Conflito religioso e politeísmo dos valores em tempos de globalização* Léa Freitas Perez** I. Foi o fortemente sugestivo título do V Simpósio da Associação Brasileira de História das Religiões - "Religião e globalização: os desafios da violência" - que motivou meu desejo de trazer a público algumas inquietações/indagações, que venho ruminando acerca do religioso na sociedade contemporânea1 . Nesses tempos de incerteza generalizada, nesse mundo tornado aldeia global, em que os muros caem, o viver social complexifica-se/heterogeiniza-se2 . O mundo e sua experimentação parecem não mais constituir unicamente, como refere Francisco Coelho dos Santos, "um espetáculo recheado de anúncios, de revelações e de mensagens a decifrar ou a interpretar com rigor para melhor re-conhecer uma quintessência e uma teleologia, mas um espetáculo plurívoco de simulacros e de simulações cujos referentes são longínquos, se perderam ou jamais existiram. Esvaziado de todo princípio unificador, tanto quanto de finalidade, aliviado do peso das representações metafísicas, o mundo se oferece ao olhar, à admiração e à descoberta pelos sentidos; por vezes, ele se deixa tomar pela compreensão e pela empatia, do mesmo modo que nos confronta ao trágico"3 . No entanto, nesta época de hibridações inesperadas e, sobretudo, no que diz respeito ao trato da religião, tudo se passa como se nos encontrassémos - nós, ainda fiéis e nostálgicos herdeiros dos ideais iluministas -, perplexos com, como diria o mestre Pierre Sanchis, as metamorfoses do sagrado. Nossas fervorosas crenças nas forças libertadoras da Razão - que piamente supunhámos haviam acantonado a religião na esfera do privado e no foro íntimo de cada um e que, deste modo, haviam criado um ambiente perene de "liberdade religiosa" e de "pluralismo confessional", eliminando, assim e ad eternum, as "intolerâncias" e os "conflitos" - desmancham-se no ar face ao ressurgimento de "intolerâncias" e de "conflitos" com forte acento religioso. Percorrendo rapidamente as ementas das mesas redondas que acontecem neste simpósio encontrei formulações * Texto apresentado na mesa redonda "Conflito religioso no Brasil": implicações históricas, sociológicas e antropológicas" no V Simpósio da Associação Brasileira de História das Religiões, Juiz de Fora/MG, 27 a 30 de maio de 2003. A presente versão é ligeiramente modificada, incorporando a enriquecedora discussão havida em todo o Simpósio, pelo que registro minha dívida e gratidão para com todos os participantes. ** Antropóloga, professora adjunta do Departamento de Sociologia e Antropologia da UFMG, coordenadora do Centro de Estudos da Religião Pierre Sanchis/UFMG. 1 Estas inquietações/indagações, às quais dedico-me há algum tempo, dizem respeito às formas de sociação na contemporaneidade, particularmente aquelas que assumem formas religiosas e festivas e, que, sugerem a gestação de uma outra combinatória social, pois que apontam para a existência de profundas modificações nos mecanismos e nos processos de constituição do elo social. Ver: PEREZ, Léa Freitas. "Syncrétisme religieux et nomadisme culturel dans la société brésilienne contemporaine". 1996. Sociétés Revue des Sciences Humaines et Sociales n. 54. Paris, Dunod; "Campo religioso em conflito! Mas que conflito é esse?", texto apresentado nas VI Jornadas sobre alternativas religiosas na América Latina, Porto Alegre/RS, novembro de 1996. "Fim de século, efervescência religiosa e novas reconfigurações societárias", texto apresentado nas IX Jornadas sobre alternativas religiosas na América Latina, Rio de Janeiro/RJ, setembro de 1999 e “Igreja Universal do Reino de Deus e Nova Era: nódulos de dádiva na sociedade brasileira contemporânea?” 2001. Revista Teoria & Sociedade, n. 8. Belo Horizonte, UFMG, pp. 30-76 em co-autoria com Luciana de Oliveira e Renata Apgaua. 2 Concordo plenamente com Massimo Canevacci, quando ele diz que - e o faz na contra-mão de certos burocratas do saber, que tudo reduzem à manipulação, à exploração e seus correlatos - "antes de incolor homologação, a fase atual desenvolve uma forte tensão, descentrada e conflitual entre globalização e localização: ou seja, entre processos de unificação cultural - um conjunto serial de fluxos universalizantes - e pressões antropofágicas 'periféricas' que descontextualizam, remastigam, regeneram". Pode-se, portanto, dizer que o "mundo globalizado também é um mundo sincretizado", uma vez que "o processo de globalização não é simplesmente aquele em que as culturas indígenas são modernizadas, mas também aquele em que a modernidade se indigeniza". Vasantkumar, Apud Canevacci, p. 21. Dito de outro modo: o que se globaliza é a diversidade. CANEVACCI, Massimo. Sincretismos: uma exploração das hibridizações culturais. 1996. São Paulo, Studio Nobel: Instituto Cultural Italo-brasileiro-Istituto Italiano di cultura, p. 23. 3 COELHO DOS SANTOS, Francisco. "Postmodernité: un mode plutôt qu'une mode". 1990. Paris, Texto policopiado, p. 7. 2 tais como: "a intolerância religiosa, um fenômeno que parecia superado numa sociedade secularizada, ressurge com força na atualidade"; "a diversidade religiosa e o conflito, que pode resultar da interação de suas diversas modalidades, eclode de uma forma transversal, atravessando nações e Estados"; "em estados modernos, que deslocaram a religião para a esfera privada, a intolerância ressurge com tal força e se mostra como elemento forte de mobilização de massa". Formulações deste tipo compõem um campo discursivo de grande atualidade e pertinência, sim, disto ninguém duvida. No entanto, pergunto-me se não podem também ser vistas como sintomas/expressões de um certo estado de espanto e de susto diante da presença viva e não prevista da religião na esfera pública, como elemento de formação de opinião e gerador de polêmicas4 . Como argutamente observa Otávio Velho, colocando o dedo nas nossas feridas: "boa parte das crenças (em sentido amplo) com que lidamos em nossa sociedade e sobretudo em nossa época não possui a solidez dos manuais. Mesmo quando estamos diante de crenças que chamam a atenção pela rigidez e dogmatismo com que se apresentam, isso não deve ser confundido com uma 'situação tradicional', antes representando - como no, caso dos diversos fundamentalismos (nada tradicionais e em algumas de suas variantes fazendo questão de serem 'científicos') - uma formação reativa, tributária ela mesma, por uma via paradoxal, da impossibilidade de se manterem imunes às vicissitudes da história concreta"5 . Diante dessa época de paradoxos e de oxímoros, tudo se passa como se insistimos em pensar pela via da contradição, que supõe e propõe uma síntese unificadora e totalizadora. As variadas e complexas modulações que a religião assume na contemporaneidade colocamnos numa situação de imprecisão tal que nenhum de nós está livre de fazer o mesmo que fazem "os obsessivos elaboradores de definição" que, como diz Zymunt Bauman, tentam "resolver (ou, talvez, contornar) o problema [passando] pelo estratagema provado da definição sagazmente escolhida", apresentando duas soluções: a "transcendental" e a "definitiva". A primeira dissolve "a questão da religião em alguns traços eternos e incontestavelmente universais da situação existencial humana"; a segunda, "ao