Gilbraz Aragão
A transdisciplinaridade é uma abordagem científica e cultural,
uma nova forma de ver e entender a natureza, a vida e a
humanidade. Ela busca a unidade do conhecimento para nos
ajudar a encontrar sentido para a existência.
A transdisciplinaridade reivindica a centralidade da vida nas
discussões sobre a realidade, propondo uma mudança na
compreensão do conhecimento, como relação.
A transdisciplinaridade se apoia em três pilares:
• considerar vários níveis de realidade;
• trabalhar com a lógica do Terceiro Termo Incluído; e
• abranger a visão da complexidade dos fenômenos.
Vários níveis de realidade. No estudo moderno do ser humano,
ele é dissecado no departamento de biologia, como um ser
anatômico-fisiológico, e também é estudado nos diversos
departamentos das ciências humanas e sociais. Estuda-se o
cérebro como órgão biológico e estuda-se o espírito como função
ou realidade psicológica. Cada qual com um quadro conceitual
específico e diferenciado.
Mas o humano não é simplesmente a soma das partes estudadas.
Na relação das partes com o todo, a articulação é que faz a
diferença e isso inexiste como foco central na estrutura disciplinar.
A transdisciplinaridade é a tentativa de construção de uma
conceituação multidimensional, considerando vários níveis de
realidade: micro e macro, interior e exterior, natural e social,
histórico e interpessoal...
Lógica do Terceiro Termo Incluído. Os problemas complexos não
se resolvem com a lógica clássica do “falso” e do “verdadeiro”.
Exigem uma lógica da complementariedade dos opostos. Por
exemplo, no nível do quantum, onda e corpúsculos formam uma
unidade. A unidade se dá pela tensão entre ambos e o que
parecia contraditório num determinado nível, noutro não é.
A e não-A são associados por T num outro nível de realidade. E
os opostos não são eliminados, eles continuam existindo. Não se
considera mais somente dois termos e, sim, três. A lógica do
Terceiro Termo Incluído permite cruzamento de diferentes olhares,
construindo-se um sistema coerente e sempre aberto, o que nos
permite compreender, principalmente, os fenômenos culturais –
entre eles as experiências de religiosidade.
Complexidade dos fenômenos. A vida se manifesta na
complexidade das relações, que são estudadas separadamente
pelas ciências: exatas, biológicas e humanas. Mas a
interdependência é um princípio que sustenta a vida neste
planeta.
Negar a interdependência entre ciência e cultura significa negar
o sujeito, desvanecendo o sentido da vida. Precisamos associar as
sabedorias das antigas tradições simbólicas de interioridade aos
princípios culturais e científicos modernos e pós-modernos, que
exploram o mundo objetiva e intersubjetivamente.
A transdisciplinaridade está “entre”, “através” e “além” das
disciplinas. A transdisciplinaridade transgride as fronteiras de
cada ciência disciplinar e constrói um novo conhecimento
“através” das ciências, um conhecimento integrado em função da
humanidade, resgatando as relações de interdependência...
Mas como educar a espiritualidade de um mundo transcultural,
em tempos transdisciplinares?!
Sobre a base da história geral das religiões as Ciências da
Religião erguem um estudo comparativo, que aborda as religiões
com questionamentos sistemáticos e interpretativos. O campo de
conhecimento das Ciências da Religião organiza-se com uma
epistemologia das controvérsias para esclarecer a busca por
transcendência e as experiências de sagrado, com aproximações
fenomenológicas e hermenêuticas.
As Ciências da Religião recebem colaborações transdisciplinares
de História e de Hermenêutica, das disciplinas de Sociologia,
Antropologia e Psicologia, bem como de Filosofia, Linguística e
Teologia – exigindo, contudo, que os seus aportes metodológicos
sejam redimensionados com base na comparação empírica dos
fatos e na busca hermenêutica de significados.
Antropologia
Lévi-Strauss Geertz
Psicologia
Jung Vergote
Sociologia
Durkheim Berger
Fenomenologia//
História-geografia
comparadas
//Hermenêutica
Teologia
Smith,
Wilfred Geffré
Filosofia
Hegel Ricoeur
Linguística
Muller Dumézil
Assim, por exemplo, a sociologia da religião ocupa-se das
relações recíprocas entre religião e sociedade, incluindo também
a dimensão política. A psicologia da religião dedica-se a
processos religiosos que devem ser compreendidos a partir da
peculiaridade do elemento psíquico. A geografia das religiões
investiga as relações entre religião e espaço, sendo que este se
entende não apenas em sentido físico, mas também cultural, e
une-se à história comparada das religiões, conformando o núcleo
onde se processam as controvérsias sobre a construção e/ou
manifestação do(s) sagrado(s).
As ciências da linguagem, junto com a antropologia, aportam
colaborações destacadas para a descrição e interpretação dos
fatos religiosos, como construtos humanos e códigos simbólicos.
Assim também, a filosofia participa do campo epistemológico das
Ciências da Religião, desde que não reduza teoricamente o
religioso a mero epifenômeno e busque sistematizar os fatos
religiosos com maiores preocupações de objetividade; e a
teologia, desde que se redefina metodologicamente como uma
auto interpretação das tradições de fé sobre as suas experiências
de revelação e busca por transcendência e não se limite a expor
uma doutrina religiosa.
