SIMPÓSIO SOBRE DIREITO DOS VALORES MOBILIÁRIOS SUMÁRIO Apresentação A Reforma da Lei de Sociedade por Ações Modesto Carvalhosa O Impacto do Euro nos Mercados Mobiliários Europeus Pedro Rebelo de Sousa "Mercosur Y Valores Mobiliarios" Edgar I Jelonche Os Derivativos e a Legislação Comparada Ari Cordeiro Filho Provimentos Antecipatórios e Privatizações Valéria Medeiros de Albuquerque O Conceito de Valor Mobiliário nos Direitos Brasileiro e Norte-Americano Osmar Brina Corrêa Lima Commercial Paper, Export Notes - Endossador não-responsável pelo Título de Crédito Theophilo de Azeredo Santos Perspectivas do Mercado de Valores Mobiliários em face do Desenvolvimento da Informática Carlos Alberto Rohrmann As Bolsas de Valores e os Valores Mobiliários Newton de Lucca APRESENTAÇÃO O Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal realizou, em 1997, o Simpósio sobre Direito dos Valores Mobiliários, nos Tribunais Regionais Federais da 4ª e 5ª Regiões, reunindo seus anais no Volume 15 da Série Cadernos do CEJ, já publicado. Em 1998, nos Tribunais Regionais Federais da 1ª, 2ª e 3ª Regiões, o CEJ deu continuidade à realização do evento, cujas palestras encaminhadas por escrito pelos palestrantes compõem este Volume 16. Foram abordados temas de fundamental relevância para esse moderno ramo do Direito, basilar para o panorama jurídico-econômico de nosso país. Durante os trabalhos realizados no decorrer dos ciclos, foi possível trazer a lume aspectos pertinentes ao uso, circulação, posse, propriedade e tributação dos títulos de valores mobiliários. Procedeu-se, ainda, a minuciosa análise sobre seus aspectos tributários, sem se olvidar de sua estreita correlação com o instituto da sociedade anônima e de seus aspectos processuais - todos esses temas recorrentes do estudioso do Direito de última geração. A REFORMA DA LEI DE SOCIEDADES POR AÇÕES MODESTO CARVALHOSA - Advogado INTRODUÇÃO. OS OBJETIVOS DA NOVA LEI. A Lei n. 9.457, de 5 de maio de 1997, resulta do Projeto de Lei n. 1.564, de 28 de fevereiro de 1996, ou "Projeto Kandir", cujo objetivo era o de suprimir o direito de recesso no caso de cisão, com vistas a reduzir os custos do Governo nos processos de privatização. Ao contrário do que ocorre em outros países, como Estados Unidos e Inglaterra, em que a lei societária é de natureza contratual, e, como tal, objetiva a compor interesses privados dos acionistas e da companhia, no Brasil, predomina o modelo institucional, voltado aos interesses do Estado. Atendendo a essa política que visualiza a lei societária como instrumento de interesses macroeconômicos, a Lei de 1997 suprimiu, pela conjugação dos arts. 136 e 137, o direito de recesso não só nos casos de cisão, mas também nas hipóteses de dissolução da companhia ou cessação do estado de liquidação (art. 206 e ss.). O Projeto sofreu uma significativa melhoria do Congresso Nacional, por meio da "Emenda Hauly": compensou-se a fragilização dos direitos de recesso e oferta pública com novos direitos patrimoniais, notadamente por intermédio dos dividendos diferenciados conferidos às ações preferenciais (art. 17). Não obstante, manteve a nova lei o objetivo do Projeto Kandir, suprimindo amplamente direitos dos acionistas minoritários, a começar pela neutralização do direito de recesso, e culminando com a supressão da obrigatoriedade da oferta pública aos minoritários no caso de transferência de controle (art. 254). Analisemos, em breves comentários, algumas das principais alterações substanciais trazidas pela nova lei. OS DIVIDENDOS DIFERENCIADOS DAS AÇÕES PREFERENCIAIS (ART. 17). A Lei n. 9.457, ao invés de suprimir as polêmicas ações preferenciais, como seria de se desejar, optou por dar concreção ao princípio de vantagem patrimonial, já contido na Lei n. 6.404 de 1976. Tal princípio foi, ao longo dos anos, deturpado pela prática societária, a ponto de nenhum benefício ser reconhecido aos preferencialistas que lhes compensasse a retirada do direito de voto. Mesmo as preferenciais com dividendo fixo ou mínimo não lograram nunca suplantar os dividendos pagos às ordinárias, estabelecendo o estatuto sempre os ganhos "preferenciais" em patamar inferior àqueles esperados para as ordinárias. Procurou o novo diploma pôr cobro ao equivocado entendimento de que o termo "prioridade", a que se referia o art. 17, seria sinônimo de "anterioridade" no pagamento, e não de vantagem econômica. Estabeleceu o legislador de 1997, para os titulares de ações preferenciais, o direito a um dividendo 10% a maior em relação às ordinárias. A redação dada ao art. 17, entretanto, é infeliz, por levar, no inc. I, à dúbia interpretação acerca da exigência ou não de aplicabilidade do dispositivo às ações com dividendo fixo ou mínimo. Demanda, pois, a norma contida no art. 17, interpretação sistemática e razoável. Da análise do inc. I do art. 17, conclui-se que a obrigatoriedade do pagamento de dividendos diferenciados, a maior, de 10% em relação às ordinárias, aplica-se, em princípio, às preferenciais com dividendo calculado sobre o lucro do exercício, sendo facultativa a sua aplicação às preferenciais com dividendo fixo ou mínimo. Entendemos, no entanto, que, também nesses casos, não obstante ser facultativa a aplicação da norma, deverá o estatuto expressamente prever a suplementação dos 10%, sob risco de, em não havendo efetivo pagamento de dividendos diferenciados aos preferencialistas com dividendo fixo ou mínimo, venham estes a requerer o direito de voto (art. 111). O princípio invocável seria o da efetiva vantagem econômica outorgada aos preferencialistas, como forma de compensar-lhes a supressão do direito de voto. Esse princípio geral pressupõe que a ausência do direito de voto tem de ser obrigatoriamente compensada com uma vantagem patrimonial correlativa. E, a partir da nova redação do art. 17, entendemos que, quando se tratar de ações com dividendo fixo ou mínimo, terão elas o direito a um dividendo suplementar superior àquele pago no exercício às ações ordinárias, para que delas se possa continuar suprimindo o direito de voto. Apesar de silenciar a nova lei a respeito de prazo para adaptação do estatuto, a norma contida no art. 17 demanda reforma estatutária, em que conste a opção da sociedade, mesmo em se tratando de ações com dividendo fixo ou mínimo. Trata-se de medida de interesse da própria administração, para prevenir a companhia de eventuais demandas judiciais. VALOR ECONÔMICO COMO CRITÉRIO ESTATUTÁRIO ALTERNATIVO (ART. 45). A Lei de1997 admite a fixação estatutária que possa ter como efeito valor de reembolso inferior ao do patrimônio líquido, desde que o critério seja o de valor econômico (forecast profit). Há, pois, o reconhecimento de que a avaliação do valor da companhia pelo critério de patrimônio líquido está sendo superado. Com efeito, o critério de valor econômico, hoje universalmente adotado, é o que revela com maior precisão o preço justo das ações que a companhia pretende emitir em aumento de capital. A adoção desse critério deve ser expressa; em caso contrário, prevalece a regra geral que determina o critério do patrimônio líquido da companhia como base para o cálculo do reembolso. O novo critério, portanto, somente será aplicável se previamente assim dispuser o estatuto. SUPRESSÃO DO DIREITO DE RECESSO EM DISSOLUÇÃO E CISÃO. O art. 137, em sua nova redação, não incluiu as hipóteses de cisão, dissolução e cessação do estado de liquidação da sociedade como ensejadoras do direito de recesso aos acionistas discordantes de tais decisões. Dessa forma, com tais alterações, ficam os minoritários prejudicados patrimonialmente já que não mais poderão pleitear o direito de retirada nesses casos. O NOVO CRITÉRIO PARA FIXAÇÃO DO PREÇO DE EMISSÃO DAS AÇÕES DE COMPANHIA ABERTA EM AUMENTO DE CAPITAL (ART. 170). A Lei n. 9.457, na nova redação dada ao § 1º do art. 170, veio pôr cobro à confusão interpretativa originada pela redação anterior, que pressupunha a conjugação dos três critérios para a fixação do preço de emissão de ações em aumento de capital de companhia aberta: cotação no mercado; patrimônio líquido e perspectivas de rentabilidade (valor econômico). O novo diploma prevê expressamente que esses critérios poderão ser alternativos ou conjuntos. Assim, pela nova redação do § 1º do art. 170, a companhia poderá usar, isoladamente, o valor de patrimônio líquido ou o de valor econômico (perspectiva de lucratividade), ou o de valor de cotação em bolsa ou no mercado de balcão organizado. Em conseqüência, os acionistas não poderão contestar a escolha feita pela administração por um desses critérios nem impugnar comparativamente tais valores ¾ ou seja, alegarem que o valor econômico é menor que o de patrimônio líquido, por exemplo. A impugnação que os acionistas poderão doravante fazer refere-se à consistência técnica ou à independência