EDITORIAL
U
m cachorro, magro e doente, passa pela frente de uma janela e vê,
atrás dela, um velho amigo gordo e sorridente.
– Oi, cara! Como vão as coisas? Vejo que a vida não tem te tratado
muito bem...
– É que aqui fora as coisas estão horríveis. O desemprego, a fome...
E tu, como tens conseguido ficar tão próspero?
– Ora, aqui dentro tem um cara chamado Pavlov que gosta de brincar com luzes e campainhas. Aí eu me dei conta que, cada vez que ele bate
a campainha, se eu cuspir um pouco ele me da de comer. É só cuspir, meu
caro, é só cuspir...
Vemos neste chiste como aquilo que, em nome do Grande Outro da
Ciência, é inserido como significante da prova (o cuspe), se revela, pela
verdade que o dito espirituoso descobre no seu avesso, ser não outra coisa
do que a própria demanda.
O sujeito que conta a piada, defendido pelo guarda-chuvas que a
comicidade lhe oferece, se encoraja a denunciar diante seu semelhante, o
quanto o Outro não passa de um grande mentiroso. Como a criança o faz
na sua travessura, o contador de histórias revela nelas (quando são das
boas) o quanto o Discurso se empenha em ocultar o desejo.
As recentes descobertas no campo das neurociências costumam ser
apresentadas por alguns setores da neuropsiquiatria contemporânea como
contrárias à psicanálise. Havendo um curioso esforço em reduzir a operação clínica a um procedimento exclusivamente farmacológico. Que se invente primeiro o medicamento para, depois, criar a doença à sua medida,
tem passado a ser uma prática psicopatológica comum.
Ora, as descobertas operadas nas neurociências básicas, muito pelo
contrário, demonstram que a leitura clínica da psicopatologia que a psicanálise vem estabelecendo durante os últimos cem anos, se verifica atualmente a nível do Sistema Nervoso Central de forma incontestável. E, de
modo claro e decisivo, fica comprovado que o SNC é completamente dependente do exercício do significante para estabelecer seu modo de funcionamento.
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EDITORIAL
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Por isso enunciar o correlato comportamental da variabilidade
neuroquímica como prova do caráter exclusivamente químico do processo
psíquico, ou como contraprova do valor da palavra para esse processo,
não constitui senão uma curiosa piada, já que o que oferece como prova
não é mais do que sua própria demanda. Com efeito qualquer estudo de
metabolismo cerebral que ofereça a leitura em transparência dos efeitos da
palavra, revela de forma inequívoca a modificação neuroquímica produzida
por esta, e, ainda para a tosca imprecisão da farmacologia atual é muito
difícil oferecer a prova da mudança da palavra por indução química. Para
isso teremos que esperar até que se inventem poesias injetáveis...
Tal viés do discurso poderia ter seu efeito cômico se não capturasse
numa gigantesca e iatrogênica proposta hipocondríaca a grande parte de
sociedade, e, sobre tudo, se não tentasse nos chantagear com a ameaça
mal humorada de um fracasso clínico que nunca existiu.
JORNADAS DA CLÍNICA PSICANALÍTICA
NEUROSE OBSESSIVA
A peculiaridade com que a neurose obsessiva tem se imposto ao
trabalho clínico, fez com que este fosse o tema escolhido para nossas jornadas. Esta forma de neurose – mais resistente aos efeitos de transferência – toma sua contextualidade na maneira como o laço social se constitui
hoje. Alguns trabalhos têm sublinhado a sintonia dessa expressão clínica
com a busca de uma racionalidade absoluta, pautando nisso o fundamento
de uma universalidade. Ainda assim faz-se necessário ampliar a pesquisa,
na medida em que a dificuldade no trabalho clínico empurra-nos a isso.
Há alguns anos atrás, o diferencial das neuroses parecia definir as
identidades sexuais: histéricas, as mulheres; obsessivos, os homens. Hoje,
cada vez mais mulheres parecem ter na obsessão uma escolha de sintoma. Uma das vertentes necessárias a ser explorada diz respeito a essa
modificação: por um lado, a abordagem das razões dessa mudança, bem
como a relação do homem a essa mulher; por outro lado, a peculiaridade
da expressão da obsessão na mulher.
Outra questão, não menos obsessiva, diz respeito às formas de preservação do pai. Talvez aqui se torne mais evidente o paradoxo que essa
referência contém, na medida em que é uma preservação que implica num
apagamento. É por essa via que se apresentam as diferentes formas de
um luto irresolvido, muitas vezes aparecendo pela inibição e outras tantas
pela compulsão. No lugar dessa irresolução comanda a voz do supereu,
essa espécie de inimigo íntimo.
PROGRAMA
SEXTA-FEIRA – DIA 19/11
ABERTURA – 19h
“Atualidades da obsessão” - Ana Maria M. da Costa
“Luto e forclusão na neurose obsessiva” - Lúcia A. Mees
“Entre o desejo e a obrigação”- Conceição de F. Beltrão
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SÁBADO – DIA 20/11
MANHÃ – 9h
“Quando se ama uma mulher, se a respeita” - Mario Fleig
“Voz impessoal e mutismo” - Liz Nunes Ramos
“A inibição na infância e seus desdobramentos” - Ieda Prates da Silva
TARDE – 14h e 30min
“Blefe” - Maria Rita Kehl
“A neurose obsessiva, o superego e o medo de mulher” - Jaime Betts
Lançamento da Revista da APPOA
16h e30min – Intervalo
17h
“Em busca das conexões perdidas” - Liliane S. Froemming
“Manual de instruções para refazer o pai a cada instante” - Alfredo Jerusalinsky
LOCAL DO EVENTO:
HOTEL CONTINENTAL - Largo Vespasiano JúlioVeppo nº 77
INFORMAÇÕES E INSCRIÇÕES:
Associação Psicanalítica de Porto Alegre - APPOA
Profissionais – R$ 50,00
Associados – R$ 30,00
Estudantes – R$ 35,00
A TRANSFERÊNCIA COM A INSTITUIÇÃO
NA CLÍNICA INSTITUCIONAL EM DEBATE
INSTITUIÇÃO CONVIDADA: Comunidade Terapêutica
Ambulatório da Cruz Vermelha
REPRESENTANTES: Otávio A. Winck Nunes (Coord. da COTE)
Márcio Mariath Belloa (Psicólogo do Ambulatório)
DATA: 11 de novembro
HORÁRIO: 21h
PROMOÇÃO: Fórum
LOCAL: Sede da APPOA – Rua Farias Santos, 258 Fone: 333.2140
OBS.: atividade isenta de taxa e de inscrição prévia
aberta a todos os interessados
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Dando prosseguimento ao projeto do Fórum, de constituir um lugar
de debate sobre os interrogantes que a clínica institucional nos coloca, dia
11 de novembro estaremos nos reunindo com a Comunidade Terapêutica
e o Ambulatório da Cruz Vermelha em torno do tema da transferência com
a instituição.
Lembramos que já tivemos a satisfação de nos reunirmos, no primeiro encontro desta série de debates sobre a clínica institucional, com o Núcleo de Estudos Sigmund Freud, representado na ocasião por Rosane
Stefen, oportunidade em que a transferência foi o centro do debate. A questão de então foi a transferência posta em cena por aqueles que endereçavam um pedido de tratamento à instituição.
Desta vez, o que nos interessa são os efeitos produzidos no trabalho
pelo laço transferencial do membro com a instituição na qual ele insere seu
trabalho.
A este propósito, cabe comentar aqui a reunião ocorrida no último 16
de setembro, quando o Fórum teve o prazer de receber a Clínica de Psicologia da UNIJUÍ, para discutir o tema do pagamento na clínica institucional,
terceiro encontro da série. Como representantes da Clínica, estiveram presentes a atual coordenadora, Ângela Drügg, e Tânia Borba, ambas
supervisoras da Clínica e professoras do Curso de Psicologia da UNIJUÍ.
Representando o Fórum, Ângela Lângaro Becker.
Pensar a transferência com a instituição – via temática do pagamento – , desde o estagiário1, foi o motor do debate. Ângela Drügg observou
que , na Clínica, a maior dificuldade, no que se refere ao pagamento, é
enfrentada pelos alunos, e não pelos pacientes, como se poderia supor.
Mas, a questão que movimentou a discussão foi a interrogação central de sua intervenção, a respeito dos estagiários de psicologia: “o que eles
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É importante observar que, onde aparece estagiário ou aluno, sugerimos que se leia qualquer um que se encontre numa posição semelhante, qual seja, a de exercer uma prática
clínica numa instituição que tenha como objetivo a formação psicanalítica ou com “orientação” psicanalítica (isto é, onde a psicanálise está como referência de uma formação).
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pedem, e às vezes até reivindicam, quando perguntam a nós, super-visores,
sobre o destino do dinheiro recolhido através do pagamento que os seus
clientes efetuam pelo tratamento?”
Que tal pedido possa gerar um mal-estar entre os supervisores/professores, a quem eles, os alunos, endereçam esta pergunta/queixa, parece
ser um faceta bem importante da questão. Denuncia os inevitáveis e indesejáveis efeitos de espelhamento, por identificação à falta do Outro, que
sofrem aqueles que estão tomados numa transferência. Afinal, sabe-se o
quanto as universidades têm pago mal aos seus professores, o quanto eles
têm sido vítimas de uma desvalorização social , etc.
Entretanto, a despeito da relevância e verdade destas considerações, estas ainda não nos satisfazem. O que demandam esses alunos a
seus professores?
Tal qual é sabido, desde Freud, no laço transferencial, o dinheiro
interpõe-se como o significante que intermedia a relação do sujeito com a
falta do Outro. Desobriga o paciente a pagar com o seu ser em troca do
lugar dado por aquele que acolhe suas palavras e reconhece ali um saber
inconsciente.
Se, para o paciente, a questão do pagamento não se formula diferentemente num consultório privado ou num contexto institucional, haveria
alguma especificidade para aquele que o acolhe numa instituição, e mais
particularmente, numa instituição de formação2?
Para alguém que se inicia na prática clínica é muito comum defrontar-se com a dificuldade relativa à cobrança de seus honorários, no que
estes podem sugerir de um reconhecimento (imaginário) do lugar de analista. Tanto que os mais desavisados até poderiam se dar por satisfeitos
quase que somente com a vinda (retorno) do paciente, por exemplo.
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Como instituição de formação, entendemos aqui qualquer instituição que vise formação
psicanalítica, mesmo que esta figure como um horizonte ideal em instituições que não se
destinam a oferecer esta formação específica. O que consideramos aqui é a posição em que
o sujeito se encontra em relação a mesma, a saber, a de quem demanda uma formação.
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Nesse sentido, o que estaria pedindo aquele que reivindica (à instituição) pagamento por um trabalho prestado dentro da instituição de formação a que pertence? Reconhecimento, uma filiação. Talvez isso não seja
problema para um candidato à analista na IPA, por exemplo, onde o acesso
ao lugar de analista se dá através de reconhecimento de um analista-didata,
conforme dispositivo pré-estabelecido na instituição. Mas, certamente, o
será para aquele que faz sua formação numa instituição psicanalítica
lacaniana, onde o pedido de reconhecimento é tomado como um efeito
inevitável – mas sempre presente – de uma transferência com a instituição,
tal qual a demanda de amor de um analisante; e, por isso mesmo, a resposta não poderá ser de ordem amorosa, e sim uma que remeta o demandante
à condição desejante.
Representar a instituição (ao acolher um pedido de tratamento dirigido à ela, por exemplo), respondendo em nome dela; e, por outro lado, estar
no lugar de quem pede à ela uma formação, o que implica estar de per si,
estar por sua conta e risco, talvez constitua um nó difícil de desfazer.
Pode advir daí a dupla nomeação: Fórum ( nome do grupo de trabalho que se dedica a pensar e produzir sobre a clínica institucional), para a
APPOA; e Serviço de Atendimento Clínico da APPOA ( nome que designa
um lugar de acolhimento dos pedidos de tratamento dirigidos à instituição e
não a um analista), para fora da APPOA.
Valéria Rilho (p/ Fórum)
INSTITUIÇÃO E QUESTÕES TRANSFERENCIAIS
No próximo dia 11/11/1999, às 21 horas, à convite do Fórum da
APPOA, estaremos debatendo algumas questões que dizem respeito à instituição e à toxicomania, os seus desdobramentos e atravessamentos
transferenciais. Falaremos especificamente da Cruz Vermelha Brasileira/
POA, através de dois de seus setores: o Ambulatório e a Comunidade Terapêutica (COTE), embora haja outros três.
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A filial da Cruz Vermelha Brasileira no Rio Grande do Sul foi instalada em 16 de maio de 1940. Todo o trabalho realizado na Instituição tem
caráter voluntário, incluindo a Direção da casa, contando apenas com um
quadro mínimo de funcionários. Em sua equipe de trabalho possui 65 voluntários das mais diversas áreas, como: psicologia, terapia ocupacional e
familiar, medicina (clínica geral, toxicologia e psiquiatria), comunicação,
serviço social, música, educação, nutrição, educação física, artes plásticas, biblioteconomia, artes gráficas, artes cênicas, direito e contabilidade.
A fonte de recursos é proveniente de doações feitas pela sociedade civil.
Tendo por finalidade prevenir e atenuar o sofrimento humano nos
casos de calamidade, verificou-se que as pessoas de baixa renda quase
não dispunham de acesso à assistência médica e de tratamento terapêutico
adequado na área de dependência química.
Em razão disso, a partir da metade da década de 1980, optou por
dedicar-se ao assunto, estando hoje estruturada nos seguintes setores:
I – Prevenção; II – Ambulatório; III – Comunidade Terapêutica; IV – Grupo
da 3a Idade; e V – Departamento de atenção à HIV/AIDS.
II - AMBULATÓRIO: Destina-se ao atendimento de usuários de drogas, onde é desenvolvido trabalho terapêutico e médico por uma equipe
profissional das áreas de psicologia, psicanálise, médicos das áreas de
psiquiatria, toxicologia e clínica geral. Neste setor é realizado trabalho
terapêutico, triagem e encaminhamento do paciente aos demais serviços
da Instituição, ou para outros locais de atendimento, quando necessário.
No período de janeiro a dezembro de 1997 foram realizados aproximadamente 6.000 atendimentos. Além deste serviço, o Ambulatório atua em outros espaços de trabalho, como: Grupo de adolescentes e Seminários.
III - COMUNIDADE TERAPÊUTICA (COTE): Através de equipe
multidisciplinar e de programa específico, a Comunidade Terapêutica desenvolve tratamento especializado ao dependente químico, voltado à sua
reinserção social. Tem instalação para o atendimento de até 15 dependentes, com programa de tratamento adequado a cada cliente. Os familiares
engajados ao tratamentos dos clientes, tem reuniões semanais onde são
acompanhados por especialistas durante o período deste.
Muitas questões têm sido provocadas pelas toxicomanias, nos diversos setores que compõem a Cruz Vermelha. Desde uma definição mais
ampla, envolvendo os seus mais diversos aspectos e manifestações, passando por particularidades próprias estabelecidas pela relação entre um
sujeito e o objeto que o produz. Nestas últimas, encontram-se passagens
extremamente peculiares do uso de um objeto que transita com extrema
desenvoltura pelas bordas do remédio e do veneno. Não causando espanto que as drogas, lícitas ou ilícitas, despertem nos jovens e adultos uma
curiosidade ilimitada. Claro, é só uma armação. Muitos vasculham o mundo (ou sub-mundo, se preferir) das drogas com exemplar dedicação. Desde a aurora da humanidade até os exemplos recentes (sempre úteis e muito bem-vindos) do Tio Sam - fumar mas não tragar, cheirar mas não aspirar
– o fascínio causado pela promessa de gozo pode levar muitos a uma viagem mais longa, alguns resistem, outros embarcam com a passagem só de
ida.
É um terreno bastante fértil, principalmente, quando se pensa nos
usuários de drogas e nos sujeitos de toxicomania que lutam bravamente e
preferem dar provas da sua resistência psíquica, mostrando marcas, muitas indeléveis, deixadas em seus corpos e em suas vidas, das angústias
que a existência, nem sempre simples, lhes convoca.
