desenvolvimento económico. A falta, em tais Países, dos controlos inerentes aos sistemas democráticos acabaria por se traduzir em formas mais ou menos abertas de “cronismo” e de corrupção que levariam à travagem e mesmo ao bloqueamento do progresso económico. Reveste-se de interesse ter esta questão presente porque se prende com o papel central dos sistemas financeiros e com os riscos que estão a emergir em alguns mercados. Nestes Países, a inexistência de controlos e de um nível mínimo de responsabilidades legal e política, manteve Sistemas Financeiros sem supervisão adequada, cujo funcionamento propicia formas mais ou menos encobertas de favorecimento e de corrupção. Foi aliás sobre Sistemas Financeiros sem supervisão, corruptos e sem informação minimamente adequada que, subitamente, se procurou implantar mercados monetários e de capitais desregulamentados e crescentemente integrados nos mercados mundiais. Os grandes investidores institucionais, atraídos por ganhos potenciais elevados, dirigiram para tais mercados volumes crescentes de investimentos. Curiosamente, uma parte substancial destes investimentos foi dirigida para os sectores privados das economias, conduzindo a situações incontroladas de endividamento externo. Daqui decorreu aliás uma das grandes dificuldades sentidas pelas equipas de especialistas do FMI. Treinadas para actuar sobre os “deficits” públicos e com modelos desenhados para intervir sobre a oferta de moeda pelos Bancos Centrais e pelo sistema bancário, ficaram desarmadas perante situações marcadas pelo excessivo endividamento privado em quadros de liberdade de movimento de capitais. Esta situação nova está a gerar uma reavaliação das condições em que algumas economias liberalizaram os seus mercados e se abriram à concorrência e à integração nos mercados financeiros mundiais. Alguns analistas e chefes políticos passaram mesmo a defender um retorno ao controlo de capitais e à reimposição de barreiras regulamentares e administrativas. Permaneço convencido que seria um erro retroceder, pois a dinâmica originada pela inovação tecnológica e financeira apresenta um balanço global francamente positivo. No entanto a introdução de regras e sobretudo a montagem de dispositivos que permitam um acompanhamento sistemático da situação dos mercados é claramente necessário. Em particular, é urgente submeter os grandes operadores e investidores internacionais – investidores institucionais e “hedge funds” – as regras claras no que se refere à obrigatoriedade de informação sobre as operações que realizam nos mercados financeiros, nomeadamente nos mercados mais periféricos e emergentes. Verifica-se, aliás, que está a ganhar rapidamente corpo a nível internacional a convicção da necessidade de estabelecer regras em relação a operações de curto prazo, 87 quer sejam conduzidas em mercados normais, quer em plataformas “off-shore” e paraísos fiscais. 6. Por último, uma referência ao mercado financeiro português. O que está a acontecer no nosso sistema financeiro, como resultado da convergência de um complexo conjunto de factores que transcende o próprio processo de globalização, é uma autêntica revolução. Privatizações e formação de grupos e conglomerados financeiros, desregulamentação e preparação para o EURO e para a União Monetária, têm vindo a gerar pressões que potenciam os efeitos do processo de globalização e de integração financeira do mercado financeiro português no mercado europeu. As formas tradicionais de intermediação financeira estão a alterar-se, ao mesmo tempo que se modificam as próprias atitudes e comportamentos dos agentes económicos – consumidores, aforradores e investidores financeiros. Estamos para ver como é que na União Monetária e no contexto da política monetária única, tais alterações irão ser acomodadas e controladas. Mas este seria um tema distinto daquele que nos ocupou neste painel. (...) 88 Implicações para a Economia Portuguesa 89 Professor Álvaro Martins* Relator O texto desta comunicação já se encontra integralmente publicado numa edição do CES, intitulada Parecer sobre a Globalização - Implicações para o Desenvolvimento Sustentável”. Série “Pareceres e Relatórios”, Lisboa 1998 * Docente do Instituto Superior de Economia e Gestão – ISEG. 90 Professor João Joanaz de Melo* Comentador Para ter a certeza que a assistência está acordada vou correr o risco de reincidir numa provocação, que já utilizei várias vezes para o mesmo efeito. Até agora temos estado aqui a discutir quase só uma questão inexistente: o dinheiro! O dinheiro não existe, é uma construção intelectual. O que existe é, por um lado, as pessoas, e por outro lado a terra, o ambiente, onde essas pessoas se movem. Passo então a discutir a componente real desta equação complicada que é a globalização, focando três áreas. Primeiro, o ambiente global como suporte e condicionantes do nosso sistema socioeconómico, quer à escala nacional, quer à escala internacional. Segundo, as perversidades da globalização da economia e os problemas ecológicos e sociais que teremos de encarar devido a essa globalização. Terceiro, as soluções possíveis, ou, pelo menos, os caminhos que vale a pena explorar para resolver esses problemas. 