Juliana Mesquita Nunes ABORDAGEM AO ABDOME AGUDO E SÍNDROME DILATAÇÃO-VÓLVULO - TORÇÃO GÁSTRICA Belo Horizonte 2009 Juliana Mesquita Nunes ABORDAGEM AO ABDOME AGUDO E SÍNDROME DILATAÇÃO-VÓLVULO-TORÇÃO GÁSTRICA Monografia apresentada para a conclusão do Curso de Especialização “Latu sensu” em Clínica Médica e Cirúrgica de Pequenos Animais – UNIP Orientadora: Prof.ª Flávia de Rezende Eugênio Belo Horizonte 2009 2 Resumo NUNES, J.M. Abordagem ao Abdome Agudo e Síndrome da DilataçãoVólvulo-Torção Gástrica. 2009. 40f. Monografia (Especialização em clínica médica e cirúrgica de pequenos animais) – Instituto de Pós-Graduação Qualittas UNIP, Belo Horizonte, 2009. O abdome agudo pode ser definido como um episódio de dor abdominal intensa onde os pacientes podem apresentar vômito, diarréia, distensão abdominal, alterações no andar e de postura, anorexia, letargia ou choque. Várias desordens estão associadas com a dor abdominal, entre elas as gastrintestinais, hepáticas, esplênicas e urogenitais. A abordagem do abdome agudo deve ser rápida, organizada e eficiente. A Síndrome dilatação-vólvulo-torção gástrica (DVGT) é emergência clínica médica e cirúrgica com alta mortalidade no cão. Ocorre principalmente em cães de raças grandes e que possuem “peito profundo.” O reconhecimento precoce desta entidade é de fundamental importância para o tratamento com sucesso desta síndrome. A causa definitiva ainda está por esclarecer. Provavelmente esta patologia resulta de uma interação de vários fatores de risco. Não existe nenhuma prevenção não cirúrgica de DVTG conhecida. A gastropexia preventiva em animais predispostos é o método mais eficaz para evitar a ocorrência, podendo ser recomendado como profilaxia em animais valiosos. Palavras-chaves: Abdome agudo, dor abdominal, síndrome dilatação-vólvulotorção gástrica (DVGT), gastropexia. 3 Abstract NUNES, J.M. Approach to the Syndrome of Acute Abdomen and Dilatation-Volvulus-Gastric torsion. 2009. 40f. Monografia (Specialization in medicine and surgery of small animals) - Office of Graduate Studies Qualittas, UNIP, Belo Horizonte, 2009. The acute abdomen can be defined as an episode of intense abdominal pain which the patients may have vomiting, diarrhea, abdominal distension, changes in walking and posture, anorexia, lethargy and shock. Several disorders are associated with abdominal pain, including the gastrointestinal, liver, spleen, and urogenital. The approach of the acute abdomen should be fast, organized and efficient. The dilation-volvulus syndrome, gastric torsion (DVGT) is general medical and surgical emergency with high mortality in the dog. It occurs mainly in dogs of breeds that have large and "chest deep." Early recognition of this entity is of fundamental importance for the successful treatment of this syndrome. The final cause is still unclear. Probably this condition results from an interaction of several risk factors. There is no prevention of surgical DVTG not known. The gastropexia preventive in predisposed animals is the most effective method to avoid, may be recommended as prophylaxis in valuable animals. Keywords: Acute abdomen, abdominal pain, dilation-volvulus syndrome, gastric torsion (DVGT), gastropexia. 4 Lista de Quadros e Tabelas 1. Quadro 1: Principais causas de vômito agudo e diarréia aguda.............11 2. Quadro 2: Técnica de realização da Lavagem Peritoneal Diagnóstica (LPD)..............................................................................................................13 3. Quadro 3: Enfermidades causadoras de abdome agudo associadas ao manejo adotado............................................................................................14 4. Quadro 4: Relação entre alguns sinais clínicos e a suspeita de diagnóstico....................................................................................................16 5. Quadro 5: Esquema simplificado sobre a patofisiologia da dilatação/vólvulo gástrico............................................................................21 6. Quadro 6: Tipos de manifestações anatomopatológicas.........................23 7. Quadro 7: Fisiopatologia da dilatação /vólvulo gástrico..........................26 5 Lista de figuras 1. Ilustração 1: Torção Gástrica.................................................................22 2. Ilustração 2: Dilatação Gástrica.............................................................27 3. Ilustração 3: Correção da Torção Gástrica...........................................32 4. Ilustração 4: Gastropexia Incisional......................................................33 5. Ilustração 5: Gastropexia Circuncostal.................................................34 6. Ilustração 6:Gastrostomia com aplicação de tubo..............................35 7. Ilustração 7: Gastrostomia com aplicação de tubo.............................36 8. Ilustração 8: Estômago necrosado........................................................36 9. Ilustração 9: Gastrectomia parcial.........................................................37 10. Ilustração 10: Esplenectomia.................................................................38 6 Sumário: Resumo........................................................................................................................03 Abstract........................................................................................................................04 Lista de Quadros e Tabelas........................................................................................05 Lista de Figuas.............................................................................................................06 Abordagem ao abdome agudo: 1. Introdução.................................................................................................................09 2. Revisão de literatura................................................................................................09 2.1. Patofisiologia da dor abdominal..........................................................................09 2.2.Avaliação do paciente............................................................................................10 2.3.Avaliação laboratorial............................................................................................12 2.4.Avaliação complementar.......................................................................................13 2.5.Abordagem e manejo do paciente........................................................................13 2.6.Analgesia.................................................................................................................16 3.0conclusão.................................................................................................................17 Síndrome Dilatação-Torção gástrica: 