Se a clínica com usuários de drogas ou com sujeitos de toxicomania
apresenta e garante trabalho suficiente para quem deles se ocupa – causando, inclusive, uma certa dependência - outras questões igualmente complexas originam-se dentro de setores de Instituições como a Comunidade
Terapêutica da Cruz Vermelha Brasileira/POA(COTE) e o Ambulatório.
A Cruz Vermelha é uma Instituição marcada por vários cruzamentos
de idéias, de posições e, antes de tudo, guiada por diferentes enquadres
éticos, em função disso sofre conseqüências no dia-a-dia do seu trabalho.
A COTE propõe um enfoque psicanalítico para o tratamento das toxicomanias, e, guiada por este referencial, propõe um modelo de tratamento bastante diferenciado dos modelos tradicionais existentes, o que não significa
dizer que está isenta das influências da Instituição na qual encontra-se
inserida. Já no Ambulatório existe uma diversidade maior de referenciais
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teóricos, dependendo da formação dos seus integrantes.
Visto que a proposta da Cruz Vermelha, de uma maneira geral, está
identificada mais com os pressupostos encontrados nos grupos de autoajuda – que tem o ideal da abstinência como cura, e não fazem parte da
Instituição, mesmo que lá se reúnam - do que propriamente nos setores
que a compõem, este, talvez, seja o primeiro paradoxo institucional com
que nos confrontamos. Existem outros atravessamentos institucionais que
marcam a transferência e que poderemos discutir mais detalhadamente
nessa reunião proposta pelo Fórum da APPOA.
Otávio Augusto Winck Nunes
Coordenação da COTE
colega Volnei Dassoler se dispôs a apresentar, no próximo encontro do
cartel, o texto de Freud “Inibição, sintoma e ansiedade”.
Considerou-se interessante que as reuniões do Cartel possam se
dar na mesma data dos Exercícios Clínicos, pois o sábado (dia 25/09) configurou-se como um dia de trabalho muito produtivo na APPOA, o que, sem
dúvida, favorece a vinda dos participantes de outras cidades.
A próxima reunião do Cartel do Interior será marcada posteriormente, e comunicada por correspondência.
Coordenação do Cartel do Interior
TEMAS DO CORREIO DA APPOA 1º SEMESTRE 2000
CARTEL DO INTERIOR
No dia 25 de setembro, na APPOA, tivemos a reunião do Cartel do
Interior. Como de praxe, na primeira hora de trabalho conversamos sobre o
andamento do Cartel.
Entre os temas abordados, discutiu-se a possibilidade de publicação
dos trabalhos da Jornada Imigração e Fundações, cujos textos já se encontram nas mãos da Comissão de Aperiódicos, para revisão e encaminhamento. O cartel enfatizou a importância desta publicação, apesar de transcorridos 4 anos da realização da Jornada. Consideramos sua pertinência,
pois poderá ser uma publicação preparatória ao Congresso dos 500 ANOS,
além de trazer a público um momento de produção bastante fecundo para a
APPOA e, em especial, para o Cartel do Interior.
Na 2ª parte da reunião, tivemos uma discussão teórico-clínica, a partir do trabalho apresentado por Ieda Prates da Silva: “A inibição na infância
e a neurose obssessiva - Algumas interrogações”. O debate foi bastante
instigante, levantando questões sobre a angústia na infância, e suas relações com a inibição e o sintoma.
Houve interesse de que pudéssemos seguir debatendo o tema, e o
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Estamos divulgando a lista com os temas que foram estabelecidos
para as seções temáticas dos números do Correio que serão publicados no
primeiro semestre do próximo ano. Desta forma, procuramos convocar a
todos os membros e participantes da APPOA para contribuir com textos
sobre os temas em questão.
É importante que possamos contar com a produção escrita de todos
aqueles que se sintam, de alguma forma, implicados com as questões levantadas para publicação. Assim, torna-se possível promover a circulação
das idéias e discussões que fazem parte do cotidiano de nossa instituição.
Lembramos que todos os textos devem ser encaminhados à Comissão do Correio, sendo publicados de acordo com nossas possibilidades
editoriais, e que o prazo de entrega é sempre no dia 1º do mês anterior ao
da publicação.
Março/2000 – Tema da Jornada de Abertura – Resp.: Francisco Settineri
Abril/2000 – Estética – Resp.: Edson de Sousa
Maio/2000 – Tema do Relendo Freud – Resp.: Maria Lúcia/Márcia
Junho/2000 – 500 Anos – Resp.: Robson
Julho/2000 – As questões da clínica institucional – Resp.:M. Ângela Brasil
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NOTÍCIAS
NOTÍCIAS
JORNADA DE ESTUDOS - CENTRO LYDIA CORIAT
PSICANÁLISE E EDUCAÇÃO COM MARIA CRISTINA KUPFER
O Centro Lydia Coriat convida a todos para a terceira jornada do
ciclo de atividades psicopedagógicas, cujos temas serão “Psicanálise e
educação na clínica de crianças com problemas do desenvolvimento” e “O
trabalho psicanalítico e educacional na instituição do tratamento”. Para trabalhar estas questões, contaremos com a presença da psicanalista Maria
Cristina Kupfer, professora da USP e diretora da pré-escola terapêutica
Lugar de Vida. A atividade acontecerá no próximo dia 11 de dezembro.
Maiores informações no Centro Lydia Coriat, rua André Puente, 415, fones
(51) 311 2243 ou (51) 311 0091.
CONGRESSO INTERNACIONAL DE PSICANÁLISE
E SUAS CONEXÕES: O ADOLESCENTE E A MODERNIDADE
Rio de Janeiro, 18 a 21 de agosto de 1999.
Um resumo do Congresso, foi o que me pediram. Difícil. Imaginem
umas 900 pessoas - psicanalistas, educadores, filósofos, estudantes,etc.das mais diferentes proveniências do Brasil e do mundo, reunidos (“encerrados”) num Hotel, na mais bela cidade do mundo, durante quatro dias.
Detalhe: os trabalhos, nas diferentes modalidades – conferências,
mesas redondas, temas-livres,- eram apresentados das 8 horas da manhã
às 9 horas da noite, ininterrupitamente.
Trabalho árduo, mas que teve como maior interesse, a meu juízo,
poder ouvir a psicanálise, e seus desdobramentos clínicos, contada em
diferentes sotaques e línguas o que, de alguma forma, materializa as diferentes leituras e estilos.”Efeito cotonete”.O familiar retornando como estranho, dando-nos a ouvir articulações significante para os quais a
cotidianeidade das palavras nos torna surdos.
A tônica da discussão foi a indagação acerca da adolescência – para
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além da concepção desemvolvimentista da psicologia e dos efeitos da
maturação maturação biológica do corpo – como um momento lógico de
operação do sujeito em suas relação ao significante. Esta concepção, que
Rassial já nos havia feito ver, encontrou, seus desdobramentos nos trabalhos de vários colegas.
Um outro aspecto considerado em vários momentos do Congresso
foi a particularidade da operação da adolescência como se ela fosse o próprio efeito na cultura do declínio da função paterna. Ora, a este declínio
associamos de imediato a incosistência simbólica do pai hodierno. Porém,
no Congresso introduziu-se algo que, ao menos para mim, soou como novidade no discurso analítico:a falência não apenas simbólica mas também
imaginária do Outro.
Assim, alguns trabalhos tentaram dar conta dos efeitos no sujeito e,
portanto, no sintoma social, desde “Outro vazio”- inconsistente simbólica e
imaginariamente. Por um lado, a “melancolização”dos discursos como índice do desamparo do sujeito diante do Real do corpo Por outro (e talvez
sejam verso e reverso da mesma questão), a produção de atos perversos
como tentativa do sujeito de fazer borda a este Real. A toxicomania, trabalhada especialmente pelo Dr. Charles Melman, é o principal exemplo.
A questão que fica no ar, no entanto, é oque a psicanálise pode fazer
com com isto sem cair na discurso moralista, sem encarnar ela mesma o
Outro, tornado-se insuportável ao adolescente? Melmam convoca os analistas a darem aos objetos seu verdadeiro nome, quando,por exemplo, chama as drogas de “sexolíticos”, indicando, como seu principal efeito, agamento
da diferença sexual.
REVISTA DA APPOA
Lembramos aos membros e participantes da APPOA que o seu exemplar da Revista da APPOA nº 16 – Psicanálise e educação: uma (trans)
missão possível – encontra-se disponível na secretaria. Aos que ainda não
o retiraram, que o façam entre o horário das 9 às 21h.
Para os demais, oferecemos a possibilidade de aquisição, através
de assinatura anual ou de venda avulsa.
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DOM CASMURRO; CEM ANOS INVENTANDO UM BRASIL
A Jornada promovida pela APPOA, em conjunto com o Instituto de
Letras, no início do mês de outubro passado, foi mais um passo numa trajetória de trabalhos que remontam ao início da própria Associação. Além
disto, teve efeitos muito interessantes em diversas situações. Um destes
efeitos está expresso nas manifestações dos participantes a respeito da
qualidade do debate/diálogo entre as pessoas oriundas da Psicanálise e
das Letras. Qualidade evidenciada no rigor das conferências, onde não se
tentou reduzir o texto a um ou outro campo do saber.
Uma pequena menção aos trabalhos apresentados – resenhá-los na
totalidade seria tarefa impossível. Luís Augusto Fischer e Enéas Costa de
Souza fizeram a noite de abertura. Ao discorrer sobre “A equação de Machado”, Fischer abordou ,principalmente, os ensaios onde o “bruxo do Cosme
Velho” elaborou as condições para escrever sua grande obra. Desde 1857,
onde pretendia analisar o “passado, presente e futuro” da literatura brasileira, passando pelas décadas de 60 e 70 do século passado, onde afirmava
a importância da crítica para o crescimento da literatura, criticava o realismo ao analisar “O primo Basílio” e desvendava as conseqüências da ciência moderna “que despovoara o céu de estrelas da juventude romântica”.
Sem nos esquecermos do famoso ensaio, onde Machado analisa nosso
“instinto de nacionalidade” onde toma forma a tese de que a identidade e a
criatividade brasileira está além dos signos imediatos da “cor local” – tema
que voltaria a ser abordado, de maneiras singulares, por Lucia Serrano
Pereira e Maria do Carmo Campos.
Eneas de Souza, no “Luto de Bentinho e o silêncio de Capitu” falou
deste luto extremo, onde morreram todos os personagens principais, nesta
tragédia que dialoga com o Otelo shakesperiano, de maneira invertida. O
silêncio de Capitu, efeito de sua condição social inferior, sua tentativa de
proteger o filho e, finalmente, sua morte no exílio, fazem com que a narrativa de Dom Casmurro possa ser lida como “um eco do silêncio de Capitu”,
conforme definiu Enéas. A ironia que desvenda o cinismo de Bentinho, a
postergação calculada e a passagem do direito privado para o âmbito públi-
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co foram outros tópicos abordados. A atualidade do problema da justiça,
possibilitou que o palestrante pudesse nos lembrar da atualidade do “Malestar na cultura” , de Freud.
No sábado, continuando a jornada, Homero Araújo, ao abordar a
“Estratégia narrativa de Dom Casmurro”, lembrou este mal-estar inexplicável,
“este abafamento e claustrofobia após a leitura” que o leitor não consegue
explicar totalmente. Homero retomou o ensaio de 1873, onde Machado falava do sentimento íntimo de nacionalidade , assim como expandiu a pergunta a respeito do papel reservado ao leitor, num texto onde os argumentos podem ser lidos com índices positivos ou negativos, caso tenhamos ou
não confiança no narrador. Diga-se de passagem que a confiança na respeitabilidade e honestidade no narrador Bentinho/Bento Santiago levou
quase setenta anos para ser colocada em questão.
Ana Costa abordou a impossibilidade de unir “as duas pontas da
vida”. Tarefa que o narrador colocou como objetivo de sua obra e que só
constatou seu fracasso. A dicotomia do livro, à parte outra interpretações
possíveis, só nos faz reconhecer a dicotomia brasileira com a escravatura
e a impossibilidade vigente na construção do pai no brasileiro. Impossível
conciliar o pai idealizado com o pai real. Segundo Ana, foi o desprendimento de Machado pela identidade que permitiu transcender a dicotomia que
aparece em diversos momentos: Brasil x Europa, Potência x miséria corporal ou mesmo agregado x filho legítimo.
Maria do Carmo Campos ressaltou a riqueza de detalhes da obra de
Machado e sua atualidade. Neste sentido, o grande escritor oferece a possibilidade de ser lido pelo viés da opacidade. Onde o leitor trabalha as pistas, os disfarces sem a imposição de fazer um juízo que correria o risco de
ser reducionista. Machado “amarra” seus personagens no espaço doméstico, mas descreve toda a vida urbana do Rio de janeiro e nos insere na
literatura ocidental.
“Convivas de boa memória”, título de um dos capítulos do livro, foi o
pretexto utilizado por Lucia Pereira para falar das articulações entre memória e invenção. As obras de Machado, em particular Dom Casmurro com
suas memórias, produzem uma realidade, recriam a origem no futuro, sem
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NOTÍCIAS
SEÇÃO TEMÁTICA
negligenciar um passado. Assim, o “sentimento íntimo” que descreveu
Machado é um campo de enunciação que organiza e determina o sujeito,
tendo por conseqüência impossibilidade de fazer uma dicotomia, uma escolha definitiva entre a “cor local” e o universal.
Robson de Freitas Pereira ressaltou a importância do agregado José
Dias para mostrar como o desejo de um sujeito se articula com o “discurso
do outro”. De uma figura secundária na escala social, saiu a grande revelação da vida de Bentinho: seu amor por Capitu. Além disto, a impossibilidade de “reconciliar-se” com sua filiação impediu Bento Santiago de assumir
sua paternidade e conseguir fazer frente a um ciúme extremado que o levou a tragédia do desejo.
A
MUDANÇAS DE ENDEREÇO
Robson de Freitas Pereira comunica mudança de endereço e telefone de consultório: Rua Marques do Pombal, 783 - cj. 405; Telefone: 337 8399
Jaime Betts comunica seu e-mail: [email protected]
Liliane Fröemming comunica a mudança de seu e-mail: [email protected]
seção temática deste número do Correio trabalha a questão do
humor, tema que esteve presente desde os momentos iniciais da
teorização freudiana em torno das formações discursivas próprias
ao sujeito do inconsciente, quer dizer, de linguagem, até quase o final de
sua produção. Compareceu também nos estilos de Freud e Lacan transmitirem suas experiências, muitas vezes pelo viés da ironia, e não deixou de
marcar o percorrido da psicanálise em torno da psicopatologia e da formação dos analistas, além de nos tomar, cotidianamente, na prática clínica e
na vida institucional.
O texto da Ana Maria da Costa cruza os textos freudianos sobre O
humor e o Fetichismo, ambos de 1927 e demonstra como se produz o humor a partir da realidade do significante, através dos jogos de semelhanças
e contrastes, ordenadores do paradigma fálico que nos funda e sustenta.
Abraão Slavutzky questiona os novos rumos para a abordagem clínica,
para a psicanálise, numa tentativa de romper com o encanto narcísico pela
tragédia e pelas “verdades sérias” como visão de mundo, percorrendo o
conceito e a história do humor. O texto de Francisco Settineri detalha a
técnica de produção dos chiste, quanto à metáfora e produção de sentido
indagando também sobre uma possível retórica e possibilidade de intervenção analítica na psicose. Alfredo Jerusalinsky faz um contraponto relativo aos tipos de mau-humor, ressaltando as diferentes modalidades de
invocação do Outro contra o semelhante. Liz Ramos traz algumas observações, colhidas de um capítulo da tese de doutorado de Luiz Augusto Fischer,
sobre a produção de humor em Nelson Rodrigues, destacando alguns dos
recursos e posições subjetivas mais presentes em seus ensaios. E, sendo
pertinente ao tema, incluímos na Seção Temática uma crônica de Luís
Fernando Veríssimo.
Para rirmos um pouco, reproduzimos a seguir dois cartuns de Miguel
Paiva.
Aos que colaboraram com a elaboração desta seção, nossos agradecimentos e a todos uma boa leitura!