1. O ambiente como determinante do desenvolvimento Dizer que o ambiente é global é simultaneamente uma auto-evidência e um facto mal compreendido. Temos a noção intelectual de que respiramos todos o mesmo ar, dependemos todos da mesma água, e que as emissões poluentes e o efeito de estufa afectam globalmente o nosso planeta e a nossa sociedade. Mas a maioria das pessoas esquece-se de dois aspectos muito importantes; primeiro, o desequilíbrio do efeito de estufa, ou a destruição da camada do ozono, ou a degradação dos recursos hídricos, pesqueiros ou florestais, implicam directamente com a nossa vida. Segundo, todos nós somos parte do problema e parte da solução. Esta é uma questão fundamental: os problemas existem por nossa causa e a sua solução está na nossa actividade, de cada um de nós, enquanto cidadão. Entre outras questões ambientais globais, avulta o desequilíbrio do efeito de estufa. Este fenómeno terá como consequências alterações climáticas mais ou menos profundas à escala planetária, que implicam com a nossa vida e o nosso sistema socioeconómico. O efeito mais importante não é o simples aumento da temperatura média, mas alterações no funcionamento dos fenómenos climáticos. É de esperar por exemplo o aumento do nível do mar, a migração das regiões bio-climáticas, mais chuva nalgumas regiões do globo, menos chuva noutras; no nosso País, o efeito mais * Dep.Ciências e Engenharia do Ambiente|Dep.Environmental Sciences&Engineering Universidade Nova de Lisboa |New University of Lisbon 2825-114 CAPARICA PORTUGAL Telef: +351-1-2954464 ext.0121/0104 Fax: +351-1-2948554 E-mail: [email protected] 91 significativo poderá ser um aumento da frequência e gravidade de fenómenos climáticos extremos, ou seja, vamos ter mais secas, mais cheias, mais temporais. É possível que a dimensão das cheias dos últimos anos já tenha a ver com essa tendência de alteração climática. Como se vê, os problemas ambientais à escala global não são uma questão meramente científica, são uma questão social que tem implicações na nossa vida e que tem que ser, necessariamente, resolvida simultaneamente com medidas proactivas e reactivas. Temos um estilo de vida que é excessivamente consumidor de energia e de matérias-primas, é insustentável do ponto de vista da disponibilidade de recursos e desequilibra o ecossistema à escala global. Portanto, temos que ir alterando, proactivamente, o nosso próprio estilo de vida e o funcionamento do nosso sistema económico, de maneira a tornar-se menos poluente e depredador. Por outro lado, temos que nos preparar para reagir a problemas previsíveis, por exemplo o aumento de fenómenos climáticos extremos. E quem diz este tipo de situação, diz muitas outras situações de desequilíbrio ambiental à escala planetária. As grandes crises que encontramos à escala internacional são crises motivadas por falha ou ruptura dos recursos naturais. Os problemas da fome no Sahel não são apenas uma consequência da guerra, mas também da desertificação provocada por uma má gestão dos solos. As situações de guerra no Médio Oriente, ao contrário do que possa parecer, não são provocadas principalmente pelo petróleo, mas sim pela água. Isto é algo que, em termos geoestratégicos, já se vem a falar há alguns anos, mas só muito recentemente começou a ser levado a sério na diplomacia internacional. De facto, a gestão dos recursos naturais à escala internacional será o factor limitante do desenvolvimento mundial. Os grandes problemas, as grandes crises com que nos vamos defrontar no século XXI, não terão como principal raiz o melhor ou pior desempenho do sistema económico-financeiro, mas sim a melhor ou pior gestão dos recursos naturais. A bolsa tem altos e baixos à escala diária, mas um solo, ou aquífero, ou floresta destruída podem levar séculos a recuperar; é altura de os responsáveis político-económicos começarem a compreender este facto e a colocá-lo nas suas equações. Se alguém considerar esta minha afirmação excessiva, terei todo o gosto em discutir o assunto em maior detalhe. À escala nacional temos que ter igualmente a consciência de que o Ambiente não é meramente algo que está “para ali” e que de vez em quando vamos visitar, ou de que ouvimos falar. Além de suporte de vida (incluindo a da espécie humana), o Ambiente é o suporte da actividade económica que é o tema central deste