1.Introdução..................................................................................................................18 2.Revisão de literatura.................................................................................................18 2.1.Incidência do Moléstia e Susceptilidade racial....................................................18 2.2.Fatores de risco......................................................................................................19 2.3.Fisiopatologia.........................................................................................................19 2.4.Efeitos em outros sistemas do organismo..........................................................24 2.5.Sintomas clínicos e diagnóstico...........................................................................27 7 2.6.Achados radiográficos...........................................................................................28 2.7.Tratamento pré-operatório de emergência..........................................................30 2.8.Tratamento cirúrgico..............................................................................................31 2.9.Correção da torção gástrica..................................................................................31 2.10.Gastropexia...........................................................................................................32 2.11.Gastropexia incisional.........................................................................................32 2.12.Gastropexia circuncostal.....................................................................................33 2.13.Gastrostomia com aplicação de tubo.................................................................34 2.14.Gastrectomia parcial............................................................................................35 2.15.Esplenectomia......................................................................................................37 2.16.Complicações pós-operatórias...........................................................................38 2.17.Conclusão.............................................................................................................38 Referências Bibliográficas..........................................................................................40 8 1) - Introdução: O abdome agudo pode ser definido como uma enfermidade que se inicia subitamente com dor abdominal. Sinais abdominais agudos estão associados com distúrbios que ameaçam a vida e necessitam de terapia imediata, por isso a realização de cirurgia de emergência ou tratamento com medicamentos frequentemente constitui um dilema. O veterinário deve adotar rapidamente uma postura, definindo um plano terapêutico apropriado através da sua experiência profissional, testes laboratoriais, Raio X e LPD. O sucesso no manejo desses pacientes requer acurácia clínica, informações precisas no diagnóstico, e tratamento imediato e correto. 2)-Revisão de Literatura: A elevada importância que os animais de estimação têm ocupado na vida das pessoas denota necessidade de pesquisas de novas condutas médicas e cirúrgicas que possam ser aplicadas. O abdome agudo pode ser definido como um episódio de dor abdominal intensa onde os pacientes podem apresentar vômito, diarréia, distensão abdominal, alterações no andar e de postura, anorexia, letargia ou choque. Várias desordens estão associadas com a dor abdominal, entre elas as gastrintestinais, hepáticas, esplênicas e urogenitais. A abordagem do abdome agudo deve ser rápida, organizada e eficiente. O trato gastrintestinal é extremamente sensível às injúrias traumáticas, sépticas e isquêmicas. É preciso mantê – lo sempre “ocupado” para evitar úlceras de estresse, erosões, sangramentos e outras lesões que iniciem a cascata de translocação, para isso a nutrição enteral deve ser iniciada rapidamente. 2.1) – Patofisiologia da dor abdominal: A dor abdominal nos casos de abdome agudo está sempre presente e é necessário determinar sua localização, início, progressão e características básicas. Ela é transmitida por vias sensoriais aferentes, que carregam os impulsos nocioceptivos até o corno dorsal da medula espinhal, caminha pela via espinotalâmica e trato espinorreticular até o tálamo e são liberadas no córtex cerebral, onde a sensação de consciência é percebida. De acordo com a localização, podemos descrever três tipos de dor abdominal: visceral, parietal e difusa ou aplicada. A dor visceral é mediada por fibras aferentes C, localizadas nas paredes de cavidades viscerais, cápsula de órgãos sólidos abdominais, mesentério e peritônio caudal. É desencadeada após distensão, inflamação ou isquemia por estimulação de neurônios receptores ou por envolvimento direto de nervos sensoriais. A dor é entorpecente, lenta, sem localização precisa e pode estar acompanhada de náusea, apatia e vômito. Normalmente o paciente com esse tipo de dor se move de um lado para o outro tentando se desvencilhar do desconforto. A dor parietal é mediada por fibras nervosas delta C e A, sendo a última responsável pela transmissão aguda, severa e sensação de dor localizada. Origina-se no peritônio parietal geralmente fazendo com que o paciente prefira ficar imóvel. A dor aplicada é sentida num sítio distante, mas suprida pelos mesmos neurosegmentos como em órgãos abdominais, isso ocorre porque algumas células do cordão espinhal recebem fibras sensitivas da dor visceral e fibras periféricas. 9 A localização da dor serve como um guia para o diagnóstico, sendo que, em apenas dois terços dos casos, são reportadas descrições atípicas. É de suma importância localizar a dor, para que a abordagem seja mais específica e a terapêutica apropriada. O modo de início da dor abdominal pode ser explosivo (em segundos), rapidamente progressivo (em uma ou duas horas) ou gradual (várias horas). Acompanhando a dor, os sinais sistêmicos como taquicardia, taquipnéia e choque sobrepõem os distúrbios abdominais e diminuem o risco no caso de pronta ressuscitação e laparotomia, A progressão da doença vai de uma dor branda permanente, que fica centrada em área bem localizada, em torno de uma a duas horas, chegando à dor entorpecente. Os sintomas gastrintestinais associados não são frequentes no início e os sintomas sistêmicos estão ausentes. É essencial observar as características básicas da dor, como a natureza, a severidade e a periodicidade que geram pistas importantes para se definir as causas. 