contrário, estreita de tal modo a definição que a religiosidade se torna como que precisamente mensurável, como o tamanho da cintura de alguém, e por isso a ilusória questão das tendências sócio-culturais é substituída por um problema totalmente administável, de tendência estatística". Tanto uma quanto a outra, ao desconhecerem a pluralidade dos programas de verdade e ao imporem à realidade uma obrigação de coerência (o "dever ser"), operam reducionismos e simplificações, o mais grave deles sendo o do enclausuramento da experiência religiosa nos quadros da metafísica tradicional6 . Sugere ainda Bauman, apoiando-se em Foucault, que para "compreender os fenômenos da religião e da religiosidade", ao invés de continuarmos ligados "às preocupações tradicionais da 'sociologia da religião'" (acrescento, também da antropologia da religião), deveríamos, "trazer para o centro dos nossos interesses", não tanto "a necessidade de 'defini-los claramente' quanto a necessidade de descobrir 'como até agora os mecanismos sociais podiam funcionar', 'ressaltando sobre que espécies de suposições, que espécies de modos de pensamento habituais, incontestados e desapercebidos, assentam as práticas que aceitamos' (Foucault). Talvez no caso da religião mais do que em todos os outros casos, porque a religiosidade não é, afinal, nada mais do que a intuição dos limites até os quais os seres humanos, sendo humanos, podem agir e compreender"7 . Levando a sério a preciosa pista/advertência de Bauman, quero aqui propor uma mudança de perspectiva no trato do diagnosticado conflito religioso na sociedade brasileira contemporânea, tomando como "caso" o enfrentamento que a Igreja Universal do Reino de Deus promove relativamente às 4 Em sua belíssima conferência no V Simpósio da Associação Brasileira de História das Religiões, Luis Pondé usou a expressão "louca da casa" para referir-se à religião na modernidade. Disse ele, com o que concordo integralmente, que a louca da casa está gritando, nos chamando a pensar sobre ela. 5 VELHO, Otávio. Besta-fera: recriação do mundo. Ensaios críticos de Antropologia. 1995. Rio de Janeiro, RelumeDumará, p. 176, 177. 6 A redução ao “paradigma semântico referencialista da presença”, como menciona Aldo Gargani, “exige que um nome e uma proposição só tenham significação se lhes corresponder respectivamente um objeto e um fato”. GARGANI, Aldo. "A experiência religiosa como acontecimento e interpretação". DERRIDA, Jacques e VATTIMO, Gianni. A religião. 1997. Lisboa, Relógio D'Água Editores, p. 134. 7 BAUMAN, Zymunt. O mal-estar da pós-modernidade. 1998. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., p. 206, 208. 3 religiões afro-brasileiras. Todavia, tendo como única certeza que não tenho certeza alguma. Ao contrário, tenho apenas dúvidas e indagações. O que se pode dizer, sem cometer exageros e sem forçar tendências? O que se pode dizer sem correr o perigo de ser enganado e de enganar? O que se pode dizer sem incorrer no perigoso risco, característico da metafísica da presença, de fazer depender - a significação e o valor da experiência religiosa e do discurso religioso - como menciona Gargani, "da inspecção das entidades determináveis como entidades presentes e de um ou de outro modo verificáveis", seja em seus traços eternos e incontestavelmente universais, seja em suas manifestações particulares e estatísticas?8 Seria possível escapar da lógica binária de tipo ou …ou tão presente no debate atual sobre religião? Este é o desafio que me lanço aqui. Respostas, soluções, graças a Deus, não as tenho… Tenho apenas - e isso por si só já não seria o suficiente? - algumas poucas "obscuras e confusas" inquietações/indagações, e o forte desejo de compartilhá-las. Por isso mesmo, e sem o menor senso de oportunidade, dedico este texto à Leila Amaral, como memória de nossos estimulantes papos de botequim sobre o trabalho intelectual e a plausibilidade da distinção entre "idéias claras e distintas" e "idéias obscuras e confusas". Obviamente não tenho nem a intenção (muito menos a competência necessária) de esgotar um tema tão vasto, multifacetado, complexo e objeto de apaixonadas polêmicas. Não somente faltame o espírito, parafraseando Bauman, do "perito contador", como, tal como ele, penso que "a religião pertence a uma família de curiosos e às vezes embaraçantes conceitos que a gente compreende perfeitamente até querer defini-los", já que "com demasiada freqüência, a experiência transborda as gaiolas verbais em que desejaríamos retê-la", pois "o inefável é uma parte tão integral da maneira humana de estar no mundo quanto a rede lingüística com que tentamos (em vão, e por acaso, embora não menos vigorosamente por essa razão) capturá-lo"9 . II. No mundo todo e no Brasil, num quadro histórico que muitos ainda acreditam moderno e secularizado, isto é, liberto da opressão e do "ópio" da religião, vemos explodir, com grande intensidade e revigorada força pois, como diz Maria Clara Bingemer, "desreprimido e incontrolável", "a sedução do Sagrado e do Divino". Talvez como nunca na história da humanidade estejamos tão expostos à diversidade e à complexidade religiosa: temos à disposição, segundo essa autora, uma plêiade de "novas e desconcertantes formas de expressão, assustando e intrigando as Igrejas históricas tradicionais, as ciências sociais e os bem-pensantes"10 . No caso do Brasil, a novidade fica por conta, entre outros, do esplendoroso e polêmico sucesso do neopentecostalismo, em particular da Igreja Universal do Reino de Deus - igreja da terceira vaga/onda pentecostal -, fundada em 1977 como dissidência. Como nota Pierre Sanchis, na atualidade, "o fenômeno mais visível no campo cristão brasileiro é o da entrada maciça dos pentecostais", sua imensa visibilidade, seu crescimento numérico e a densidade de participação dos adeptos aos cultos11 . O pentecostalismo não é uma presença nova em nosso país. Chega ao Brasil no início do século XX, desde logo chamando atenção pelo seu caráter de ruptura com as tradições religiosas brasileiras, uma vez que (e como refere Pierre Sanchis) fiel, ao "princípio radical do protestantismo", prega que "é pela opção de fé de cada um (a entrega pessoal) em Jesus – e não pela mediação da Instituição, segundo a fórmula católica ('Creio na Igreja') que cada fiel é salvo, muda seu destino e, com ele, muda o mundo". Seu boom, no entanto, data dos anos 1950-1960, através das missões intensivas, "verdadeiras 'Cruzadas de Evangelização'"12 . O neopentecostalismo não se diferencia somente do protestantismo histórico, mas também do próprio movimento pentecostal. Sabe-se que o fundamento teológico do pentecostalismo é a "presença definitiva do Espírito entre os homens no lugar do Filho". Neste sentido, caracteriza-se, 8 GARGANI. "A experiência religiosa como acontecimento e interpretação". Op. cit., p. 133. BAUMAN. O mal-estar da pós-modernidade. Op. cit., p. 205. 10 BINGEMER, Maria Clara Lucchetti. "A sedução do sagrado". 1992. Religião e sociedade, n. 16/1-2. Rio de Janeiro, ISER, p. 82. 11 SANCHIS, Pierre. "As religiões dos brasileiros". 1997. Horizonte, v.1, n. 2. Belo Horizonte, p. 30. 12 SANCHIS. "As religiões dos brasileiros". Op. cit., p. 39. 