Colóquio. Não há actividade económica sem recursos naturais. Estamos habituados falar da divisão sectorial da actividade económica, em que há um sector primário que se baseia nos recursos naturais; mas a verdade é que sem esse não existe mais nada. Citemos alguns exemplos de fileiras baseadas nos recursos naturais: a agricultura e pecuária suporta com fileira industrial agro-alimentar; a floresta e as fileiras industriais florestais; a 92 caça e pesca e respectivos produtos; a extracção mineira e as fileiras metalúrgicametalomecânica, química, energética, petroquímica e da construção; a biodiversidade e a engenharia genética; o turismo e a actividade imobiliária baseados na qualidade do ambiente e da paisagem; os serviços ambientais às empresas, só para citar os casos mais comuns. Por outro lado, os exemplos de má gestão ambiental com resultados catastróficos podem repetir-se à exaustão. Citemos meia dúzia de exemplos evidentes. Tivemos este Inverno uma situação aparentemente excepcional em termos de pluviosidade, que provocou a morte de mais de 30 pessoas e danos materiais consideráveis. Digo aparentemente excepcional porque aquilo que aconteceu, na maior parte dos casos, foram chuvadas com um período de retorno da ordem dos 100 anos. Isto significa que é normal que, em média, de 100 em 100 anos haja chuva desta intensidade. Quando chove mais, chega mais água aos rios, o nível destes sobe e por conseguinte há cheias, é normal que isso aconteça. O que não é normal é que se executem construções pesadas em terrenos que são periodicamente inundados – daí os danos anormais provocados por chuvadas normais. Ora, temos uma lei, a Reserva Ecológica Nacional, que entre outras coisas proíbe a construção em leitos de cheia e zonas declivosas (apenas nas áreas rurais – esta lei não se aplica em perímetros urbanos). O que significa que a maior parte dos danos materiais e das mortes que ocorreram foram provocados pela existência de habitações e instalações em sítios onde não deviam estar (leitos de cheia no caso do Alentejo, Lisboa e arredores, base de arribas instáveis no caso dos Açores). Esta crise ocorreu principalmente devido à má gestão dos recursos naturais, com conhecimento de causa dos responsáveis por essas situações. Quem fez e quem autorizou essas construções sabia perfeitamente (ou tinha obrigação de saber) que este risco existia. Outra situação recorrente é a contaminação de águas subterrâneas por esgotos domésticos, industriais e agrícolas; conduzindo a problemas mais ou menos sérios de disponibilidade de água em termos de qualidade adequada (em grande parte do País, não sabemos sequer a qualidade da água que bebemos, porque as autoridades supostamente responsáveis não fazem o devido controlo). Tomemos o exemplo da Golegã, que de um dia para o outro ficou sem água potável, porque os furos de abastecimento de água vinham de um lençol freático que foi contaminado, por efeito de uma chuvada repentina, com nitratos recentemente aplicados ao solo na zona de recarga do aquífero. Ou os casos de Minde e Mira de Aire, que durante anos tiveram que ser abastecidas por autotanques no Verão, porque os furos de abastecimento são contaminados com esgotos domésticos. E há muitos outros casos. Temos uma variedade enorme de exemplos em que a má gestão dos recursos naturais condiciona efectivamente o nosso desenvolvimento económico. E depois andamos a inventar soluções marteladas (e caras) para resolver problemas que não tinham que existir, porque decorrem da nossa própria má gestão dos recursos. 93 Tudo isto se passa havendo conhecimento suficiente para resolver a maioria dos problemas. O que falta são meios, ou vontade política! 2. As perversidades da globalização A globalização tem obviamente efeitos benéficos – o acesso à informação à escala internacional, a melhor eficiência de funcionamento do sistema económico-financeiro – mas arrasta consigo os seus próprios problemas. Desde logo o risco da uniformização: os grupos socio-económicos mais poderosos impõem os seus paradigmas de sistema cultural e de vivência. Estamos perante um risco enorme à escala mundial, e também em Portugal, de excesso de uniformização. Isto é um risco que, na minha opinião, devemos activamente combater. Somos um pequeno país sujeito a pressões de uniformização, nomeadamente no quadro europeu. Somos em simultâneo parte de blocos – a Europa, a OCDE, que exercem à escala mundial, sobre regiões mais frágeis, o mesmo tipo de pressões. Aquilo que defendo é que essa globalização não se deve estender aos aspectos socioculturais. A globalização tem obviamente aspectos positivos, mas temos que assumir que tem aspectos claramente negativos, e um deles é a questão do excesso de uniformização. Outra questão fundamental – e que aliás já