Liz Nunes Ramos
C. da APPOA, Porto Alegre, n. 74, nov. 1999
C. da APPOA, Porto Alegre, n. 74, nov. 1999
NOTÍCIA ANA COSTA - M. R. KEHL
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SEÇÃO TEMÁTICA
SEÇÃO TEMÁTICA
CONTRASTES E SEMELHANÇAS
CARTUNS MIGUEL PAIVA
Ana Maria Medeiros da Costa
“Qual a semelhança entre um homem e uma garrafa de cerveja?
- Do pescoço prá cima são vazios.
Qual a semelhança entre o homem e o caracol?
- Tem chifres, babam e se arrastam. E ainda pensam que a casa é deles!
Qual a semelhança entre o homem e o microondas?
- Aquecem-se em 15 segundos.
Por que não existe um homem inteligente e bonito ao mesmo tempo?
- Porque seria uma mulher.”
(Piadinhas da Internet)
A
lista dessas piadinhas pode ser inesgotável. Elas correspondem à
versão feminista das piadas machistas dos anos 50/60 (essas datas podem variar, dependendo dos lugares). Naquele então, numa
roda de homens, era compartilhada a ilusão de que haveria um sexo único
(o masculino), que estaria “por trás” e seria a medida de todas as coisas. A
mulher entrava na roda como o objeto terceiro – o véu – que escondia a
mostrava. Era o objeto dos tratos extremos: desde extremadas paixão e
dedicação, até à virulência do escárnio. As piadas masculinas sobre a insignificância das mulheres sempre fazem lembrar o pequeno Hans olhando
os genitais de sua irmãzinha: “é tão pequenininho”. Pois bem, o contraponto
feminino atual dessas piadas parece dizer o mesmo dos genitais masculinos: “olha só como é pequenininho”. Como é possível que sexos tão diferentes possam representar a mesma coisa?
O texto de Freud, O humor1, foi escrito depois de seu clássico texto
1
20
C. da APPOA, Porto Alegre, n. 74, nov. 1999
FREUD, S. El humor. (1927) In: _____.Obras Completas. Madri: Biblioteca Nueva, 1972.
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SEÇÃO TEMÁTICA
O fetichismo2, que tantas questões ainda continua nos trazendo. Ao lê-lo,
indagava-me sobre a diferenciação das três categorias: cômico, chiste e
humor. Para as duas primeiras – cômico e chiste – o autor dedicou as
interpretações de 19053, que se tornaram clássicas. Lá, ele propõe que no
cômico alguém faz do outro objeto de seu riso (excluindo-se, ou bem economizando o reconhecimento de sua própria miséria); enquanto que no
chiste o objeto é um terceiro ausente, o que faz com que o efeito de chiste
inclua os dois interlocutores. Já no texto do humor, o objeto é o eu. Freud
propõe, então, a seguinte diferença: enquanto que o chiste é uma contribuição ao cômico, oferecida pelo inconsciente, o humor seria uma contribuição ao cômico mediada pelo supereu. Ele propõe o humor como uma criação com o narcisismo, uma espécie de economia da realidade, com um
efeito de exaltação produzida pelo supereu. É por essa “economia” da realidade que Freud vai dizer que o humor é rebelde (como no exemplo do
condenado à morte, que vai para uma execução na segunda-feira e comenta: “linda maneira de começar a semana”).
Independente das diferenças de tópicas, propostas por Freud, que
por vezes embaralham nossas abordagens conceituais, talvez possamos
considerar três convocações identificatórias, no gozo com o cômico, que
são as três posições possíveis do trato com o objeto: o objeto no outro, o
objeto no eu, ou o objeto na palavra. Bem entendido, “objeto” aqui indica
somente o suporte de um traço que produz a alternância presença-ausência. Essa alternância é o que permite pensar que o gozo se constitui ou
bem num efeito de contraste, ou bem num efeito de semelhança.
No que diz respeito ao contraste, Pirandello4 vai propor o humor como
um sentimento dos “contrários”. Ele procura diferenciá-lo tanto do cômico,
quanto da retórica, na medida em que nestes dois casos o autor coloca-se
2
FREUD, S. El fetichismo. (1927) In: _____.Obras Completas. Madri: Biblioteca Nueva,
1972.
3
FREUD, S. El chiste y su relación com lo inconsciente. In: _____.Obras Completas. Madri:
Biblioteca Nueva, 1972.
4
PIRANDELLO, L. O humorismo. São Paulo: Experimento,1996.
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COSTA, A. M. M. da. Contrastes e semelhanças.
fora daquilo que produz. Ou seja, sua produção não faz parte de sua
“vivência”, na expressão do autor. Assim, o cômico aponta algo risível no
outro e o retórico é mestre em jogar com as palavras para encantar o outro.
O sentimento do contrário liga-se principalmente ao desacordo entre a vida
real e o ideal, entre nossas aspirações e nossas fraquezas e misérias. Vemos aqui a coexistência, numa mesma expressão, da idealização e do rebaixamento. Sublime e degradado constituem a polarização fálica que mantém o véu entre símbolo e real. No humor trata-se de levantar o véu, superando o apelo fálico.
Um bom exemplo que traz a brincadeira dos contrários encontrei
num filme de Almodóvar, denominado “Maus hábitos”. Tratava de um
pensionato de freiras – no caso, mulheres que usavam hábitos – compondo personagens muito peculiares. Bastam dois exemplos para indicar do
que se trata: uma delas, somente cozinhava depois de tomar ácido, enquanto a madre superiora se drogava com cocaína e transava com as protegidas. Ou seja, “hábitos” tanto serve para indicar uma veste que santifica,
quanto serve para indicar um vício. Almodóvar, ao brincar com as mulheres
santas-degradadas, brinca com um dos pilares de sustentação da cultura
espanhola, que diz respeito ao culto às virgens (diferentes representações
da Virgem Maria).
Retomando as questões da abertura deste texto, talvez não seja indiferente que Freud tenha escrito sobre o humorismo depois do trabalho
sobre o fetichismo. Deste último, é possível deduzir a ampla gama que nos
organiza enquanto jogo das semelhanças e que se situa nesse paradigmático
“muito pequenininho”, do menino Hans (curiosamente ele se cristalizou como
“pequeno Hans” no meio analítico). A expressão “pequenininho” joga com
duas faces. Por um lado apresenta o contraste em relação ao “grande”,
trazendo a identificação do menino na sua não correspondência ao falo.
Não se trata somente dessa historinha freudiana, que o menino vendo alguém que não tem pênis teme perder o seu. É que todo irmão (ou rival) traz
essa dimensão do “pequenininho”, que faz referência ao contraste criado
pela perda de um lugar único (não é por nada que os meninos vivem medin-
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SLAVUTZKY, A. A piada e sua relação...
SEÇÃO TEMÁTICA
do seus pênis, mesmo os “meninos” grandes), e que se produz por um jogo
de alternância presença-ausência. Nesse momento, não há experiência da
diferença dos sexos, a não ser pela interpretação dos pais. A outra face do
“pequenininho”, contém a semelhança (na verdade, as duas faces não são
separáveis). A semelhança interpreta a identificação. É por essa razão que
as representações de falo materno sempre nos parecerão risíveis, ridículas, ou nojentas, porque é a face que mais “lembra” o recalque.
O exemplo que Freud dá de fetichismo é extremamente interessante
e reproduz o jogo das semelhanças. Ali vemos como um trânsito
interlingüístico transforma “brilho sobre o nariz” (fetiche do jovem), em “olhar
sobre o nariz”. Por aí uma presença (brilho) contém uma ausência (olhar).
O olhar é o objeto que se fixa na referência ao Outro sexo (Lacan coloca
em maiúscula para sublinhar a ausência de identidade). O olhar como objeto é sem conteúdo (ou seja, não há “algo” a ser olhado), puro exercício sem
arrimo nem descanso. O que o pára é o fetiche: uma “realidade” criada pelo
significante. É nesse terreno do jogo dos contrates e semelhanças, numa
suspensão da dualidade “realidade”-ilusão (ou mesmo, real e símbolo), que
se produz o humor. Enquanto definição, é aquilo que não serve para nada,
mas que pode mudar nossa vida.
A PIADA E SUA RELAÇÃO COM O INCONSCIENTE
OU A PSICANÁLISE É MUITO SÉRIA 1
Abrão Slavutzky 2
Porque aprendi luchando
que es mi deber terrestre
propagar la alegria
elementaresPablo Neruda
O
escritor Anton Tchekov ensinou que o trágico e o cômico são apenas duas janelas diferentes, que dão para a mesma paisagem
atormentada. O homem para resolver seus enigmas foi inventando mitos e deuses, filosofias e artes, para expressar suas idéias, sua perplexidade frente a vida. Olhar para poder penetrar os mistérios humanos e
naturais. Foram os gregos que na antigüidade criaram o teatro e a filosofia,
a política e a literatura para expressar uma nova fase de descobertas, sobre quem realmente é este estranho ser humano, que sabe chorar e rir, que
vai do sofrimento a felicidade, da paz a guerra, que encerra tantas contradições. Nos famosos festivais de teatro na Hélade, durante um dia inteiro,
toda a população da cidade assistia tragédias e comédias, as diferentes
janelas para a mesma paisagem humana, que escreveu Tchekov. Freud
1
Uma parte das idéias deste artigo foi desenvolvida num grupo que realizo com a Sandra
Bandeira, Ana Maria Tolentino de Souza, Rosana Steffen e Sonia Piva da Silva no N.E.S.F.
A leitura de Escrever a clínica de Renato Mezan, bem como suas revisões deste artigo foram
importantes, por isso a todos expresso a minha gratidão.
2
Psicanalista e autor de: Psicanálise e cultura, Rio de Janeiro, Vozes,1983; Para início de
conversa com Cyro Martins, Porto Alegre, Movimento, 1990; Transferências, (org.), São
Paulo, Escuta, 1991; Jogo uma paixão, co-autoria de Paulo Burd e Ricardo Padilha, Porto
Alegre, Sólivros, 1994; História, clínica e perspectivas nos cem anos da psicanálise, organizado com Edson de Sousa e Cesar Brito, Porto Alegre, Artes Médicas, 1996; A paixão de ser
- Depoimentos e ensaios sobre a identidade judaica, Porto Alegre, Artes e Ofícios, 1998.
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SEÇÃO TEMÁTICA
que tanto contribuiu para compreender a realidade psíquica via o drama
humano através de qual janela?
Octave Mannoni3 publicou uma carta de Dora (uma adolescente tratada por Freud) à senhora K, a mulher de pele branca que tanto excitava o
seu pai. Na carta Dora escreve que havia nele uma estranha contradição:
“Estou sempre dizendo para que os senhores me façam proposições, mas
é para rechaçar e esbofetear. Parecia importante, mas Freud não me disse
nada. Se ao menos tivesse rido. É um homem elegante fisicamente. Cheira
a charuto e a água de colônia.Se houvesse se atrevido a lançar uma boa
gargalhada, dizendo: Você queria que eu fizesse proposições para dar-se
ao gosto de esbofetear-me? Então haveria rido também, haveríamos rido
(não se ri nunca) e isso quem sabe, nos teria aproximado a compreensão
da contradição”. Mais adiante Mannoni que inventou esta carta, insiste em
enfatizar que Dora era jovem e Freud era sério, mortalmente sério. Sigmund
Freud, ao que tudo indica era muito sério no seu consultório. Nos seus
famosos casos clínicos, ou em seus diversos artigos de técnica, não há
referência ao humor, a piada, ou alegria na relação entre psicanalista e
paciente. A tragédia de Édipo Rei, bem como Hamlet são importantes nas
suas elaborações teóricas, mas não há referências a obra de Aristófanes e
também Molière.
O QUE É O HUMOR?
A palavra é latina humor, humoris, é líquido, fluido, humores do corpo humano como o sangue, a linfa, a bílis, enfim as seivas da vida. Portanto
sua origem é médica, revelada pelos gregos cujos traços principais foram
dados por Hipócrates, que estabeleceu relações entre os temperamentos e
os humores, líquidos corporais. Segundo esta fisiologia, que vai até o fim
da Idade Média, os humores do corpo humano influiriam no caráter dos
indivíduos, no seu temperamento. Foi só no século XVII, que a palavra
começou a ter o significado atual. Em 1906, Louis Cazamian, um jovem
professor de literatura inglesa, escreveu um artigo cujo título era: Porque
não podemos definir o humor4. Título paradoxal e bem humorado, pois em
seguida tenta definir o humor desde seu mecanismo estético. Em 1950, o
mesmo Cazamian escreveu um livro sobre o desenvolvimento do humor
inglês, mas renuncia a definir o humor. A renúncia de definição revela a
dificuldade, mas Luigi Pirandello num livro sobre o humor escreve “o humorismo consiste no sentimento do contrário, provocado pela especial atividade de reflexão que não se esconde, como geralmente na arte, uma
forma de sentimento, mas o seu contrário, mesmo seguindo passo a passo
o sentimento como a sombra segue o corpo”5 . Para o humorista, segue
Pirandello, “as causas na vida, não são nunca tão lógicas, tão ordenadas,
como nas nossas obras de arte comuns. A ordem? A coerência? Mas se
nós temos no interior quatro, cinco almas em luta entre si: a alma instintiva,
a alma moral, a alma afetiva, a alma social? E conforme domine esta ou
aquela compõe-se a nossa consciência, e nós consideramos válida e sincera aquela interpretação fictícia de nós mesmos, do nosso ser interior que
desconhecemos, porque não se manifesta nunca inteiro, mas ora de um
modo ora de outro como queiram os casos da vida. O humorista decompõe
o caráter em seus elementos; mostra as suas incongruências”6. O sentimento do contrário tão bem descrito por Pirandello é uma das essências do
humor, que permite relativizar tudo e quebra toda seriedade teórica e prática seja do que for.
O humor não reconhece heróis; diverte-se em decompor, mesmo
quando não seja um divertimento agradável. Parte do sentido em busca do
nonsense, ao contrário da interpretação que parte do nonsense, para buscar um sentido. É um ato de desdobramento no ato mesmo da concepção;
por isso, todo sentimento, todo impulso, todo pensamento que surge no
humorista, se desdobra em seguida no seu contrário: todo sim em um não
que assume o valor de sim. O humor, como diz Jankélévitch, “caminha sem
4
ESCARPIT, R. L’Humour. Paris: PUF, 1994, p. 5.
PIRANDELLO, L. O humorismo. São Paulo: Experimento, 1996, p.169-70.
6
Idem, ibidem.
5
3
MANNONI, O. Ficciones freudianas . Madrid: Fundamentos, 1980, p.16.
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alvo sobre a terra, não tem tese, não advoga, vai sempre mais além, está
sempre a caminho; mesmo no fundo da infelicidade extrema e da vergonha, o gracioso arabesco, o bizarro, faz emergir o sorriso do deslumbramento. A ironia é a arma dos fortes, enquanto o humor é a única arma dos
fracos, pois a humildade humorística permite ultrapassar a humilhação. O
humor é a arma dos desarmados e não triunfa pois o humor goza a si
mesmo. O humorista traz à tona a dúvida e a precariedade, sempre busca
a liberdade de brincar com o poder de qualquer ordem. O humor não leva a
sério nada, nem a si mesmo”7.
O humor interno, independe das condições da vida: até na infelicidade o gracioso pode emergir, e por isso Freud relata, no final do livro das
piadas, a história do delinqüente que levado ao cadafalso numa segunda
feira, manifesta: “Ah!, começa bem a semana! Este condenado a morte
mantém o seu humor e assim nos economiza desprazer, pois frente a morte ele nos faz rir – um riso contido, até um pouco tristonho, mas também de
alívio. Freud volta a esta piada no início do texto sobre o humor, quando
define este como sendo rebelde, e diz que o essencial do humor é mostrar
o seguinte: Vejam este mundo que aparece tão perigoso, é um jogo de
crianças, bom nada mais que para brincar sobre ele”8.