2.2) – Avaliação do Paciente: A abordagem inicial deve conter uma história clínica e exame físico dirigido. Raça, idade, sexo ou peso podem ajudar a diminuir a lista de diferenciais (Dilatação/Torção Gástrica em raças gigantes, piometra em fêmeas, pancreatite em fêmeas de meia idade e raça média, parvovirose em filhotes, etc.). O exame físico deve incluir inspeção, palpação, auscultação e percussão do abdome, com o objetivo de localizar a dor e detectar presença de ondas e fluidos, órgãos com gases e massas sólidas. O abdome pode ser inspecionado e avaliado se há distensão, deformidades, deslocamento ou edema; os pêlos do abdome devem ser tricotomizados para melhorar a visualização de petéquias ou outras anormalidades. Uma região umbilical avermelhada pode indicar hemorragia intra – abdominal, enquanto que massas firmes podem sugerir neoplasias primárias ou metastáticas intra – abdominais. O diagnóstico de herniações é importante nessa fase. Petéquias e equimoses indicam coagulopatias como coagulação intravascular disseminada (CID). A auscultação da cavidade abdominal pode mostrar aumento dos borborigmos em enterites agudas, obstrução intestinal aguda e intoxicações. Diminuição dos sons intestinais indica íleo, obstrução crônica, peritonite ou presença de fluido peritoneal. Sons ectópicos ou auscultados fora da cavidade abdominal podem indicar hérnia diafragmática ou presença de corpo estranho. A palpação abdominal pode detectar dor, distensão, aumento de órgãos, presença de fluidos e massas. Percussão no abdome é usada para detectar fluido abdominal, delinear linhas de fluido e demonstrar a presença de gás. O balotamento pode ser usado para detectar fluido abdominal. Pacientes com abdome agudo geralmente estão instáveis em seus padrões respiratórios e cardiovascular, por isso a avaliação dos sinais vitais deve ser concluída dentro de 30 a 60 segundos. Podem também apresentar hipotermia ou se tornarem hipotérmicos durante a ressuscitação secundária a infusão intravascular de grandes volumes de fluidos. A hipotermia interfere nas funções metabólicas normais levando à disfunção cardíaca, vasodilatação na sua fase tardia e interferência na cascata de coagulação. 10 O exame deve ser rápido e a determinação do procedimento a ser seguido é importante (cirúrgico ou não). Em caso de dúvida o ideal é fazer uma laparotomia exploratória, antes que o paciente deteriore. Na maioria das vezes, o diagnóstico de abdome agudo pode ser dado baseando – se nos sinais clínicos, como: letargia ou depressão, anorexia, vômito e distensão abdominal. Esses pacientes normalmente sentem dor à palpação abdominal, embora a dor possa não estar evidente em pacientes apáticos. Alguns desses pacientes devem ser medicados, outros requerem cirurgia de emergência. A opção por um procedimento de emergência deve ser feita nas seguintes situações: traumatismos (hemorragia persistente, ferimento penetrante na cavidade, ruptura de bexiga, por exemplo), obstrução gastrintestinal (corpo estranho, neoplasia, etc.), acidentes gastrintestinais (torção, volvo ou intussuscepção, entre outros), peritonite, torção hepática ou esplênica, massas abdominais e acidentes vasculares. Muitas vezes o paciente apresenta um quadro agudo de vômito e/ou diarréia. É de extrema importância tentar diferenciar as possíveis causas destas alterações (Quadro 1). Quadro 1: Principais causas de vômito agudo e diarréia aguda CAUSAS DE VÔMITO AGUDO Gastrintestinais primárias: CAUSAS DE DIARRÉIA AGUDA Gastrintestinais primárias: Gastrite aguda Doenças infecciosas Neoplasias Doenças parasitárias Ulcerações Gastroenterite hemorrágica Gastroenterite eosinofílica Obstrução intestinal Parasitismo Linfossarcoma intestinal Enterites infecciosas Doença inflamatória idiopática Obstruções Intolerância à dieta Corpos estranhos Intussuscepção Doença renal Extragastrintestinais: Doença hepática Doença hepática Pancreatite Doença renal Doenças endócrinas Pancreatite Intoxicações Doenças endócrinas Desordens do SNC Piometra Distúrbios eletrolíticos Desordens do SNC Intoxicações Reações medicamentosas Extragastrintestiais: Fonte: Revista Nosso Clínico: “Emergências Gastrintestinais” 11 2.3) – Avaliação laboratorial: Exames laboratoriais são frequentemente necessários para se determinar a extensão da doença e confirmar o diagnóstico. Hematócrito, proteína total, uréia, glicose e urinálise devem ser considerados. O perfil eletrolítico é de indiscutível importância para se definir o fluido adequado e as correções necessárias. Havendo tempo, um hemograma com plaquetas, leucograma, painel bioquímico completo e dosagem de amilase e lipase são auxiliares na busca de outras patologias que possam estar causando ou agravando o caso. Nos pacientes críticos ou sépticos, um estudo das funções de coagulação, cultura sanguínea ou de urina e gasometria devem ser cogitados. Como regra geral, a condição clínica do paciente vai eleger a conduta dos exames complementares. A lavagem peritoneal diagnóstica (LPD) é uma técnica simples e de grande valor diagnóstico em muitos quadros abdominais. A LPD é importante para se avaliar a necessidade de uma laparotomia exploratória e apresenta vários benefícios, como: Remoção de sangue acumulado, que é fonte de hemoglobina; Redução do número de bactérias; Remoção de toxinas bacterianas e enzimas lisossomais da grande área de absorção; Remoção de materiais estranhos irritantes; Remoção de neutrófilos degenerados e debris celulares; Diluição de fibrinogênio e fibrina que são os substratos da formação de aderências. A LPD deve ser indicada em casos onde houve perda de detalhe no Raio – X abdominal, injúria múltipla, choque, sinais de trauma contuso, dor persistente ou complicações pós operatórias como extravazamento de conteúdo intestinal após enterotomia. O fluido de LPD deve ser avaliado visualmente, citologicamente, bioquimicamente e para culturas anaeróbias e aeróbias. Um fluido muito claro quase sempre exclui uma peritonite séria ou patologia inflamatória mais grave. Um líquido turvo e floculento é bastante sugestivo de peritonite. A coloração mais esverdeada geralmente contém bile e indica extravazamento de líquido biliar. O fluido rosa com hematócrito abaixo de 1% indica hemorragia leve e fluido vermelho com hematócrito acima de 2% ou 5% indica hemorragia severa e obriga monitoramento mais rígido do paciente. Uma contagem de leucócitos entre 500 e 200/mm³ pode ser indicativa de peritonite se não houve leucocitose periférica ou se o paciente não tiver sofrido intervenção cirúrgica recente. A presença de neutrófilos degenerados ou bactérias fagocitadas sugere peritonite supurada ou séptica. A avaliação bioquímica para bilirrubina, amilase e creatinina acima dos valores séricos normais indica vazamento biliar, pancreatite e ruptura do trato urinário, respectivamente. A acurácia da lavagem peritoneal fica prejudicada se não houver um período mínimo de três a seis horas entre a contaminação e o aparecimento de células inflamatórias no fluido recuperado e também nos casos de doença no espaço retroperitoneal em que não se detectará a anomalia. O Quadro 2 descreve a técnica completa para realização da lavagem peritoneal diagnóstica. 