9 4 sobretudo, como um movimento no interior das igrejas cristãs, cujo objetivo é "voltar ao evento fundante da igreja", isto é, "a hierofania original da descida do Espírito Santo sobre um grupo de pessoas reunidas no Pentecoste". No entanto, embora tenha no protestantismo sua matriz, dele se distancia em muitos aspectos. O mais significativo, como comenta Antonio Mendonça, diz respeito à descida no Espírito Santo: enquanto para o protestantismo ela "constitui um fato histórico único, não factualmente repetitivo", uma vez que no momento da descida "o Espírito passou a habitar no meio dos crentes e a distribuir os dons necessários sem os sinais de Pentecoste", para o pentecostalismo a descida é um "fato que se repete quando necessário, sendo os dons distribuídos e sinalizados através de manipulações extáticas e glossolálicas"13 . Vale dizer que a diferença mais evidente entre um e outro relaciona-se à fixidez, à rigidez e à institucionalização das confissões de fé e ao fechamento dos cânones revelatórios do protestantismo, em contraposição à dinâmica do pentecostalismo, caracterizado pela revelação aberta. Uma outra importante diferença diz respeito à cura. Ao enfatizar a cura divina, o neopentocostalismo chega mesmo a ser denominado de "igreja de cura divina", enquanto o pentecostalismo clássico enfatizava a santificação e os dons 14 . Convém, todavia, relembrar que as religiões afro-brasileiras, rival primeiro do neopentecostalismo, também podem ser caracterizadas como religiões de cura. A diferença advém do fato de que o pentecostalismo e as religiões afrobrasileiras têm, tal como menciona Reginaldo Prandi, "cada uma repertório próprio para a interpretação das causas das doenças e sua solução. O que as contrasta muito com o catolicismo ultramontano, especialmente pós-Vaticano II, é a alta densidade mágica das práticas de cura, com a intervenção, nos ritos, de espíritos, divindades africanas e indígenas, do Espírito Santo e do diabo, curando-se por meio da manipulação das forças divinas e demoníacas, do feitiço, do sacrifício, da segregação e castigo físico, da imposição das mãos, da unção com os santos óleos, dos exorcismos, da oração coletiva e individual"15 . A Igreja Universal do Reino de Deus é paradigmática para a discussão aqui feita, uma vez que ela, como diz Pierre Sanchis, "ao contrário do que indicaria a sua lógica institucional", reencontra "os processos de intensa ritualização [leia-se efervescência e hibridação], de mediação institucional e, se não dos sacramentos, pelos menos dos sacramentais múltiplos, feitos dos signos quotidianos e naturais: não mais a imagem, que não passa de gesso idolátrico (cf. o caso do chute na santa), mas o sal grosso, o óleo, a água, o manto vermelho ... E, mais ainda: "em certo sentido, até o terreiro é reconstituído no interior do culto pentecostal, quando Exus e Pombas-giras são triunfalmente exorcizados". A turbulência do neopentecostalismo, particularmente da Universal, não pára por aí. Do ponto de vista da salvação, como já mencionado, ela também inova: "o caráter transcendental da opção autônoma, responsável e modernamente constitutiva da pessoa e da consciência", é mitigado, "pela importância reconhecida e coletivamente ritualizada do fator demoníaco. ('Não é você; é o demônio que está em você')"16 . Certamente um dos aspectos mais polêmicos do sucesso da Igreja Universal é um dos elementos centrais de seu universo simbólico-axiológico: a teologia/doutrina da prosperidade, que opera um uso absolutamente transgressor do dinheiro, o referente (universal) da modernidade. A combinação - nada ortodoxa - de dinheiro, de bem-estar material e de felicidade terrena, tudo isso misturado à entrega pessoal do fiel ao Senhor Jesus, à realização de exorcismos, de curas, de "guerra santa", de uso intenso dos meios de comunicação, torna a Universal um caso sui generis no 13 MENDONÇA, Antonio G. "Pentecostalismo e as concepões históricas de sua classificação". SOUZA, Beatriz Muniz et alli. Sociologia da religião no Brasil: revisitando metodologias, classificações e técnicas de pesquisa. 1998. São Paulo, PUCSP/UMESP, p. 75, 79. 14 A cura divina, sem sombra de dúvidas, um dos grandes responsáveis pelo sucesso do neopentecostalismo, foi introduzida no Brasil, em 1953, pelo movimento de tendas da Cruzada Nacional de Evangelização. Segundo Mendonça, "este movimento de tendas foi quase tão espetacular quanto o impacto atual da Igreja Universal do Reino de Deus e constitui-se na matriz e modelo das demais igrejas que surgiram dele e que hoje chamamos de autônomas, neopentecostais e de 'cura divina'". MENDONÇA. "Pentecostalismo e as concepões históricas de sua classificação". Op. cit., p. 82. 15 PIERUCCI, Antônio Flávio e PRANDI, Reginaldo. A realidade social das religiões no Brasil: religião, sociedade e política. 1996. São Paulo, Hucitec/USP, p. 32. 16 SANCHIS. "As religiões dos brasileiros". Op. cit., p. 40. 5 campo religioso brasileiro contemporâneo, evidenciando uma modalidade de hibridação, que combina a modernidade mais aguerrida com o mais puro encantamento do mundo17 . Uma das polêmicas mais aguerridas promovidas pela Universal aconteceu em 1995, quando, durante um programa de TV da Rede Record (de propriedade da Igreja) um bispo chutou uma imagem de Nossa Senhora Aparecida (santa padroeira do Brasil) em pleno 12 de outubro, seu dia, comemorado como feriado nacional. Chegou-se mesmo a falar da existência de uma "guerra santa" no país, evidenciando o ressurgimento da "intolerânca" e do "conflito" no campo religioso brasileiro. Chegou-se mesmo a diagnosticar uma profunda cisão no campo, que estaria dividido entre os bons e os maus, os puros e os impuros, os genuínos e os falsificadores. Tal diagnóstico parece corresponder, em uma certa doxa - que reúne paradoxalmente posições sensacionalistas das mídias e posições alarmistas de um certo segmento intelectual - ao que Roberto Motta, com a perspicácia que lhe é própria, chama de "bem pensar do intelectual", que, mesmo não tendo consciência exata, executa o programa comteano da religião da humanidade, realizando uma espécie de santa aliança com um certo número de religiões e, acrescento eu, declarando "guerra santa" à outras18 . Essa ambiência de "guerra santa", atravessada por idéias judicativas acerca do religioso e do seu lugar no mundo contemporâneo, não somente padece de uma atração fatal por visões reducionistas e utilitaristas, em consonância com a razão iluminista, como também - et pour cause - opera uma série de simplificações e de equívocos, o principal deles envolvendo a idéia de conflito, reduzido à cisão e à violência, evocando assim as clássicas antinomias - integração e ruptura, consenso e dissenso, ordem e desordem, progresso e atraso, razão e , irracionalismo, bom e mau, normal e patológico, etc. É óbvio que num quadro de religioso pluralizado, poder-se-ia dizer globalizado, no qual abundam as ofertas de produtos e de serviços, a concorrência seja acirrada, e que, portanto, seja acionada a velha e eficaz tática do denegrimento. Como observa Prandi, "a disputa pelas almas é aguerrida, mas a guerra santa real já não pode acontecer: nenhuma religião responde por nenhuma totalidade social", pois que ela (a religião) "não é mais para sempre, é só dura enquanto durar a capacidade de troca que se pactua de ambos os lados, do serviço e do consumidor"19 . Para se afirmar numa tal situação concorrencial, a Universal usa os mesmos códigos da Igreja Católica e/ou dos afro-brasileiros, dando-lhes um conteúdo negativo, mas mantendo a mesma linguagem e, assim fazendo, valorizando a força dos oponentes. Mas isso é só um aspecto - e menor - porque o mais óbvio e simples da questão. Se o "conflito religioso", a "intolerância religiosa" e mesmo a "guerra santa" podem ser modos de relacionamento com a religião, é prudente que se pense mais calmamente sobre eles20 . Assim é que, para explorar uma outra perspectiva do conflito religioso no Brasil contemporâneo, sugiro a possibilidade de pensá-lo a partir da visão do conflito tal como formulada por Georg Simmel, associada à idéia de pluralismo dos valores de Max Weber. 