Gênero e Direitos
Heloisa Buarque de Almeida
USP
O pensamento
naturaliza convenções
sociais
Por que desenhamos o
sul para baixo, se a terra
está solta no espaço?
Por que no mapa múndi
costumamos ter a
Europa no centro e no
alto?
América invertida por Joaquim
Torres Garcia
Museu Torres Garcia, Montevidéu,
Uruguai
Ciências Sociais
• Diversidade humana (cultural, ou histórica) nos faz a
perceber que a biologia humana determina muito
pouco.
• Variedade cultural: ser humano vive em condições
muito diversas (não tem um habitat fixo): do deserto,
ao Alaska, das florestas tropicais às metrópoles
globalizadas.
• Nosso aparelho genético determina muito pouca coisa:
todo nosso cotidiano é aprendido (exemplo: língua).
• Corpo do homo é modificado e finalizado pela cultura
(ex: bipedia, polegar opositor, córtex cerebral).
Precursores
Margaret Mead: Sexo e Temperamento
• Pesquisa feita na Nova Guiné nos anos 1930, sobre como se
criam as crianças.
• Arapesh: homens e mulheres são afetivos e gentis, como
nos EUA se pensava como algo “natural” das mulheres.
• Mundugumor: homens e mulheres são muito agressivos,
como se imaginava “natural” nos homens.
• Tchambuli: as mulheres são agressivas e os homens são
afetuosos.
• Nos dois primeiros casos não há diferença significativa de
comportamento entre homens e mulheres. Entre os
Tcahmbuli há uma inversão do que se pensava como
“natural”.
Lugar social das mulheres:
• Simone de Beauvoir: “Não se nasce mulher,
torna-se mulher” (in: O Segundo Sexo, 1949)
• Não é o corpo, a diferença sexual que explica as
diferenças de lugares sociais entre homens e
mulheres, mas são as diferenças sociais,
históricas e políticas que dão sentido e que
ordenam as diferenças sexuais. O sexo é também
culturalmente constituído – a diferença não é
universal, é algo tratado de distintas formas nas
sociedades.
Gênero
• Usado ao invés de “sexo”, porque o sexo biológico não
determina o comportamento. Em cada cultura, em cada
época, o que é visto como masculino ou feminino
muda.
• Mesmo numa mesma época e lugar, há variações: a
delicadeza feminina das mulheres no século XIX, por
exemplo, era privilégio das mulheres de camadas mais
altas da sociedade. As mulheres pobres eram
trabalhadoras, domésticas, operárias, quando não
escravas (ex. Sojourner Truth)
• Termo usado na medicina a partir do anos 50 (clínica),
nas Ciências Sociais nos anos 1970/80
Como o gênero é
aprendido?
Infância
- futebol como sinal de
masculinidade
- meninos e expressão dos
sentimentos (choro)
- brinquedos e separação
rosa X azul
- padrões de beleza
-padrões de corpo e de usos
do corpo
- exemplos do bebê
Esferas de constituição
do gênero:
- família
- religião
- escola
- brincadeiras
- mídia
- relações
interpessoais,
sociabilidade cotidiana
- justiça, direito
- medicina...
Gênero e diferença sexual
A diferença sexual aparece na
medicina no final do século XVIII.
Antes disso as mulheres eram vistas
como homens invertidos, com as
mesmas estruturas corporais, só que
em lugares diferentes.
O que era externo no homem era
interno na mulher, esta sendo mais
úmida, fria e imperfeita do que o
homem.
Cf. desenho de dissecação: Anatomia do
sistema reprodutivo feminino, Jacopo
Berengario di Capri, 1523.
Sexo e gênero
Nessa concepção, da antiguidade clássica ao século XVIII,
a vagina é vista como um pênis interno, o útero como o
escroto e os ovários como os testículos. A linguagem
marca esta visão – não havia termos específicos para os
órgãos femininos.
No final século XVIII, a natureza sexual humana mudou: os
escritores (médicos, filósofos) passam a insistir em
diferenças fundamentais entre os sexos masculino e
feminino (incomensuráveis), não só os sexos são
diferentes, mas o corpo, a alma e moral se distinguem.
Não há nenhum achado científico para essa mudanças, as
dissecações já eram feitas desde o século XV. Há uma
mudança política (Revolução Francesa).
(Thomas Laqueur: Inventando o sexo)
Dimorfismo sexual
• Nem sempre foi visto do mesmo modo, nem
sempre foi pensado como uma “base” natural
para a cultura
• Há mais variações que imaginamos como
“normal”, mesmo na aparência da genitália
• Intersexos (passagens de um sexo para outro
na literatura da Idade Média, por ex.)
Raça e gênero - semelhanças
• Tanto raça como gênero parecem ser diferenças
corporais. Mas são diferenças sociais. Raça é uma
noção social, contextual (exemplos).
• Estas noções surgem na história como diferenças
corporais intrínsecas na época da Revolução Francesa.
Se todos os homens passam a ser vistos como iguais
diante da lei, como justificar que algumas
desigualdades se mantivessem? A desigualdade foi
colocada no corpo, na biologia, para explicar a
desigualdade racial e a fixação das mulheres no espaço
doméstico, negando-lhes acesso ao espaço públicopolítico. Foram processos históricos e políticos que
naturalizaram as diferenças. (Laqueur, Foucault,
Badinter, P. Ariès)
Gênero e desigualdade
• Mudanças históricas
• Diferenças de raça/cor, classe social,
sexualidade, idade, religião, etc.
• Marcadores sociais da diferença
Gênero e classificação social
• Formas de classificar o mundo em atividades,
espaços, esferas consideradas masculinas ou
femininas
• exemplo: espaço doméstico como feminino,
• profissões, lugares, atividades que podem ser
consideradas femininas ou masculinas
• Ao longo da história, tais classificações se
modificam.
Gênero e sexualidade
• São esferas separadas, mas que o pensamento
associa (exemplos)
• Algumas pessoas deslocam a forma
classificatória: mulheres masculinas; homens
femininos
• Modelos hegemônicos são inatingíveis na vida
cotidiana, ideais de comportamento
• Há diversos modelos (heterogeneidade)
• Exemplos
Contribuições da teoria de gênero
• Se a desigualdade não é natural, há possibilidade de
transformações, não é universal e nem fixa, mas
produto cultural, histórico, social.
• Gênero não fala só de mulher, mas de categorias
classificatórias; alarga a noção de direitos para
masculinidades e feminilidades não hegemônicas.
• Trata também das categorias de masculinidade, ou
seja, impõe que se mude associações naturalizadas
entre masculinidade e agressividade.
• Violência de gênero não é só violência doméstica ou
contra mulher, em seus vários modos, mas também a
violência contra população LGBT.
Algumas indicações bibliográficas:
ALMEIDA, H. B. e SZWAKO, J. (orgs.): Diferenças,
igualdade. São Paulo, Berlendis Ed., 2009
SCOTT, Joan: “Gênero: uma categoria útil de análise histórica”,
Educação e Realidade, Porto Alegre, 16 (2), jul-dez, 1990
MEAD, Margaret: Sexo e Temperamento, São Paulo, Ed.
Perspectiva, 1999
MAUSS, Marcel: “As técnicas do corpo” in Sociologia e
Antropologia, Cosac & Naify, 2003
LAQUEUR, Thomas: Inventando o sexo: corpo e gênero dos
gregos a Freud, Rio de Janeiro, Relume-Dumará, 2001
BADINTER, Elisabeth. O amor conquistado: o mito do amor
materno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
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