Marrocos no HJUNWO Voix de Femmes prestou cuidados de saúde, reuniu um conjunto de oradores de vários pontos do Mediterrâneo para pensar a situação da mulher e levou a música ao palco. As mulheres falaram e cantaram alto. E fizeram-se ouvir Em Tetuâo, no Norte de Marrocos, o Festival Texto de Rita Silva Freire Rabia está sentada numa cadeira, tímida, lenço na cabeça, a face meia escondida, tornando difícil adivinhar os seus trinta anos. «Tenho multas dores, nos pés, na cabeça, mal consigo andar», conta. Acabou de sair «Disse-me que estava nervosa. E cansada, muito cansada». Deu -lhe medicação. Rabia não tem tempo para do consultório descansar. médico. Em casa, há uma família para cui- dar. Espera que os medicamentos dem a atenuar as dores. aju- A Escola Sidi Ahmed El Bekkal, no bairro Jbel Derssa, na cidade de Tetuão. no Norte de Marrocos, de mulheres. lugar a gabinetes logistas, médicos. ginecologistas, tas ocuparam está cheia As salas de aula deram o Dermato- oftalmologis- lugar dos professores. É a iniciativa do Festival Saúde para Todos, parte Voix de Femmes que, pro- pela associação homónima por Karima Benyaich, emde Marrocos em Portugal), anualmente se propõe reflectir sobre movido (presidida baixadora o papel da mulher Mediterrâneo. em Marrocos e no À noite haverá concer- será preenchido por conferências. Mas esta manhã é dedicada a ajudar. Em Marrocos não há saúde pública. São muitos os que não se podem dar ao luxo de trocar 200 dirham (cerca de 20 euros) por dez mi- tos e o dia seguinte nutos com um médico. A consulta do Rabia foi possível grapara a ças à Associação Marroquina Protecção da Saúde dos Órfãos que, constituída por médicos de Rabat, aqui disponibiliza 33 médicos, dez enfermeiros e sete voluntários. «É a tercei- ra edição em que participamos», avan- ça o professor Rachid Hassani, presidente da associação. «Concentramos serviços de medicina geral e de medi- cina especializada. Além disso, por anti- exemplo, fazemos sensibilização ¦tabaco». Ao longo do dia vão chegando centenas de mulheres. Foram escolhidas previamente por uma associação local, consoante e de as necessidades saúde. Deveriam económicas ser 800, divididas por dois dias, mas esperam-se 1.200. Quem vem traz amigas, irmãs, conhecidas. Ninguém as deixa à porta. No terceiro dia será a vez de atender os homens, com enfoque nos idosos. Pelas várias salas distribuem-se sultórios improvisados: con- ginecologia, medicina geral e familiar, medicina dentária, dermatologia, neurologia, cardiologia e oftalmologia. Os casos graves que necessitem mento posterior de acompanha- serão encaminhados para o Hospital de Tetuão ou mesmo para Rabat ou Casablanca. O professor Hassani lembra: «No ano passado enuma jovem em risco de perder a vista. Levámo-la para Rabat, prestámos-lhe o tratamento necessário. Agora está bem». As filas diante de cada consultório contrámos são tantas quanto as necessidades. As crianças correm por todo o lado. Algumas vão ser vistas por médicos, outras vieram acompanhar as mães. Fatma está sentada, com um bebé ao colo. É o sobrinho, a irmã tem diabetes, está agora a ser observada. A mulher não está contente. Viu um dermatologista, está com um problema de pele no pé. «Disse-me que era eczema. Mas não me deram remédios. Tenho de ser eu a comprar. Tenho medo que seja caro. Não trabalho, não tenho dinheiro». Fatma não po- dia pagar uma consulta médica. Agora não sabe se vai poder fazer frente à conta da farmácia. Com uma taxa de crescimento anual que varia en- tre 3 a 5% Marrocos vê a sua situação económica melhorar a cada ano. De acordo com os dados do PNUD, o índi, As salas de aula ginecologistas ocupam o lugar dos professores te, estando o nas principais Oftalmologistas, dermatologistas Humano também tem subido anualmence de Desenvolvimento deram lugar a gabinetes médicos. e país em 10.° lugar subidas observa- das no relatório de 2010. Por toda a parte há prédios a construírem-se, estamos num país Mas a pobreza ainda elevada. Segundo o ? em crescimento. é relatório do PNUD de 2011, 9% da popula- limiar da pobreza. Como muitos, Miriam não tem emprego. à escola e entram para o mercado de ção está abaixo do trabalho. Em 2004, o Rei Mohammed VI mudou o Código de Família, com o Está mal das costas. Sofre com uma dor cons- objectivo tante. Já foi à consulta, vão dar-lhe os medicamentos prescritos. «Fizeram-me uma radiografia, mas não me disseram o que tinha. Estou contente mas... vamos ver», diz. É muito o peso que carrega ao longo do dia. «Tenho medo que Marrocos perca o islamismo tolerante. Que a Primavera Árabe se transforme no Inverno que não posso das mulheres e que tenho