12 Quadro 2: Técnica de realização da Lavagem Peritoneal Diagnóstica (LPD) Esvazie a bexiga; Posicione o paciente em decúbito dorsal ou lateral e prepare cirurgicamente a área ventral do abdome; Infiltre a pele, fáscia e peritônio parietal com anestésico local, 1 a 3 cm caudal à cicatriz umbilical; Com uma lâmina de bisturi faça uma incisão de 0.5 a 1 cm na fáscia; Entre com o catéter através da área anestesiada dentro do peritônio e avance na direção dorso caudal; Se o fluido retornar de imediato, colha a amostra para análise. Se isso não ocorrer, conecte um equipo e um fluido morno (salina 0,9%) e injete 22mg/Kg. Gentilmente, vire o paciente para os dois lados para distribuir bem o fluido e drene por aspiração ou gravidade. Colete de 10 a 20 ml do fluido. Remova o cateter e suture o local ou mantenha o cateter suturado para novas lavagens. A incisão pode ficar aberta ou ser suturada Fonte: Revista Nosso clínico: “Emergências Gastrintestinais” 2.4) – Avaliação complementar: Exames complementares como radiografias, ultrassom, endoscopia e outras técnicas diagnósticas podem ser de grande utilidade. Os exames radiográficos torácico e abdominal são sempre indicados, usando contrastes se necessário e possível. O ultrassom pode ser útil no diagnóstico, exceto na presença de excesso de ar na cavidade abdominal. 2.5) – Abordagem e manejo do paciente: Animais com abdome agudo podem ser classificados em três categorias: Não cirúrgicos: animais que não requerem cirurgia de emergência e são primeiramente abordados clinicamente. Urgentes: animais que devem ser operados rapidamente, no máximo em 12 horas. Críticos: animais que requerem cirurgia imediata após estabilização. O atraso na decisão cirúrgica aumenta o risco do paciente. 13 Quadro 3: Enfermidades causadoras de abdome agudo associadas ao manejo adotado NÂO CIRÚRGICAS CASOS URGENTES CASOS CRÍTICOS Pancreatite aguda Obstrução intestinal Dilatação vólvulo gástrica Gastroenterite hemorrágica Ruptura de bexiga Vólvulo intestinal Parvovirose Obstrução do trato urinário Peritonite aguda Doença do disco intervertebral Dilatação Trauma Hiperlipidemia vólvulo interna Doença hepática Torção esplênica Intussuscepção intestinal Ingestão de toxina Ruptura esplênica Hérnia diafragmática Úlcera gastroduodenal Ruptura vesícula biliar Feridas Colites Abscesso prostático abdominais Nefrite aguda Torção testicular Corpo estranho linear gástrica sem Obstrução com hemorragia perfurantes total (corpo estranho) Torção esplênica ou testicular Fonte: Revista Nosso Clínico: “Emergências gastrintestinais” Existem dois métodos básicos de abordagem ao paciente com abdome agudo. O primeiro é seguir o diagnóstico presuntivo ou ir de acordo com a avaliação inicial (decidir se o paciente precisa ou não de cirurgia baseado nos sintomas clínicos, resultados do exame físico e resposta primária à terapia). O outro meio seria estabelecer um diagnóstico clínico – patológico, de onde as decisões partiriam. Para algumas patologias, como o complexo Dilatação/Torção Gástrica, o diagnóstico é rápido e acurado. Isto não é regra e nem sempre possível, principalmente se o paciente tem dor abdominal aguda e chega em emergência. Nesses casos a opção é sempre a primeira abordagem. O clínico deve se ater não somente na necessidade de confirmação do diagnóstico, mas principalmente nos cuidados necessitados pelo paciente. A abordagem deve seguir a ordem: exame físico rápido para identificar o que pode prejudicar o paciente, ressuscitação se necessário e um exame físico mais completo para identificar todos os problemas. O Objetivo da ressuscitação é reverter os sinais de choque e promover oxigenação efetiva das células. Nos pacientes da emergência, a seqüência ABC (ar, batimentos, circulação) é obrigatória, em seguida deve–se providenciar um painel laboratorial. O choque no abdome agudo pode levar a hipovolemia, sepse e falência múltipla de órgãos, por isso é essencial à suplementação de oxigênio e fluidoterapia. A mucosa gastrintestinal pode sofrer dois tipos de seqüelas no quadro septicêmico: perda de água, eletrólitos e proteínas em excesso, dificultando a manutenção de hidratação adequada e balanço energético positivo e também translocação bacteriana resultando em falência múltipla de órgãos e progressão para estágio irreversível de choque. Basicamente a translocação ocorre pela passagem de 14 bactérias nativas da mucosa gastrintestinal até os linfonodos mesentéricos e órgãos em geral, agravando a septicemia e levando à morte. A infusão de antibióticos de amplo espectro deve ser lembrada na sepse. Os esteróides serão sempre foco de controvérsia, valendo a experiência pessoal do clínico na decisão final. É necessário administrar cristalóides e colóides como: Ringer Lactato, Normosol – R ou Plasmalyte – A em pacientes que apresentam acidose metabólica. Colóides sintéticos como o Dextran – 70 e Hetastarch são eficientes em animais com hipovolemia. Para julgar a quantidade de fluido requerida deve – se observar o débito urinário, pressão venosa central e a pressão arterial. A ressuscitação com salina hipertônica associada a um colóide, restabelece a função cardiovascular, além de reduzir significativamente a quantidade de fluido necessária que em excesso representa risco para o paciente. O tratamento inclui suplementação de oxigênio para maximizar a perfusão tissular e taxa de infusão constante de anti–arrítimicos (lidocaína e/ou procaína) nos pacientes com alteração eletrocardiográfica. Pacientes com sinais de choque devem receber oxigênio em médias altas (5 15l/min), administrados por cateter nasal, transtraqueal, cateter tipo óculos, máscara ou colar elizabetano. Existem seis vias principais para o início da dor abdominal: hepatobiliar, esplênica, urogenital, gastrintestinal, pancreática e parietal. Localizar a via de acesso da dor e complementar com dados de anamnese, exame físico, laboratorial, LPD e imagem auxiliará no início imediato do tratamento. Podemos associar alguns sinais clínicos, por sua intensidade e localização, às alterações e distúrbios em órgãos ou regiões específicas que provocam e/ou agravam o quadro de abdome agudo. Após esta avaliação minuciosa, algumas indicações para cirurgia imediata devem ser seguidas: Hemorragia incontrolável ou inabilidade de estabilizar o paciente com drogas; Gás livre em radiografias; Dilatação/Torção Gástrica Bactérias intracelulares, material fecal ou vegetal e predominância de neutrófilos degenerados no fluido de LPD; Bilirrubina ou amilase no fluido abdominal Obstrução intestinal completa por corpo estranho linear; Injúria abdominal penetrante; Torção esplênica com vólvulo mesentérico; Ferimento à bala; Evisceração. 