foi aqui citada, por vários intervenientes – é a da perda da capacidade decisória. A este respeito, eu diria que o caso europeu é um caso extremamente benigno, na medida em que nós somos parte da construção europeia, temos a nossa voz na construção europeia. Mas nós como cidadãos, não temos a nossa voz nas decisões dos grupos financeiros internacionais. Ainda por cima quando vemos situações como o Acordo Multilateral sobre o Investimento, em discussão na OCDE, em que se prevê, por exemplo, a proibição de que qualquer país possa impedir a instalação de determinados investimentos, com base em argumentos sociais e ambientais. Uma tal violência, sem precedentes no direito internacional, é levada a sério por alguns, como parte de um processo de globalização que, supostamente, seria desejável. Isto é absolutamente inaceitável! A globalização pode ser também entendida como uma arma apontada à nossa sobrevivência, enquanto sociedade plural e com capacidade de intervenção como cidadãos nos nossos próprios destinos. De facto, as decisões económicas estão cada vez mais concentradas de uma forma que as decisões políticas não estão. E a experiência demonstra que a sobrevivência da sociedade e a capacidade de desenvolvimento, em termos de equidade e qualidade de vida, depende inevitavelmente de mantermos essa capacidade de democracia plural. Os piores desastres ecológicos do Planeta, passam-se nas piores ditaduras: temos o exemplo das catástrofes ambientais do Leste Europeu ou da Indonésia (onde os desacatos que s„o conhecidos sobre Timor se estendem mais ou menos ao resto da população e aos recursos naturais do país, como acontece em todos os países ditatoriais). 94 3. As soluções Quais é que são as soluções para esta incompatibilidade manifesta entre a visão de curto prazo dos ganhos imediatos e a visão de longo prazo de um desenvolvimento sustentável, que permita uma sociedade viável a prazo? A solução clássica é pela via regulamentar, sem dúvida necessária (conforme já foi referido), mas evidentemente insuficiente. Eu diria que a solução passa necessariamente por duas outras vertentes: a vertente cultural e a vertente económica. É preciso sensibilizar e educar toda a sociedade para este tipo de problemática. As pessoas têm que aprender a comportar-se como cidadãos e ter a noção de que o ambiente é uma parte indispensável dessa cidadania e do seu potencial de qualidade de vida. Só assim garantiremos, a longo prazo, uma sociedade viável. Por outro lado, temos também de atacar o problema com instrumentos operativos, com soluções que funcionam em termos de sistema económico, ou seja, temos de valorizar economicamente o ambiente. Temos de optar, decididamente por aquilo que é recomendado há uma série de anos, por exemplo, no relatório Delors sobre o desenvolvimento (penso que estou em excelente companhia) que é deslocar a carga fiscal do trabalho, para o consumo de recursos naturais. Em vez de termos impostos sobre o rendimento do trabalho, deveríamos ter impostos (ou taxas) sobre o consumo de recursos naturais, sobre a emissão de poluentes, sobre o gasto de água, enfim sobre a utilização privada do Ambiente que é um bem comum de todos nós. Em vez de termos um imposto automóvel completamente idiota – desculpem-me o termo – sobre a cilindrada, deveríamos ter um imposto automóvel sobre a eficiência energética, os níveis de poluição e a segurança. A forma eficiente de atacar o problema do lado económico – e repito que é igualmente importante atacar o problema do lado cultural e do lado económico – é valorizar economicamente os valores ambientais, que são de todos nós e que representam um capital que é de todos, e que afinal é o suporte de toda a actividade económica futura. Muito obrigado pela vossa atenção. 95 Programa 96 COLÓQUIO A GLOBALIZAÇÃO E A ECONOMIA PORTUGUESA 29 de Abril de 1998 (Aula Magna do ISCTE, Av. das Forças Armadas, Lisboa) 9H30-10H45 Investimento Estrangeiro Moderador: Dr. José da Silva Lopes Orador: Prof. Guilherme Costa Comentador: Prof. António Romão 10H45-11H00 Intervalo para café 11H00-12H15 Internacionalização das Empresas portuguesas Moderador: Dr. Victor Melícias Orador: Prof. Victor Corado Simões Comentador: Prof. Victor Santos 12H15-14H30 Intervalo para almoço 14H30-15H45 Comércio Externo Moderador: Dr. Artur Alves Conde Orador: Prof. João César das Neves Comentadora: Profª. Maria Paula Fontoura 15H45-16H00 Intervalo para café 16H00-17H15 Globalização Financeira Moderador: Dr. João Salgueiro Orador: Dr. Rui Martins dos Santos Comentador: Dr. João Costa Pinto 17H15-17H30 Intervalo para café 17H30-18H45 Implicações para a Economia Portuguesa Moderadora: Dra. Alda de Carvalho Orador: Prof. Álvaro Martins Comentador: Dr. José da Silva Lopes Comentador: Prof. Joanaz de Melo 97