profissional dos auditores que irão elaborar o laudo, notadamente em se tratando do critério de valor econômico. Por outro lado, a administração da companhia deverá justificar amplamente a causa do aumento (§ 7º) e respaldar a idoneidade do laudo. Por outro lado, diferentemente do disposto no art. 45 ¾ no qual a adoção de critério alternativo de valor econômico é estatutário e insusceptível de alteração posterior ¾, no aumento de capital dá-se exatamente o contrário. A escolha de critério de avaliação do preço de emissão não pode ser objeto de regra estatutária por incompatível com outro critério, ou seja, o de oportunidade. Estará, assim, livre a administração, para escolher o método de apuração do preço de emissão, conforme as predisposições do mercado naquele momento ou dos acionistas e terceiros potenciais subscritores. NOVAS RESPONSABILIDADES DO CONTROLADOR (ART. 117). Acrescentou a nova lei, no rol de modalidades de exercício abusivo de poder do controlador, a subscrição de aumento de capital com a realização em bens estranhos ao objeto social da companhia. Trata-se de medida saneadora que procura evitar a diluição do capital via aumento injustificado e, portanto, sem causa, promovido com a finalidade de ampliar a distância acionária entre ele (controlador) e os minoritários. Deveria o dispositivo falar não em "bens estranhos ao objeto", mas "estranhos ao interesse social". É o que prevê a regra genérica contida na alínea c. É comum as companhias ostentarem em seu estatuto objeto social mais amplo do que as operações que realmente desenvolvem. Haverá casos, no entanto, em que efetivamente a companhia deseja explorar ou retomar outras atividades previstas no estatuto, até então esquecidas. Nessas hipóteses, somente admitir-se-á a conferência de bens por parte do controlador se previamente houver um plano de investimento especificamente para o setor novo. Não pode, pois, haver conferência de bens sem causa. A causa da conferência está absolutamente vinculada à função econômica que o negócio é levado a desempenhar no interesse da companhia. O bem tem de ser útil à atividade desta. OFERTA PÚBLICA DE ALIENAÇÃO DE CONTROLE (supressão dos arts. 254 e 255) No plano das iniqüidades, a nova lei suprimiu os arts. 254 e 255, que tratavam de oferta pública aos minoritários em caso de alienação de controle. Tal retrocesso demonstra a persistência do perfil institucional da lei societária, a serviço das macropolíticas governamentais do momento. Com isso, os acionistas minoritários ficaram prejudicados patrimonialmente, já que os adquirentes de controle de companhias abertas não mais precisarão comprar as ações dos minoritários pelo mesmo preço pago às ações dos controladores. DISPENSA DE PUBLICAÇÕES (alteração dos arts. 294, II e 176, § 6º) O art. 294, II, com a nova redação, analisado isoladamente, aparentemente dispensa todas as sociedades fechadas, com menos de 20 acionistas, de todas as publicações pela Lei das Sociedades por Ações. Já o art. 176, § 6º, determina que apenas as sociedades fechadas, com patrimônio líquido inferior a R$ 1.000.000,00, estarão dispensadas da publicação da demonstração das origens e aplicações de recursos. Apenas a análise conjunta e sistemática dos referidos textos legais levará à uma interpretação razoável e não conflitante das normas. Por essa razão, entendemos que a dispensa de publicação prevista no art. 294, II, tem sua aplicação limitada às sociedades anônimas fechadas de pequeno porte, e que cumulativamente satisfaçam o requisito de número máximo de 20 acionistas e patrimônio líquido não superior a R$ 1.000.000,00. O IMPACTO DO EURO NOS MERCADOS MOBILIÁRIOS EUROPEUS PEDRO REBELO DE SOUSA: Professor na Universidade Lusíada em Lisboa e Advogado. 1 Introdução 1.1 Plano de exposição Cumpre à presente intervenção fazer uma breve súmula das questões mais relevantes referentes à introdução da moeda única no espaço da União Européia (UE) ¾ seus reflexos internos e internacionais no mundo dos valores mobiliários. Como se compreende, a adoção de uma moeda única no espaço comunitário europeu terá importantes reflexos no quotidiano da generalidade dos agentes econômicos, desde o cidadão comum até diversas instituições tais como bancos, instituições financeiras, bolsas, empresas etc. Assim se pretende com esta reflexão deixar um apontamento relativo ao impacto da introdução da moeda única nas bolsas européias, sob uma perspectiva operacional e estratégica, sem esquecer as questões que o euro levanta a propósito da redenominação de valores mobiliários, quer se tratem de instrumentos de dívida, quer de ações. Não olvidando a inevitável ligação que, em termos gerais, os mercados mobiliários tem com o sistema monetário e bancário, parece-nos importante, ainda, fazer uma breve chamada de atenção para o impacto do euro na banca e no sistema monetário internacional. 1.2 Enquadramento jurídico do euro Culminando o longo processo de integração européia, iniciado em 1957 com a instituição da comunidade Econômica Européia, inicialmente apenas com seis países (Alemanha, Bélgica, França, Itália, Luxemburgo e Países Baixos) e sucessivamente alargada (Portugal aderiu em 1986), o tratado de Maastricht, assinado em 1992, entrando em vigor em 1993, instituiu a UE. De entre os objetivos da UE, constituída atualmente por 15 países (Alemanha, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Espanha, Finlândia, França, Grécia, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Países Baixos, Portugal, Reino Unido e Suécia), destaca-se a promoção do progresso econômico e social, designadamente por intermédio da criação de um espaço sem fronteiras internas, o reforço da coesão econômica e social e o estabelecimento de uma União Econômica e Monetária (UEM). Após uma primeira fase iniciada em 1990, caracterizada pela livre circulação de capitais (fim do controle de câmbios), distribuição dos meios destinados a corrigir os desequilíbrios entre regiões (fundos estruturais) e convergência gradual por vigilância multilateral das políticas econômicas, entrou a UE em 1994 numa segunda fase marcada pela criação do Instituto Monetário Europeu (IME), composto pelos governadores dos bancos centrais da UE, pela consagração da independência desses bancos centrais e regulação da proibição dos defits orçamentais excessivos. A introdução da moeda única (denominada presentemente de "euro") é, pois, o culminar de um processo de integração socioeconômica que começou com o Tratado de Roma em 1957. A presente reflexão terá por base os seguintes diplomas legais: · Regulamento (CE) n. 1103/97 do Conselho de 17 de junho de 1997 ¾ emitido com base no art. 235 do tratado que institui a Comunidade Européia e que entrou em vigor em 20 de junho de 1997, o qual estabelece a alteração de denominação da moeda única de ecu para euro, bem como diversas regras relativas à conversão das moedas dos Estados-membros. · Projeto de Regulamento a emitir com base no art. 109, D, do tratado, que entrará em vigor em 10 de janeiro de 1999, o qual compreende diversas disposições relativas à introdução do euro nos Estados-membros da UEM. É, pois, com base nos referidos diplomas que faremos uma breve exposição sobre o impacto do euro nos mercados mobiliários europeus. 1.3 Critérios de convergência No intuito de deixar bem claras as bases econômico-financeiras em que assenta a moeda única, afigurase-nos importante deixar um breve apontamento relativo aos critérios de convergência que os Estadosmembros aderentes têm de cumprir para entrarem na "corrida" ao euro. Os critérios de convergência tornaram-se, ao longo dos anos, o principal aspecto visível da construção da moeda única. Esses critérios mais não são do que um instrumento, uma forma de assegurar que os países da moeda única tenham graus razoáveis de coesão econômica, evitando disparidades tais que possam pôr em causa a credibilidade do euro. Os critérios são os seguintes: · O defit público anual não pode ultrapassar 3% do PIB. · A dívida pública do Estado não pode ultrapassar 60% do PIB. · A inflação não deverá ultrapassar em 1,5% a média dos três melhores resultados da UE. · As taxas de juros de longo prazo não deverão ser superiores em mais de 2% à média dos três países que tenham as mais baixas taxas de inflação da UE. · A moeda do país em causa terá de ter respeitado, pelo menos durante dois anos, as margens normais de flutuação do Sistema Monetário Europeu. São esses os critérios que os Estados-membros terão de respeitar para poderem aspirar a integrar aquilo a que se tornou costume chamar "pelotão da frente", i e, o conjunto de países que participam na moeda única desde a sua criação. Trata-se de um quadro de referência limitativo para enquadramento equilibrado da moeda única. 