PODER JUDICIÁRIO
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PALESTRA – CASAMENTO E UNIÃO ESTÁVEL ENTRE PESSOAS DO MESMO
SEXO – 24.08.2012 – AUDITÓRIO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
Os impedimentos para o casamento estão previstos
no art. 1.521, as causas de nulidade no art. 1.548 e as de
anulabilidade no art. 1.550, todos do Código Civil.
Em nenhum dos dispositivos referidos, a diversidade
de sexos é mencionada, isso porque a doutrina majoritária (e. g.
Carlos Roberto Gonçalves, Direito Civil Brasileiro, vol. VI, pg. 126 e
Silvio de Salvo Venosa, Direito Civil, vol. IV, pg. 27) alinha tal
condição como de existência do ato, ou seja, estabelece como
pressuposto de existência do casamento a diversidade sexual dos
nubentes.
O lastro legal da afirmação vem expresso no
parágrafo 3º do art. 226 da Constituição Federal :
“Para efeito da
proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e
a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão
em casamento”. E no Código Civil, nos arts. 1.514: “O casamento se
realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam, perante
o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal, e o juiz os
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declara casados.”; 1.517: “... homem e mulher com 16 anos podem
se casar”
e 1.565: “Pelo casamento, homem e mulher assumem
mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis
pelos encargos da família.” e no 1.723: É reconhecida como entidade
familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na
convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o
objetivo de constituição de família.” (grifei)
A distinção sexual dos seres humanos é utilizada na
Constituição Federal em quatro oportunidades (art. 3º, IV; art. 5º,
XLVIII; art. 7º, XXX e 201, §7º, II) e em todas busca proteger e
garantir o bem estar do indivíduo, assegurando sua inclusão social e
todos os direitos a que faz jus, sem distinção de sexo, raça, credo,
origem ou idade.
O legislador constituinte, portanto, em regra, utiliza o
sexo como fator de igualdade e só o faz em sentido oposto, quando
busca
compensar
ou
proteger
especialmente
aqueles
que,
ordinariamente, por questão social ou cultural, são mais vulneráveis
ou sofrem maior carga de trabalho.
Nesta
senda
o
disposto
no
art.
3º,
IV
da
Constituição Federal:
2
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Art.
3º
Constituem
objetivos
fundamentais
da
República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II – [...]
III – [...]
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de
origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras
formas de discriminação.
Portanto - e nem poderia ser diferente – o legislador
constituinte labora na busca do equilíbrio, do tratamento igualitário e
do respeito ao indivíduo. Ao relatar a ADPF n. 132/RJ e a ADI n.
4277/DF, o Ministro Ayres Brito assentou:
“Há mais o que dizer desse emblemático inciso IV
do art. 3º da Lei Fundamental brasileira. É que, na
sua categórica vedação ao preconceito, ele nivela o
sexo à origem social e geográfica das pessoas, à
idade, à raça e à cor da pele de cada qual; isto é,
o sexo a se constituir num dado empírico que nada
tem a ver com o merecimento ou o desmerecimento
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inato das pessoas, pois não se é mais digno ou
menos digno pelo fato de se ter nascido mulher,
ou homem. Ou nordestino, ou sulista. Ou de pele
negra, ou mulata, ou morena, ou branca, ou
avermelhada. Cuida-se, isto sim, de algo já alocado
nas tramas do acaso ou das coisas que só
dependem da química da própria Natureza, ao
menos no presente estágio da Ciência e da
Tecnologia humanas.” (g.o.)
Pois bem, não podendo o sexo ser motivo bastante
para tratamento desigual, em que repousaria o óbice ao casamento
entre pessoas do mesmo sexo?
A origem religiosa do casamento, positivada no
direito canônico e por ele alçada a condição de sacramento não pode
ser motivo bastante para tal justificativa.
O Estado é laico e a persistir a tese religiosa de
que o “...casamento fosse o mesmo atualmente, como o foi nos
últimos dois mil anos, seria possível casar-se aos doze anos de
idade, com uma pessoa desconhecida, por via de um casamento
"arranjado"; o marido ainda poderia vislumbrar a própria esposa como
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propriedade e dispor dela à vontade; ou uma pessoa poderia ser
condenada à prisão por ter se casado com uma pessoa de raça
diferente. E, obviamente, seria impossível obter um divórcio, apenas
para citar alguns exemplos.”1
A origem do instituto não poderia discriminar
indivíduos, negando-lhes direitos que só o casamento confere (p.ex.
adoção
do
patronímico
do
cônjuge,
direitos
hereditários
sem
possibilidade de exclusão por testamento, dentre outros), tão somente
em virtude de sua orientação sexual.