Caracterizado o humor, ficam as dúvidas sobre as relações deste
com a comédia, o cômico, o riso, a piada - enfim quais são as semelhanças
e as diferenças. Peter Gay, em O cultivo do ódio9, decide sabiamente desprezar estas sutilezas para concentrar-se no componente agressivo em
seus variados disfarces. Realmente estabelecer diferenças precisas não é
fácil e às vezes pode até ser inútil. Pirandello e Freud fazem força para
provar que existem estas diferenças entre o cômico e o humor. Entretanto
em um recente livro sobre a história cultural do humor, da antigüidade aos
dias de hoje, os vários autores preferem definir o humor de forma ampla,
isto é como qualquer mensagem que busca o sorriso ou o riso. Justificam
esta definição como a única forma de estender as investigações da antigüidade até os dias de hoje10. Como escreveu Aristóteles 11, “a comédia é uma
imitação de homens inferiores”. Não se nutre do fundo histórico ou mitológico, suas conclusões em geral são otimistas, o riso do público é de cumplicidade, protege-o da angústia trágica, dando-lhe um sentimento de superioridade ante os mecanismos de exagero. A tragédia não é obrigada a terminar em morte, mas traz sempre muito sofrimento, atua em nossas angústias profundas, enquanto a comédia sensibiliza nossos mecanismos de
defesa contra estas angústias. A tragédia é um gênero literário e o trágico
um princípio antropológico e filosófico. Finalmente o drama é uma síntese
da comédia e da tragédia.Talvez, como escrevi antes o melhor teria sido
seguir o conselho de Peter Gay, pois as definições ajudam, mas criam dúvidas e as vezes são contraditórias. De qualquer forma, para pensar a visão trágica da psicanálise seria preciso fazer um estudo histórico de todas
estas questões. Como esta tarefa aqui seria impossível, pode ser útil uma
breve história do humor, para aí sim estudar as difíceis relações entre o
humor e a psicanálise.
O HUMOR TEM UMA HISTÓRIA
No final do Banquete, Aristodemo recorda que Agatão, Aristófanes e
Sócrates seguiam conversando, quando já cantavam os galos e escutou
Sócrates defender a idéia, que um mesmo homem deve saber fazer uma
comédia e uma tragédia, e que o poeta trágico é também um poeta cômico.
A tragédia grega ficou tão famosa que em geral a comédia fica esquecida.
Werner Jaeger12 destaca com sobra de argumentos, como a comédia era
valorizada pelos gregos do século de Péricles. A comédia de Aristófanes
tem uma liberdade de espírito que lhe permite encarar como efêmeros os
sucessos da vida cotidiana. As loucuras e fraquezas humanas precisam
7
10
JANKÉLÉVITCH, V. Entrevistas do Le Monde. In: Filosofias . São Paulo: Editora Ática,1990,
p. 117-9.
8
FREUD, S. Humor. In: _____. Obras Completas. Buenos Aires: Amorrortu, 1986, 216-7.
9
GAY, P. O cultivo do ódio. São Paulo: Comp. das Letras, 1995, p. 375.
28
C. da APPOA, Porto Alegre, n. 74, nov. 1999
BREMMER; ROODENBURG. A Cultural History of Humour. Cambridge: [s. ed.], 1997, p.1
ARISTÓTELES. Poética. Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1990, p.109.
12
JAEGER, W. Paidéia. São Paulo: Martins Fontes/UnB,1989, p.288-92.
11
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29
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SEÇÃO TEMÁTICA
ficar em liberdade plena, para que não falte a beleza eterna do riso, condição indispensável para viver bem. Para Jaeger a cultura ática não pode
manifestar a amplidão e profundeza de sua humanidade com maior clareza
do que por meio da diferenciação e integração do trágico e do cômico,
operada no drama ático. Portanto bem antes de Tchekov, a Grécia que
inventou o teatro, ressaltava a importância da comédia ao lado da
tragédia.Luigi Pirandello questiona a existência do humor em Aristófanes,
bem como Theodor Lipps, mas quando Sócrates assiste As nuvens, comédia onde é criticado, e ri do escarnio que dele fez o poeta, demonstra ter o
sentido do humor.
No livro O nome da rosa, de Umberto Eco, é possível imaginar como
a religião na Idade Média, associava o riso ao diabo. Ao final do livro o
monge Jorge explica que “a comédia nasce nas komai, ou seja, nos vilarejos
dos camponeses, como celebração jocosa após um banquete ou uma festa. Explica que o riso é a fraqueza, a corrupção, a insipidez de nossa carne
(...) o riso libera o aldeão do medo do diabo. E o que seremos nós, criaturas
pecadoras, sem o medo, talvez o mais benéfico e afetuoso dos dons divinos? (...) E este livro, a segunda parte da Poética de Aristóteles, sobre a
comédia, a sátira e o mimo é um remédio milagroso, pois produzem a purificação das paixões através da representação do defeito, do vício, da fraqueza, induzindo os falsos sábios a tentarem redimir (com diabólica inversão) o elevado, através da aceitação do baixo”13. Impressionante as críticas ao riso por parte da religião na Idade Média, que Umberto Eco tão bem
reproduziu no seu romance.
Com o Renascimento, vai nascer a Commedia dell’ Arte na Itália e
escritores do teatro como Ben Jhonson na Inglaterra que em 1599 – Cada
homem fora de seu humor – propõe uma nova teoria do humor: baseado na
concepção médica dos quatro humores que regem a conduta humana, aponta a criação de personagens-tipo, determinados psicologicamente e que
atuam em função de um deles, mantendo um comportamento idêntico em
todas as situações. Este gênero se aproxima a comédia de caracteres.
Mas foi outro inglês, William Shakespeare, que ao inventar um personagem
como Sir João Falstaff em As alegres comadres de Windsor ou O sonho de
uma noite de verão, consolida a comédia e o famoso humor in-glês. Hamlet,
sua grande tragédia, possui passagens bem humoradas como o dialogo
entre Hamlet e quem haviam sido seus amigos: Rosencrantz e Guildenstern.
Em seguida vira Cervantes na Espanha com o Dom Quixote, a primeira
criação humorística moderna. As histórias do humor e da comédia que sempre estão próximas unem-se em Molière, com um humor lúcido, com o qual
ataca a tolice e a maldade no interesse da humanidade sofredora e iludida.
Suas comédias expõe o riso e a melancolia, como no O doente imaginário,
ironia voltada contra si próprio, ao satirizar os médicos que lhe minaram a
saúde. O que impressiona em Molière é a sua atitude bem humorada perante as desgraças da vida, sua capacidade de fazer comédia com as dificuldades do viver.
A palavra humor no seu sentido moderno aparece em 1682 na Inglaterra como uma disposição mental ou temperamento. Lord Shaftesbury’s
em 1709 no seu famoso Sensus communis: na essay on the freedom of wit
and humour dá o sentido atual da palavra humor. Voltaire defende que a
palavra tem origem no francês: humeur mas Victor Hugo em 1862 reconhecera a palavra como de origem inglesa. Jean Paul, o poeta do movimento
romântico alemão, escreve em 1804 Propedêutica da estética, onde define
o humor como um riso filosófico em que o homem compara a finitude do
mundo com o infinito da idéia. Neste livro, a palavra witz, que vem de wissen
- conhecimento14, vai adquirir a nova dimensão de graça, piada. O humor
seria a forma do cômico própria do espírito romântico. No Oxford Dictionary
o humor é definido como a faculdade de perceber o que é ridículo ou divertido, ou expressar através da conversação, da escrita, ou outra forma, a
14
13
ECO, U. O nome da rosa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,1983, p.532-5.
30
C. da APPOA, Porto Alegre, n. 74, nov. 1999
O estudo da palavra witz foi feito pela psicanalista Karen Hellen Kepler Wondracek, responsável pela tradução do livro Cartas entre Freud&Pfister (1909-1939), Ultimato Editora,
1998, a quem agradeço.
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31
SLAVUTZKY, A. A piada e sua relação...
SEÇÃO TEMÁTICA
imaginação ou abordagem jocosa de um assunto. O humor judaico terá um
grande desenvolvimento a partir do século XIX, nas escolas rabínicas das
schtetls o que permitiu a Freud ir colecionando histórias alegres até escrever o seu livro sobre a piada. Finalmente neste século das grandes guerras mundiais, o gênio de Charles Chaplin, que entre tantos filmes fez O
grande ditador em 1940, uma genial sátira política contra o Nazismo que
aterrorizava o mundo naquele momento. Chaplin, o maior humorista de
todos os tempos através da comédia trata temas trágicos e difíceis, enfrenta a difícil realidade cotidiana com graça.
O humor como tudo tem uma história, mas não se sabe quando começou, sempre fica mais fácil avaliar o humor de um povo a partir de sua
literatura. O humor oral nem sempre é acessível como pode ser o das tribos indias ou africanas, que deve existir mas fica difícil avaliar. A literatura
e o teatro são as duas artes que o humor foi sendo desenvolvido, nes-te
sentido o aparecimento da imprensa e o Renascimento vão contribuir para
um crescimento do humor. Ben Jhonson, Shakespeare, Molière e a
Commedia Dell’ Arte, só para citar algumas referências, mudaram a historia
do humor. O homem aprende a viver com uma nova liberdade trazida pelo
riso, com esta forma filosófica que dá o humor de rir de si mesmo e dos
seus semelhantes, dos problemas, enfim o humor e a alegria cresceu nos
últimos séculos a ponto de ir ocupando um espaço cada vez mais destacado em todas as artes, na propaganda e na filosofia15. Freud tinha um interesse especial pelo tema, manifestado pelo seu livro sobre a piada e a sua
volta ao tema no artigo do humor, mas teve dificuldade de entender a sua
verdadeira importância para o ser humano. No texto de 1927, escreveu: “O
15
CHAUÍ, M. ????em República, maio de 1999, p.85: “Então, o que são afetos de alegria? O
amor é um afeto de alegria, a generosidade, a indignação é um afeto de alegria. O que é um
afeto de tristeza? O ódio, o medo , a modéstia, a humildade. Tudo o que nos diminui é triste,
tudo aquilo que nos aumenta é alegre. Então o que se trata de fazer? O que a filososfia faz?
A filosofia é esse caminho pelo qual nós afastamos a tristeza e aumentamos a alegria.
Porque o aumento da alegria é o aumento de nossa força interior, a força do nosso corpo e
a força do nossa alma. E essa força que é a liberdade.”
32
C. da APPOA, Porto Alegre, n. 74, nov. 1999
campo em que nos sentimos seguros é o da patologia da vida anímica; aí
vemos nossas observações, aí adquirimos nossas convicções”. Um dos
maiores problemas da psicanálise talvez seja o de dar uma grande ênfase
para a psicopatologia, como se os problemas e conflitos psíquicos sempre
fossem vistos com uma lente de aumento. Já o humor e a alegria é olhada
com uma lente de diminuição. O humor goza das nossas dificuldades e ao
fazer isso diminui os nosso problemas, e mesmo que sejam alívios temporários, fazem muito bem para a vida. Porque viver seus problemas com
bom humor, é sempre viver melhor pois é transformar o narcisismo e diminuir o sofrimento. No final do seu texto Freud reconhece que “nem todos os
homens são capazes de uma atitude humorística: é um dom precioso e
raro, muitos até são incapazes de gozar do prazer humorístico que se lhes
oferece”. Este é ponto chave talvez: como adquirir este dom raro de desfrutar a vida com humor? Um outro trabalho talvez pudesse ser sobre a conquista do humor.
O HUMOR COMO VISÃO DO MUNDO
E. Gombrich autor da História da arte, escreveu “que Freud não foi
adiante no seu livro, porque qualquer tentativa de tradução de uma piada
está fadada ao fracasso. A piada interdita qualquer distinção entre forma e
conteúdo. E é precisamente esta separação que Freud pesquisava em seu
trabalho clínico. Ele considerava a si próprio como um tradutor capaz de
interpretar, por conta de seus pacientes, o conteúdo secreto de seus sonhos e de seus sintomas. Interpreta-los significaria simplesmente lhes dar
uma forma verbal”16. Gombrich não é psicanalista, mas crítica a tendência
da psicanálise em estar sempre buscando explicações.
Após anos e anos interpretando e sendo interpretado, o psicanalista
vai desenvolvendo uma máquina de pensar, de interpretar, criando assim
muitas vezes a ilusão de estar explicando o cotidiano humano, a arte, a
vida e a morte. A linha do raciocínio psicanalítico oscila entre o trágico e o
16
KON, N. M. Freud e seu duplo. São Paulo: Edusp/Fapesp, 1996, p. 204. Recomendo
especialmente este livro, por suas amplas conexões com o tema tratado aqui neste artigo.
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33
SLAVUTZKY, A. A piada e sua relação...
SEÇÃO TEMÁTICA
dramático. A tragédia é monótona, pois a ação cumpre o seu destino, estava escrito desde o início. Já no drama pode haver mudança, não é preciso
seguir o destino tragicamente. O drama no teatro passa a ser uma síntese
entre a tragédia e a comédia. Mas no drama psicanalítico há pouco espaço
para a comédia e o humor. O psicanalista busca o conflito como um caçador, um caçador de conflitos, que existem, não é que sejam inventados, o
problema é o enfoque, a escuta dramática. Ricardo Piglia, escritor argentino, em uma conferência disse “que ao lado da resistência a psicanálise,
esta visão gera muita atração, pois é um dos aspectos mais atraentes da
cultura contemporânea, e isso porque todos nós queremos ter uma vida
intensa. Gostaríamos de admitir que em algum lugar de nossas vidas banais, experimentamos grandes dramas, que quisemos matar nossos pais e
que portanto vivemos num universo de grande intensidade, vencendo assim o tédio, a monotonia em que estamos mergulhados. O psicanalista nos
convoca como sujeitos trágicos, diz que há um lugar em que todos somos
sujeitos extraordinários, lutando contra tensões e dramas profundíssimos,
e isso é muito atraente”17.
Pontali em Fora do templo,18 revela que “deveríamos nos inquietar
ao ver, como freqüentemente acontece hoje em dia, analistas que parecem
nunca ter tido experiência de outra coisa a não ser a análise, sempre lendo
Freud ou Lacan, e dispensando a experiência do estrangeiro”. A experiência do estrangeiro também seria ler as críticas a psicanálise de forma diferente, isto é sem ficar na defesa e criticando rapidamente os que ousam
desprezar as verdades do templo, usando para isso o conceito de resistência. Situação perigosa que revela a resistência a pensar as críticas à Psicanálise. Muitas vezes nas festas institucionais, nos intervalos de jornadas
e congressos, os psicanalistas revelam uma capacidade de alegria e humor que aparece, rompendo as barreiras da formalidade.
Humoristas como Quino, Caloi, Millôr Fernandes, L.F.Veríssimo,
Woody Allen e tantos outros que gozam Freud e os psicanalistas, poderiam
ser um bom ponto de partida para uma reflexão diferente. Será que há
possibilidades de abrir um espaço para repensar a clínica psicanalítica, e
alterar este clima de seriedade tão estruturado? Agora, por que a ênfase no
humor? Amos Oz, escritor israelense, em uma recente carta ao escritor
japonês e Nobel de literatura Kenzaburo Oe, escreveu sobre o humor e o
fanatismo: “Se o senhor prometer que me acompanhará com uma boa dose
de ceticismo, posso até lhe dizer que descobri a cura para o fanatismo. A
cura é o bom humor. Nunca vi um fanático bem humorado, nem alguém
bem humorado se tornar fanático (...) o fanatismo é contagioso, pode-se
pegá-lo no próprio ato de tentar curá-lo. Conheço o perigo de se tornar um
fanático anti-fanatismo”, conclui Amós Oz. A seriedade que Sigmund Freud
imprimiu à sua obra foi todo um esforço para demonstrar a sua cientificidade,
logo a sua verdade, palavra esta sempre muito valorizada. Mas o que é a
seriedade? Para Schopenhauer o contrário do riso e do risível é o sério. Em
decorrência disso, este consiste na consciência da total concordância e
congruência do conceito, ou pensamento, com o concreto ou a realidade.
O sério está convencido de que pensa as coisas como elas são e de que
elas são como ele pensa. Quanto mais a congruência parece perfeita, mais
facilmente pode ser revogada por uma incongruência inesperada, e é por
isso que a passagem do sério ao riso é tão fácil. O sério, no seu limite, é a
aparência de uma congruência que não existe. Esta reflexão sobre o sério
e riso pode ser lida no interessante livro O riso e o risível na história do
pensamento19. A falta de humor e do riso na história da Psicanálise pode
ser atribuída talvez ao excesso de seriedade, como se esta qualidade fosse prova da verdade. Os pacientes contam seus dramas, seus sofrimentos,
suas angústias que não são fáceis e tampouco motivo de riso. O problema
não é só o que conta aquele que procura o psicanalista, mas a forma como
17
Originalmente publicado na Folha de São Paulo, em 21/06/98, como transcrição de uma
conferência realizada em Buenos Aires, na Associação Psicanalítica Argentina em 7/7/1997;
e na Revista da Associação Psicanalítica de Porto Alegre, 1998 - Psicanálise e Literatura.