17 Embora faça uso da expressão corrente campo religioso, conceitualmente adoto o ponto de vista de Otávio Velho segundo o qual a religiosidade não consiste apenas em um "campo", mas em uma "perspectiva", cujo ponto focal é a idéia de "relação-presença", que não deve ser confundida com as relações sociais usuais já que é construída, como diz Buber, "num âmbito restrito de atos fortemente ricos de presença". Tal modo de ver a religiosidade implica um radical alargamento de horizonte teórico, pois como "no interior da relação as possibilidades são infinitas", não podem ser reduzidas "a um único discurso ou maneira de pensar ou à reificação operada pelas ciências sociais na própria linguagem". VELHO. Besta-fera. Op. cit., p. 61, 62, 64, 74. 18 Essa bela observação foi feita por Roberto Motta no Grupo de Trabalho Religião e Sociedade no XIX Encontro Anual da ANPOCS, Caxambu/MG, 1995. Ele desenvolve o mesmo tipo de argumento em um instigante artigo, no qual caracteriza os intelectuais como "doutores da fé", uma vez que "ordenam e classificam os ritos e mitos seguindo um logos derivado da ciência e da filosofia européias". MOTTA, Roberto. "Le métissage des dieux dans les religions afrobrésiliennes". 1993. Religiologiques. Le métissage des dieux. Montréal, Université du Québec, p. 30. 19 PIERUCCI e PRANDI. A realidade social das religiões no Brasil. Op. cit., p. 273. 20 Na via descontrutora de Jacques Derrida, que me inspira grandemente, não se trata da renúncia de conceitos e suas substituição por outros, até mesmo porque eles fazem parte de nós e são indispensáveis para abalar a herança de que fazem parte. Na operação desconstruturora, trata-se de "cercar os conceitos críticos por um discurso prudente e minucioso, marcar as condições, o meio e os limites da eficácia de tais conceitos, designar rigorosamente a sua pertencença à máquina que eles permitem desconstruir; e, simultaneamente, a brecha por onde se deixa entrever, ainda inomeável, o brilho do além-clausura". DERRIDA, Jacques. Gramatologia. 1973. São Paulo, Perspectiva, EDUSP, p.16, 17. 6 III. É certo que, como refere Pierre Birnbaum, "no próprio cerne das mais diversas filosofias sociais, assim como nas teorias sociológicas de ontem e de hoje, o conceito de conflito ocupa quase sempre um lugar essencial" e que, através dele, "a questão que se coloca é tanto a da natureza do sistema social como a da própria sociologia"21 . Todavia, seu tratamento é bastante desigual e divergente, com radicais implicações quer se trate da apreensão, da comprensão ou da explicação do fato mesmo da vida social. Até as elaborações de Simmel e de Weber, e mais particularmente ainda em suas vertentes deterministas (Émile Durkheim e Karl Marx, para ficar na linhagem dos grandes ancestrais), o conflito e seu simétrico oposto, a integração, eram tratados como universais abstratos a partir dos quais era possível pensar o social e agir sobre ele. Tanto para Durkheim quanto para Marx, o conflito correspondia ao "patológico", enquanto o "normal' correspondia à integração. Para Durkheim, a erradicação do conflito aparecia associada à implementação funcional da divisão do trabalho social, enquanto para Marx, somente a sociedade que tivesse abolido a propriedade privada conseguiria eliminar as dissensões. Dito de outro modo: o conflito e a integração eram tratados como instrumentos de uma causa, como um meio para atingir um fim, portanto, como teleologia. Do ponto de vista do desenvolvimento de uma teoria do conflito, nem Durkheim nem Marx contribuiram para uma elaboração convicente, uma vez que suas abordagens reducionistas, revelam-se, como diz Birnbaum, incapazes, "devido a uma interpretacão demasiadamente rígida das fontes do conflito, de apreender a sua extrema diversidade". Em ambos, e esse ponto é fundamental para minha argumentação, "a existência do conflito baseia-se num determinismo estrutural que pouco se preocupa com a intencionalidade dos atores: nas sociedades onde reina uma certa forma de 'patologia' social, o conflito é como que inferido de uma distribuição disfuncional dos papéis sociais": em Marx, "provocada propriedade privada dos meios de produção", em Durkheim, "por sua transmissão hereditária ou ainda por um excesso de especialização22 . Em síntese: em ambos o conflito é sempre remetido ao social já cristalizado e que independe do ator social. Simmel e Weber inauguram uma outra perspectiva do trato do conflito, pois associam-no a uma teoria da ação, fundada em valores, que não podem se deduzidos simplesmente de qualquer função desempenhada numa instituição, mas que remetem diretamente à intencionalidade do ator social. Assim, combinando ação e intencionalidade, reenviam a apreensão e a compreensão do conflito à interação social. Parafraseando Pierre Sanchis, diria que a fecundidade das perspectivas simmelina e weberiana do conflito advém do fato de que, ambos, apreendem-no em toda a espessura de sua tramas, uma vez que levam em conta que se a ação é intencional, tal intencionalidade, como bem observa Pierre Sanchis, "não se situa em um quadro privado de sentido e, em conseqüência, sem limites"23 . É por isso que Weber fala em politeísmo dos valores e em politeísmo dos deuses e Simmel em sociação". Em ambos, o conflito deixa de ser visto como "anomia", pois, sendo inerente (leia-se fundante e fundamental) à vida social, é, portanto, "normal", isto é, como processo vital para o funcionamento mesmo da sociedade. Deixa, assim, de ser uma estrutura - que corresponderia, tal como em Durkheim e em Marx, a uma certa etapa da evolução supostamente disfuncional da humanidade - para tornar-se tanto um processo "positivo" da vida social quanto um conceito analítico aplicável a todo e qualquer sistema social. Uma tal aproximação não somente parece-me heuristicamente mais produtiva, como também vislumbra, sob um outro ângulo, as profundas, porém sutis e nuançadas, modificações que se processam nas formas de estabelecimento do laço social na atualidade e nas quais o religioso, e particularmente o dito "conflito religioso", ocupa lugar de destaque. Weber nos ensinou que o racionalismo "destronou o politeísmo em proveito do 'Único de que temos necessidade'", tornando a religião "'uma rotina quotidiana'" e o mundo, desencantado. No 21 BIRNBAUM, Pierre. "Conflitos". BOUDON, Raymond (dir.) 1995. Tratado de Sociologia. 1995. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., p. 247. 