Afirmar que as relações homoafetivas não merecem
o mesmo tratamento do Estado (casamento), pois não se destinam a
procriação é, para dizer o mínimo, um equívoco fragoroso.
A definição de casamento como união com o
propósito de procriação já foi superada há décadas. Ou alguém já
cogitou anular ou indeferir a habilitação de casamento de pessoas que
se unem na terceira idade? Ou obstar o casamento de pessoas com
impotência generandi?
1
CHAVES, Marianna. Homoafetividade e direito. Curitiba: Juruá, 2011, p. 199
5
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Por acaso os casais sem filhos - quer por opção,
quer por desígnios naturais – são menos casados que os com filhos?
Aqueles que adotam, por não terem procriado, são menos casados
que os que procriam?
Fato é que o conceito de casamento e de família
mudou sensivelmente nos últimos dois séculos e essa mudança foi
refletida na Constituição Federal. A propósito, destaco o seguinte
trecho do voto do Min. Luiz Felipe Salomão2, secundando o Min.
Ayres Brito:
“A bem da verdade, pela Carta de 88, a família foi
vista por um nova óptica, um "novo olhar, um olhar
claramente
humanizado",
cujo
foco,
antes
no
casamento, voltou-se para a dignidade de seus
membros.
Essa mudança foi analisada na mencionada ADPF
132/RJ:
"O casamento é civil e gratuita a celebração".
Dando-se que "o casamento religioso tem efeito
civil, nos termos da lei" (§§ 1º e 2º). Com o que
essa figura do casamento perante o Juiz, ou
2
STJ, 4ª Turma, REsp n. 1.183.378 - RS
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religiosamente celebrado com efeito civil, comparece
como uma das modalidades de constituição da
família. Não a única forma, como, agora sim,
acontecia na Constituição de 1967, literis: "A
famí lia é constituí da pelo casamento e terá direito à
proteção dos Poderes Públicos" (caput do art. 175,
já considerada a Emenda Constitucional n. 1, de
1969). É deduzir: se na Carta Política vencida, toda
a ênfase protetiva era para o casamento, visto que
ele açambarcava a família como entidade, agora, na
Constituição vencedora, a ênfase tutelar se desloca
para a instituição da família mesma. Família que
pode prosseguir, se houver descendentes ou então
agregados, com a eventual dissolução do casamento
(vai-se o casamento, fica a família). Um liame já
não umbilical como o que prevalecia na velha ordem
constitucional, sobre a qual foi jogada, em hora mais
que ansiada, a última pá de cal. (grifado no original)
4.3. Assim, é bem de ver que, em 1988, não houve
uma recepção constitucional do conceito histórico de
casamento, sempre considerado como via única para
a constituição de família e, por vezes, um ambiente
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de subversão dos ora consagrados princípios da
igualdade e da dignidade da pessoa humana.
Agora, a concepção constitucional do casamento diferentemente do que ocorria com os diplomas
superados -, deve ser necessariamente plural,
porque plurais também são as famílias e, ademais,
não é ele, o casamento, o destinatário final da
proteção do Estado, mas apenas o intermediário de
um propósito maior, que é a proteção da pessoa
humana
em
fundamentação
sua
do
inalienável
casamento
dignidade.
hoje
não
A
pode
simplesmente emergir de seu traço histórico, mas
deve ser extraída de sua função constitucional
instrumentalizadora da dignidade da pessoa humana.
Por isso não se pode examinar o casamento de hoje
como
exatamente
passados,
cuja
o
união
mesmo
entre
de
dois
Estado
séculos
e
Igreja
engendrou um casamento civil sacramental, de
núcleo
essencial
fincado
na
procriação,
na
indissolubilidade e na heterossexualidade.”
Não menos risível é a afirmação de que o
casamento homossexual poria em risco a espécie humana, que
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deixaria de procriar. Ora, tal afirmação parte da premissa que a
exceção se tornará regra, que os seres humanos tornar-se-ão todos
homossexuais e que as uniões convencionais se tornarão tão raras
que os 7 bilhões de habitantes que superpovoam o planeta correm
risco de extinção.
A peculiar afirmação não resiste ao mais superficial
e singelo estudo antropológico. O ser humano, como os demais
animais,
são,
ordinariamente,
heterossexuais,
sendo,
a
homossexualidade um comportamento francamente minoritário, de
inegável exceção e assim seguirá sendo.