1.4 Panorama geral sobre a introdução do euro A título de considerações gerais, cumpre fazer uma breve referência às decisões político-administrativas que têm sido tomadas com vistas à introdução do euro nos Estados-membros da UEM, a saber: · Em 1º de janeiro de 1999 terá inicio a terceira fase da UEM. Para a introdução da moeda única foi estabelecido um período transitório, que decorrerá entre 1º de janeiro de 1999 e 31 de dezembro de 2001. · No período transitório aplica-se o princípio da "não-obrigatoriedade ¾ não-proibição" na utilização do euro, sendo essencialmente deixado às forças do mercado a determinação do ritmo de passagem para o euro. · Portugal aderirá, em princípio, à moeda européia no início do período de transição (em 1º de janeiro de 1999). · Em 1º de janeiro de 1999, o euro será introduzido nos Estados-membros aderentes por meio da aplicação de uma taxa de conversão fixa e irrevogável em face das respectivas moedas nacionais; contudo, até ao final do período de transição circulará apenas na forma escritural. · As taxas fixas de conversão incluem seis algarismos significativos e serão utilizadas para as conversões efetuadas em ambos os sentidos, entre a unidade euro e as unidades nacionais. · O Regulamento (CE) n. 1103/97 do Conselho, já em vigor, consagra o "princípio geral da continuidade dos contratos" cuja vigência se prolonga para além de 1999. · Em Portugal, durante o período transitório, as entidades emitentes portuguesas, com exceção do Estado português, podem utilizar o euro como unidade monetária nas emissões de valores mobiliários. · O Estado português, bem como os restantes Estados participantes na UEM, irão redenominar para euros a dívida pública transaccionável, em 1º de janeiro de 1999. · No limite, em 1º de janeiro de 2002, todas as emissões de valores mobiliários serão denominadas em euro. · A partir de 1º de janeiro de 1999, qualquer referência, num instrumento jurídico, ao ecu, é substituída por uma referência ao euro, à taxa de um euro por um ecu. · A partir de 1º de janeiro de 1999 a política monetária do euro será conduzida pelo Sistema Europeu de Bancos Centrais. · Todas as referências às unidades monetárias nacionais que figurem em instrumentos jurídicos existentes, no final do período transitório, serão consideradas como referências à unidade euro, de acordo com as respectivas taxas de conversão. 2 O euro e os mercados mobiliários europeus 2.1 As bolsas ¾ aspectos operacionais A maior parte das Bolsas dos países da UE decidiu que, a partir de 4 de janeiro de 1999, a negociação, as cotações, a difusão dos preços e a liquidação das operações de Bolsa passam a ser efetuadas em euros. Há vários argumentos a justificar essa decisão, a saber: · os bancos centrais e os bancos comerciais dos países da UE optaram por começar a funcionar em ambiente euro logo no início do período transitório. Isso significa que as operações interbancárias, bem como as liquidações das operações em bolsa, passarão a ser feitas em euros, logo nessa data. Espera-se, assim, que se manifeste nos mercados financeiros, uma significativa preferência pelas negociações em euros, à qual Portugal não poderá ficar imune, se tivermos em conta a elevada participação de estrangeiros no nosso mercado de capitais. · não é necessário redenominar os valores nominais dos títulos, sejam ações ou obrigações, para que eles possam ser negociados em euros. O preço a que uma acção ou obrigação é transaccionada no mercado tem pouco a ver com o seu valor nominal. · a negociação de valores nominais em euros, logo a partir do início do período transitório, contribuirá de uma forma decisiva para a credibilização da moeda única. A rápida familiarização dos investidores com a nova moeda é importante para o funcionamento do mercado e para melhorar a sua liquidez. · a partir de 1º de janeiro de 1999, as novas emissões de dívida pública serão denominadas em euros e parte da dívida pública emitida anteriormente será redenominada em euros. É possível também que alguns emitentes privados optem por redenominar as suas dívidas nessa data. No caso português, é de assinalar que, durante o período transitório, todas as negociações e cotações da Bolsa de Valores de Lisboa (BVL) serão em euros, embora as ordens de compra ou venda possam ser dadas em escudos ou em euros. Cabe ao intermediário financeiro converter para euros as ordens dadas em escudos, para que estas possam ser tratadas pela BVL. Apesar da liquidação financeira das operações, assim como das respectivas taxas, ser efectuada em euros, os intermediários financeiros assegurarão que as contas dos clientes sejam creditadas e debitadas na respectiva denominação, efetuando as correções necessárias para o efeito. No que tange às obrigações, a BVL está a equacionar a alteração do sistema de cotação de unidades monetárias para uma percentagem do valor nominal. Assim, por exemplo, se uma obrigação de valor nominal de Esc. 1000 está hoje cotada a Esc. 1100, a cotação passa a ser de 110%. Essa percentagem é aplicada ao valor nominal (quer ele esteja expresso em euros, quer em escudos) e o valor resultante convertido para euros para liquidação. As contas dos clientes, comprador e vendedor, serão debitadas e creditadas na denominação da conta, independentemente do valor nominal do título ou da cotação. Ainda, é provável que alguns parâmetros da negociação como as variações máxima e mínima das cotações, os lotes mínimos, as variações máximas de preços das ofertas ou a qualificação de grandes lotes, e até mesmo o horário de negociação venham a ser modificados. Na Bolsa de Derivados do Porto (BDP), e tal como em Lisboa, a negociação e a compensação das operações em contratos de futuros e reporte passarão para "ambiente" euro logo desde o início do período transitório, também a exemplo do que sucederá nas principais praças européias. Quanto ao contrato de futuros sobre a dívida pública, a sua reformulação dependerá das decisões que forem tomadas para a redenominação da dívida pública, bem como das características da nova dívida pública emitida em euros. 2.2 As bolsas ¾ aspectos estratégicos A introdução da moeda única e a indissociável eliminação do risco cambial vão certamente introduzir uma revolução nos mercados de capitais do espaço euro. A partir da fixação das taxas de conversão, todos os produtos financeiros, tal como os produtos de outra natureza, passarão a ser diretamente comparáveis. Em relação a outros bens ou serviços, os produtos financeiros têm uma muito maior mobilidade, pelo que a integração total deste mercado será certamente mais rápida e profunda. Nos produtos financeiros de rendimento fixo, como sejam as obrigações "swaps" de taxa de juro ou contratos de futuro ou opções sobre taxa de juro, deixarão de existir razões para neles incorporar um factor de risco cambial-país. Assim, o que vai diferenciar os produtos dessa natureza e determinar a sua estrutura e pricing será apenas o risco de crédito do emissor e a liquidez do mercado em que os títulos são negociados: a avaliação de risco de crédito ou rating será desenvolvida ou reestruturada. De fato, não existe qualquer vantagem em contratar opções sobre moedas do espaço euro para além de 1º de janeiro de 1999, pois estaremos a pagar por risco de câmbio (volatilidade) que não existe. Nos produtos financeiros de rendimento variável, essencialmente ações e seus derivados, os mercados regionais continuarão a ser importantes pelo menos num futuro mais próximo. O conhecimento das realidades empresariais é facilitado pela proximidade física e pelo entendimento da estrutura empresarial de cada país, para além de que existe sempre um fator de influência direta nas bolsas regionais, que só com o tempo se irá atenuar (v.g., capacidade de influenciar a cotação). No entanto, a comparação de rendibilidades e riscos de empresas no mesmo setor passa a ser direta. É lógico que os investidores modifiquem o âmbito geográfico da sua análise de uma perspectiva regional/país para uma perspectiva setorial no espaço euro. Assim, por exemplo, para um fundo de investimento português e no setor das telecomunicações, passam agora a estar disponíveis, em circunstâncias semelhantes de investimento, às outras empresas de telecomunicação de países da UEM. É também, de salientar que o aprofundamento da integração econômica européia, a internacionalização/globalização empresarial e a unificação monetária em particular vão conduzir ao repensar do posicionamento estratégico de muitas empresas, incluindo, principalmente as do setor financeiro. Assim, assistiremos a um aumento dos movimentos de fusão e aquisição, bem como as reestruturações organizacionais internas de muitas empresas. A dimensão, em face da necessidade de criação de massa crítica perante os concorrentes europeus ou meta-europeus, implicará quer um ciclo de concentração quer de internacionalização ¾ o recente surto