22 BIRNBAUM. "Conflitos". Op. cit., p. 253. 23 SANCHIS, Pierre. Arraial: la fête d'un peuple - les pèlerinages populaires au Portugal. 1977. Paris, École des Hautes Études en Sciences Sociales, p. 21. 7 entanto, quando "confrontado com a realidade da vida interior e exterior", o racionalismo se vê constrangido a realizar compromissos e acodomodações, de modo tal que "a multidão dos deuses antigos sai de suas tombas, sob a forma de potências impessoais porque desencantadas, e se esforçam novamente, retomando suas lutas eternas, para fazer nossas vidas regressarem a seus poderes". Dito de outro modo, segundo Weber, "por tanto que a vida tenha em si mesma um sentido e que se compreenda em si mesma, ela não conhece senão o eterno combate que os deuses travam entre si ou, evitando a metáfora, ela não conhece senão a incompatibilidade dos pontos de vista últimos, a impossibilidade de resolver os conflitos entre eles e, em conseqüência, a necessidade de se decidir em favor de um ou de outro"24 . Vale dizer que os conflitos são irredutíveis e a questão de fundo é a da escolha: a cada um, diz Weber, de acordo com suas "convicções profundas", cabe "decidir, de seu próprio ponto de vista, quem é deus e quem é diabo". Em outros termos: trata-se da recusa de dar uma significação intrínseca à realidade, que não adquire sentido senão em função de avaliações subjetivas, pois que, como menciona Julien Freund, "a luta é a lei imanente do politeísmo, diferentemente do monoteísmo que, mesmo dando lugar aos antagonismos, se esforça para lhes transcender com seu universalismo"25 . Para Simmel, "um grupo que fosse simplesmente centrípeto e harmonioso, uma pura e simples 'reunião', não só não teria existência empírica, como também não apresentaria um verdadeiro processo de vida", uma vez que, "para aceder a uma forma definida”, "a sociedade tem necessidade de um certa relação quantitativa de harmonia e de dissonância, de associação e de competição, de simpatia e de antipatia", "que se misturam intimamente", formando uma “unidade orgânica" e "sui generis" de relação, na qual não se pode mais distinguir o que é de um e/ou de outro desses elementos26 . É por isso que na pena simmeliana o conflito é dotado de positividade. O conflito favorece a formação de associações e de organizações que concentram forças de união visando à oposição com outros grupos também associados da mesma forma. Não é, portanto, um dado residual da vida social, ao contrário, é parte integrante. Mais ainda, é uma forma pura de sociação e constitui, juntamente com a determinação quantitativa dos grupos e com o processo de subordinação-dominação, as condições formais para a existência da sociedade27 . Em Simmel, o conflito é tão vital (no sentido de condição necessária) para à vida do grupo (quer para sua constituição, quanto para sua manutenção e para sua mudança) quanto o consenso. Como bem observa Freund: "Simmel inverte, em suma, nossos hábitos de pensamento: em geral, estimamos que, para estruturar solidamente uma sociedade, é necessário excluir os conflitos ou ao menos amortecê-los tanto quanto possível; ao contrário, na sua opinião, eles contribuem para a unidade da vida social"28 . Não cabe como uma luva para o caso da santa chutada? Neste caso em particular parece que esqueçemos de levar em consideração que, historicamente, a sociedade brasileira tem uma relação transgressora com seus santos, em que maus tratos, relações tempestuosas e ambíguas, enfim, conflituais, são moeda corrente. 24 WEBER, Max. Le savant et le politique. 1986. Paris, Plon, p. 85, 91. FREUND, Julien. "Le polythéisme de Weber". 1985. Sociétés. Revue des Sciences Humaniens et Sociale, n. 4. Paris, Dunod, p. 8. A ambivalência situada no coração mesmo da modernidade é finamente enunciada por Bauman, quando ele diz que a modernidade coloca-nos diante do dilema dilacerante de nos defrontarmos com a problemática da identidade, isto é, do mesmo, do fixo, do imutável, num mundo, tal como observado por Joyce, onde a questão mais relevante é a de definir "quem é quem quando cada um é qualquer um outro", onde a instabilidade e o imprevisto, a ausência de razões irresistíveis para preferir uma identidade mais do que outra, são os temas mais obstinados. BAUMAN, Zygmund. "Simmel, ou l'éclosion de l'expérience postmoderne". 1992. Sociétés. Revue des Sciences Humaines, n. 35. 1992. Paris, Dunod, p. 3. 26 SIMMEL, Georg. Le conflit. 1992. Saulxures, Editions Circé, p. 21, 22, 32. 27 Para Simmel, "a sociedade só é possível pela existência de formas de sociação, verdadeiro a priori lógico de sua existência". Sociação - vergesllschaftung - é, para ele, "o processo permanente do vir-a-ser da vida social, processo sempre in fieri, que está acontecendo sem que se possa dizer que já aconteceu". Significa dizer que "não há propriamente sociedade feita, mas antes o fazer-se sociedade". O que faz a sociedade é a interação, a relação recíproca, de modo que "sociedade é "o nome para vários indivíduos ligados pela interação". Tal como ele diz: "Estritamente falando, nem fome, nem amor, nem trabalho, nem religiosidade, nem tecnologia, nem as funções e resultados da inteligência são sociais. São fatores de sociação apenas quando transformam o mero agregado de indivíduos isolados em formas específicas de ser com e para um outro - formas que estão agrupadas sob o conceito geral de interação". SIMMEL, Georg. "Sociabilidade: um exemplo de sociologia pura ou formal". Georg Simmel: sociologia. 1983. São Paulo, Ática, org. [da coletânea] Evaristo de Morais Filho, p. 22, 28, 31, 166 , grifos meus. 28 FREUND. "Preface". SIMMEL. Le conflit. Op. cit., p. 9. 25 8 Segundo Simmel, "em si mesmo, o conflito já é a resolução das tensões entre os contrários; o fato que vise a paz não é senão uma expressão, entre outras, particularmente evidente, do fato de que ele é uma síntese de elementos, um contra autrui que é preciso colocar com um para autrui sob um só conceito superior". Vale dizer que o conflito combina duas formas de relação, a "antitética" e a "convergente", que não são pura negatividade, contrastividade e indiferença, uma vez que a síntese que o conflito opera vai na direção da "oposição comum a essas duas formas de relação", pois que ele "designa o momento positivo que tece com seu caráter positivo de negação uma unidade que não é somente conceitual, mas impossível de se desfazer, de fato"29 . Em uma palavra: conflito é reciprocidade. Não é disso que se trata no exorcismos praticados pela Universal? O antagonismo, a concorrência, a animosidade desempenham, para Simmel, "papel de integração extremamente positivo", pois que "independentemente de seus resultados concretos", determinam tanto a forma do grupo, quanto sua posição recíproca. Ou seja, numa relação conflitual, que é uma relação de reciprocidade, não basta que a hostilidade tenha causas objetivas, ela precisa ser acompanhada de "um sentimento" e de suas expressões. Em outros termos, a oposição é parte integrante da relação e "é inextrincavelmente ligada às outras razões que a fazem existir, com direitos completamente iguais", tal como, por exemplo, no sistema social indiano que, segundo Simmel, não repousa unicamente sobre a hierarquia das castas, mas também diretamente sobre sua