Igualmente limitada e preconceituosa é a afirmação
de que a união homossexual não pode se dar pelo casamento, pois
esse pressupõe a existência de amor.
Como se pode afirmar que as relações homoafetivas
são permeadas por amor menor ou maior, mais ou menos genuínos
que o das relações heteroafetivas? Como se pode dizer que o amor
homossexual é diferente do amor heterossexual?
Teremos nós, do alto de nossa heterossexualidade,
condições de julgar a intensidade, a genuinidade, a sinceridade do
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amor
entre
dois
homens
ou
duas
mulheres?
Teria
a
heterossexualidade nos conferido tamanha autoridade, poder e
superioridade, que nos garantiria plena ciência de toda a espécie de
amor?
O amor é uma das principais características a nos
definir como seres humanos. É sentimento involuntário, arrebatador,
capaz de impulsionar o ser humano a superar limites, romper
preconceitos, arrostar convenções, exatamente aquelas que os
homossexuais são obrigados a enfrentar quando assumem sua
condição e declaram seus sentimentos.
A ausência de qualquer argumento lógico ou
científico a estabelecer diferença entre esses sentimentos, a animar
casais heterossexuais ou homossexuais, faz crer que o sentimento é
um só, pura e simplesmente amor. Portanto, afirmar que não há amor
entre homossexuais ou que esse amor é diferente do experimentado
pelos heterossexuais é de uma arrogância e de um preconceito
escancarados.
Mais equivocado, ainda, seria evocar a moralidade,
conceito cambiante, dinâmico e indissociável do seu tempo. Aliás,
sobre o tema, preciosa lição do Ministro Aliomar Baleeiro, no RMS n.
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18.534/SP, cunhada nos já longínquos anos de 1960 e tão atual
como se fora escrita nos dias de hoje:
“Ninguém contesta o direito de a sociedade, da qual
é órgão o Estado, defender-se do obsceno e
repugnante e, sobretudo, preservar de influências
deletérias o caráter do adolescente e da criança.
[...]
Mas o conceito de "obsceno", "imoral", "contrário
aos bons costumes" é condicionado ao local e à
época. Inúmeras atitudes aceitas no passado são
repudiadas hoje, do mesmo modo que aceitamos
sem
pestanejar
procedimentos
repugnantes
às
gerações anteriores. A Polícia do Rio, há 30 ou 40
anos não permitia que um rapaz se apresentasse de
busto nu nas praias e parece que só mudou de
critério quando o ex-Rei Eduardo VIII, então Príncipe
de Gales, assim se exibiu com o irmão em
Copacabana. O chamado bikini (ou "duas peças")
seria inconcebível em qualquer praia do mundo
ocidental, há 30 anos. Negro de braço dado com
branca em público, ou propósito de casamento entre
ambos, constituía crime e atentado aos bons
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costumes em vários Estados norte-americanos do
Sul, até tempo bem próximo ao atual.
[...]
Os juízes dos tempos de nossos avós e pais, ao
que eu saiba, não apreenderam nunca A Carne, de
Júlio Ribeiro, hoje um clássico. Mostraram com isso
compreensão acima de qualquer farisaísmo ou
pressão religiosa. Não há motivo para imitarmos o
puritanismo
da
autoridade
postal
dos
Estados
Unidos, que proibiu o tráfego de cópias coloridas da
Maya desnuda , de Goya, pintada no mais católico,
preconceituoso e clerical dos países. Seria o mesmo
que um cache-sexe no David de Miguel Ângelo.3
Certamente a oposição ao casamento entre pessoas
de igual sexo será vista no futuro, por nossos filhos e netos, como
uma
posição
intolerante,
obscura,
mesquinha
e
desumana.
Exatamente como vemos hoje o apartheid mantido na África do Sul
até 1992 e a condição da incapacidade relativa da mulher até o início
do século XX, que não podia praticar uma série de atos da vida civil
3
RMS 18534, Relator(a): Min. ALIOMAR BALEEIRO, Segunda Turma, julgado em 01/10/1968, EMENT VOL-00751-03
PP-01156 RTJ VOL-00047-03 PP-00787.
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sem o consentimento marital, tendo obtido direito a voto apenas em
1932.
O que não se pode ignorar é que a sexualidade é
tão profunda quando os abissais oceânicos e tão complexa quanto a
própria existência. Definir o indivíduo por seu aparelho sexual ou
reprodutor é tão equivocado quanto definir a qualidade de um livro por
sua capa. Um homem não deixa de ser um homem por ter perdido
seus testículos nem tampouco a mulher o deixa de ser por ter
removido seus ovários.