Se o que caracteriza as Ciências da Religião é esse voltar à
natureza e aos fenômenos, porque muitos discursos filosóficos e
teológicos e até mesmo ditos científicos pela psicossociologia,
tornaram-se por demais teóricos e auto referenciados,
compreendemos que a temática do pluralismo religioso e a preocupação político-cultural com o diálogo inter-religioso constituem
hoje um dinamismo que exige e permite que se circunscreva o
campo das pesquisas sobre religiões pelos balizadores da
comparação fenomenológica e da interpretação hermenêutica –
haja vista que as religiões estão se reconfigurando em nossa era
de mudanças e precisam ser re-descritas, e necessitam também
de mútuas traduções em nosso tempo de intolerâncias e de
diálogos.
A transdisciplinaridade colabora nesse processo, pois engendra
uma atitude transcultural e trans-religiosa. A atitude transcultural
designa a abertura de todas as culturas para aquilo que as
atravessa e as ultrapassa, indicando que nenhuma cultura se
constitui em um lugar privilegiado a partir do qual podemos
julgar universalmente as outras, como nenhuma religião pode ser
a única verdadeira – mesmo que cada uma possa se
experimentar como absolutamente verdadeira e universal.
Em um mesmo nível de realidade elas seriam possivelmente
antagônicas e excludentes, mas se considerarmos um outro nível
ao menos, surge um “terceiro” que, incluído, as pode reconciliar.
Trata-se da base antropológica que nos constitui a todos e exige
uma atitude ética, ou da altitude mística para cujo silêncio e sonho
comum colaboram os sons de todas as tradições.
MODELOS
CATEQUÉTICO
TEOLÓGICO
COSMOVISÃO
CONTEXTO
Unirreligiosa
Aliança IgrejaEstado
Conteúdos
doutrinais
Plurirreligiosa
Sociedade
secularizada
Antropologia,
teologia do
pluralismo
Indução
Escola nova
FONTE
MÉTODO
AFINIDADE
Doutrinação
Escola tradicional
OBJETIVO
Expansão das
Igrejas
RESPONSABILIDADE Confissões
religiosas
Formação religiosa
dos cidadãos
Confissões
religiosas
RISCOS
Catequese
disfarçada
Proselitismo e
intolerância
CIÊNCIAS DA
RELIGIÃO
Transreligiosa
Sociedade
globalizada
Ciências da religião
Transdução
Epistemologia da
Complexidade
Educação do
cidadão
Comunidade
científica e do
Estado
Neutralidade
científica
O Ensino Religioso, compreendido como área de aplicação
pedagógica do campo de conhecimento das Ciências da Religião,
numa visão transdisciplinar, não objetiva a transposição de
conteúdos enciclopédicos e muito menos doutrinais, mas o
desenvolvimento de processos de aprendizagem participativos,
de construção de conhecimentos através de projetos de pesquisa,
em conexão com as pautas de estudo e engajamento dos
cientistas da religião.
O jeito transdisciplinar de pesquisar lança uma nova luz sobre o
sentido do sagrado. Uma zona de absoluta resistência liga o
sujeito e o objeto, os níveis de realidade e os níveis de
percepção. Mística deriva desse mistério, do respeito a esse
ilimitado em todo conhecimento. Espiritualidade é religação com
esse outro lado, profundo, de toda a realidade: em nosso interior,
na natureza e na história, na face do outro.
O Ensino Religioso deve tratar das dimensões pedagógicas que
existem entre e para além de todas as tradições religiosas, deve
resgatar os valores humanos que as espiritualidades podem
trazer para a educação dos nossos filhos. Trata-se, então, de
comparar criticamente e interpretar os fatos – também religiosos
– nos seus contextos históricos. Para que as novas gerações
possam optar com mais liberdade sobre essa dimensão de
transcendência na vida.
Porque religião não se ensina propriamente na escola, mas se
pode e deve refletir aí sobre esse fenômeno humano, em busca
de significados mais profundos do que é experimentado como
sagrado em cada cultura. Todas as pessoas têm direito ao
esclarecimento das crenças da humanidade. O Ensino Religioso
deve avaliar as notícias religiosas em seus contextos, estudar as
religiões como problema e não como dado.
O Ensino Religioso traduz pedagogicamente os conhecimentos
transversais das Ciências da Religião, articulados em eixos
curriculares: culturas e tradições, textos sagrados e teologias, ritos
e ética.
Mas o professor precisa compreender a situação social e
religiosa dos/as educandos/as a fim de construir com eles
conteúdos programáticos contextuais para o Ensino Religioso.
O docente precisa interagir criticamente com o contexto concreto
das religiões na vida dos/das educandos/as em seus aspectos
desumanizadores e opressivos, promovendo uma tomada de
consciência desmistificadora das religiões.
O Ensino Religioso deve promover uma ação educativa
esperançosa, em que o anúncio e a utopia desempenham um
papel reconstrutivo e transformador das religiões.
Hoje, para além da redução binária da matemática, com as
novas descobertas da física, a ciência desvela uma lógica da
complexidade que envolve o Universo em diversos níveis e o abre
para o mistério da realidade e da sua polissêmica compreensão.
A religiosidade está voltando a ser buscada e respeitada, seu
simbolismo tem uma verdade a comunicar sobre o sentido de
todas as coisas, desde o começo.
Mas a experiência religiosa tem algo a aprender com a
relatividade da nova ciência, no que respeita à consideração de
outras camadas de vivência, de outras possibilidades de acesso à
transcendência. “Deus é a harmonia dos contrários”. Quem sabe
não é hora do Ensino Religioso como uma sinfonia capaz de
harmonizar e esclarecer o que se manifesta/e se esconde entre e
para além das religiões e das suas contradições...
Pra continuar a conversa:
[email protected]
www.unicap.br/observatorio2
Obrigado
e bem vindos ao
Fonaper Recife 2015...
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