repulsão mútua. A relação recíproca que é o conflito, selada por um sentimento, é também uma relação de interdependência e, nesta medida, é produtora de "uma certa comunidade entre as duas partes"30 . Não é perfeito para a dita "guerra" dos pentecostais contra os afro-brasileiros? IV. No caso empírico aqui considerado, a positividade do conflito expressa-se claramente em duas esferas, a saber, uma mais geral, que diz respeito a idéia de "guerra", e outra, mais específica, a prática do exorcismo. Luiz Eduardo Soares, com todo o seu refinamento analítico, já disse o essencial sobre isso. Segundo ele, no caso da dita "guerra" dos pentecostais contra os afro-brasileiros, trata-se da existência de continuidade entre os "universos simbólicos-axiológicos" em confronto, "responsável, inclusive, pela determinação de sua natureza sociológica", assim definida: "o conflito separa, com radicalidade, para unir, estabelecer relações, construir pontes, fundar as bases de uma nova experiência de sociabilidade, identificada por um renovador igualitarismo, associado a uma postura cultural excludente e diferenciadora"31 . Essa identificação de ideários, que é também - et pour cause - uma relação recíproca, evidencia, pelo menos assim sugiro, que se trata de uma relação sincrética. Vale lembrar que, em sua dimensão etimológica, sin-cretismo refere-se à guerra, ao conflito, pois significa a união dos cretenses, famosos brigões, dos quais dizia-se que “sempre dispostos a uma briga entre si, se aliavam quando um inimigo externo aparecia”32 . O exorcismo é momento paradigmático deste tipo de relação conflitual, pois, é o elo de ligação mais potente entre os contendores. É, como diz Soares, “o momento crucial do confronto”, a “exibição de sua face verdadeiramente dramática”, pois enquanto “culminância da luta contra o ‘povo do santo’ [...] atualiza uma integração orgânica com o antagonista, orquestrando uma espécie de harmonia contrapontística”33 . Vale dizer que, e aqui vejo o ponto-chave da questão, a veracidade do universo de crenças do imaginário afro-brasileiro não é posta em dúvida, justamente ao contrário, é admitida e, complementaria eu, adotada e temida. Sabemos todos que a eficácia do 29 SIMMEl. Le conflit. Op. cit., p. 20. SIMMEl. Le conflit. Op. cit., p. 24, 25, 26, 51. 31 SOARES, Luiz Eduardo. "A guerra dos pentecostais contra o afro-brasileiro: dimensões democráticas do conflito religioso no Brasil". 1993. Comunicações do ISER, n. 44. Rio de Janeiro, ISER, p. 44. 32 O sincretismo, de acordo com Canevacci, enquanto “determinação de unir grupos conflituais”, é um conceito defensivo que migra da política para a religião CANEVACCI. Sincretismos. Op. cit., p. 15. O conflito tal como visto aqui liga-se diretamente à idéia de sincretismo, cujo lugar na religiosidade brasileira - poder-se-ia também dizer na cultura - é historicamente fundante. Esse nosso velho conhecido, que hoje recebe várias denominações - pastiche, patchwork , mix, marronização, mestiçagem, hibridação, mistura, mulatismo, aculturação, polifonia, cacofonia, pluralismo, politeísmo dos valores, mutação, nomadismo , trânsito, errância, indigenização, crioulização, tribalismo, etc. - recobre os amplos movimentos/processos de brassagem cultural que estão em curso no mundo contemporâneo. 33 SOARES. "A guerra dos pentecostais contra o afro-brasileiro". Op. cit., p. 44. 30 9 exorcismo é tanto maior quanto mais forte for o espírito a ser expulso. A eficácia do exorcismo pressupõe a crença em pombas-giras, exus, caboclos, etc. Sabemos todos também que o temor é uma das principais atitudes em relação ao sagrado: quanto mais temido, mais sagrado; quanto mais sagrado, mais poderoso. Não é à toa, portanto, como aponta Soares, que “o fervor fideísta do carisma pentecostal depend[a] do ardor guerreiro com que se combate o grande outro, o inimigo, todavia parceiro de classe". Mas, como se trata de uma relação recíproca - o "um contra autrui" de Simmel -, não é, do mesmo modo, à toa, que o "grande outro" do carisma pentesotal, historicamente atravessado por "guerras" contra sua legitimidade, se alimente igualmente da "guerra". Em uma palavra: a lógica da sobrevivência, tanto para um como para o outro corresponde, necessária e imperiosamente, à "estratégia da mútua referência”34 . Como bem lembra Pierre Sanchis, discutindo o caráter hemêutico-político do conflito, "para se legitimar, e pelo fato mesmo de ser objeto de conflitos, a autoridade deve abrir-se (num movimento análogo ao da intencionalidade husseriana) ao seu objetivo". Todavia, trata-se de um objetivo não total e completamente escolhido, pos que dado pela situação mesma. Dito de utro modo: letimidade, conflito e escolha reenviam "imancavelmente às duas esferas da produção material e simbólica: a economia e a cultura, seja, em um caso como no outro, aos valores"35 . No ritual do exorcismo, - que marca a conversão para o pentecostalismo - como refere Prandi, “os ex-filiados à umbanda e ao candomblé podem encontrar o reconhecimento de uma identidade (no transe) com a qual estavam fortemente identificados e que não podem reconhecer como não-verdadeira, ainda que agora se disponham a abandoná-la”36 . Assim é que se falarmos em conflito, em campo religioso em "conflito" ou em "guerra santa", antes de mais nada, é preciso qualificar de que conflito se trata. E, na perspectiva aqui adotada, o conflito, longe de ser disruptivo, anômico, gerador de violência e de intolerância, ou qualquer outra coisa, é constituidor de uma rede de interações e de interdependências e, portanto, gerador de normas e/ou pautas comuns às partes em enfrentamento, enfim, como relação recíproca que, no plano mais estritamente religioso, engenda as relações-presença de que fala Otávio Velho. Olhando o dito "conflito religioso" na sociedade brasileira contemporânea sugiro, que se pense sobre a plausibilidade de o "dever ser" se ver - bon gré, malgré - impelido a co-existir com outras formas de sociação, entre as quais destaco a do "estar junto", que não segue uma lógica identitária e dialética, mas uma dinâmica de hibridação. Vale dizer que nenhuma síntese final, totalizante, homogeneizante é buscada, uma vez que a vida social é experienciada como sendo o domínio da pluralidade irredutível. V. Antes de terminar, quero deixar claro de que não estou fazendo profissão de fé de nenhum tipo de otimismo triunfalista, nem de nihilismo simplificado, uma vez que admito que, tal como menciona Otávio Velho, "'nós' não temos mais como 'nos' garantir o privilégio de sermos a sociedade (ou o ponto de vista) que é capaz de refletir sobre as outras sociedades e sobre si mesma. Isso talvez tenha sido uma ilusão que se pôde carregar durante algum tempo, mas que já não é mais possível", uma vez que "uma das características do atual processo de globalização é justamente a perda desse monopólio da tendência genérica à reflexão e à auto-reflexão de uma sociedade (ou um ponto de vista) ou de seus representantes privilegiados, como por exemplo os antropólogos". Precisamos aceitar (continua a dizer meu caro interlocutor) a existência de "impurezas", "de misturas e combinações absolutamente incontroláveis a priori", pois que nas condições da globalização "combinam-se tendências paradoxais, que se por um lado provocam o rompimento das barreiras e uma homogeneização cultural, por outro acentuam diferenças e heterogeneidades a que não são estranhos nem o renascido interesse pelo 'multiculturalismo', nem [...] a preocupação com os conflitos culturais e étnicos"37 . Diante da crescente complexificação do campo religioso na atualidade não me parece mais heuristicamente produtivo e plausível que ainda nos fixemos em visões estreitas, acanhadas e, mais 34 SOARES. "A guerra dos pentecostais contra o afro-brasileiro". Op. cit., p. 49. SANCHIS. Arraial Op.cit., p. 21. 