Por motivos insondável, a natureza nem sempre
conforma os aparelhos reprodutores e sexuais à orientação sexual do
indivíduo. Questões hormonais, biológicas, sensoriais e vivenciais –
apenas para citar algumas - podem concorrer de modo contundente
para que o ser humano se incline sexualmente por outro de igual ou
diverso gênero.
Nem se diga que se trata de opção sexual, pois
opção encerra conceito de escolha e, inegavelmente, ninguém faz,
deliberadamente,
escolha
por
ser
minoria,
por
integrar
grupo
discriminado, por sofrer preconceito.
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Quem já leu Viagem Solitária, autobiografia de João
W. Nery consegue compreender na exata medida a dor, o desespero
e a impotência de um ser humano que se vê encerrado num corpo
que não é o seu. A agonia da puberdade, impondo-lhe, dia-a-dia,
uma anatomia indesejada, a repressão de sentimentos, os conflitos
intrafamiliares e sociais, a insegurança e a frustração nas relações
afetivas, são tantos e tão intensos, que o autor prefere a mutilação
física e a alteração ilegal de sua identidade - inclusive com a perda
de sua titulação profissional, passando de professor universitário para
funcionário subalterno numa usina de cimento – que conviver com a
anatomia equívoca que a natureza lhe conferiu.
Certamente
os
que
convivem
com
essa
desconformidade já sofrem o suficiente, quer seja pela inadequação
física,
rejeição
familiar
e
social,
limitação
de
parceiros
e
constrangimentos de toda sorte. Não sendo admissível que também o
Estado o discrimine.
Portanto,
não
parece
humana
e
socialmente
justificável a oposição ao casamento homoafetivo, sobretudo sob o
argumento moral ou religioso.
14
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Ademais, o cerne da questão não reside em saber
se pessoas do mesmo sexo podem ou não se casar, mas se essas
pessoas devem merecer a mesma proteção legal do Estado, garantida
pelo instituto do casamento aos heterossexuais. A resposta afirmativa
se impõe, e sobre o tema se posicionou a 4ª Turma do Superior
Tribunal de Justiça ao julgar o REsp. 1183378, de relatoria do
Ministro Luis Felipe Salomão, de cuja ementa destaco os seguintes
trechos:
Ementa
1. [...]
2. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento
conjunto da ADPF n. 132/RJ e da ADI n.
4.277/DF, conferiu ao art. 1.723 do Código Civil de
2002 interpretação conforme à Constituição para
dele
excluir
todo
reconhecimento
da
significado
união
que
impeça
o
contínua,
pública
e
duradoura entre pessoas do mesmo sexo como
entidade familiar, entendida esta como sinônimo
perfeito de família .
3. Inaugura-se com a Constituição Federal de 1988
uma
nova
fase
do
consequentemente,
do
direito
de
casamento,
família
e,
baseada
na
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adoção de um explícito poliformismo familiar em que
arranjos multifacetados são igualmente aptos a
constituir esse núcleo doméstico chamado "família",
recebendo todos eles a "especial proteção do
Estado". Assim, é bem de ver que, em 1988, não
houve uma recepção constitucional do conceito
histórico de casamento, sempre considerado como
via única para a constituição de família e, por vezes,
um ambiente de subversão dos ora consagrados
princípios da igualdade e da dignidade da pessoa
humana. Agora, a concepção constitucional do
casamento - diferentemente do que ocorria com os
diplomas superados - deve ser necessariamente
plural, porque plurais também são as famílias e,
ademais, não é ele, o casamento, o destinatário final
da proteção do Estado, mas apenas o intermediário
de um propósito maior, que é a proteção da pessoa
humana em sua inalienável dignidade.
4.
O
pluralismo
Constituição
–
familiar
explicitamente
engendrado
reconhecido
pela
em
precedentes tanto desta Corte quanto do STF impede se pretenda afirmar que as famílias formadas
por pares homoafetivos sejam menos dignas de
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proteção do Estado, se comparadas com aquelas
apoiadas
na
tradição
e
formadas
por
casais
heteroafetivos.
5. O que importa agora, sob a égide da Carta de
1988, é que essas famílias multiformes recebam
efetivamente a "especial proteção do Estado", e é
tão somente em razão desse desígnio de especial
proteção que a lei deve facilitar a conversão da
união estável em casamento, ciente o constituinte
que, pelo casamento, o Estado melhor protege esse
núcleo doméstico chamado família.