18
PONTALIS, J.-B. Perder de vista. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1991, p.139.
34
C. da APPOA, Porto Alegre, n. 74, nov. 1999
19
ALBERTI, V. O riso e o risível : na história do pensamento. Rio de Janeiro: J. Zahar/ FGV,
1999, p.176.
C. da APPOA, Porto Alegre, n. 74, nov. 1999
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SETTINERI, F. Nota sobre a técnica do chiste...
SEÇÃO TEMÁTICA
é escutado. A escuta psicanalítica é estimulada a buscar o conflito, levantar
as resistências, desafiar as defesas: as transferências vão sendo levadas à
neurose de transferência e uma vez resolvida esta, após muitos anos, o
paciente ficara curado.
O humor é uma forma de enfrentar o difícil mundo que se vive, e
Kohut destaca que: “o sentido do humor é uma adquisição singularmente
humana. O sentido de humor como o narcisismo cósmico constituem transformações do narcisismo que ajudam ao homem a alcançar um domínio
final sobre as exigências do self narcisista, ou seja, a tolerar o reconhecimento de sua finitude”20. Finalmente explica que o sentido de humor não
representa um quadro de grandiosidade e euforia mas de sereno triunfo
interior, com uma mescla de melancolia não negada. Voltando ao início,
para imaginar a boa idéia de Tchekov sobre as formas de ver a realidade
humana: Por que um psicanalista tem mais dificuldade para ver pela janela
cômica, ou escutar o lado alegre das novelas familiares? Talvez o problema, o sintoma não seja só dos psicanalistas, mas mais geral, é sabido que
tragédia vende muito mais jornal que uma comédia da vida cotidiana. As
manchetes em geral são de guerras, violências, notícias assustadoras. O
homem é trágico e a doença e a morte, as diferentes formas de violência
revelam seu desamparo. O primeiro livro da literatura ocidental, a Ilíada
começa com a palavra ira e sua trama ocorre durante a guerra de Tróia. A
Bíblia enfatiza a ira divina contra os homens pecadores, logo a janela trágica é a mais ampla e dominante. Por este ângulo, a Psicanálise estaria
certa, mas a comédia e o humor sendo criações humanas permitem uma
forma diferente de viver ou de enfrentar o sofrimento, bem como revela
através da surpresa um lado esquecido da realidade. Wittgenstein escreveu que o humor não é só um estado de espírito, mas uma visão do mundo.
E aí surge a pergunta sobre o encanto psicanalítico com suas teoria e práticas versus o desencanto que manifesta o humor, não criando aí um difícil
confronto.
20
KOHUT, H. Formas y transformaciones del narcisismo.
Asociación Psicoanalítica Argentina, 26:394-6.
36
Revista de Psicoanálisis 2,
C. da APPOA, Porto Alegre, n. 74, nov. 1999
NOTA SOBRE A TÉCNICA DO CHISTE
NA RETÓRICA PSICÓTICA
Francisco Settineri
P
erguntado sobre o motivo de sua internação em uma instituição
psiquiátrica, um jovem de 29 anos, diagnosticado como esquizofrênico, explicou que havia sido levado à força pelos atendentes da
instituição, chamados em razão da implicância dos vizinhos, pois estaria
apenas vendo televisão: “Eu liguei a televisão, né? Porque eu olho televisão, né? E acompanho a programação toda, né?”.
Mais adiante, fala, na entrevista o seguinte: “Não me envolvo com
brigas, com problamas 1, né? Procuro - né? - fugir de problamas.” Perguntado sobre “fugir de que?”, continuou: “... assim, com malandros, marginais,
né? Então eu procuro mais ficar do lado de pessoas pacíficas, né? Que
sabem, que sabem o que é bom na vida, né? E viver a vida. Não, não tenho
problamas, assim. Não gosto de problamas. Também, quem é que gosta?
Ninguém gosta. A gente tem que resolver o problamas, né?”
Não tendo sido possível uma entrevista mais longa, ou um número
maior de entrevistas, não foi possível entender exatamente o que poderiam
significar os “problamas” referidos, mas, mesmo assim, se o motivo da
internação estava relacionado com o fato de ficar assistindo à programação da televisão, fiquei com a impressão que poderia se tratar de uma
compressão (Safouan, 1982, alerta contra o uso do termo “condensação”,
nesses casos) de “programas” com “problemas”.
1
Não é possível considerar-se “problamas” como um desvio fonológico. Já Jakobson formulou uma lei, segundo a qual haveria uma ordenação da aquisição, e não se poderia falhar em
um fonema simples, já se tendo adquirido o mais complicado. No caso, é impossível alguém
pronunciar corretamente o “”r”-fraco em onset complexo, acertar o encontro consonantal “bl”
e falhar na escolha da vogal. Ou seja, o sujeito pronunciou assim porque assim o quis.
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SETTINERI, F. Nota sobre a técnica do chiste...
SEÇÃO TEMÁTICA
Outro entrevistado, de 43 anos, igualmente com diagnóstico de
esquizofrenia, para explicar porque dizia “seta anos”, em vez de “sete anos”,
enuncia: “É, pra trocar a palavra, né? Se a gente pretende muitas coisas...
que a pessoa muda o termo, ou lembra de outro termo... é pra mudar a
palavra, né? Ou em poucas palavras ela quer dizer muita coisa (...)”.
Ou seja, para dizer uma outra coisa - que não o que se poderia esperar - é preciso trocar a palavra. Assim como em “famillionar”, no famoso
chiste de Heine relatado por Freud, e igualmente quando se chamou, na
Europa, o imperador Leopoldo de Cleopoldo, em função de seu
enamoramento por Cleo.
Porém, voltemos um pouco à teoria. De acordo com Safouan (1982),
deve-se separar a técnica do chiste de seu efeito de pôr o cômico a descoberto. Pode haver espírito sem comicidade, assim como pode haver riso
sem dito espirituoso. E o espírito, manifestando-se na linguagem, só pode
valer-se, para criar novos efeitos de sentido, da metáfora e da metonímia,
ou seja, jogar com os eixos do paradigma e do sintagma. Não haveria outro
meio.
Freud (1905c) classifica a técnica de chistes como “famillionar” e
“Cleopoldo” como sendo da ordem de “substituição com palavras
compósitas”, concebendo, nesse caso, de acordo com Safouan (op. cit.), o
trabalho do espírito mais como um trabalho de produção do que de transformação. E Safouan (op. cit.) procura transpor o caso de chamar Leopoldo
de Cleopoldo à fórmula da metáfora, de Lacan:
S . S’
S’ x
_____ S I
A
em que S’ é Cleopoldo, S é Leopoldo e x é a significação de seu
enamoramento.
Pode-se considerar de uma outra maneira a técnica dessa composição, ou seja, mantendo-se a idéia de metáfora, de substituição, pensar-se
que, ao chamar Leopoldo de Cleopoldo, há um efeito de corte na primeira
38
C. da APPOA, Porto Alegre, n. 74, nov. 1999
sílaba, que leva a tomar o trecho “poldo” como sendo um sufixo, inaugurando-se um eixo paradigmático sobre “Leo”, que pode então ser trocado: no
caso do chiste, por “Cleo”. Teríamos então o “poldo da Cleo”, inaugurandose uma etimologia imaginária, em que o nome próprio “Leopoldo” é considerado agora como um sintagma sujeito a modificações. E, sendo um
sintagma, se quisermos dizer outra coisa, temos de alterar-lhe os termos para citar o segundo de nossos entrevistados, que foi muito perspicaz nesse sentido.
Pode-se pensar do mesmo modo a compressão, a palavra-valise
formada por programas e problemas. Não se pode dizer se o rapaz quis
fazer piada, que o entrevistador não teria entendido - aliás, o problema, ou
problama, é dele -, mas, mesmo assim, o que não se pode negar é que
problamas foi construído segundo a mesma técnica, a mesma substituição
por palavras compósitas, de que Freud nos fala.
Onde era esperado “problemas”, veio “problamas”. É recortada a
segunda sílaba, em que constam um encontro consonantal e uma vogal.
Aberto o paradigma e a possibilidade de substituições (e a metáfora é isso,
substituição com acréscimo de sentido), temos a equação: programas, problemas, problamas... Há, sem dúvida, uma técnica, que funciona como as
demais técnicas do chiste, destinadas a um efeito de sentido a posteriori aliás, como todos os efeitos de sentido. E, se há uma técnica, está claro
que pertence à retórica, que consideramos, com Safouan, como sendo “o
modo ou os caminhos segundo os quais o significante determina o significado”. É possível, pois, pensar-se em uma retórica psicótica. Uma retórica
que muitas vezes fracassa, pelo fato do psicótico não estar referido da
mesma maneira que os outros ao sistema da língua, mas, mesmo assim,
uma retórica.
Pensando bem, creio que não se pode ainda considerar o “achado”
do chiste - ou da técnica empregada, no caso do problamas - como sendo
o significante do Outro. Talvez também fosse precário afirmar que se tratasse de uma formação do inconsciente, dado que, na psicose, não parece
haver distinção entre outro e Outro. Não há, como havia na Europa de
Leopoldo, um saber coletivo, disponível aos falantes da língua, sobre o
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JERUSALINSKY, A. Algumas notas sobre o mau-humor.
SEÇÃO TEMÁTICA
ALGUMAS NOTAS SOBRE O MAL-HUMOR
enamoramento em questão, o nome da amada e o ridículo da situação.
Entretanto, se na metáfora delirante do psicótico há uma técnica, se
há uma retórica, um esforço para que o significante determine um efeito de
sentido, nesse caso um acréscimo de sentido, pois se trata de substituição,
de metáfora, pode-se dizer, com certeza, pelo menos uma coisa: há sujeito. E, se há sujeito, pode haver escuta de um sujeito, pode haver pontuação, escansão, interpretação. Mas esse é outro problama...
BIBLIOGRAFIA
FREUD, S. El chisye y su relación com lo inconciente (1905c). In: _____. Obras
completas. Buenos Aires: Amorrortu, 1988.
SAFOUAN, Moustapha. L’inconscient et son escribe. Paris: Seuil, 1982.
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Alfredo Jerusalinsky
“...é que as pedras são pedras.”
(Juan Rulfo, in “Pedro Páramo”)
S
e no bom humor o sujeito convoca seu semelhante a gozar desmascarando o Outro, o sujeito mal humorado convoca o Outro para
esmagar seu semelhante.
Enquanto parece se queixar da tragédia em que ele mesmo converte
a qualquer engano, em verdade ele goza secretamente da angustia e a
mágoa que semeia entre seus comparsas. Mestre do mal estar, sabe como
ninguém colocar o Nome-do-Pai na posição necessária para que seu efeito
sobre a cadeia significante não possa ser outro senão a profecia de uma
desgraça. Às vezes, disfarçado de “prudente” se esmera em advertir os
outros sobre as funestas conseqüências de seguir o caminho do desejo. É
claro que tais conjecturas não necessariamente se aplicam a ele mesmo.
Seguindo o caminho que S.Freud balizou na sua classificação do
modo do bom humor, tentamos, a seguir, elaborar algumas breves notas
sobre os tipos do mau-humor, apelando para isso à diferente posição do
sujeito proponente do enunciado que espalha o mal estar, assim como o
chiste resume no seu enunciado a operação que provoca a comicidade.
Colocamos assim o acento no “tinhoso” como eixo duma oposição entre o
“dito espirituoso” e o “dito sem espírito” (pensamos em “dito cadavérico” ou
“mal dito” mas nos pareceram nomes excessivos e, também, mal
humorados).
Se a piada se esmera em surpreender o Outro (enquanto discurso
social) e desarmá-lo na sua tentativa de nos enganar - provocando um
efeito de identificação entre os semelhantes ao redor do desejo -, o enunciado do mal-humor invoca o Outro contra o semelhante desencorajando
neste último qualquer empreitada relativa a seu desejo.
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SEÇÃO TEMÁTICA
O QUE SEMPRE DIZ A VERDADE
É difícil colocar uma objeção diante daquilo que parece ser um nobre
empenho em ser sempre sincero. Mas, pensando bem, por que estaríamos
obrigados a suportar que esse mestre da mágoa nos diga a cada momento
o que ele supõe ser a verdade?
Costuma ser um especialista em enunciar “O GRANDE OUTRO NÃO
TE AMA”, sendo, é claro, muitas das vezes, ele mesmo a encarnação desse Grande Outro, ou, ao menos, seu falo.
Posição clássica da histérica (e também do histérico) que descarrega a cada passo sobre os outros “a verdade de seus sentimentos”, especialmente, por sinal, os contrários ao desejo dos seus parceiros. É curioso,
nesses casos, como se opera no enunciado uma pequena torsão que, ao
colocar o desamor e a frieza (“la belle indeferênce”) fora do campo do sintoma, os situa na posição de fatalidades do destino, governado - “naturalmente” - pelo Outro. A indiferença, a frigidez, o constante assinalamento
dos defeitos do outro, se tornam, assim, expressões tão autônomas que o
sujeito não pode senão simplesmente descrevê-las como se se tratasse de
um procedimento botânico. O outro, no entanto, é quem suporta as conseqüências de tais enunciados ficando totalmente desarmado no seu desejo.
O RANZINZA
Vítima da “má sorte”, injustiçado crônico, tenta incessantemente oferecer para os outros a prova definitiva de que “O GRANDE OUTRO NÃO
ME AMA” (a ele, naturalmente). Por isso, inconscientemente, se transforma, ele mesmo, em fabricante de suas próprias desgraças. É claro que ele
se empenha em magnificá-las, até que, finalmente, consegue que alguma
de estas formações do seu inconsciente, se precipite no real. Eis ali onde e
quando esse jogo mortífero na borda da tragédia imaginária acaba cobrando seu preço. Geralmente quando já é tarde demais para escapar ao desígnio que ele mesmo traçou.
JERUSALINSKY, A. Algumas notas sobre o mau-humor.
Grande Outro (numa versão a cada vez - a instituição, um texto, um mestre
qualquer, A Verdade, A Ética, etc.), constrange a seus parceiros para colocar-los ao serviço de seu gozo. Inventor de fábulas mentirosas, se esmera
em produzir enunciados de alusões indiretas acerca de histórias inexistentes.
Surpreende seus pares ao encontrar em seus atos e enunciados fallas que
eleva à categoria de faltas graves, seja qual for o parâmetro em questão:
faltas morais, erros teóricos, atos banais que adquirirão conseqüências
catastróficas, falhas profissionais, etc. Sua fórmula fundamental pode resumir-se em “VOU CONTAR AO GRANDE OUTRO”.
Seguramente vítima de um fantasma paterno cruel, não cessa de
oferecer - a esse fantasma - seus semelhantes em sacrifício, na tentativa
inconsciente de acalmar-lo. Acreditando-se generoso, porque oferece a seus
parceiros uma aproximação ao Grande Outro, oculta, porque seguramente
o ignora, que, em verdade os está convocando para que o substituam na
sua relação sado-masoquista com o Pai.
Estes parecem ser três tipos básicos de “mestres do mal-humor”.
Todos eles profetas da transformação das “desventuras comuns” em “tragédias neuróticas”, são especialistas em produzir a inversa do caminho
clínico proposto por Sigmund Freud na cura psicanalítica. Destruidores de
sonhos, inimigos do dito espirituoso, vem em cada sorriso uma ameaça de
perda de seu poder imaginário, e em cada divertimento uma fraqueza moral.
O ALCAGÜETE
Introdutor de um clima de intriga e ameaça, sempre em nome do
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SEÇÃO TEMÁTICA
RAMOS, L. N. O humor nos ensaios de Nelson...