15 Quadro 4: Relação entre alguns sinais clínicos e a suspeita de diagnóstico SINAIS CLÍNICOS SUSPEITA Dor abdominal cranial Alterações hepatobiliares, pancreáticas, no estômago ou duodeno. Icterícia, hepatomegalia e bilirrubina/enzimas Doença hepática hepáticas elevadas. Ingestão de gordura, vômito, dor abdominal Pancreatite cranial direita e amilase/lípase elevadas. Uso de esteróides ou antiinflamatórios não Distúrbios gastroduodenais esteroidais, hematemese, anemia ou vômito. Dor abdominal central Alteração no baço, rins, intestino e/ou linfonodos associados ao útero. Presença de esplenomegalia, anemia, Doença e/ou ruptura esplênica hemoperitônio. Azotemia, isostenúria, sedimento celular na Doença renal urina e dor na região dorsal média. Vômito, diarréia, desidratação, distúrbios Distúrbios intestinais eletrolíticos, melena ou hematoquezia, palpação alterada. Estrutura tubular aumentada no abdome médio Piometra, torção ou gestação. de fêmeas não castradas Dores abdominais caudais Alterações na bexiga, próstata ou intestino grosso. Fonte: Revista Nosso Clínico: “Emergências gastrintestinais” 2.6) – Analgesia: A parte chave do tratamento para a maioria dos pacientes que apresentam abdome agudo é a analgesia. Após o exame inicial, o paciente deve ter a dor reduzida para ter conforto e também facilitar exames clínicos subseqüentes. Anorexia, balanço energético negativo, disfunção urinária e gastrintestinal, catabolismo tissular, fadiga e convalescência prolongada são alguns dos efeitos provocados pela dor. Por isso a analgesia pós–operatória é importante para diminuir a morbidade. Atualmente a analgesia pré–operatória é preconizada ao invés de se tratar a dor. Em animais com hérnia diafragmática ou dilatação gástrica severa, o aparelho respiratório pode estar significativamente comprometido, por isso o manejo anestésico inclui ventilação com pressão positiva e cuidados para que os analgésicos opióides não provoquem depressão respiratória. Estes podem ser administrados por infusão constante ou por cateterização epidural (morfina, oximorfina, butorfanol, meperidina ou buprenorfina). Os opióides apresentam a vantagem de minimizar a quantidade de anestesia geral durante a cirurgia. 16 O paciente deve ser monitorado rigorosamente enquanto é feita a ressuscitação e o preparo para a cirurgia. Sinais vitais, pressão arterial, pressão venosa central, eletrocardiograma e oximetria de pulso devem ser avaliados a cada trinta ou sessenta minutos em pacientes estáveis. 3)-Conclusão: Os pacientes em abdome agudo serão sempre um desafio diagnóstico e terapêutico ao clínico de emergência. A decisão de se recorrer à cirurgia ou tratar clinicamente é geralmente difícil e requer a assimilação completa das informações do paciente, sendo a manobra mais importante de todo o processo, podendo ser o elo entre o sucesso e o fracasso. A importância do exame clínico frequente e minucioso não pode ser subestimada. Se todos os diagnósticos não são definitivos e o paciente ainda apresenta os sinais de abdome agudo, fica indicada a laparotomia exploratória enquanto se dá o suporte médico. É importante o monitoramento intensivo e cuidados críticos com o paciente. 17 Síndrome da Dilatação - Vólvulo - Torção gástrica 1)–Introdução: A síndrome dilatação – vólvulo – torção gástrica (DVTG) é emergência clínica médica e cirúrgica com alta mortalidade no cão. O reconhecimento precoce desta entidade é de fundamental importância para o tratamento com sucesso desta síndrome. O clínico deve estar familiarizado com a epizootiologia, etiologia, anatomia patológica e fisiopatologia no sentido de providenciar cuidados terapêuticos e cirúrgicos eficientes. 2)-Revisão de literatura: A dilatação gástrica refere-se à distensão do estômago, causada mais frequentemente por ar deglutido. Geralmente, a dilatação também contém líquido e ingesta misturados com substrato mucóide espumoso. A dilatação implica numa condição inócua que pode ser facilmente corrigida passando-se um tubo estomacal para aliviar a distensão. Raramente dilatação é corrigida pela passagem de tubo estomacal. O paciente pode ser temporariamente aliviado, mas frequentemente pode sofrer torção coincidente que deveria ser diagnosticada pela ingestão de bário e exame radiográfico. A torção gástrica ocorre quando o estômago tubular rotaciona sobre si mesmo. A rotação comum inicia-se com o piloro e o antro pilórico passando do lado ventral direito do abdômen e rotacionando sob o estômago e repousando dorsalmente sobre o cárdia no lado esquerdo. Esta torção pode permanecer como ocorrência oculta e pode não conduzir à síndrome DVTG, ou a torção pode continuar desenvolvendo-se para vólvulo. Quando e se o vólvulo ocorrer, a síndrome DVTG resultante é evento fisiopatológico grave. Na torção, a drenagem estomacal pode não ser totalmente bloqueada. Muitos animais podem aparecer absolutamente normais, mas ainda estão sob condição de torção. Um diagnóstico precoce da torção permite ao clínico atuar para prevenir o desenvolvimento de vólvulo. O vólvulo gástrico ocorre se a torção continuar rotacionando sobre seu eixo maior. Este vólvulo obstrui completamente o fluxo gástrico de líquido, alimento e gases. A rotação do órgão oco precipita necrose por estrangulamento de segmentos da parede estomacal. Como a saída de gases é bloqueada, ocorre dilatação gástrica. 2.1)-Incidência da moléstia e susceptibilidade racial: Ocorre principalmente em cães de raças grandes e que possuem “peito profundo”. As raças mais afetadas são fila brasileiro, dog alemão, mastim napolitano, mastiff, dobermam, Setter, pastor alemão, são bernardo, serra da estrela, weimaraner. No entanto, ocasionalmente pode ocorrer em raças pequenas como os Bulldogs Ingleses, Terriers, Basset Hound, Teckels, apenas dilatação no estômago. Não existe predisposição sexual, podendo afetar animais entre 2 meses e 15 anos. Normalmente esta condição ocorre 2 a 3 horas após a ingestão de uma refeição. Segundo estudo desenvolvido pela Purina, “Estudos Epidemiológicos de torção do Estômago em cães,” as 10 raças mais susceptíveis à torção gástrica são: 18 1) Dogue Alemão 2) São Bernardo 3) Weimaraner 4) Setter Irlandês 5) Gordon Setter 6) Poodle Standard 7) Basset Hound 8) Dobermam 9) Old English Sheepdog 10) Braco Alemão de pêlo curto. Dados do estudo realizado pela Universidade Perdue de Medicina Veterinária sobre a doença: Tamanho: Quanto maior o cão, maior o risco; Conformação do tórax: Cães com tórax profundo e estreito são mais susceptíveis; Idade: Animais mais velhos correm maior risco, especialmente após os 7 anos; Base genética: se existem parentes do cão que já sofreram de torção gástrica o risco aumenta sensivelmente; Personalidade: segundo o estudo, cães mais tímidos e medrosos correm mais risco que aqueles mais amigáveis ou curiosos. 