de Quem é que vai marroquinas» Pode estar desempregada, mas não lhe falta trabalho em casa. «O médico diz carregar pesos, fazer ginástica. tratar da casa?». É a mulher que, em Marrocos, tem o dever de cuidar da família. Mesmo que tenha um No entanto, a situação está a mudar. São cada vez mais as raparigas que vão emprego. de fomentar a igualdade de Hoje, de acordo género. com a lei, as mulheres podem-se casar sem autori- zação do pai, requerer o divórcio e são co-responsáveis pela família. Sobre tudo isto se falou nas conferências atenção: não chega mudar as leis. É preciso mudar mentalidades. uma mulher com lu- Khadijaßouissié do gar de destaque. É vice-presidente Parlamento Marroquino. Apesar do seu alto cargo, guarda reservas ao que cha- ma de «primavera marroquina». Considera que trouxe uma boa constituição, mas também um «cavalo de Tróia». «Há que não acreditam democracia e igualda- forças retrógradas, na modernidade, que tive- de», avisa, «que recusam o novo código ram lugar na Câmara de Tetuão, no dia seguinte, no âmbito do festival. Entre as nove da manhã e as de família e querem recuar». Por isso, salienta que «as forças políticas devem oito da noite, oradores de Itália, França e Portugal analisaram o desenvolvimento da igualdade de género no Mediterrâneo. Muitas foram as chamadas de países como Marrocos, combater estas forcas conservadoras e a igualdade». Khadija chama a atenção para a necessidade de debate de temas prementes, como o aborto defender que ceifa centenas de vidas por ano, ou a violência de género, sobre a qual é necessário legislar. «Tenho clandestino, todos os países do mundo. Mudar esta cultura não é fácil. Mas é o caminho. Que é também dos homens. Os direitos humanos não deviam ter sexo. Infeliz- mente têm. Os direitos das mulheres ficam sempre em segundo plano». Fathia Bennis, marroquina, poderia ser francesa, tanto na aparência como na vida. De calças justas e blusão de pele, mulheres no Parlamento. ra, apenas uma mulher, e é ministra da Família, não das Finanças. É um retrocesso enorme». Fathia ressalva, porém, dois pontos a alta autoridade para a comunicapor uma mulher e a Confederação de Empresários Marroquinos é tampositivos: ção social é chefiada cabelos soltos e salto agulha, é doutorada em Relações Económicas Internacionais, foi di- rectora da Bolsa de Valores de Casablanca e do Turismo de Marrocos. Hoje está à frente da Maroclear (uma empresa de valores imobiliários marroquina), é fundadora de Mulheres Marrocos e da Associação Empresárias medo de que Marrocos perca o islamismo tolerante que sempre nos diferenciou. Que a Primavera Árabe se torne o Inverno das mulheres marroquinas». Os deputados Teresa portugueses Caeiro, José Mendes Bota e Elza Pais também marcaram presença no encontro, chamando a atenção para a necessidade de se fomentar políticas de igualdade de género. Ao SOL, Elza Pais re- forçou a urgência estereótipos, de combater em Portugal, os em Marro- cos e no resto do mundo. «Fazemos leis, mas depois a sua aplicação esbarra nos valores, cultura e atitudes. Temos mu- lheres a reproduzir os estereótipos masculinos», afirma a ex-secretária de Estado para a Igualdade. «A origem da discriminação das mulheres e da violência contra as mulheres está na disseminação de uma cultura sexista, presente em bém, pela primeira vez, presidida por uma mulher. Fathia «As universidades estão cheias de mulheres. Que estão cheias de está à frente da Women's Tri- esperança. Sabem que poetem mudar o seu destino» Sabe que são elas que têm de lutar pelos seus direitos e está optimista. «As universidades bune, que promove o avanço nos direitos das mulheres. de pertence a conselhos de ad- no plano empresarial. estão cheias de mulheres. Que estão cheias de esperança. ministração de empresas como a Royal Air Maroc. Para Fathia, a situação da mulher no país tem evoluído bastante, sobretudo São 395 deputados. Ou seja, apenas 17% são mulheres. No Governo precedente tínhamos sete mulheres. Ago- «No Sa- bem que podem mudar o seu destino». Foi com esse saber que mulheres e homens acorreram ao anfiteatro montado em frente ã Câmara de Tetuão. Ali, ao longo de duas noiinúmeras vozes femininas, de tes, desfilaram plano económico, uma mulher empresária é tratada como um homem. Se é artistas como os espanhóis Chambao, a libanesa Carole Samaha, a marroquina Dounia um projecto sólido, o banco emprestar-lhe-á dinheiro». Mas a empresaria con- Batma e a Libanesa Vara. Todas juntas, as suas vozes fizeram-se ouvir. E ecoaram por Marro- sidera que, no plano político, há um longo caminho por percorrer. «Temos 67 cos e pelo Mediterrâneo. • [email protected]