O HUMOR NOS ENSAIOS DE NELSON RODRIGUES
SEGUNDO LUIZ AUGUSTO FISCHER
Liz Nunes Ramos
A
o trabalhar a obra de Nelson Rodrigues como ensaísta, em sua
tese de doutorado, (USP - 19 —), Luiz Augusto Fischer dedica parte de seus comentários à pensar a produção de humor nesta obra,
destacando muitas de suas características, que aqui resumiremos brevemente, por constituírem um apanhado bastante perspicaz da questão que
tomamos nesta seção temática.
Como humorista, Nelson Rodrigues pareceria sempre querer “apontar o que lhe parece deslocado, errado, insuportável, sem contudo querer
moralizar”. Após ter entrevistado personalidades, durante muitos anos, ele
cria um expediente, ao qual batizou de “entrevista imaginária”, onde faz uso
dos seus mais requintados recursos, como ensaísta e humorista.
Nelson imagina uma entrevista, na qual arrancaria do entrevistado
as verdades que, em geral, ficam ocultas, tentando romper com a sensação de cinismo que as entrevistas verdadeiras lhe deixavam, após tantos
anos de jornalismo.
Elas não “acontecem” num escritório, ou sala, mas num terreno baldio, tendo uma cabra vadia por testemunha. Fischer ressalta que o terreno
baldio constitui algo bem brasileiro, de um país jovem, cujo proprietário não
se preocupa com sua inserção no conjunto da cidade. As “personalidades”
entrevistadas são as mais variadas, mas todas figuras expressivas da cultura brasileira ou da sociedade burguesa vigente.
Nelson declara que “sentia de maneira obscura, quase dolorosa, que
lhe faltava alguém (para entrevistar) no capinzal. Mas quem? Quem? E
súbito, um homem ilumina minhas trevas interiores - Dom. Hélder! De todos
os vivos ou mortos (também entrevistáveis) no Brasil, era o mais urgente, o
mais premente”. Note-se que transcorria março de 68. “E, de mais a mais,
uma batina é sempre paisagística”.
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Abaixo reproduzimos essa pérola, publicada em 14 de março de 1968,
no texto A Cabra Vadia:
Ontem, finalmente, houve, no terreno baldio, a “entrevista imaginária”. À meia-noite, em ponto, chegava d. Hélder. Lá estava também a cabra,
comendo capim, ou, melhor dizendo, comendo a paisagem. À luz do archote,
começamos a conversar. Primeira pergunta: – “O senhor fuma, d. Hélder?”.
Resposta: – “A entrevista é imaginária?”. Acho graça: – “Ou o senhor duvida?”. E d. Hélder: – “Se é imaginária, fumo. Qual é o teu?”. Digo: – “Caporal
amarelinho”. Cuspiu por cima do ombro: – “Deus me livre! Mata-rato!”.
Faço a pergunta: – “Que notícias o senhor me dá da vida eterna?”.
Riu: – “Rapaz! Não sou leitor do Tico-Tico nem do Gibi. Está-me achando
com cara de vida eterna?”. No meu espanto, indago: – “E o senhor acredita
em Deus? Pelo menos em Deus?”. O arcebispo abre os braços, num escândalo profundo: – “Nem o Alceu acredita. Traz o Alceu para o terreno
baldio e pergunta”.
Ele continuava: – “O Alceu acha graça na vida eterna. A vida eterna
nunca encheu a barriga de ninguém”. D. Hélder falava e eu ia taquigrafando
tudo. Aquele que estava diante de mim nada tinha a ver com o suave, o
melífluo, o pastoral d. Hélder da vida real. E disse mais: – “Vocês falam de
santos, de anjos, de profetas, e outros bichos. Mas vem cá. E a fome do
Nordeste? Vamos ao concreto. E a fome do Nordeste?”.
Não me ocorreu nenhum outro comentário senão este: – “A fome do
Nordeste é a fome do Nordeste”. D. Hélder estende a mão: – “Dá um dos
teus mata-ratos”. Acendi-lhe o cigarro. D. Hélder não pára mais: – “Diz cá
uma coisa, meu bom Nelson. Você já viu um santo, uma santa? Por exemplo: – Joana D’Arc. Já viu a nossa querida Joana D’Arc baixar no Nordeste
e dar uma bolacha a uma criança? As crianças lá morrem como ratas. E o
que é que esse tal de são Francisco de Assis fez pelo Nordeste? Conversa,
conversa!”.
Lanço outra isca: – “É verdade que o senhor vai para o Amazonas?”.
Riu: – “Onde fica esse troço? Ó rapaz! Ainda não desconfiaste que a fome
do Nordeste é o meu ganha-pão? E o Amazonas é terra de jacaré. Tenho
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SEÇÃO TEMÁTICA
cara de jacaré?”. Concordo em que ele não tem nenhuma semelhança física com o jacaré. Indago: – “E o comunismo?”.
D. Hélder conta: – “Quando estive nos Estados Unidos, bolei um
cartaz assim: O arcebispo vermelho! Era eu o arcebispo vermelho, eu!”.
Insinuei a dúvida: – “Mas esse negócio de comunismo é meio perigoso”.
Nova risada: – “Perigosa é a direita. A direita é que não dá mais nada. O
arcebispo vermelho fez um sucesso tremendo nos Estados Unidos”.
Pede outro cigarro. Fez novas confidências: – “Sou homem da minha época. Na Idade Média, eu era da vida eterna, do Sobrenatural. Fui um
santo. É o que lhe digo: – cada época tem seus padrões. Benjamin Costallat,
no seu tempo, era o Proust. O charleston já foi a grande moda. Pelo amor
de Deus, não me falem da vida eterna, que é mais antiga, mais obsoleta do
que o primeiro espartilho de Sarah Bernhardt. Hoje, a moda não é mais
Benjamin Costallat, nem o charleston. Entende? É Guevara. O santo é
Guevara. E acompanho a moda”.
Desfechei-lhe a pergunta final: – “E a Presidência da República?”. D.
Hélder respira fundo: – “Depende. A fome do Nordeste é o barril de pólvora
balcânico. Fome, mortalidade infantil, muita miséria e cada vez maior. Chegarei lá”. Era o fim da “entrevista imaginária”. Despedi-me assim: – “Até
logo, presidente”. Respondeu: – “Obrigado, irmão”. E antes de partir fez a
última declaração: – “Olha, as donas de casa têm uma simpatia para curar
dor de barriguinha de criança. Acredito mais na simpatia do que na ressurreição de Lázaro”. Disse isso e sumiu na treva.
RAMOS, L. N. O humor nos ensaios de Nelson...
Nos seus comentários, Fischer ressalta que Nelson não está satirizando Dom Hélder - arcebispo de tanta importância no ambiente de resistência à ditadura militar - com intenções reformistas, mas que, como cronista, através do humor, seu alvo seria “desvelar a verdade profunda, que
supunha existir nas entranhas do prelado”. Vemos que ele fabula, usa o
jocoso, mas com um olho na busca da verdade que fica oculta, quando,
paradoxalmente, a entrevista é verdadeira. Neste caso, a verdade teria mais
chances de emergir na mentira, no suposto ou mesmo na criação de quem
a persegue.
Segundo Fischer, Nelson “objetiva-se como personagem da cena”,
no terreno baldio, em si mesmo algo insólito, a verdade de uma pessoa
pública podendo aparecer num território baldio, que o próprio dono o abandona, sem prestar atenção à cidade, ao público.
Como personagem, sutilmente, usa de uma suposta posição crédula, recurso de alta eficácia dramática e narrativa, mostrando-se surpreso
com as verdades reveladas. Coloca o entrevistado na posição
desconfortável, de quem se ocultava com todas as forças e agora se mostra a céu aberto, muito além do que o entrevistador esperava, numa inversão de papéis, quando se trata da entrevista verdadeira. O arcebispo fuma,
fila cigarro “mata-rato” e invoca Deus no popular, confessando que não crê
em Deus. O arcebispo é acuado a mostrar-se generoso, indo para o Amazonas, mas só consegue negar sua semelhança com os jacarés, como
saída frente à denúncia da farsa..
Fischer cita Celestino de la Veja: “O humorista não nos deixa chorar
ou rir a gosto, porque humorismo é, no fundo, afã de compreender”. Rimos
do ridículo das frases de Dom Hélder, principalmente conhecendo Dom
Hélder, “mas com um riso travado”, diz Fischer, “com um riso que vai sendo
temperado com certa melancolia, certa dúvida, certa tristeza”. Ele cita também Paul Stapfer: “O humorista é desaforadamente cínico, mas não por
gosto da libertinagem, mas por desprezo ao decoro hipócrita...”.
No mesmo capítulo da tese há outras entrevistas imaginárias, por
exemplo, com Cacilda Becker, diva do teatro na época, em que Nelson vê,
surpreso, chegar ao terreno baldio, na hora marcada, uma passeata. Pensa haver um engano, ele convidara Cacilda, que passeata é essa? Quando
indaga, não há engano. Ele “não consegue” entrevistar Cacilda, mas a Classe, o Grupo, a Assembléia, o Discurso Teatral. Àquela altura do campeonato ela já era O Teatro, e foi ele quem compareceu ao terreno, abordando aí
as colagem identitárias, tão comuns quando se trata de abordar os mitos da
cultura nacional, ou as reivindicações de reconhecimento de uma classe.
Em sua produção Nelson faz questão de individualizar-se, importante observação da tese, e tal solidão seria a matriz de sua veia ensaística e
humorística, trazendo o critério do sofrimento como matriz do humor.
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SEÇÃO TEMÁTICA
RAMOS, L. N. O humor nos ensaios de Nelson...
Segundo Alcides Maya, um dos tantos citados, “o humor é a tragicomédia de um homem que indiretamente se confessa”, na suposição de
que “o verdadeiro humorista sofre e só quando sofre pode ser um grande
humorista”. Nelson Rodrigues seria um desses homem, que pode distanciar-se do sofrimento o suficiente, para percebê-lo, incluir-se e rir dele.
Há também uma entrevista com Wladimir Palmeira, o líder estudantil, onde usa outros recursos, como o imprevisto e as expressões de surpresa, o inusitado para um pobre mortal jornalista, a falta de harmonia
entre causa e efeito, os elogios desproporcionais, repetições, hipóteses
absurdas, a intervenção brusca da fantasia na sequência lógica do relato,
parênteses fora de propósito, antagonismos postos frente à frente, o exagero. Todos artifícios que Nelson utilizava mesclados com sabedoria e de
grande efeito na produção de humor.
Destacam-se também o uso de traços humanos animando a natureza ou animais. No terreno baldio a cabra vadia, enquanto pasta no terreno,
também intervém no diálogo, demonstrando compreender o jovem líder
estudantil melhor que o velho jornalista. Ela assume a posição do terceiro
que observa e, por não estar comprometido, pode perceber a incoerência
ou o óbvio. Outro exemplo, na chegada de Cacilda, ou da passeata, ao
terreno, os pirilampos poderiam piscar freneticamente, eles também, seduzidos pelo brilho da artista.
Fischer recorta ainda, de muitos autores que pesquisaram o humor,
as características relativas ao uso da digressão; dos comentários laterais
que enriquecem ou abrem outra versão para o episódio; da morosidade da
cena, como se tudo viesse transcorrendo normalmente, apesar do absurdo, da progressão de cenas laterais inexpressivas, mas que lá pelas tantas se entrecruzam; o uso de contrastes; formas equívocas ou exageradas
de tratamento produzindo constrangimentos e desacertos; etc., todos em
equações que põem lado à lado sentimentos díspares, em arranjos patéticos.
Para Viana Moog “o humor nasce do desencanto irremediável com
a vida”. O humorista precisaria de valentia e grandeza de alma para
posicionar-se e suportar a dor da vida. Vemos o quanto podem ser alvo do
humor tanto a milionária afortunada e imbecil, quanto o popular e sábio
padeiro da esquina, desde que tomados em suas asperezas humanas.
Nelson teve coragem, segundo Fischer, para colocar em cena não
apenas personagens, mas pessoas da vida real, conhecidas, para transitar
num universo já construído e ali fazer vibrar o humor.
Em sua obra apresenta também o caráter confessional do humorista,
que se desdobra, se divide, colocando uma metade a rir da outra. O adulto
ri da própria infância, do amor deslumbrado por todas as professoras, por
exemplo, caso do próprio Nelson, bastando que fosse sua professora para
por-se, imediatamente, irrevogavelmente, apaixonado. O objeto de humor
sendo ele mesmo, o autor. Esse é um humor que pode ser triste, meditativo, mas no qual o olhar examina detalhadamente seu objeto, uma parte de
si mesmo, com benevolência e fatalidade.
De Nelson, Fischer recolheu a sensibilidade, presente em cada detalhe narrativo, como testemunho da força dramática que emerge da própria
experiência, no interior do texto. Nota que, na produção do humor, a reflexão não se esconde, mas decompõe uma imagem. Mais além da pura percepção do contrário, dessa decomposição de uma imagem surge o sentimento do contrário que, conforme Pirandello, dará origem ao humor.
É impressionante que, de um trabalho com fins tão distantes da investigação psicanalítica, como o realizado por Fischer, restem conclusões
tão próximas de muitas teses freudianas e lacanianas, sobre os vários efeitos possíveis, para os falantes, de sua divisão subjetiva. Efeitos que se
desdobram, no uso singular da palavra, no que intervém da verdade ou
mentira de cada um, na relação com o semelhante, na língua que eles
partilham. De nossa interlocução com Nelson podemos colher essa experiência, certos de que nosso terreno é fértil, mesmo que nos pareça,
brasileiramente, baldio.
C. da APPOA, Porto Alegre, n. 74, nov. 1999
C. da APPOA, Porto Alegre, n. 74, nov. 1999
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BECKER, A. L. A clínica institucional...
SEÇÃO DEBATES
A CLÍNICA INSTITUCIONAL EM DEBATE
A QUESTÃO DO PAGAMENTO
Ângela Lângaro Becker
É com grande interesse em dividir nossas preocupações sobre este
tema, que o propusemos aos nossos convidados do mês de setembro, a
Clínica da Psicologia da Unijuí . Entendemos que a questão do pagamento
está enlaçada com um significante que não é qualquer, dentro de nosso
contexto neo-liberal contemporâneo e que tem efeitos importantes tanto
num atendimento institucional quanto num consultório particular. Se numa
sociedade tradicional, a crença em “ sermos todos filhos de Deus “ era o
que fazia laço e tomava os homens num sentido universal e ainda, na
modernidade, a igualdade de direitos se daria pela idéia de que todos eram
homens de razão, no pós – modernismo, nossa nova universalidade é dada
por um objeto ( dinheiro) que tem a função de um equivalente universal
.Digamos que é através de uma lógica mercadológica que as condutas
sociais são reguladas. Por isso, falar em pagamento numa análise é enfrentar-se com um paradoxo que apresenta de um lado os enunciados do
senso comum ditados pela lógica de mercado e por outro a sustentação de
uma ética que leva em conta o desejo dentro da lógica do significante. Antes de cairmos numa crítica direta, própria de um sentimento nostálgico,
afirmando que todo homem moderno não quer pagar porque não quer saber sobre sua dívida simbólica, é importante que possamos examinar mais
de perto a problemática a que estamos referindo.
Freud, no texto sobre “ O caráter e o Erotismo Anal” (1908) relaciona
o valor do dinheiro com o prazer sádico-anal no controle das fezes. Sujeira
e dinheiro aparecem referidos a uma moral religiosa, em que as tentações
do diabo, quando satisfeitas, são pagas por este com ouro, mas transformadas, logo em seguida, em fezes. Freud examina a moral vitoriana revelando a presença das pulsões sexuais no significante dinheiro .Ele coloca o
homem moderno frente a frente com seu recalque, afirmando que o mais
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temido ou odiado é o mais desejado. Em outro texto, “Observações sobre o
Amor Transferencial” (1914), Freud refere que, na transferência, o amor
correspondido é uma análise desfeita. Esta parece ser a razão de sua
inviabilidade, quando sustentada numa intenção de fazer o bem, seja ele
social, no sentido da igualdade de direitos, seja o bem da vida, no sentido
da saúde para todos.