6. Com efeito, se é verdade que o casamento civil é
a forma pela qual o Estado melhor protege a família,
e
sendo
múltiplos
os
"arranjos"
familiares
reconhecidos pela Carta Magna, não há de ser
negada essa via a nenhuma família que por ela
optar, independentemente de orientação sexual dos
partícipes, uma vez que as famílias constituídas por
pares homoafetivos possuem os mesmos núcleos
axiológicos
daquelas
heteroafetivos,
quais
constituídas
sejam,
a
por
casais
dignidade
das
pessoas de seus membros e o afeto.
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7. A igualdade e o tratamento isonômico supõem o
direito a ser diferente, o direito à auto-afirmação e a
um projeto de vida independente de tradições e
ortodoxias. Em uma palavra: o direito à igualdade
somente se realiza com plenitude se é garantido o
direito à diferença . Conclusão diversa também não
se
mostra
constitucional
consentânea
que
prevê
com
o
um
ordenamento
princípio
do
livre
planejamento familiar (§ 7º do art. 226). [...]
8. [...]
9.[...]
10. [...]
11. Recurso especial provido.” (g.n.)
A decisão cuja ementa se transcreve, foi proferida
cinco meses após o Supremo Tribunal Federal decidir a ADPF n.
132/RJ e a ADI n. 4277/DF, de Relatoria do Min. Ayres Brito,
ocasião em que se pronunciou pela procedência das ações e com
efeito vinculante, no sentido de dar interpretação conforme a
Constituição Federal para excluir qualquer significado do artigo 1.723
do Código Civil que impeça o reconhecimento da união entre pessoas
18
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do mesmo sexo como entidade familiar. Da ementa, destaco os
seguintes trechos:
“EMENTA:
1. [...]
O
sexo
das
pessoas,
salvo
disposição
constitucional expressa ou implícita em sentido
contrário, não se presta como fator de desigualação
jurídica. Proibição de preconceito, à luz do inciso IV
do art. 3º da Constituição Federal, por colidir
frontalmente
com
o
objetivo
constitucional
de
“promover o bem de todos”. [...]
Reconhecimento do direito à preferência sexual
como direta emanação do princípio da “dignidade da
pessoa humana”: direito a auto-estima no mais
elevado ponto da consciência do indivíduo. Direito à
busca da felicidade. Salto normativo da proibição do
preconceito
para
a
proclamação
do
direito
à
liberdade sexual. O concreto uso da sexualidade faz
parte
da
autonomia
da
vontade
das
pessoas
naturais. Empírico uso da sexualidade nos planos da
intimidade
e
da
privacidade
constitucionalmente
19
PODER JUDICIÁRIO
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tuteladas. Autonomia da vontade. Cláusula pétrea.
3. [...]
4. [...]
5. [...]
6. [...]
Ante a possibilidade de interpretação
em sentido preconceituoso ou discriminatório do art.
1.723 do Código Civil, não resolúvel à luz dele
próprio, faz-se necessária a utilização da técnica de
“interpretação conforme à Constituição”. Isso para
excluir do dispositivo em causa qualquer significado
que impeça o reconhecimento da união contínua,
pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo
como família. Reconhecimento que é de ser feito
segundo as mesmas regras e com as mesmas
consequências da união estável heteroafetiva.”
O art. 1.723 do Código Civil é detentor da seguinte
dicção:
“Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a
união
estável
entre
o
homem
e
a
mulher,
20
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configurada na convivência pública, contínua e
duradoura
e
estabelecida
com
o
objetivo
de
constituição de família.”
Ora, se a Suprema Corte, a quem, em última
análise, cabe dizer o que é e o que não é constitucional, decidiu,
unanimemente e com efeito vinculante, que as uniões estáveis
homoafetivas devem ser reconhecidas como entidades familiares e
que o art. 1.723 do Código Civil deve receber interpretação conforme,
arredando do dispositivo qualquer significado que impeça o aludido
reconhecimento - que para todos os efeitos se submete as mesmas
regras e gera os mesmos efeitos da união estável heteroafetiva – é
forçoso concluir que o Superior Tribunal de Justiça nada mais fez que
dar efetividade a essa interpretação.
Portanto, se as expressões “homem e mulher”
contidas no art. 1.723 do Código Civil devem receber interpretação
conforme e serem lidas como se ali estivesse a expressão
“indivíduos”, como trilhar outro caminho que não o adotado pelo
Superior Tribunal de Justiça?