de investimento ibérico na América Latina mais não é do que uma resposta antecipatória a todo um imperativo de reposicionamento estratégico do respectivo tecido empresarial. Ainda, na procura de substituir a atividade perdida, muitas instituições financeiras procurarão adquirir novos negócios noutros mercados (vide investimento no leste europeu). Essa movimentação criará, provavelmente, boas oportunidades para às empresas financeiras, nas áreas de fusões e aquisições e outros serviços às empresas (corporate/project finance). No domínio dos fundos de poupança, em particular dos fundos de investimento, a introdução da moeda única vai remover uma das barreiras mais fortes à sua comercialização, numa dimensão internacional. A comparabilidade direta das rendibilidades e riscos, eliminado que seja o risco cambial e a livre comercialização já em vigor nos países da UE, trazem a este setor novos desafios e oportunidades. Haverá, agora, a possibilidade de criar fundos mais especializados em certos setores de atividade por oposição à delimitação regional/país que caracteriza a maior parte dos fundos. Por outro lado, a globalização dos investimentos, a necessidade de diversificar carteiras num espaço mais alargado e de cobrir riscos de natureza e localização cada vez mais diversos está a conduzir as bolsas a um processo de interligação ou até mesmo de fusão entre si. A título de exemplo, dentre vários, cumpre salientar que a Oslo Stock Exchange, a OM Stockolm, a OMLX London e a Norwegian Futures & Options Clearing House iniciaram a negociação, liquidação e compensação conjunta de derivados em 1997. A eliminação sucessiva das barreiras aos movimentos de capitais, da qual a moeda única é mais um momento extremamente relevante, vai concentrar ainda mais as transacções de títulos nas bolsas que se revelarem mais eficientes e com maior liquidez, tendo em conta que o mercado monetário terá apenas uma taxa de juro e que mesmo nos instrumentos de prazos mais longos haverá uma grande tendência para a concentração da negociação nas praças mais fortes, levantando-se sérias dúvidas sobre a sobrevivência de praças regionais de menor dimensão. Se a integração será inevitável, consideramos igualmente irreversível uma tendencial aproximação em nível de ordenamento jurídico das regras de funcionamento dos mercados na linha das sucessivas Diretivas Comunitárias que têm vindo a ser introduzidas na ordem interna, bem como uma crescente convergência no plano dos institutos que no Direito Comercial, em geral, e societário, em particular, acabam por revelar. Tal fato deixa muito uniforme toda a disciplina que diga respeito aos emitentes (v.g. estatuto societário, regime de administração e fiscalização), aos intermediários (já relativamente uniformizada), aos investidores e respectiva proteção, aos títulos a serem emitidos v.g. regime de bonds, obrigações e promissory notes, ao regime de admissibilidade dos mesmos aos mercados, bem como da fiscalização de emitentes e intermediários. O ritmo de eventual mudança implica algo que tem a ver com uma questão mais profunda. Trata-se da imensa prevalença do Direito anglo-saxônico seja em nível de instituições, seja da contratualização e dos instrumentos financeiros. É imprevisível tentar extrapolar o que virá a ocorrer na evolução dos mercados à medida que a UE for progredindo na sua unidade monetária, particularmente reconhecendo a relevância do eixo Londres – Nova Iorque, a decorrente relevância do Direito anglo-saxônico e a ausência voluntária da libra do grupo inicial do euro. Uma realidade é certa: ocorrerá inevitavelmente uma tendencial convergência uniformizante nas estruturas societárias e nos institutos comerciais, e de Direito cambiário e de mercado de capitais, sem esquecer o direito falimentar, atenuando as peculiaridades de certos ordenamentos, particularmente as que se mostrem cerceadoras e limitativas em face do citado eixo, na linha do que foi já feito na intermediação financeira e bancária, sob pena de adormecimento e abandono dos contextos nacionais em benefício do acesso exclusivo aos mercados internacionais. Fato ainda extremamente relevante é a consagração em nível comunitário e respectiva integração nos ordenamentos nacionais do princípio da continuidade contratual, o qual terá de lidar com questões sensíveis, tais como as de evitar o império da liberdade contratual que tente alimentar soluções casuísticas e perpetuadoras da incerteza sobre a forma e timing da introdução do euro na totalidade da UE e por si mesmas favorecedoras de uma não-padronização a todos os títulos indesejável. Todo este nascer de um contexto mercadológico alternativo ao dólar ensejar a penetração de empresas latino-americanas e asiáticas, via cotação em mercados regionais com crescente acesso aos demais europeus e por meio deles aos internacionais. Uma derradeira palavra sobre o papel da fiscalização preventiva ou não, a qual implica toda uma regulamentação a ser produzida pelo Banco Central Europeu, a cobrir questões como os requisitos provisionais, reserva e custos adicionais que decorram da introdução do euro, sem mencionar o que de tal implicitamente decorrerá de alterações, inter alta, no regime de insolvência vigente em cada país. De uma vez por todas, compreenda-se que a União implica uma "comunicabilidade" entre bolsas que terão de ter critérios uniformes não só funcionalmente, mas no que tange à proteção dos direitos dos intervenientes (particularmente dos investidores), para bem da solidez e eficiência do sistema. 2.3 Novos índices de cotações Prevê-se que a introdução da moeda única nos mercados bolsistas conduza à utilização de novos índices de cotações ¾ designadamente os índices "Eurotop 100" e "FTSE Eurotrack 100". São índices baseados em cem empresas cotadas nos mercados europeus. Inclui empresas alemãs, francesas, holandesas, italianas, espanholas, suecas, irlandesas, finlandesas etc. 2.4 Redenominação de instrumentos de dívida Por redenominação entende-se a conversão do valor nominal e de todos os fluxos financeiros de um título para euros. O Conselho Europeu de Madrid, reunido em 15 e 16 de dezembro de 1995, decidiu que a nova dívida pública negociável será emitida em euros, pelos Estados-membros participantes, a partir de 1º de janeiro de 1999. No que respeita à dívida já em curso, a proposta do Regulamento do Conselho, a que se refere do art. 100 do tratado que institui a Comunidade Européia, consagra a possibilidade de cada Estado-membro poder redenominá-la na unidade euro logo a partir de 1º de janeiro de 1999. De acordo com o Regulamento n. 1.103/97, as taxas de conversão das moedas nacionais para o euro incluem seis algarismos significativos. Assim, a aplicação dessas taxas implicará números fraccionários, o que obriga à aplicação das regras de arredondamento por excesso, ou por defeito, para o cent (menor denominação possível do euro) mais próximo. Efetivamente, é o necessário arredondamento ao cent no valor nominal do título o primeiro problema a salientar. Esse arredondamento pode ser para baixo ou para cima, dependendo da taxa de conversão que for fixada, o que vai beneficiar respectivamente o emitente ou o investidor. Facilmente se imagina que para emissões de alguns bilhões de escudos esses arredondamentos serão significativos. Por isso, alguns governos consideram a hipótese de vir a adaptar o sistema inglês de eliminação do valor nominal unitário da dívida, passando esta a denominar-se e negociar-se em qualquer montante de euros e cent. Nessa solução seria a posição global de cada investidor em cada título que seria convertida (e não o valor nominal unitário), o que reduziria drasticamente os erros de arredondamento. Desse entendimento partilha igualmente a Comissão de Mercado de Valores Mobiliários Portuguesa. Para a referida instituição, o método de redenominação que melhor garante a posição financeira dos investidores é o bottom up por carteira com renominalização ao cent. De acordo com esse método, aplicar-se-á a taxa de conversão ao total da carteira de cada investidor em cada emissão. O resultado dessa conversão será arredondado ao cent, o qual constituirá um novo valor nominal unitário da emissão. No que respeita à dívida privada, cabe salientar que a redenominação de valores mobiliários deste represetantivo ou de "outros fundos públicos e equiparados", durante o período transitório, será da iniciativa das entidades emitentes. Contudo, é importante sublinhar que o direito de proceder à redenominação antecipada, i.e., durante o período transitório, apenas se contitui a partir do momento em que o Estado-membro da moeda em que se expressa o empréstimo obrigacionaista tiver redenominado a sua dívida, ainda que só parcialmente. Assim o impõe o referido Projeto de Regulamento relativo ao art. 109 L/4. 