O atendimento institucional por parte do Fórum nasceu com a idéia
de proporcionar uma escuta a quem dirige seu pedido de atendimento a
uma instituição, sem poder formular uma transferencia singularizada. A idéia
é de que, através da transferência, seria possível trabalhar o que vem na
forma de “não ter como pagar” ou, “falar a quem queira ouvir”, tomando
estes ditos como significantes de um determinado modo de gozar, característico do sujeito pós-moderno. Freud deixou claro que numa análise sempre se paga, mesmo sem o saber e quando há uma ilusão de economia é o
engano que está recalcado. Desta forma, não há da parte deste Serviço de
Atendimento Clínico qualquer proposta assistencial, pois seria necessariamente recalcar este engano e, portanto inviabilizar a ética de uma análise.
Por outro lado, é preciso diferenciar uma intenção assistencialista de uma
proposta de acolhida a diversos modos de apresentação das demandas.
Desta acolhida, entende-se que é necessário levar em conta que o modelo
da lógica de mercado é um dos principais reguladores nas relações entre
sujeito e objeto e isto estará presente nos pedidos de ajuda, que nada se
parecem com uma demanda de análise. Na busca de soluções aos problemas, buscamos comprar os objetos que parecem garantir nossa paz ou
segurança, ou então contratamos serviços que possam proteger ou
embelezar nosso corpo ou a extensão dele, nossa casa ou nosso carro.
Esta lógica supõe que o dinheiro é o referente fálico em torno do qual se
organiza a diferença: os que tem e os que não tem. A busca de reconhecimento se apresenta na procura em estar incluído ou não nestes lugares
que caracterizam os que tem. Considerar o sujeito contemporâneo como
inserido nesta lógica, não significa tomá-lo necessariamente como quem
não quer saber de sua dívida ao pai, mas talvez numa condição aproxima-
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SEÇÃO DEBATES
BECKER, A. L. A clínica institucional...
da com o que Rassial chama de “pane do Nome-do- Pai” (1997). Isto porque, como um adolescente, o sujeito moderno apresenta-se órfão e descrente de toda possibilidade de filiação, já que não a encontra nos lugares
de autoridade que tradicionalmente estavam constituídas. Uma hipótese
possível, é que há uma tentativa de constituir laço no engajamento do indivíduo em lugares coletivos caracterizados como “para aqueles que não
tem”. Estas instituições fariam a função de um terceiro na medida em que
neutralizariam a ameaça do duplo idealizado “o que tem” ou “o que explora”. Talvez por isso os lugares coletivos sejam cada vez mais procurados
para atendimento, inclusive por pessoas que (financeiramente) estariam do
lado “dos que tem”.
Certamente não há na clínica psicanalítica o que poderíamos chamar de uma especificidade institucional, pois cada analisante se apresentará com uma demanda singular cujo significante dinheiro estará referido a
este ou àquele outro significante, como a carta roubada de Edgar Allan
Poe. No seminário sobre a Carta Roubada, a posição do sujeito diante de
uma terceiro é dada a partir do significante de uma falta, que é esta carta
que circula . Se o dinheiro é tomado como tendo valor pela sua realidade,
então não poderíamos trabalhá-lo como significante e sua ausência ou presença não estaria considerada no discurso do analisante, como elemento
transferencial. Então, é por causa do significante, que a análise não pode
ser tomada como uma contratação de serviço, por exemplo. No mínimo
teríamos a questionar que serviço é esse, se quem o faz é o próprio contratante.
Pommier nos apresenta as razões pelas quais o sujeito deve pagar
pelo que diz: “na transferência, é suficiente que o analisante pague para
confessar que, sem saber, ele ama, com este amor voltado para seu trauma de origem graças ao qual o recalque se descobre. De modo que o
pagamento será um equivalente da confissão, ato suficiente para que a
transferência assegure seu império. Não seria o pagamento tanto mais eficaz quanto mais lhe pareça pouco justificado? Aquele que paga sem fundamento aparente deve ter, por isso, alguma obscura razão, e se ele pode
constatar seus motivos, não será logo na conta de sua culpabilidade que a
soma será endossada? Pagando ‘gratuitamente’, segundo as aparências,
ele terá reconhecido sua pecaminosa existência. Como explicar a necessidade de pagar, a alguém que, como um psicanalista, se vem ver somente
para lhe falar?” (Pommier, O Amor ao Avesso, p.16). Sempre o modo
como cada um se propõe a pagar sua análise é o modo no qual está instalado nessa relação ao Outro.
O que é preciso levar em conta é que, embora a lógica mercantil não
possa sustentar o trabalho analítico, estaremos numa idealização nostálgica se não a escutarmos como um dos principais reguladores afetivos das
condutas sociais. Assim como se organizam filiações referidas a esta ou
àquela grife, aqueles que se sentem fora destas possibilidades em pertencer a este ou aquele grupo consumidor, apresentam suas referências
filiatórias nas instituições onde circulam: Escola, Posto de Saúde, Hospital,
Abrigo, Associação do Bairro, etc. Nestes, os indivíduos tem seu nome
escrito em fichas e pastas, sua vida reunida em prontuários, onde podem
encontrar o nome perdido daqueles que em algum pedaço de sua vida
fizeram a função de pais ou irmãos. Talvez a relação com estas instituições seja a de “quem me deve é o Outro”, “já que da vida nada ganhei”,
mas talvez seja um modo de reforçar o pai, já que este se mostrou imaginariamente insuficiente, nestas passagens para a modernidade.
No texto sobre “A direção da Cura”, Lacan aponta o inverso da
lógica de mercado, pela lógica do significante, na transferência. A análise
não é pagável mercadológicamente pois o que o analisante foi buscar com
ela não lhe será dado e aquilo que passa a demandar a partir do estabelecimento da transferência é resultado da oferta de uma escuta por parte do
analista. Poupar o analisante do pagamento é também poupar o analista
dos pagamentos que faz, na medida em que sua palavra tem que sustentar-se como operação analítica e que, para isso, precisa esvaziar-se de
toda intenção pessoal. O pagamento no final da sessão pontua o que foi
dito e remete as palavras do analisante a um aniquilamento de toda significação. É neste sentido que o preço da análise é diferente para cada um,
mesmo quando é o mesmo, dentro ou fora de uma instituição.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1 FREUD, S. O caráter e o erotismo anal. (1908) In: _____. Obras Completas. 4.
ed. Madrid:Biblioteca Nueva, 1981.
2 _____. Observações sobre o amor transferencial. (l914) In: Obras Completas.
4.ed. Madrid: Biblioteca Nueva, 1981.
3 LACAN, J. Seminário sobre A carta roubada. In: _____. Escritos. Rio de Janeiro:
J. Zahar, 1998.
4 _____. A direção da cura. In: Escritos. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1998.
5 POMMIER, G. O amor ao avêsso. Rio de Janeiro, Comp. de Freud, 1998.
6 RASSIAL, J. J. A passagem adolescente. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 1997.
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BIANCO, A. C. Lo. Da dúvida do relato à certeza...
DA DÚVIDA DO RELATO
À CERTEZA DA INTERPRETAÇÃO NOS SONHOS
Anna Carolina Lo Bianco
Num trecho da Traumdeutung, Freud faz um pequeno percurso, já
muitas vezes refeito, que merece ser olhado com detalhes, para mais uma
vez surpreendermos nele a magnitude de algumas de suas conseqüências
para a psicanálise. Trata-se do caminho percorrido entre a dúvida do relato
e a certeza da interpretação nos sonhos, no sub-capítulo O Esquecimento
dos Sonhos.
Usando a estratégia que tanto o caracterizaria, na qual está sempre
arrebatado pelo debate com um interlocutor exigente, arguto e questionador,
o qual mais tarde “tornar-se-á um freudiano” (Forrester, 1997, p.163), Freud
ressalta uma série de problemas, os quais lhe haviam sido apontados, sobre a falta de garantia quanto à interpretação do sonho relatado pelo paciente. Seria o relato fiel ao que se passou durante o sono? Faz desfilar,
então, todas as insistentes perguntas enfrentadas pelo analista quando ouve
um sonho: como saber se não houve uma falha na memória levando à
mutilação do sonho? Essa falha exatamente não levaria à perda de um
fragmento significativo do sonho? Como confiar na recordação por vezes
insegura de apenas alguns fragmentos oníricos, uma recordação lacunar e
incompleta que não faz mais que refletir o sonho de maneira infiel e falsa?
Como lidar com um sonho incoerente e nebuloso o qual mal se conserva na
memória? Como saber se não se preencheu a lacuna com um material
novo, escolhido ao acaso, usado apenas para o sonho alcançar uma boa
forma final? E, ainda mais, como saber se o objeto cujo valor estamos empenhados em determinar, justamente ele, não nos escapa?
Trata-se, pois, em relação a um sonho ouvido, da persistente falta de
garantia, da infidelidade, do esquecimento, da mutilação, da fragmentação,
da incompletude, da incoerência, da nebulosidade, da perda. Diria o crítico
impertinente: “há um risco envolvido na interpretação feita nos sonhos; não
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SEÇÃO DEBATES
BIANCO, A. C. Lo. Da dúvida do relato à certeza...
é possível apoiar uma tal interpretação em parecer tão frágil como o relato
de um sonho”. Freud, no clímax da discussão, reverte as expectativas e
afirma ser exatamente deste aspecto de claudicação e de incerteza no sonho que surge o incentivo, o estímulo para sua análise.
Dá um destaque e uma ênfase inéditos precisamente ao que fazia
dos sonhos, até aquele momento, um fenômeno pouco valorizado e até
mesmo desprezado pelos estudos científicos – seu aspecto fragmentário,
impreciso e impossível de ser pensado com as predicações fornecidas pela
lógica consciente. Estava, em verdade, formulando uma outra lógica,
atemporal e ahistórica –a lógica inconsciente, a lógica “dos pensamentos
oníricos latentes” que têm que ser admitidos como uma “operação de nossa atividade anímica”(Freud, 1901, p.625 e 626 respectivamente). Os sonhos e, ainda mais, o próprio sujeito seriam regidos por essa lógica que os
determinaria.
Da mesma maneira, a fragmentação, a incoerência com que o sonho
se apresenta no relato não são arbitrárias, estão sob a égide dos pensamentos oníricos como qualquer outra parte desse relato, obedecendo as
leis do inconsciente. Entretanto, como apontamos, são características, às
quais Freud (1900) vai atribuir um valor especial, porque remetem à impossibilidade de realização do desejo justamente no sonho “que é realização
de desejo” (p.543). Poderíamos dizer que o desejo aí tem simultaneamente
uma face da força constante (Kontanzkraft) exercida pela pulsão, formulada tempos depois (Freud, 1915), e uma dimensão do desejo realizado no
sonho. Há, pois, momentos privilegiados por Freud que são momentos de
obstáculo, de censura a um desejo sufocado. Indicam de várias maneiras
pelo disfarce, pela desfiguração, pela substituição dos elementos do sonho, a impossibilidade de realização do desejo inconsciente, infantil e imortal que, no entanto, demanda a realização. Esse momento crucial de impossibilidade e de realização do desejo é tematizado por Freud (1900) quando fala do “umbigo do sonho” (p.519). É o momento em que mostra o limite
e o ilimitado da inscrição significante da pulsão, como é possível dizer depois das formulações lacanianas sobre os obstáculos à significantização
(cf., por exemplo, Lacan, 1962/1963)
Mas, apenas mencionar o “umbigo do sonho” na sua relação com
esse momento seria deixar de lado, na amplitude do comentário, toda a
riqueza da elaboração teórica minuciosa que o cerca. É necessário acompanhar o contexto em que essa idéia se desenvolve para precisarmos as
relações que se estabelecem e acompanharmos o percurso de Freud ao
lidar com a dúvida nos sonhos:
“Mesmo nos sonhos melhor interpretados é preciso amiúde deixar
um lugar nas sombras, porque na interpretação se observa que daí se arranca uma meada de pensamentos oníricos que não se deixam desembaraçar”... “Então esse é o umbigo do sonho, o lugar em que ele se assenta
no não conhecido”(p.519).
Apontando para o inesgotável do trabalho onírico, esse trecho de
Freud, tão citado, diga-se de passagem, coloca em ato o que ele mesmo
propõe: as derivações que se pode fazer dele – como prova a elaboração
teórica da psicanálise ao longo desses cem anos – são infindáveis.
Tomaremos três questões que são levantadas nessa citação de
Freud: a que diz respeito à rede – raiz da interpretação e do desejo –, a que
se refere ao lugar do não conhecido e a referente à dúvida que aí se instala,
a qual leva à certeza da interpretação.
De início vemos a idéia da rede que nutre as interpretações no sonho, a qual serve também de solo para o aparecimento do desejo; trata-se
desse tecido enredado que está na base da interpretação, tanto quanto da
emergência do desejo. Como Freud diz em continuação à referida citação:
“Os pensamentos oníricos com que nos deparamos na raiz da interpretação têm que permanecer sem limite algum e transbordar em todas as
direções dentro da emaranhada rede de nosso mundo de pensamentos. E,
num lugar mais espesso desse tecido se eleva logo o desejo do sonho, da
mesma maneira que o fungo do seu micélio” (p.519).
O desejo e a interpretação surgem como um “ponto central”, segundo Lacan (1973, p.28), do enredado de idéias que se difundem e se dispersam em todas as linhas do pensamento. É o lugar em que “o desejo é, em
suma, a interpretação”, afirma também Lacan (1973, p.161). O sonho que é
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responsável pela realização, pela emergência do desejo, é justamente esse
emaranhado de idéias, a partir do qual o desejo vai ser interpretado, no ato
mesmo em que é realizado. Na formulação que Freud lhe daria alguns
anos mais tarde, como ressaltamos, trata-se do sonho como o interpretante
da moção pulsional, a qual, constantemente demanda esse infindável trabalho de interpretação. É um trabalho que não se completa porque justamente se assenta num núcleo duro em que a teia não se desembaraça,
não se deslinda, não permitindo que se conheça os seus meandros. Aí se
localiza o não conhecido a que se refere Freud.
Trata-se do “mundo de larvas”, como o chamou Lacan (1973, p.26),
relançando esta dimensão incógnita do inconsciente e ecoando o “lugar
das sombras” mencionado por Freud. É preciso chegar a esse “mundo de
larvas”, com cuidado, mas sempre chegar lá, afirma Lacan. É para falar do
movimento em direção a esse “mundo do além” (Lacan, 1973, p.35), que
Freud recorre ao desenrolar do trabalho onírico nos sonhos, os quais testemunham exatamente do trabalho incansável realizado pelo psiquismo. O
acento nesse trabalho vai permitir a Lacan (1973) reconhecer um “encaminhamento ético” (p.37) de Freud quando postula o inconsciente. Esse não
se refere a uma essência de ser, mas a uma posição ocupada frente a isso
que está por ser realizado e que paradoxalmente comporta em si essa
impossibilidade de uma realização completa.
É nesse ponto que se situa a dúvida, surgida nessa ambigüidade
frente à incompletude da realização do desejo. Resta sempre algo a ser
interpretado pelo sonho, há uma abertura que nunca se fecha. E, ainda
que, no cotidiano, tentemos tapá-la, evitemos a sua irrupção, fujamos do
confronto com esse impossível, ele sempre retorna e sempre se mostra
em seu aspecto de “tropeço, desfalecimento, rachadura” (Lacan,1973, p.27).
Justamente, os fenômenos que Freud valorizou e no qual apoiou toda a
concepção de inconsciente.
A dúvida que emerge quanto a um elemento do sonho relatado resume, ao mesmo tempo que redobra, todas as dúvidas do interlocutor com
quem Freud discutia, acerca desse relato. Assim como o relato claudica, a
dúvida mostra o ponto em que o sonho esbarra com a impossibilidade da
realização do desejo. Fazendo dela um ponto de apoio da análise, Freud,
agora, de forma mais radical, afirma que nesse ponto da dúvida é preciso
abandonar toda a “escala de apreciação da certeza”, isto é, propõe tratar o
ponto de dúvida com uma “certeza plena” (Freud, 1900, p.519; cf., também,
Lacan, 1973). A dúvida passa a indicar paradoxalmente um ponto de certeza na análise do inconsciente.