2.2)-Fatores de risco: A causa definitiva ainda está por esclarecer. Provavelmente esta enfermidade resulta de uma interação de vários fatores de risco, nomeadamente: exercício vigoroso após ingestão de grandes quantidades de água ou após refeições; ingestão de dietas muito fermentáveis associadas a uma única refeição diária, cadelas pós-parto com aumento das necessidades calóricas, stress e aumento da aerofagia (ingestão de ar). Animais que apresentem congenitamente um aumento da latitude dos ligamentos hepatoduodenais e hepatogástricos são mais predispostos a sofrerem de dilatação e torção gástrica. Defeitos na eructação e uma diminuição do esvaziamento gástrico contribuem também para o aparecimento de DVGT. 2.3)-Fisiopatologia: A torção rotaciona ao redor da junção gastroesofágica. Uma vez que o orifício gastroesofágico está fechado, não pode haver vômito ou eructação. A torção é continuada acompanhando a curvatura maior do estômago para o antro. O fundo e o antro-pilórico ao se expandirem comprimem a região piloroduodenal, bloqueando a saída de gás e líquido para o duodeno. As células gástricas do plexo ganglionar de Auerbach podem ser comprometidas devido à distensão, criando atonia posterior da parede estomacal. Estes pacientes podem inicialmente ter baixa atividade elétrica do potencial de contração presente na parede gástrica. Isto pode contribuir para a incapacidade do estômago em expelir pressões retidas, permitindo o desenvolvimento de DVTG. O gás retido causador da distensão gástrica deriva principalmente da aerofagia. Outras hipóteses são que, organismos clostridiais produzem gás, fermentação bacteriana de substrato adequado que produz CO², difusão de gases associada com 19 sangue retido na parede muscular aumenta o acúmulo de CO² e o aumento da pressão intragástrica possivelmente previne esta difusão gasosa, e ácido gástrico e bicarbonato reagem e formam CO². As fontes de bicarbonato podem ser as secreções pancreáticas e a saliva deglutida. Para cada miliequivalente de bicarbonato, 22,4 cc de CO² são liberados. Isto pode contribuir para a distensão gasosa aumentada após o bloqueio das saídas gástricas. A isquemia da musculatura gástrica ocorre quando a pressão gasosa intraluminal excede à pressão sistólica arterial que supre a parede muscular. O estômago torcido e distendido fisiologicamente inicia um “efeito dominó” profundo na maioria dos órgãos e sistemas do corpo. Se não for instituído tratamento rápido, agressivo e específico em três horas, o paciente geralmente morrerá. 20 Quadro 5: Esquema simplificado sobre a Patofisiologia da dilatação / vólvulo gástrico 21 O estômago normal contém geralmente gases, muco e o alimento que está a ser digerido. Submente-se a um ritmo normal de contração, recebendo o alimento do esôfago situado acima, submetendo o mesmo a um processo de digestão que culmina com a excreção dos dejetos. No estômago dilatado gases e/ou os alimentos expandem o estômago muitas vezes acima do seu tamanho normal, causando tremenda dor abdominal. Este estômago brutalmente distendido tem tendência a girar e a torcer-se sobre si mesmo cortando o acesso sanguíneo e impedindo a expulsão dos gases produzidos pela mesma. Com esta torção, dobram-se também os vasos sanguíneos que irrigam não só o próprio estômago, como também grande parte do abdômen e o animal entra rapidamente em estado de choque. Os alimentos no interior do estômago começam a fermentar e devido à torção gástrica existente, o conteúdo alimentar não sai nem para o exterior através do vômito, nem passa para os intestinos. A acumulação de gases que assim se vai formando no interior do estômago vai dilatando-o, provocando um aumento anormal do abdômen e compressão da caixa torácica, ocasionando mal-estar, dor abdominal e dificuldades respiratórias (Ilustração I). O baço é deslocado da sua posição anatômica natural, para uma zona mais ventral (inferior) da cavidade abdominal no decurso deste episódio, provocando a torção dos seus próprios vasos sanguíneos e, consequentemente, o seu aumento desmensurado de dimensão e peso, mas também a compressão da veia cava, o que ocasiona transtornos circulatórios graves. Ilustração 1 - Torção Gástrica 22 ROTAÇÃO HORÁRIA: 180° (Torção gástrica) 270 - 360° (Vólvulo gástrico) Quadro 06: Tipos de manifestações anatomopatológicas Rotação horária: Deslocamento crânio-ventral do antro e piloro da porção direita em direção à linha média ventral (A); Sobreposição do corpo e fundo gástrico pelo antro e piloro, que passam a ocupar a porção mais ventral à esquerda (B); Deslocamento dorso-lateral para a direita da curvatura maior do estômago e deslocamento do omento maior para a porção gástrica ventral (C,D). Fonte: Renato Linhares 23 2.4)-Efeitos em outros sistemas do organismo: Baço: As alterações vistas em órgãos vizinhos são relacionadas à pressão aplicada pela distensão do estômago e ao movimento anatômico do estômago e órgãos relacionados. Como a curvatura maior do estômago move-se em posição torcida, o baço é também tracionado para uma nova posição. Os vasos esplênicos são parcialmente ocluídos causando congestão venosa secundária e esplenomegalia. Esta rotação esplênica pode também causar necrose gástrica. Veia porta e veia cava caudal: A distensão gástrica restringe o fluxo sanguíneo normal portacaval e da veia cava caudal. Isto causa desvio do sangue através do seio vertebral ventral e veia ázigos à veia cava cranial e então para o coração direito. A oclusão da veia porta e veia cava caudal causam congestão passiva crônica marcante das vísceras abdominais. Esta obstrução anatômica é fator ulterior na síndrome de choque hipovolêmico. Órgãos abdominais: Desde que as veias que drenam o abdômen caudal são comprimidas, ocorre estase venosa nos órgãos. Os órgãos sofrem engurgitamento, aumento da viscosidade sanguínea e acidose local. Estes fatores podem iniciar coagulação intravascular disseminada (CID). Com o sequestro sanguíneo, ocorre dessaturação de oxi-hemoglobina, e o círculo vicioso continua. Fígado: O fígado normal recebe 85% de seu suprimento sanguíneo da veia porta. Como este suprimento é interrompido, a isquemia hepática resultante é outro fator que contribui para o início do choque hipovolêmico. Devido à falta de circulação portal, as células reticuloendoteliais do fígado não podem neutralizar as endotoxinas de bactérias gram-negativas. Estas endotoxinas precipitam o choque endotóxico, que potencia o choque hipovolêmico e apressa a morte. Sistema cardiovascular: Três componentes principais do sistema cardiovascular são vitais para continuidade da saúde do organismo. Não importa qual dos três componentes falhe – volume de líquido (sangue), a bomba (coração), ou as estruturas tubulares (artérias, veias, capilares) – os resultados são desastrosos. Na síndrome DVTG, a hipovolemia que resulta afeta todo o sistema cardiovascular. Na DVTG, raramente existe perda excessiva de sangue, mas simplesmente redistribuição do sangue respondendo à mediação de catecolaminas e adrenérgica. Resposta adrenérgica: A liberação de epinefrina e norepinefrina do córtex adrenal causa vasoconstrição das metarteríolas que penetram os leitos capilares e vasoconstrição das vênulas pós-capilares que deixam os leitos capilares de todos os órgãos do corpo, exceto coração e cérebro. Esta vasoconstrição hormonal torna a perfusão celular lenta. Conservação do volume sanguíneo: O paciente com DVTG tenta restabelecer o volume de sangue circulante redirecionando líquido dos pulmões, ossos, fígado, cartilagem e espaços teciduais extravasculares para os espaços intravasculares para compensar a hipovolemia que se desenvolve. A hipovolemia pode ser monitorizada medindo-se a pressão de volume sanguíneo que retorna ao coração direito (monitorização da pressão venosa central). 