2.5 Redenominação de títulos de rendimentos variável (ações) A redenominação de ações pode ser um processo mais complexo do que a redenominação de instrumentos de dívida. De fato, na maior parte dos países europeus, incluindo Portugal, as ações têm um valor nominal unitário. Da soma do valor unitário de todas ações emitidas resulta o capital social da empresa. A conversão de um valor nominal com arredondamento ao cent para cima ou para baixo implicará quase sempre, respectivamente, um aumento ou diminuição do capital social da sociedade em questão. No ordenamento jurídico nacional, assim como em muitos outros países, o capital social funciona como um dos elementos identificadores da empresa, sendo entendido como um garante de uma certa solidez financeira, pelo que se aplica o princípio da "intangibilidade do capital social". Pelo exposto, aplicando o ordenamento jurídico atual, a redenominação com o ajustamento dos valores do capital social teria de seguir os trâmites legais, i.e., em termos gerais, teria de ser deliberada pela assembléia de acionistas, sujeitos à escritura pública registrada na conservatória do registro comercial e publicitada nos termos legais. Por tal razão, tem sido proposta por várias instituições a introdução nos ordenamentos jurídicos de ações sem valor nominal unitário, mantendo-se, contudo, a figura do capital social. De fato, a opção por esta fórmula eliminaria os problemas da redenominação, porquanto só o capital social teria de ser convertido, o que daria um arredondamento de, no máximo, 0,5 cent, que se considera materialmente irrelevante. Dessa forma, o novo capital social resultaria da aplicação da taxas de conversão ao capital social expresso em escudos. O valor nominal seria substituído pela referência percentual que as ações representam no universo do capital social, situação em que a nova denominação não interferiria com a percentagem de capital social incorporada em cada valor acionista. A mencionada percentagem, por seu lado, dispensaria qualquer arrendondamento. Partilham dessa opinião várias instituições, designadamente a Comissão Européia, a Federação Bancária da União Européia de Bolsas de Valores, o Banco de Inglaterra, várias bolsas e intermediários financeiros. Pode, a este propósito, referir-se que no ordenamento germânico encontra-se em vias de entrar em vigor uma lei que prevê a admissibilidade de ações sem valor nominal. 2.6 A banca e o euro A introdução da moeda única vai exigir dos bancos europeus um enorme esforço de adaptação operacional. De fato, embora seja provavelmente na forte redução da atividade cambial que mais se vão sentir os impactos negativos imediatos, a moeda única vai ter efeitos no setor bancário a um prazo bastante mais alargado. Um conjunto de novas oportunidades e ameaças vai surgir em nível da atividade internacional, especialmente em certos serviços de retalho, tradicionalmente protegidos. Não se espera, porém, que a unificação monetária elimine todos os principais obstáculos que persistem para a consolidação da internacionalização de muitos serviços bancários. Como referido, a introdução da moeda única tem implicações diretas sobre os rendimentos dos bancos, de que se destaca a perda das operações cambiais e todos os derivados a elas associados. Estima-se que os bancos ingleses têm entre 3% a 10% do seu rendimento em operações cambiais, sendo esta estimativa de 4% a 7% para os bancos alemães e 3% a 4% para os bancos franceses. Desses montantes estima-se uma perda de cerca de 15% a 20% que deverá ser superior para aqueles bancos cujas operações estejam concentradas nas moedas do espaço euro — será certamente o caso dos bancos em países com transações econômicas internacionais mais concentradas na UE (como é o caso de Portugal). Existem outras perdas de rendimento menos óbvias, mas que podem revelar-se muito significativas. Efetivamente, a estabilidade monetária resultante de uma política monetária única é o maior controle orçamental resultante do pacto de estabilidade assumido por todos os países os deverão reduzir o nível e a volatibilidade das taxas de juro. A redução dos defits públicos e a maior estabilidade das taxas de juro deverão igualmente reduzir muitas oportunidades de negócio em produtos de rendimento fixo e seus derivados. A integração dos mercados de capitais introduz um benchmark de bolsas comum que tem natural impacto para aquelas instituições cuja atuação — seja por motivos dimensionais seja pela não-internacionalização da respectiva base acionista ou estrutura operativa, corresponda a atitudes conservadoramente viradas para o mercado paroquial interno. Também a banca de investimentos tenderá a racionalizar a sua estrutura, o que as mais recentes fusões e concentrações bem ilustram, deixando claro que, quer na origem de negócios quer na respectiva viabilização e colocação, torna-se fundamental garantir dimensão, profundidade e capacidade de resposta internacional. Tudo o que aqui se sinaliza muito sumariamente depende dessa imprevisível triangulação em que Londres funcionará com vértice cuja bissetriz conta com todo o peso das vertentes dos mercados norte-americanos e dos chamados emergentes, sejam asiáticos, sejam latino-americanos. 2.7 O euro no sistema monetário internacional Criado o euro, que moeda será ele no sistema monetário internacional? Será capaz de competir com o dólar americano? Tendo a Europa 6% da população mundial e 11% de desempregados: produzindo 30% do PIB mundial e sendo detentora de quatro vezes mais reservas de câmbio do que os próprios EUA, a emergência da moeda única proporciona-lhe a ocasião de atrair capitais suficientes para fazer baixar as taxas de juro de longo prazo, o que lhe permitirá compensar os seus eventuais defits de crescimento e impor a sua moeda. Espera-se que o euro crie uma zona própria, já consagrada na expressão "zona euro", que se perfilará em face das zonas dólar e iene. Serão a liquidez e a profundidade dos mercados financeiros respectivos que a imporão eventualmente, fazendo do euro uma apreciável moeda de reserva e um valor de investimento atraente. A estabilidade dessa nova divisa frente ao dólar e a diferença entre as respectivas taxas de juro serão decisivas para a sua utilização como reserva de divisas estrangeiras através do mundo, critério incontornável para tornar o euro um parceiro de parte inteira e da mesma estatura do dólar. Se os valores europeus não ultrapassam hoje os 8% do total das carteiras dos grandes fundos de pensão americanos e japoneses, a criação do euro contribuirá certamente para o aumento dessa percentagem, estimando-se esse aumento no dobro da situação atual. Apesar das perdas que os bancos sentirão no que respeita às taxas sobre transações cambiais relativas à moeda do espaço euro, a generalidade das instituições financeiras mostra-se favorável à moeda única, o que se explica pelo efeito de substituição esperado na atividade cambial no nível mundial de que o dólar é "rei e senhor" com mais de 80% das transações. O euro deverá substituir as diferentes moedas européias nas operações com o dólar e com o iene, permitindo aumentar em muito o volume das transações. Acrescendo ao aumento das partes de valores europeus nas carteiras dos fundos de pensões, os bancos deverão contar com importantes novas fontes de comissões. Algumas são as perplexidades que se prendem com a unidade monetária. Como fase de unidade socioeconômica rumo a uma unidade política há repercussões que irão condicionar a atividade econômica dos diversos agentes e em particular as instituições financeiras, a saber: · fixação de uma competividade de partida que influenciará o possível desenvolvimento empresarial, sendo que o longo prazo dependerá em larga medida do padrão institucional; · desregulamentação e liberação aceleradas; · redução dos custos de capital para empresas de países periféricos; · estratégias compulsórias de internacionalização empresarial; · integração dos mercados de capitais com tudo o que tal implicará para países, agentes, emitentes e investidores; · políticas monetárias com objetivos meta-racionais com a sua interação em nível de políticas salariais e de fiscalidade no contexto de difíceis equilíbrios entre o binômio franco-germânico e demais países. Será neste contexto operativo que haverá de lidar com tudo o que implica o instituir um meio de pagamento ex novo, com a inevitável formação de preços efetivos e psicológicos, a transição jurídicocontábil, o esforço de formação interna dos sistemas de informações e toda a reforma cultural subjacente. A atividade bancária, seja na sua componente distribuição, intermediação, seja gestão de riscos, sofrerá decerto uma transformação importante, a requerer que os ordenamentos jurídicos nacionais se saibam adequar ou não se tornem entraves à necessária adaptabilidade que lhes será requerida. 