Isso seria o mesmo que dizer que ela indica um ponto infinito que
requer do sujeito uma “tomada de posição, um julgamento e uma conclusão”. Algo que se pode considerar um “testemunho ético” (Lacan,1973,
p.40). Falar de um testemunho ético da psicanálise frente à dúvida, poder
tratar com absoluta certeza a dúvida que se instala no relato do sonho,– aí
se encontra o grande efeito de se deixar perpassar pela injunção freudiana
–, é convocar o sujeito da análise ao trabalho incessante de elaboração dos
pensamentos inconscientes: “Travailller comme une bête”, lembra Freud
(1900, p.517) citando Claude Bernard. Essa a conseqüência mais importante que mostra o cerne da psicanálise: o trabalho tenaz e despreocupado, principalmente despreocupado com a falta de garantia quanto aos resultados aí obtidos, principalmente despreocupado quanto ao fim desse
trabalho assim realizado.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FORRESTER, J. Dream Readers. Dispatches from the Freud Wars, Cambridge/
Mass: Harvard University Press,1997.
FREUD, S. (1996). La interpretación de los sueños. (1900) In: _____. Obras Completas. Buenos Aires: Amorrortu, 1996. v. IV-V.
_____. Pulsiones y destinos de pulsión. (1915) In: Obras Completas. Buenos Aires:
Amorrortu, 1996. v. XIV. p. 105-34.
_____. Sobre el sueño. (1901) In: Obras Completas. Buenos Aires: Amorrortu,
1996. v. V. p. 613-8.
LACAN, J. J. Les quatre concepts fondamentaux de la psychanalyse. In: _____. Le
Séminaire. Livre XI. Paris: Seuil, 1973.
_____. Angústia. (1962/1963) Seminário Inédito.
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RESENHAS
RESENHAS
PSICANÁLISE E COLONIZAÇÃO
SOUZA, Edson L. A. de. (Org.) Psicanálise e colonização; leituras do sintoma social no Brasil. Porto Alegre:
Artes e Ofícios, 1999. ??? p.
Psicanálise e Colonização - Leituras do
Sintoma Social no Brasil, organizado por Edson Luiz André de Souza, é o quinto título da
Coleção Letra Psicanalítica da Editora Artes
e Ofícios. Lançada em 7 de outubro passado, a obra está dividida em seis partes. A primeira - A colonização no Brasil e Sintoma
Social - apresenta textos de Contardo
Calligaris, Luís Cláudio Figueiredo e Carmem Backes. Em Colonização e
Identidade Nacional - segunda parte - encontramos as contribuições de
Ruben George Oliven, Maria Auxiliadora Pastor Sudbrack, Maria Amélia
Bulhões e Roland Chemama. A terceira, Raízes da Violência no Brasil contribuições de João Vicente Tavares dos Santos, Cláudia Tirelli, Mário Fleig,
Tania Mara Galli Fonseca, Abrão Slavutzky, João Guilherme Biehl e Lucia
Serrano Pereira. A seguir, Colonização: Percursos na Produção Artística
apresenta as produções de Edson Luiz André de Sousa, Elida Tessler, Liliane
Seide Fröemming e Zila Bernd. História e Discurso Colonial: Leituras Clínicas textos de Alfredo Nestor Jerusalinsky, Ana Maria Medeiros da Costa e
Manoel Tosta Berlinck. A sexta e última parte, Infância no Brasil: Razões de
um Abandono, produções de Cláudia Fonseca, Diana Myriam Lichtenstein
Corso e Eda Estevanell Tavares.
O organizador, diz que a obra nasceu de uma questão crucial: “podemos ou não construir novos horizontes a partir de uma leitura crítica da
história colonial do Brasil? Ela, a questão, acabou produzindo a reunião de
autores de diferentes áreas do conhecimento - antropologia, arte, filosofia,
história, literatura, sociologia, psicanálise e psicologia - num diálogo profícuo sobre, diríamos, os sintomas sociais no Brasil.
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O livro é marcado por textos densos e instigantes sobre nossa
contemporaneidade a partir da leitura dos traços - fruto de nossa história
colonial e de três lugares iniciais possíveis: do colono, do colonizador e do
colonizado - que constituem nossa ‘brasilidade’ e que produzem, ainda hoje,
efeitos sobre nossa cultura. A prática da psicanálise precisa considerar a
história e a cultura do lugar onde estamos situados, já que a história é
determinante de nossa referência simbólica. Portanto, que lugares nossa
história como povo - mesmo que nos seja desconhecida, já que para produzir efeitos não é preciso que dela tenhamos conhecimento - nos possibilita?
Os autores nos lembram que nossa herança colonial, a história da colonização - assim como todas as práticas sociais decorrentes de
nossa história: a escravatura e a violência sobre os corpos, os movimentos
imigratórios - deixou suas marcas e efeitos na arte, na língua, na literatura,
no cinema, na política, nos instrumentos de controle do estado, nas práticas psicanalíticas, nas representações sobre a infância e nos lugares oferecidos a ela e nas representações da brasilidade; enfim, nos estilos que
expressam como organizamos nossos laços sociais contemporâneos.
Os textos também resituam uma questão central para a psicanálise:
‘ela só se sustenta enquanto no laço social’ e, como conseqüência, no diálogo com outras disciplinas. A afirmação da psicanálise enquanto fato da
cultura e inserida, portanto, nos laços sociais é tema sensível na obra
freudiana, obviamente por isto há no livro referências a textos consagrados
por Freud a este tema, como O mal-estar na civilização, O Futuro de uma
ilusão e Psicologia das massas e análise do Eu
Dentro desta perspectiva os autores fazem o resgate, sempre pertinente, da inviabilidade de realizar uma leitura do Eu desvinculada da leitura
do social, já que a ‘oposição entre individual e coletivo’ não encontra suporte no discurso psicanalítico.
Por fim, a obra nos remete a outra pergunta: Quem somos?
Tomando o cuidado de não oferecer respostas unívocas e totalizadoras, os
autores indicam que as respostas possíveis não poderiam deixar de contemplar uma outra questão: quem é o Outro do Brasil? Já que há uma
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RESENHAS
RESENHAS
impossibilidade estrutural de situar a questão da identidade sem referência
a alteridade. E, se a cultura é fruto de nossa história, ela só pode se manter
pela transmissão da linguagem, com a condição que a dimensão do Outro,
como lugar de endereçamento, esteja contemplada.
Boa leitura!
Marcia Helena de Menezes Ribeiro
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CARICATURA
FONSECA, Joaquim da. Caricatura - A imagem gráfica
do humor. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 1999. 286 p.
U
ma das expressões humorísticas
mais veiculadas nos meios de comunicação de nossos tempos é a caricatura que, como diz o título desta publicação, refere-se ao humor em imagem gráfica.
Estamos habituados à caricatura do
indivíduo, principalmente desde que esta forma de expressão ganhou os shoppings e feiras das grandes cidades. Não deixamos de nos imaginar ali retratados,
embora não nos deixemos “vitimizar” nessa experiência.
No entanto, apesar dessa manifestação ter se exacerbado, ganhando características específicas a partir do final da Idade Média - quando a
figura humana deixa de ser associada a uma ordem universal, divina - já há
registros do desenho de humor em épocas bem remotas da história, dos
quais a caricatura evoluiu. Quando, no Renascimento, o homem passa a
ser a medida de todas as coisas, ele torna-se também objeto de caricatura.
Sua imagem pode ser alterada pelo olhar de um semelhante e não mais,
somente, por obra de Deus. Deus criou, o homem recria.
É surpreendente verificar que grandes pintores (da Vinci, Dürer) foram também grandes caricaturistas, demonstrando a imensa possibilidade
de modulação de um olhar, que ora retrata o modelo de forma idealizada e
edificante, ora o revela sob um prisma subvertido, impiedoso, desnudado
pelo exagero do traço. O que, à princípio, parecia ser simples divertimento
do artista, ao longo do tempo revelou-se a expressão de profundas mudanças na concepção do homem e sua posição no universo.
Pois Joaquim da Fonseca faz dessas produções um extenso e divertido catálogo, abordando sua função de linguagem gráfica, as origens des-
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RESENHAS
RESENHAS
sa expressão, seus aspectos de sátira social e/ou política, os estilos e técnicas que fizeram escola em diferentes épocas e países, até adentrar no
Séc. XX e no exame das produções humorísticas gráficas no Brasil, com
seus principais expoentes.
O desenho caricatural mostrou-se uma arte ferina, forma sutil e poderosa de protesto, com repercussões e conseqüências tão pungentes
quanto longos discursos. E exemplos modernos continuam a lembrar o
quanto discursos repressivos, políticos, entre eles, podem ser maçantes e
sem eficácia. O prestígio da caricatura junto ao povo advém, por um lado,
justamente da enorme condensação que ali se produz e, por outro lado, de
estar sempre vinculado a um contexto histórico - quando pode operar como
fonte de informação, expressão estética, diversão, formação de opinião,
etc.
Este sofisticado trabalho, principalmente o cartum, pode expressar
também os equívocos da cultura, sacrificando a verdade que pretende
revelar aos moralismos e preconceitos do autor.
De qualquer forma, se a caricatura deforma para fustigar, não deixa
de expressar versões singulares da relação do artista ao popular ou universal.
Como não poderia deixar de ser, a obra é amplamente ilustrada, o
que, além de permitir o secreto prazer da leitura de um livro “com figurinhas”,
permite uma outra experiência insólita ao leitor. Este, desconhecendo personagens e episódios, pode não perceber, de início, o sentido da charge,
tira ou desenho ali reproduzido. Mas o apreende após a leitura do texto ao
lado, que o referencia, vendo-se tomado num riso “retardado”, mas que
ainda expressa a genialidade e deixa imaginar o efeito dessa produção em
sua época.
Paulo Caruso faz a apresentação deste livro dizendo que “caricatura
não se aprende na escola”, que durante a confecção de sua tese de graduação lhe indicavam ler Freud. Disso discorda, argumentando que, se tivesse de ler Freud, para tornar-se desenhista, já teria abdicado da profissão,
falando de sua sedução pela imagem em detrimento da palavra, já que
reconhece sua dificuldade para a leitura.
Da sedução pela imagem, todos sabemos, em tempos de individualismo moderno; mesmo assim este comentário espanta. É verdade que
ninguém precisa ler Freud para tornar-se um artista, o próprio Freud já o
disse, quando reconhecia na produção artística a antecipação de coisas
que o conhecimento ainda não alcançara. Tampouco para tornar-se sujeito
de linguagem, mesmo que sua teoria tenha fundado uma nova concepção
de sujeito e de linguagem. Contudo, ninguém que pretenda teorizar sobre o
humor pode ignorar a dimensão inconsciente que ali opera, e disso Freud
falou magistralmente. Evidenciou, em sua obra, a possibilidade de reconhecimento do sujeito no que, para ele, restou como traço, justamente, a
partir do qual ele fala, tem acesso à metáfora, a algum tipo de linguagem,
que se funda amparada na imagem. Palavra e imagem não podem ser
dissociados, portanto, mesmo quando insistimos numa certa gradação de
valor, ou preferência, entre elas. Como seres de linguagem transitamos
nesse enlace, com ou sem leitura, às vezes “com figurinhas”.
Traço, metáfora, linguagem, são conceitos que encontramos no texto freudiano e os reencontramos, talvez noutra acepção, também nesta
publicação, com certa insistência. Como vemos, a leitura do livro é de interesse para quem aprecia o humor, para profissionais das artes, e quem
sabe para psicanalistas, profissionais da palavra, podendo ampliar a relação ao que nosso tempo produz.
A biblioteca da APPOA conta com um volume desta extensa e cuidadosa pesquisa, que é recente - doado pelas Artes e Ofícios, a quem agradecemos - e que homenageia a produção de muitos gaúchos. Ao lado,
reproduzimos o cartum de Santiago, premiado no Japão, em 1989, uma
das ilustrações desta obra.
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Liz Nunes Ramos
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RESENHAS
AGENDA
NOVEMBRO - 1999
CARTUM SANTIAGO
Dia
Hora
Local
04
04 e 18
19
08 e 22
10
21h
20h
16h30min
20h30min
18h
Sede da APPOA
Sede da APPOA
Sede da APPOA
Sede da APPOA
Sede da APPOA
10 e 24
04 e 18
??
18
20h30min
20h
15h30min
21h
Sede da APPOA
Sede da APPOA
Sede da APPOA
Sede da APPOA
??
??
21h
21h
Sede da APPOA
Sede da APPOA
??
19h30min Sede da APPOA
19 e 20
Atividade
Hotel Continental
Reunião da Mesa Diretiva
Reunião da Comissão de Biblioteca
Cartel do Envelhecimento
Reunião do Fórum
Seminário “A topologia fundamental de Jacques Lacan” - Responsável: Ligia Víctora
Cartel Brasil 500 anos
Reunião da Comissão do Correio da APPOA
Cartel do Interior
Reunião da Mesa Diretiva aberta aos membros da APPOA
Relendo Freud - Análise Finita e Infinita
Cartel Preparatório para a Jornanda sobre
Neurose Obsessiva
Seminário “Novos apontamentos para a clínica das psicoses” - Responsável: Alfredo
Jerusalinsky
Jornada Clínica da Neurose Obsessiva
PRÓXIMO NÚMERO
APPOA 10 ANOS
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C. da APPOA, Porto Alegre, n. 74, nov. 1999
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N° 74 – ANO VII
NOVEMBRO – 1999
DO HUMOR
S U M Á R I O
EDITORIAL
?
NOTÍCIAS
?
SEÇÃO TEMÁTICA
??
CONTRASTES E SEMELHANÇAS
Ana Maria Medeiros da Costa
??
A PIADA E SUA RELAÇÃO
COM O INCONSCIENTE OU
A PSICANÁLISE É MUITO SÉRIA
Abrão Slavutzky
??
NOTA SOBRE A TÉCNICA DO CHISTE
NA RETÓRICA PSICÓTICA
Francisco Settineri
??
O HUMOR
Liz Nunes Ramos
??
SEÇÃO DEBATES
??
A CLÍNICA INSTITUCIONAL EM
DEBATE - A QUESTÃO DO
PAGAMENTO
Ângela Lângaro Becker
Capa: Manuscrito de Freud (The Diary of Sigmund Freud 1929-1939. A chronicle of events
in the last decade. London, Hogarth, 1992.)
Criação da capa: Flávio Wild - Macchina
??
DA DÚVIDA DO RELATO À CERTEZA
DA INTERPRETAÇÃO NOS SONHOS
Anna Carolina Lo Bianco
??
RESENHA
??
AGENDA
??
ASSOCIAÇÃO PSICANALÍTICA DE PORTO ALEGRE
GESTÃO 1999/2000
Presidência - Alfredo Néstor Jerusalinsky
1a. Vice-Presidência - Lucia Serrano Pereira
2a. Vice-Presidência - Maria Ângela Brasil
1o. Tesoureiro - Carlos Henrique Kessler
2a. Tesoureira - Simone Moschen Rickes
1o. Secretário - Jaime Alberto Betts
2a.Secretária - Marta Pedó
MESA DIRETIVA
Ana Maria Gageiro, Ana Maria Medeiros da Costa, Ana Marta Goelzer Meira,
Cristian Giles, Edson Luiz André de Sousa,Gladys Wechsler Carnos,
Ieda Prates da Silva, Ligia Gomes Víctora, Liz Nunes Ramos,
Maria Auxiliadora Pastor Sudbrack, Mario Fleig, Robson de Freitas Pereira,
e Valéria Machado Rilho.
EXPEDIENTE
Órgão informativo da APPOA - Associação Psicanalítica de Porto Alegre
Rua Faria Santos, 258 CEP 90670-150 Porto Alegre - RS
Tel: (51) 333 2140 - Fax: (51) 333 7922
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Jornalista responsável: Jussara Porto - Reg. n0 3956
Impressão: Metrópole Indústria Gráfica Ltda.
Av. Eng. Ludolfo Boehl, 729 CEP 91720-150 Porto Alegre - RS - Tel: (051) 318 6355
Comissão do Correio
Coordenação: Maria Ângela Brasil e Robson de Freitas Pereira
Integrantes: Francisco Settineri, Gerson Smiech Pinho, Henriete Karam,
Liz Nunes Ramos, Luzimar Stricher, Marcia Helena Ribeiro, Maria Aparecida Loss,
Maria Lúcia Müller Stein e Marta Pedó
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EDITORIAL Um cachorro, magro e doente, passa pela frente de