Sim, porque o art. 226, §3º, da
Constituição Federal, foi praticamente reproduzido no Código Civil,
acrescendo-se que o texto constitucional já sintetiza o reconhecimento
21
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do Estado à união estável e orienta o legislador infraconstitucional a
facilitar sua conversão em casamento.
Art. 226. [...]
[...]
§ 3º. Para efeito da proteção do Estado, é
reconhecida a união estável entre o homem e a
mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar
sua conversão em casamento.
Assim, se as expressões homem e mulher devem
ser lidas como indivíduos, arredando qualquer interpretação que
impeça o reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo
sexo e o texto constitucional ordena a facilitação da conversão da
união estável em casamento, forçoso é reconhecer que o Superior
Tribunal de Justiça somente palmilhou o único caminho possível,
prévia e deliberadamente pontilhado pelo próprio Supremo Tribunal
Federal.
E a quem sustenta que ao fazê-lo o julgador
usurpou o poder constituinte, em virtude da ausência de lei que
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autorize o casamento homoafetivo, destaco os itens n. 8, 9 e 10 da
ementa do REsp 1183378:
“8. Os arts. 1.514, 1.521, 1.523, 1.535 e 1.565,
todos do Código Civil de 2002, não vedam
expressamente o casamento entre pessoas do
mesmo sexo, e não há como se enxergar uma
vedação implícita ao casamento homoafetivo sem
afronta a caros princípios constitucionais, como o da
igualdade, o da não discriminação, o da dignidade
da pessoa humana e os do pluralismo e livre
planejamento familiar.
9. Não obstante a omissão legislativa sobre o tema,
a maioria, mediante seus representantes eleitos, não
poderia
mesmo
"democraticamente"
decretar
a
perda de direitos civis da minoria pela qual
eventualmente nutre alguma aversão. Nesse cenário,
em regra é o Poder Judiciário - e não o Legislativo
- que exerce um papel contramajoritário e protetivo
de especialíssima importância, exatamente por não
ser compromissado com as maiorias votantes, mas
apenas com a lei e com a Constituição, sempre em
vista a proteção dos direitos humanos fundamentais,
sejam eles das minorias, sejam das maiorias. Dessa
23
PODER JUDICIÁRIO
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forma, ao contrário do que pensam os críticos, a
democracia se fortalece, porquanto esta se reafirma
como
forma
de
governo,
não
das
maiorias
ocasionais, mas de todos.
10. Enquanto o Congresso Nacional, no caso
brasileiro,
não
assume,
explicitamente,
sua
coparticipação nesse processo constitucional de
defesa e proteção dos socialmente vulneráveis, não
pode o Poder Judiciário demitir-se desse mister, sob
pena de aceitação tácita de um Estado que somente
é
"democrático"
formalmente,
sem
que
tal
predicativo resista a uma mínima investigação acerca
da universalização dos direitos civis.”
Por derradeiro, consigno não haver nos arts. 1.514,
1.517, 1.521, 1.523, 1.535, 1.565 ou 1.723 em qualquer outro do
Código Civil ou legislação extravagante, vedação expressa de
casamento entre pessoas do mesmo sexo, decorrendo daí a
necessidade de conformar os textos infra-constitucionais para que não
haja
afronta
aos
direitos
fundamentais
de
primeira
geração,
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constitucionalmente consagrados. Nesse sentido as palavras do Min.
Luis Felipe Salomão4:
“... não há como se enxergar uma vedação implícita
ao casamento homoafetivo sem afronta aos caros
princípios constitucionais, como o da igualdade, o da
não discriminação, o da dignidade da pessoa
humana e os do pluralismo e livre planejamento
familiar.”
Portanto, senhores, gostando ou não, os nossos
semelhantes
-
que
por
desígnios
insondáveis
e
de
forma
absolutamente involuntária, encontraram o amor no sexo igual, mesmo
as convenções apontando que este sentimento deveria ser encontrado
no sexo oposto - deverão receber do estado idêntico tratamento e de
cada um de nós o mais absoluto respeito. Pois só assim,
construiremos a sociedade justa, livre e solidária, ansiada no art. 3º
da Constituição Federal.
No dia em que a liberdade de amar entre pessoas
maiores e capazes for liberta das amarras do preconceito e vermos
4
REsp 1183378
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com absoluta naturalidade essas combinações, então saberemos que
mais um degrau foi galgado na nossa evolução social e humana.
Muito Obrigado!
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proteção do Estado, é reconhecida a união estável