3 Conclusões Com a introdução da moeda única, todo mercado se torna, em princípio, mais transparente e acessível. A introdução da moeda única é o culminar de um processo de integração européia, cujos pilares fundamentais são as liberdades de circulação de bens serviços, pessoais e capitais. Essas liberdades e a existência de uma só moeda conduzem a uma harmonização natural dos preços de um mesmo bem, serviço ou fator produtivo, seja trabalho ou capital. Essa harmonização é natural porque resulta do funcionamento dos mercados, i.e., do ajustamento entre a oferta e a procura dentro de um mesmo espaço econômico. Em termos internacionais, talvez o mais importante efeito da criação do euro, no quadro do sistema monetário internacional, seja o que respeita à criação de um contraponto ao dólar como moeda de reserva mundial. Esta deverá ser a grande aposta dos responsáveis europeus nos próximos anos. Por meio dela se justifica a obsessão de alguns responsáveis com o euro e a própria imposição dos critérios de convergência e do pacto de estabilidade e crescimento. Esta é, bem vistas as coisas, uma questão de confiança: para além de se apresentar como valor não-inflacionaista com um forte controle "central" (daí a necessidade de um Banco Central Europeu independente), o euro tem de ser capaz de ganhar a confiança dos mercados, dos consumidores, dos operadores internacionais: é este o grande desafio. A principal fraqueza talvez seja a inexistência de verdadeiros mecanismos daquilo a que se costuma chamar "federalismo fiscal", ou, em alternativa, da redistribuição por via orçamental, dentre os quais se destacam os instrumentos automáticos de estabilização inter regional macro-econômica, baseados em transferências fiscais, que compensam eventuais choques assimétricos e suavizam os efeitos dos ciclos econômicos. São essas considerações que levam inúmeros analistas da cena financeira e monetária internacional a considerar que o sucesso do euro dependerá, mais do que se supõe, de considerações políticas e em especial da capacidade dos Estados-membros para, de fato, consertarem as respectivas políticas econômicas. No horizonte mencionado por alguns está o cenário da união política. Cabe notar, finalmente, que, apesar de podermos vir a partilhar de uma moeda única com um conjunto de outros países, manter-se-ão profundas diferenças culturais e sociais, bem como diferentes sistemas jurídicos e institucionais. Cumprirá à indústria financeira saber explorar essas diferenças, bem como a proximidade geográfica, no sentido de preservar as suas quotas de mercado. Que não seja a constante dinâmica criatividade dos agentes econômico-financeiros, sempre coesos do ganho especulativo numa perspectiva imediatista, em busca de lacunas e disparidades, o embrião de um processo de total descredibilização do novo sistema euro. A natureza espartilhada do fator trabalho em face da fungibilidade total do factor de capital demonstra o quanto uma união monetária pode vir a confrontar-se com crises laborais de proporções gigantescas, verdadeiros germens de outras tantas políticas de imprevisível desfecho. Comparar o espaço europeu com o americano ou brasileiro com vistas a justificar a razoabilidade de uma moeda com expressão continental alternativa ao dólar pode pecar, não só por um estrabismo histórico-econômico (realidades com disparades sócio-político-culturais muito distintas), mas sobretudo por falta de realismo frente à difícil mobilidade laboral e assimetrias de políticas fiscais, verdadeiros escapes que poderão comprometer o sucesso de processo. Mas se agravará, ou não, toda essa temática e sua evolução dependendo dos termos como venha a ser equacionado o tão apregoado alargamento da UE e a leste e a sul. Que, como acima se aludiu, na área financeira a evolução da libra e do mercado londrino, em articulação com o norte-americano, em muito influenciará a dialética de implementação da moeda única e o jogo de poderes à mesma subjacente é uma conclusão que não nos parece dispicienda. Construir a pirâmide monetária da base para o vértice é bem diferente do contrário, como sucedeu nos EUA e no Brasil. Convém, no entanto, ressaltar o quanto de positivo tem representado esse processo de integração para as economias dos países integrantes da UE e seus agentes, o Estado incluído, e para a tradução jurídica do que se tem processado estrutural e institucionalmente. Deram-se passos decisivos para estabilizar macroeconomicamente tais países e para aproximá-los convergentemente das práticas mais avançadas dos mercados internacionais. Tal aspecto positivo tem, no nível do jurídico, feito experimentar uma convergência entre as duas grandes famílias de Direito – Common Law e Romano-Germânico. A primeira ganhando da segunda na normatização de âmbito geral, no primado do direito substantivo, na sistematização e na dedutividade. A segunda afirmando, no âmbito comunitário, a sua praticidade, a contratualidade, a força do Poder Judiciário e o casuísmo particularmente no domínio do Direito financeiro. Como se disse já, difícil será escapar à proeminência da lex mercatoria de raiz anglo-americana. Com efeito, é bom sempre lembrar que, apesar de podermos vir a partilhar de uma moeda única com um conjunto de outros países, avançado quiçá para uma união política, como muitos desejam e outros acham essencial para a viabilização do processo encetado, manter-se-ão profundas diferenças culturais e sociais, bem como diversos sistemas jurídicos e institucionais. Eis a grande dúvida que se prende com o entender a moeda única como fim e não meio para uma unidade mais profunda que é de discutível aceitabilidade e desejo por parte das populações dos vários países e, até, das respectivas elites. No entanto, caberá à indústria financeira e seus agentes (do banco ao investidor) saber explorar essas disparidades, bem como a proximidade geográfica, no sentido de preservar vantagens, aproveitando por seu o "músculo" que uma moeda única pode oferecer para combater o desafio da globalização e jogando com a flexibilidade que o direito anglo-saxônico permite ao invés do de raiz romano-germânica. Estarão condenados ao fracasso aqueles que não forem capazes de avaliar corretamente esses fatores. Mas, afinal, nada de verdadeiramente novo para a Europa, cuja longevidade é uma dialética entre os nacionalismos e os impérios, entre a unidade e a diversidade. A chamada Europa das Nações pretende ser o compromisso, porque, como diz Jacques Le Golf, a Europa não é velha, é antiga e o mundo não é moderno, é atual. Aqui estaremos para acompanhar o progresso. BIBLIOGRAFIA A INTRODUÇÃO à Moeda Única e o Mercado de Valores Mobiliários: grupo de trabalho da CMVM. BVL. BDP e INTEBOLSA sobre a Moeda Única: maio de 1997. ALGUMAS questões sobre a moeda única: A moeda única nas relações entre a banca e os seus clientes: grupo de trabalho, jun. 1997. BANCO BILBAO VIZCAYA. Chaves do Mês. Boletins mensais, set. 1997/fev. 1998. BANCO BILBAO VIZCAYA. A Moeda Única: recortes de imprensa. BANCO BILBAO VIZCAYA. O Euro: um futuro em comum Euroempresas, ns. 1 e 2. CÂMARA. Paulo. O Euro e a Reforma do Código das Sociedades Comerciais. Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários, 19 maio 1997. LE GOLF, Jacques. A velha Europa e a Nossa. Publicações Gradiva, fev. 1995. MANSO NETO, João. O Euro e a Banca: a perspectiva de um bano português. Revista da Banca, set. 1996. SOWERBUTTS, Kevin. Legal Implications of European Monetary Union. Internacional Finance and Legal Department, Paribas Capital Markets, nov. 1995. UCHÁ, Isabel, SANDE, Paulo de Almeida. Como viver com o EURO, Principia, nov. 1997. UNION BANK OF SWITZERLAND. Independent view on MEU. 27 nov. 1997. MERCOSUR Y VALORES MOBILIARIOS EDGAR I JELONCHE: Director General de la Bolsa de Comercio de Buenos Aires. Los valores mobiliarios pueden ser considerados — en su aspecto sistemático — una especie de la categoria unitaria de los títulos-valores o una categoría separada. Esto depende de los sistemas legales y de las doctrinas prevalecientes, pero cobra importancia de cara a la internacionalización de las transacciones y a la armonización de los instrumentos que se advierte en la práctica negocial. Por ello, para comenzar, vale una referencia a cuestiones fundamentales que suscitan los títulos-valores, las nuevas riquezas del capitalismo, según decía RIPERT y con razón, puesto que, sumados a otros activos financieros, llegan a superar varias veces el valor de los inventarios físicos en las naciones más industrializadas. Aunque la categoría sistemática de los títulos valores es, sin duda, una de las creaciones más formidables de la ciencia jurídica, suscita un permanente debate doctrinario. Me voy a referir seguidamente a las cuestiones a mi modo de ver principales en ese aspecto: luego, específicamente