36 PIERUCCI e PRANDI. A realidade social das religiões no Brasil. Op. cit., p. 32. 37 VELHO. Besta-fera. Op. cit., p. 223, 224. 35 10 ainda, em dissintonia com o conflito e com o pluralismo. Vale mais, e aqui faço minhas as palavras de George Marcus, ter uma “visão analítica nômade que monitore constantemente sua localização e sua perspectiva parcial em relação às outras”38 . E, sobretudo, em relação à religião, é preciso que deixemos de lado o esquema referencialista da presença e de sua redução objetificante, para dar destaque à experiência em sua dimensões, ao mesmo tempo, sensitivas e performáticas. Rita Segato, em um desconcertante artigo, já nos chamou atenção disso, particularmente sobre a operação traidora da interpretação antropológica (racionalista e relativizadora) que pensa poder substitutir - usando a lógica da verossimilhança e da factualidade - o significado pelo ato mesmo de significar, subssumindo, assim, o imaginativo ao cognitivo, o sensível ao intelectivo, a experiência à compreensão, reduzindo também, e em decorrência, a polissemia religiosa ao "princípio de caridade" ("todas as crenças são corretas") e ao "princípio de humanidade" ("minimização da ininteligibilidade")39 . Nesta mesma linha, Vital Pasquarelli Júnior nos mostra o desconforto e a conseqüente redução objetificante que opera a antropologia: “a interpretação tem reproduzido sobre a crença o nosso imperativo cultural (racional-moderno) da coerência [e do conseqüente imperativo da ordem, que exclui o conflito ou o vê como anômico, acrescento eu], que implica conceder toda ênfase ao conteúdo, porque este é supostamente passível de controle pela intelecção - essa nossa obsessão espiritual, característica constitutiva do self ocidental. Dispomos da ação anímica traduzindo-a como um conteúdo coerente para a intelecção, em detrimento da forma/natureza dessa dimensão da experiência”40 . Um belo exemplo disso nos é dado pelo depoimento de um diácono da Assembléia de Deus recolhido por Regina Novaes: “Dizem que o crente é chato porque só fala de religião. Mas as pessoas aqui só me perguntam sobre isso”41 . Antes de continuarmos fazendo a economia das crenças e/ou reduzindo-as aos nossos programas de verdade, isto é, aos nossos modos de pensamento habituais, incontestados e desapercebidos, sobre os quais assentamos as práticas que aceitamos, como fazem os que desqualificam o conflito religioso no Brasil, parece-me necessário re-lembrar o convite de Marcel Mauss para que vejamos as sociedades em estado dinâmico, estudando-as, não “como se estivessem fixas, em um estado estático ou antes cadavérico” e muito menos ainda decompondo-as e dissecando-as “em regras de direito, em mitos, em valores e em preço”. É preciso considerar “o essencial, o movimento do todo, o aspecto vivo, o instante fugidio em que as sociedades e os homens tomam consciência sentimental deles mesmos e de sua situação face a outrem”. Assim, continua ele, “chega-se a ver as próprias coisas sociais no concreto, como elas são. Nas sociedades, mais do que idéias ou regras, apreendem-se homens, grupos e seus comportamentos. Vemo-los moverem-se assim como, em mecânica, vemos massas e sistemas, ou como, no mar, vemos pedras e anêmonas. Percebemos multidões de homens, de forças móveis, flutuando em seu meio e em seus sentimentos”42 . Sugiro então, como questão de trabalho que o que interessa levar em consideração na compreensão da religiosidade na atualidade, particularemente quando se trata de "conflito e/ou intolerância" e de pluralismo é, como chama atenção Mike Featherstone, o "grau de comunalidade dos sentimentos gerados", o que significa dizer que pouco importa, ou importa muito pouco, determo-nos no conteúdo (isto é, na "posse de um conjunto integrado de crenças e valores"), mas no plano da forma, isto é, nas "possibilidades gerativas formais subjacentes de um conjunto reconhecível de variações"43 . Como diz Georges Bataille, o sagrado "não é senão um momento privilegiado de unidade comunal, momento de comunicação convulsiva com o que ordinariamente 38 MARCUS, Ge orge. “O que vem (logo) depois do pós: o caso da etnografia". 1994. Revista de Antropologia, v. 37. São Paulo, USP, p. 28. 39 SEGATO, Rita Laura. " Um paradoxo do relativismo: discurso racional da antropologia frente ao sagrado". 1992. Religião e Sociedade, n. 16/1-2. Rio de Janeiro, ISER, p. 117, 124, 125. 40 PASQUARELLI JUNIOR, Vital. “Diálogo e pensamento por imagem - etnografia e iniciação em Las enseñanzas de D. Juan de Carlos Castañeda”. 1995. Revista Brasileira de Ciências Sociais, n. 29. São Paulo, ANPOCS, p. 107, 108. 41 NOVAES, Regina.“Religião e política: sincretismos entre alunos de Ciências Sociais”. 1994. Comunicações do ISER, n. 45. Rio de JANEIRO, ISER, p. 72. 42 MAUSS, Marcel. “Ensaio sobre a dávida: forma e razão da troca nas sociedades arcaicas”. 1974. Sociologia e Antropologia, v. II. São Paulo, EPU, p. 180, 181. 43 FEATHERSTONE, Mike. Cultura de consumo e pós-modernismo. 1985. São Paulo, Studio Nobel, p. 183, 196. 11 é abafado"44 . Dito de outro modo: a comunalidade, a unidade comunal que está em foco não é de tipo integrador, totalizador e homogeneizador, ou seja, institucional, mas emocional, porosa, polivalente e constituída por uma plêiade de formas nebulosas que, acima de tudo e antes de mais nada, possibilitam o reconhecimento não de igualdades, mas de diferenças (consideradas legítimas e válidas) e baseadas em afinidades eletivas. Nesta via de aproximação, e tal como propõe Soares, a "eventual novidade" não está nas religiões, "mas no modo de relacionar-se com elas"45 . E acrescento eu, relacionar-se com a religião nos quadros de uma sociedade globalizada, o que implica, entre outras coisas, que se coloque em questão se tomamos a globalização, tal como já fazemos com a religião, como objeto ou perspectiva, pois que, como diz Otávio Velho, "a adoção da globalização como perspectiva - e não apenas como 'objeto' - parece alterar significativamente a maneira pela qual são abordadas as temáticas usuais das ciências sociais", uma vez que "trata-se de nos interrogarmos, tanto de um ponto de vista substantivo quanto epistemológico, a partir dos processos de globalização, os valores sociais e suas articulações", vale dizer, portanto, que o que "está em jogo não é tanto a questão de quais são, em termos substantivos, os valores culturais, mas de qual é a nossa relação com eles"46 . O conflito religoso, numa sociedade globalizada, não seria indicativo de uma nova matriz de plausibilidade e de um novo modo de experienciar a alteridade e o estar no mundo? VI Pequena nota pós-discussão. Após a tão enriquecedora discussão que seguiu a apresentação