24 Débito cardíaco e perfusão tecidual: Retorno venoso reduzido ao átrio direito resulta em débito cardíaco diminuído. No início da síndrome DVTG, a pressão sanguínea pode permanecer normal ou estar aumentada. Com o desenvolvimento do choque, há geralmente um estado hipotensivo presente. O desenvolvimento do choque não é causado por queda na pressão sanguínea, portanto vasopressores não deveriam ser utilizados no tratamento da DVTG. A estimulação de nervos simpáticos gástricos pode também contribuir para a hipotensão. A hipotensão, fluxo sanguíneo circulante reduzido, baixa velocidade de fluxo e efeito adrenérgico continuam a sinergisticamente reduzir a perfusão tecidual. Em resumo, o quadro fisiopatológico marcante na DVTG é o choque hipovolêmico. A dilatação gástrica inicia o choque hipovolêmico através da obstrução funcional do fluxo sanguíneo pela veia cava caudal quando ela passa dorsalmente ao estômago distendido. A pressão intragástrica aumentada pode diminuir o fluxo sanguíneo através da veia porta. O retorno venoso colateral compensatório via seio vertebral ventral para a veia ázigos não é grande o suficiente para compensar, e ocorre seqüestro de sangue nos leitos capilares do baço dilatado, rim e músculos posteriores. Muitas outras conseqüências adversas da hipovolemia e congestão esplênica ocorrem. Hipotensão e estase vascular resultam em transmissão diminuída de oxigênio às células e mudança para metabolismo anaeróbico, com produção aumentada de ácidos orgânicos e eventualmente morte celular em muitos tecidos. Pulmões: O estômago dilatado no paciente com DVTG invade o diafragma torácico. A dilatação abdominal é extremamente dolorosa. O ato de respirar profundamente é comprometido devido dolorosa complacência reduzida resultando em uma diminuição no volume circulante dos pulmões. Como o volume circulante está diminuído, a taxa de respiração automaticamente aumenta para manter o volume minuto necessário. A resistência inspiratória e expiratória é aumentada gravemente e a complacência pulmonar é diminuída. Desde que o débito cardíaco está diminuído, a perfusão pulmonar é automaticamente diminuída, e desde que o volume circulante está diminuído, o nível de ventilação – perfusão não é mantido adequadamente. Como resultado pode-se ter edema pulmonar, hiperemia e hemorragia no local. Este quadro é referido como “Pulmão de choque”. Trato intestinal: A hipóxia do trato intestinal pode causar diminuição na motilidade intestinal, e a seqüela de ílio paralítico é comum. Ocorre lesão na parede gástrica uma vez que a mucosa gástrica normal é sujeita a alta pressão transmural que resulta em congestão, estase venosa e anóxia local. Desenvolvem-se hemorragia subepitelial e edema, mais tarde seguidos por gastrite hemorrágica. Pode ocorrer desvitalização da parede gástrica, com a área mais comumente infartada estando junto da curvatura maior na área servida pelos curtos vasos gástricos. 25 Quadro 07: Fisiopatologia da dilatação /vólvulo gástrico Fonte: Renato Linhares 2.5) – Sintomas clínicos e diagnóstico: Os sintomas clínicos associados com DVTG incluem início agudo de distensão abdominal com timpanismo, ânsia de vômito não produtiva, aumento da freqüência cardíaca, pulsos femurais fracos, sialorréia e inquietude, dispnéia e pobre perfusão da membrana mucosa. O cão começa por apresentar inquietação, movendo-se de um lado para o outro, tentando vomitar sem conseguir, baba-se, as gengivas começam a ficar pálidas, a respiração torna-se rápida e o abdômen dilata-se. Batendo na parede abdominal, atrás das costelas, provoca-se um som semelhante ao da percussão de um tambor. Se possível, a radiografia deve ser utilizada. Quando o tempo é importante e a tensão ao paciente deve ser minimizada, a posição de escolha para o diagnóstico de DVTG é o decúbito lateral direito. 26 Um piloro preenchido por gás e localizado dorsalmente e levemente cranial ao fundo do estômago preenchido por gás na posição de decúbito lateral direito é compatível com o diagnóstico de DVTG. A passagem de tubo gástrico não impede a presença de torção, e a torção pode persistir após descompressão por tubo com sucesso. Isto torna essencial radiografar para avaliação de todos os cães que não sofreram correção cirúrgica apropriada seguindo-se descompressão com tubo. Alguns cães terão dilatação apenas intermitentemente a despeito de ter torção gástrica. Nestes casos, um exame com contraste de bário ajudará a diferenciar dilatação gástrica simples de torção gástrica. Ilustração 2 - Dilatação gástrica Fonte: FOSSUM (2005) 27 2.6) – Achados radiográficos: Incidência lateral esquerda: estômago distendido e preenchido exclusivamente com gás; piloro pouco identificado. Fonte: Renato Linhares Incidência lateral direita: estômago distendido, presença de fluido na porção fúndica; piloro deslocado dorsalmente à esquerda e fundo à direita. . Fonte: Renato Linhares 28 Incidência lateral esquerda e direita: estômago distendido e preenchido exclusivamente com gás e líquido; linha de compartimentalização gástrica. Fonte: Renato Linhares Incidência lateral direita: estômago distendido e preenchido exclusivamente com gás e liquido; piloro deslocado crânio – dorsalmente; esplenomegalia. Fonte: Renato Linhares 29 Incidência lateral direita: estômago distendido e preenchido exclusivamente com gás e líquido; piloro deslocado crânio–dorsalmente; Fundo caudo–ventralmente; Linha de compartimentalização gástrica. Fonte: Renato Linhares 2.7) – Tratamento pré – operatório de emergência: O tratamento médico deve incluir a introdução imediata de cateter intravenoso de grande calibre na veia cefálica ou jugular, ou em ambas. O cateterismo da veia safena deve ser evitado porque a obstrução da veia cava caudal e veia porta causada pelo estômago dilatado interferirá com a distribuição dos líquidos administrados. A administração rápida de solução de eletrólitos balanceada é indicada. A solução de Ringer Lactato é geralmente o líquido cristalóide de escolha. A freqüência é ajustada com base na resposta cardiovascular do paciente e sua pressão venosa central. Corticosteroideterapia para o tratamento do choque. Terapia com antibióticos de amplo espectro. Cães com DVTG são sujeitos à variedade de anormalidades eletrolíticas e de equilíbrio ácidobásico. A acidose metabólica e hipocalemia são achados comuns. O desenvolvimento de DVTG é frequentemente complicado pela deterioração cardiopulmonar e ocorrência de uma variedade de arritmias cardíacas. A monitorização eletrocardiográfica deve ser utilizada rotineiramente para estabelecer a condição cardiovascular do paciente na admissão e através do período de hospitalização. 