a la circulación de los valores mobiliarios en los mercados de capitales y la ampliación de la categoría con las nuevas especies que van surgiendo en el tráfico. Finalmente, presentaré una apreciación sobre las actuales tendencias en la materia y lo que podemos avizorar particularmente en el Mercosur. La categoría títulos-valores La categoría títulos-valores no es común a todas las expresiones de la disciplina jurídica latina y menos todavía a la anglosajona. Aunque las especies clásicas, como la cambial y los títulos de empréstito al portador, se conocían ya bastante cuando se inició la codificación napoleónica, la noción de título-valor todavía no existía; su gestación se daba en la doctrina germana, que no era paradigma de la legislación en ese entonces. El derecho francés desarrolló simultáneamente las categorías de los efectos de comercio y de los valores mobiliarios, que ha mantenido hasta hoy sin conformar una teoría que abarque a unos y otros. En el derecho inglés, la distinción entre negotiable instrument y security responde a un desarrollo similar. Lo mismo vale para el derecho norteamericano, donde la ley modelo preserva ambas categorías, acentuadas por las connotaciones del vocablo security en las leyes federales de valores. La categoría unitaria cobró auge en el derecho continental. En la definición de BRUNNER — jurista austríaco, cabe destacar — se denominaba título-valor al documento relativo a un derecho privado para cuyo ejercicio es necesaria la tenencia. Esta noción amplia perdura en el derecho germánico y suizo. Sin embargo, fue VIVANTE quien diola definición hoy prevaleciente en la doctrina italiana y de otros países, incluyendo los sudamericanos. Título-valor es, conforme a ella, el documento necesario para ejercitar el derecho literal y autónomo en él mencionado. Este enunciado acota la disciplina y gana en precisión, pero su filiación con los documentos cambiarios abre la discusión sobre cada una de sus notas definitorias en cuanto la categoría quiere abarcar aquellas otras especies que en la dicotomía francesa corresponden a los valores mobiliarios. Así, la literalidad pasa a ser connotada por la abstracción o la causalidad, que le dan diferente extensión de significado en cada caso y agrupan de tal modo especies muy disímiles. Con similar efecto, se admite que los documentos pueden ser completos o incompletos. El rigor cambiario de la forma es atemperado por la dualidad títulos formales y no formales, que dispensa la omisión de datos literales en estos últimos. El contenido crediticio del derecho cartular es ampliado con los contenidos de participación social, patrimonial o fiduciaria, y representativos de bienes. Los documentos a la orden forman la clase de los títulos de crédito individuales, por oposición a los títulos emitidos en masa cuya transmisión no deja obligados de regreso. Todas estas divisiones y clasificaciones sintetizan muchas décadas de incesante debate doctrinario que conforma la categoria títulos-valores. Críticas a la teoría vivantiana En la definición vivantiana los juristas añaden a veces al documento la cualidad de esencialmente transmisible o destinado a circular, y a veces expresam el enunciado de modo diferente. Así también, la utilidad sistemática de la teoría unitaria es discutida, por la escasa afinidad de los títulos cambiarios con los de inversión, por lo difícil que resulta incluir los títulos nominativos sin forzar las nociones fundamentales, y por otros problemas. PAVONE LA ROSA es uno de sus críticos relativamente recientes en la doctrina italiana. Por razones en parte similares, en la doctrina española hay juristas que expresan su preferencia por la noción amplia de la doctrina germánica. Considerando que los titoli di credito conforman una categoría tendencial más que única. EIZAGUIRRE refiere estas ideas en un trabajo reciente. El tráfico en masa En fin, hasta la necesidad de los documentos — cuya legitimación por la posesión era uno de los aspectos considerados esenciales — ha sido puesta en cuestión. No es un nuevo test de consistencia lógica, de aquellos que la teoría unitaria había conseguido superar sutilmente, si bien a costa de quitarle a la definición vivantiana casi toda referencia de significado concreto. Esta vez es un imperativo de la práctica de los negocios. Los títulos-valores, tan refinadament eficaces para la representación singular de derechos patrimoniales y su transmisión autónoma por el régimen de las cosas muebles, persona a persona, nunca exhibieron funcionalidad para la circulación masiva, con seguridad, rapidez y bajo costo. No fueron pensados para tal fin. Su estirpe, proveniente de la lettera di cambio, individual y concebida para el uso de los comerciantes en su giro, no se adecua sic et simpliciter a las demandas de los modernos mercados de capitales. Recibir títulos y verificar su autenticidad, clasificarlos y contarlos; cortar sus cupones; llevarlos y traerlos incesantemente, fue en todo tiempo engorroso, con riesgo de errores y extravío, más el costo del deterioro. El depósito colectivo Ya a mediados del siglo XIX el Banco de Francia intentó poner en vigencia un sistema de inmovilización de valores mobiliarios, pero los inconvenientes planteados por las figuras romanistas del depósito regular o irregular, únicas conocidas entonces, frustraron la iniciativa. Recordemos que la práctica del depósito centralizado de títulos-valores comenzó en las últimas décadas del siglo pasado en Austria y Alemania. Cobró auge en este país a causa de la hiperinflación que sobrevino a la Primera Guerra Mundial y que depreció extraordinariamente los valores nominales de los capitales accionarios. Los bancos perfeccionaron rápidamente tal modalidad, denominada depósito colectivo y sancionada en la ley de 1937. Así, la metafísica germana fundió las cualidades del depósito regular e irregular que el cartesianismo galo no había podido unir, y el modelo comenzó a propagarse. Los franceses habían insistido reiteradamente desde comienzos de nuestro siglo en su iniciativa de inmovilización de los valores negociados en bolsa, sin llegar a concretarla, hasta 1942, cuando se decretó la inmovilización obligatoria de las acciones de sociedades anónimas. Aunque tal medida no tuvo por finalidad solucionar cuestiones del tráfico, el método probó una vez más su funcionalidad, y concluida la Guerra, la depositaria central creada por VICHY continuó funcionando hasta su transformación en la SICOVAM, em 1949. Las ventajas de la custodia colectiva, al reducir tareas manuales, dar mayor seguridad, bajar costos y agilizar las operaciones de transferencia, le dieron difusión. La inmovilización de los valores posibilitó la aparición de los certificados globales, que disminuyeron los costos a las emisoras y as las centrales de depósito. Su uso creció a medida que intermediarios e inversores perdieron el apego a las láminas. Esto no resolvió, sin embargo, los problemas del sistema cartular, que el incremento del tráfico en los mercados de valores hacía más evidentes cada día. Desmaterialización En los Estados Unidos, aunque desde la publicacíon del estudio de la SEC en 1962 se avanzaba en la aplicación de la tecnologia informática y de comunicaciones, la crisis del papeleo desatada hacia 1971 tuvo serias consecuencias, que impulsaron la reforma a la ley de bolsas sancionada en 1976, proclive a la desmaterialización. La doctrina estadounidense debatió ampliamente el tema en esa época, y la American Bar Association presentó una propuesta de enmienda a los textos modelo entonces vigentes, para la emisión de acciones y bonos en cuenta, aprobada en 1977. En los hechos, dado el complejo modus operandi de las firmas de bolsa, los certificados no fueron suprimidos totalmente, pero la notación en cuenta ya no requirió ese respaldo documental. Debemos destacar que la ley brasileña de sociedades por acciones, sancionada también en 1977, receptó aquella innovación y así las acciones y obligaciones escriturales cobraron vigencia en le ámbito latinoamericano. En Europa, un atecedente que los autores mencionan es la ley danesa de 1980, que sancionó la desincorporación de obligaciones cotizables en bolsa. Entretanto, en Francia había trabajado la Comisión Perousse, cuyas recomendaciones incluíam también la desmaterialización, concretada en 1981. En España, GARRIGUES Y BROSETA PONT llevaran a cabo varios estudios a comienzos de la década de 1970. Se introdujo entonces el sistema del depósito centralizado. Posteriores debates y contribuiciones doctrinarias, que dieron lugar a la normativa general sobre valores en cuenta establecida por la ley del mercado de valores en 1988, y por subsiguientes decretos. Anteriormente, se habían dictado disposiciones para los pagarés del tesoro y otros títulos de la deuda pública. En Italia, aunque