deste texto, vi-me constrangida a redigir essa pequena nota para, antes de mais nada e acima de tudo, me desdizer, mas agora num outro sentido, e registar a pertinência da dedicatória às Leila Amaral. Leila lançoume questões fundamentais, que me fizeram pensar, pelas quais lhe sou profundamente grata, mais um vez. Aqui quero apenas enfatizar um ponto, dos vários, para os quais ela chamou à devida atenção. Mostrou-me ela o risco que se poderia correr ao enfatizar a positividade do conflito, na medida em que isso poderia remeter o conflito a uma "ontologia do ser". Leila, como sempre tem toda a razão. Mas tentando ser um pouco (quem sabe?) mais clara do que fui ao longo do texto, quero enfatizar que nem de longe é minha intenção fazer do conflito uma ontologia, uma vez que tenho claro - provavelmente seja a único ponto em que tenha alguma clareza - que no trato do conflito deve-se separar analiticamente os dois patares/instâncias nas quais ele se a-presenta, a saber: como problema social e como questão socio-lógica. Ninguém duvida que em razão da violência, dos antagonismos e das intolerâncias que ele pode e, em grande medida, deve engendrar, o conflito seja um problema social que requer intervenção, de políticas públicas, por exemplo. Todavia, essa parece-me ser uma instância de algo maior e mais profundo. Certamente é a mais visível, a que mais nos afeta direta e duramente no plano do cotidiano. É o conflito como acontecimento, como fato social anômico, como querem, entre outros, Durkheim e todos os funcionalistas. Mas também não se pode negar que se ultrapassarmos essa primeira instância, esse primeiro palier en profondeur, e se levarmos mais longe o olhar, o conflito deixa de ser um problema de intervenção política para tornar-se uma questão socio-lógica, a partir da qual pode-se apreender mecanismos e processos da vida social mais fundamentais e fundantes da vida em sociedade. É o conflito como forma (como quer Simmel) ou como estutura (à la Lévi-Strauss, por exemplo). Talvez tenhamos que refletir com mais acuidade acerca do agradecimento que Kant fazia à natureza "pela insociabilidade, pela vaidade de competir com inveja, pela cobiça, nunca satisfeita, de ter ou mesmo de assenhorar-se". De acordo com ele, a "insociável sociabilidade" dos humanos, é a única via por meio da qual podemos, enquanto humanos, escapar ao "idílio arcaico", no qual "a concórdia perfeita, a moderação e o amor recíproco, todos os talentos permanecem eternamente ocultos em seus germes". E se escapa ao idílio arcaico - esse nosso confortável e reconfortante jardim do sono feliz - diz Kant, pela vaidade da competição, pela cobiça, pelo assenhoramento. Em uma palavra: nossa insociável sociabilidade nos lança para fora de nosso ensimesmamento ao nos 44 BATAILLE, Georges. "Le sacré". 1973. Oeuvres complètes, v. I. Paris, Gallimard, p. 562. SOARES, Luiz Eduardo. O rigor da indisciplina. Ensaios de Antropologia Interpretativa. 1994. Rio de Janeiro, Relume-Dumará, p. 206. 46 VELHO. Besta-fera. Op. cit., p. 221, 222, 225. 45 12 remeter (ao mesmo tempo e de só vez, para falar maussiamamente) à diversidade, ao conflito, ao antagonismo47 . Outrossim, e repito aqui o que já disse em outro lugar, creio que já é passado o tempo de uma certa doxa intelectual ingênua, para a qual a sociedade era um todo organizado, de modo único, homogêneo e coerente. Como observa Jean Duvignaud, "a idéia segundo a qual o objetivo das todas as sociedades humanas é o trabalho, e que a função principal das coletividades é a produção, talvez não seja mais do que uma crença, ao mesmo título que a crença melanésia que admite, por exemplo, que a morte não existe...". Ou seja, temos dificuldade de admitir que a vida coletiva seja tecida mais de imprevisível do que de inelutável48 . É neste sentido que para Duvignaud, com o que concordo em gênere, número e grau, a consideração positiva da anomia, e acrescento do conflito, oportuniza fazer emergir "a discontinuidade parcial dos fatos", uma vez que "a conduta 'aberrante' ou marginal em toda a amplitude de sua objetividade parcial" revela condutas ou atitudes "inovadoras, mas virtuais", das quais é, enquanto fato desviante, o símbolo (pois que) o campo fenomenológico" que a conduta aberrante ou marginal descobre "não é ainda ou não será, talvez, jamais experimentado". Vale dizer, portanto, que o fato anômico é em potencialidade, "a matriz de evidências existenciais ainda não manifestas e que, enquanto tais, constituem, de uma maneira impensada por seu suporte momentâneo, o elemento criador eventual de relações sociais ou inter-humanas ainda desconhecidas, a parte incontrolada [Bataille diria parte maudita] da experiência coletiva –sem a qual uma sociedade não seria senão acumulação morta de fatos positivos que excluem a ação humana". Dito de outro modo:"trata-se de compreender, violentando nossos hábitos comuns dominados pelo sentido histórico [leia-se a inexorabilidade do devir] como os grupos humanos secretam a inovação não diretamente, mas depois de terem feito sua experimentação, freqüentemente aberrante, através de certos casos particulares, dos fatos privilegiados". Os germes inovadores experimentados em condutas ou atitudes aberrantes, violentas diriámos usando o jorgão da doxa corrente, podem ou não vir a ser "reintegrados na trama da experiência coletiva e das relações sociais estabelecidas", todavia, o momento de ruptura permanece fundamental, pois "permite dar conta da inovação antes que ela seja cristalizada ou congelada"49 . Fica, então, a questão de Bastide acerca da natureza luciferiana de uma "sociologia da imaginação criadora", que chamaria a uma "sociologia do pecado"50 . Referências bibliográficas BATAILLE, Georges. "Le sacré". 1973. Oeuvres complètes, v. I. Paris, Gallimard. BAUMAN, Zygmund. "Simmel, ou l'éclosion de l'expérience postmoderne". 1992. Sociétés. Revue des Sciences Humaines, n. 35. 1992. Paris, Dunod. BAUMAN, Zymunt. O mal-estar da pós-modernidade. 1998. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed. BINGEMER, Maria Clara Lucchetti. "A sedução do sagrado". 1992. Religião e sociedade, n. 16/12. Rio de Janeiro, ISER. BIRNBAUM, Pierre. 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Paris, Scarabée & Compagnie , p. 133, 141. 49 DUVIGNAUD, Jean (org.). "Anomie". 1972. La sociologie: guide alphabétique. Paris, Editions Denoël, p. 24, 25,26. 50 BASTIDE, Roger. Apud. SANCHIS. Arraial Op.cit., p. 394. 13 FEATHERSTONE, Mike. Cultura de consumo e pós-modernismo. 1985. São Paulo, Studio Nobel. FREUND, Julien. "Le polythéisme de Weber". 1985. Sociétés. Revue des Sciences Humaniens et Sociale, n. 4. Paris, Dunod. GARGANI, Aldo. "A experiência religiosa como acontecimento e interpretação". DERRIDA, Jacques e VATTIMO, Gianni. A religião. 1997. Lisboa, Relógio D'Água Editores. MARCUS, George. “O que vem (logo) depois do pós: o caso da etnografia". 1994. Revista de Antropologia, v. 37. São Paulo, USP. MAUSS, Marcel. “Ensaio sobre a dávida: forma e razão da troca nas sociedades arcaicas”. 1974. Sociologia e Antropologia, v. II. São Paulo, EPU. MENDONÇA, Antonio G. "Pentecostalismo e as concepões históricas de sua classificação". SOUZA, Beatriz Muniz et alli. 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