30 FASE PRÉ-OPERATÓRIA Primeiros socorros Combater quadro de choque Descompressão do estômago TRATAMENTO FASE TRANS - OPERATÓRIA Correção da torção Prevenção da recidiva FASE PÓS-OPERATORIA Monitorização do paciente 2.8)-Tratamento cirúrgico: Objetivos: Correção do mal posicionamento gástrico; Avaliação e tratamento da lesão isquêmica gástrica e esplênica: Prevenção da recidiva 2.9)-Correção da torção gástrica: Objetivos: Permite o reposicionamento do estômago na sua posição anatômica normal; Contribui para o restabelecimento do fluxo sanguíneo na parede do estômago, tratando a isquemia (se não existirem áreas de necrose); Precede a fixação do estômago na parede abdominal lateral para a prevenção da recidiva. Técnica cirúrgica: Paciente posicionado em decúbito dorsal; Laparotomia pré-umbilical pela linha média ventral; Localização do omento maior sobre o estômago Piloro encontra-se deslocado para o lado esquerdo do abdômen; o fundo se desloca da região epigástrica dorsal esquerda para a linha média ventral; Tração do duodeno e rotação do estômago em sentido dorsal e anti-horário. 31 Ilustração 3 – Correção da torção gástrica Fonte: Renato Linhares 2.10)-Gastropexia: Objetivos: utilizada na prevenção da recidiva do episódio de torção gástrica. Técnicas: Gastropexia incisional; Gastropexia circuncostal: Gastropexia após gastrostomia com aplicação de tubo. 2.11)-Gastropexia incisional: Incisão das camadas serosa e muscular na região do antro pilórico (paralela e eqüidistante às curvaturas maior e menor do estômago) (A); Incisão do peritônio e fáscia interna do músculo reto abdominal na região ventrolateral direita (posteriormente ao último par de costelas) (B); Suturam-se as bordas da incisão gástrica à incisão abdominal (sutura simples contínua) (C,D,E). 32 Ilustração 4-Gastropexia incisional Fonte: MATTHIESEN (1998) 2.12)-Gastropexia circuncostal: Prepara-se um retalho seromuscular no antro pilórico (uni ou bilateral) (A); Incisão sobre o Peritônio e Músculo transverso do abdômen, até a exposição da 11ª ou 12ª costela do lado direito (expõem-se a costela por difusão) (B); Introduz-se o retalho sobre a costela e sutura-se o mesmo às margens da incisão gástrica (sutura simples separada) (C,D,E). 33 Ilustração 5-Gastropexia circuncostal Fonte: MATTHIESEM (1998) 2.13)-Gastrostomia com aplicação de tubo: Objetivos: Permitir a fixação do estômago à parede abdominal e prevenir contra a recidiva dos episódios de torção gástrica; Permitir a alimentação do paciente no pós-operatório; Controle sobre a quantidade e qualidade do alimento oferecido; Impedir sobrecarga alimentar durante a recuperação; Oferecer substrato para a plena recuperação do paciente anoréxico. 34 Ilustração 6 – Gastrostomia com aplicação de tubo - Fonte: MATHIESEM (1998) Técnica cirúrgica: Incisão paramediana direita, imediatamente caudal à última costela (A); Sutura em bolsa de fumo no antro pilórico entre a curvatura maior e menor (B); Incisão penetrante total entre a sutura (B); Passagem da sonda (C); Fechamento da sutura e tracionamento da sonda contra a parede abdominal (não permitir a permanência de prega omental entre o estômago e a parede abdominal) (D); Inflar o balão (E); Suturar o orifício da parede abdominal (E). 35 Ilustração 7 – Gastrostomia com aplicação de tubo - Fonte: MATTHIESEM (1998) 2.14)-Gastrectomia parcial: Objetivos: Ressecção de parte do estômago necrosado; evitar complicações pós-operatórias. Ilustração 8-Estômago necrosado – Fonte: Renato Linhares 36 Técnica cirúrgica: Determina-se a área necrosada (A); Aplicam-se suturas de reparo na área preservada ao redor da área de gastrectomia (B); Excisão da porção necrosada (C); Aplicam-se suturas contínuas ou interrompidas, penetrantes totais (D); Aplica-se sutura invaginante seromuscular sobre o primeiro plano (E). Ilustração 9 – Gastrectomia parcial – Fonte: MATTHIESEM (1998) 2.15)-Esplenectomia: Indicações: Torção esplênica com congestão e necrose. Técnica cirúrgica: Promover a ligadura dos vasos esplênicos antes da correção (evitar liberação de Fator depressor do Miocárdio e precursores de radicais livres). 37 Ilustração 10 – Esplenectomia - Fonte: Renato Linhares 2.16)-Complicações pós-operatórias: Complicações cirúrgicas: Recidiva da dilatação/torção gástrica; Deiscência das suturas; Necrose e ruptura gástrica; Ulceração gástrica; Divertículo gástrico; Peritonite; Atonia gástrica. Complicações clínicas; Choque; Arritmias ventriculares; Deiscência das suturas; Lesão por reperfusão; Coagulação Intravascular Disseminada (CID); Disfunções orgânicas gerais ou localizadas. 3)-Conclusão: A gastropexia preventiva em animais predispostos é o método mais eficaz para evitar a ocorrência, podendo ser recomendado como profilaxia em animais valiosos. Na maior parte dos casos esta cirurgia não previne a dilatação, mas sim a impossibilidade de torcer. Não existe nenhuma prevenção não cirúrgica de DVTG conhecida. Muitas sugestões são dadas: Não sobrecarregar a alimentação; não agir de modo violento imediatamente após a ingestão; não permitir que o animal ingira quantidades exageradas de água; não deixar o animal pular com o estômago 38 repleto e não permitir o consumo de grandes quantidades de refeição seca e então ingerir água; ter especial atenção às necessidades dietéticas pós-parto e minimizar situações de stress. A maioria das prevenções sugeridas consiste em não permitir que o animal faça exercícios vigorosos com o estômago repleto. 39 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: BILBREY, S. A; BUFFINGTON, T.C.A. Nutrição do paciente cirúrgico. In: BOJRAB, M. J. (ed) Mecanismos da moléstia na cirurgia de pequenos animais. P.59-64, 1996. BJORLING, D.E. The acute abdômen. Fourth International Veterinary Emergency and Critical Care Symposium. P.259-263, 1994. Boey, J.H. The acute abdômen. In: Way, L. W. (ed) Current Surgical Diagnosis e Treatment. Cap.21, p.441 -452,1994. DAVENPORT, D.J.; MARTIN, R.A. The acute abomen. In: MURTAUGH, R.J.; KAPLAN, P.M. (ed) Veterinary Emergency and Critical Care Medicine. P.153 -162,1992. RICHTER, K.P.; MURTAUGH, R.J.; KAPLAN, P. M Gastrientestinal Emergencies. Veterinary Emergency and Critical Care Medicine. Cap.22, p. 321 -359,1992. ETTINGER, S. J; Tratado de Medicina Interna Veterinária. São Paulo: Manole, 1998 3 ed. V. 3; Cap. 84; p.1342-1351. 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