el decreto de nominatividad obligatoria de las acciones dictado en 1941 admitía prescindir de la emisión de los títulos, la desincorporación no se desarrolló entonces. El régimen legal de la Monte Titoli es más reciente. En el Reino Unido, los proyectos de sistemas centrales de compensación y custodia, denominados Talisman y Taurus fracasaron. Otra iniciativa más reciente se denominó Crest. Tal sucesión de acrónimos raros no obsta a un alto grado de desmaterialización funcional en los hechos. La experiencia argentina En la Argentina, a mediados de la década de 1960, la Bolsa de Comercio y el Mercado de Valores de Buenos Ayres presentaron un proyecto de ley de depósito colectivo, y desde 1972 se practicó un sistema de hecho que eximía al Mercado de la obligación de devolver las mismas láminas. Así, hasta 1975, cuando se sancionó la Ley 20.643, que dispuso la creación de la Caja de Valores y reguló el depósito colectivo. La desmaterialización de las acciones y obligaciones vino después. Me cupo el honor de propenerla en una ponencia ante el III Congresso de Derecho Societario en la Ciudad de Salta, en el año 1982. Los redactores de la reforma a la Ley 19.550 la incorporaron poco después para las acciones. A su vez, la Ley 23.576 — cuya redacción me correspondió en colaboración con otros colegas — la introdujo para las obligaciones negociables, en 1986. También las cuota-partes de los fondos comunes de inversión y los instrumentos fiduciarios son preferentemente escriturales, de conformidad con las leyes que los rigen. Asimismo, el nuevo régimen de emisión de la deuda pública nacional establecido por Decreto 340/96, prevé que las letras de tesorería y bonos de mediano y largo plazo serán exclusivamente valores en cuenta, convalidadndo así lo que ya era práctica anterior. Desmaterialización de la cambial Cabe destacar, por último, que la desmaterialización no comprende solamente a los valores mobiliarios stricto sensu, sino también a los efectos de comercio y a los certificados representativos de mercancías. La lettre de change rélévé, que empezó como simple inmovilización de los documentos hasta ser reemplazados por las anotaciones en cuenta, lleva más de dos décadas de vigencia en Francia. De modo similar, el truncamiento de la letra y el pagaré en España, que permite también la inmovilización en sede bancaria y el ejercicio de los derechos sin la presentación del titular, supone — dice JIMENEZ SANCHEZ — afirmar el princípio de desmaterialización. Libertad de creación Paso ahora a referirme a la evolución de los títulos-valores en el tráfico, que se traduce en la aparición de nuevas figuras o combinación de las ya conocidas. La libertad de creación no ha sido admitida pacíficamente en la doctrina. Solo a partir de la distinción entre títulos abstractos y causales se pudo allanar el camino. Para muchos, la emisión de títulos de crédito debía quedar limitada a las especies taxativamente legisladas. Fue Ascarelli quiem sostuvo que la restricción se justificaba para los títulos abstractos, en tanto la obligación contraída por voluntad unilateral sin expresión de causa solo podía ser válida en los casos previstos por la ley; pero en los títulos causales tal objeción no cabía. Concordantemente, el Código Civil de 1942 prohíbe la emisión de documentos atípicos que expresen la promesa pura y simple de pagar una suma de dinero. Impide así la circulación de sustitutos del papel moneda, que era el quid de la cuestión en Italia. La tesis mencionada se abrió camino, pero siguen vigentes los planteos acerca de los límites de la permisión, pues — se afirma — los particulares no pueden alterar el régimen jurídico de las cosas (derechos reales), ni de la transmisión derivada de los derechos, ni de la cesión de créditos. En los ordenamientos que carecen de normas generales sobre los títulos-valores, esos inconvenientes son más difíciles de superar. Sin embargo, las evidencias empíricas muestran que la creatividad evoluciona al impulso de las necesidades y conveiencias prácticas. Ascarelli distinguía normativa y tipología de la realidad y en ésta buscaba la fattispecie de los títulos-valores, criticando la noción dada en el Código Civil, lo que motivó su intensa polémica con FERRI en la década de 1950. Hoy se habla de tipicidad social en sentido similar. Circunscripta al ámbito empresarial, la libertad de disenãr nuevas especies de valores causales es reconocida por ley, cuando no es el mismo legislador quien despliega su creatividad respondiendo a exigencias del curso de los negocios y del desarrollo de los mercados de capitales. En las sociedades anónimas esto tiene enorme incidencia. Recordemos que según la clásica dicotomía, quien aportaba fondos era necesariamente accionista o acreedor. La condición de socio era inherente a las acciones, los empréstitos sociales negociables sólo se representaban en valores tipificados legalmente, y la deuda no se redimía con la distribución de ganancias. Todo esto ya no es rigurosamente exacto. Citemos las obligaciones convertibles en acciones o con cupones de suscripción anexos; los certificados que otorgan derecho de preferencia en futuras emisiones, y los que dan derecho de voto sin participación económica, la que se asigna separadamente a un titulo de inversión. Así también, los préstamos participativos, retribuidos con utilidades y restibuibles en caso de liquidación después de pagados los acreedores, se consideram fondos propios en el balance de la sociedad, razón por la cual la doctrina francesa los llama quasiaportes. Cabe preguntarse si los anticipos a cuenta de futuras emisiones, comunes en la práctica societaria argentina, podrían ser incluidos — no obstante sus diferencias — en esta categoría de quasi-aportes o de quasi-capital, expresión también usada por los juristas franceses. Cabe destacar que la legislación francesa reconoce actualmente la libertad de crear cualquier clase de valor mobiliario que otorgue derecho a participar en el capital social por canje, reembolso, conversión u otra causa. Esa libertad rige también con amplitud en el derecho anglosajón y es prolíficamente usada en los Estados Unidos. Los híbridos que combinan las nociones de capital y deuda abundan. La libertad de creación en la Argentina En la Argentina, la creación de títulos innominados halla fundamento en disposiciones del Código de Comercio y ha sido expresamente reconocida por la Ley 23.697 para las sociedades de capital y cooperativas que efectúen oferta pública de valores, con la acotación del Decreto 289/90 tendiente a evitar confusión con el tipo, denominación y condiciones de las especies legisladas. La titulización La tituliazación de activos (securitization) es una nueva fuente de innovación, pues los certificados o valores en cuenta de participación o crédito que se emiten contra las carteras formadas a ese fin en fideicomisos o fondos de inversión cerrados muestran una variedad casi sin límites. La Ley 24.441 dio un gran impulso a la titulización en la Argentina, al introducir el fideicomiso financiero y las letras hipetecarias, que inclusive podrán ser escriturales. Valor mobiliario o negociable Para completar esta visión evolutiva de la disciplina, quisiera mencionar la extensión del significado de las expresiones valor mobiliario o valor negociable a otros activos financieros, con fines determinados. Así, la Directiva 89/592 de la CE, relativa a operaciones con información privilegiada (insider trading), consideró valores negociables a las opciones, los contratos o derechos de suscripción, adquisición o cesión y las operaciones a plazo sobre valores e instrumentos financieros o índices a ellos referidos. Más recientemente, la Directiva 92/22, sobre servicios de inversión, empleó el nombre genérico instrumentos, comprendiendo los valores negociables (acciones, bonos y similares), las participaciones en fondos de inversión, los instrumentos del mercado monetario, los contratos finacieros a plazo, los futuros de tasa de interés, los swaps y las opciones sobre cualquiera de ellos. En Italia, la ley de 1974, reformada en 1983, sobre oferta pública, considera valor mobiliario a todo documento o certificado de derechos societarios, crédito o interés, negociable a o no. En la doctrina. VISENTINI propuso asimilar a documento los derechos inscriptos en soporte informático. La ley italiana del mercado de valores de 1991, extiende la noción a los derivados de valores y financieros, incluyendo tasas de interés y tipo de cambio, de modo muy amplio. También la ley del mercado de valores alemana, sancionada en 1994, amplía la noción de valor mobiliario a los derivados de todo tipo, bajo condición de su negociabilidad en un mercado regulado, comprendiendo valores cartulares y anotados en cuenta. En el derecho argentino, el decreto 2284/91, de desregulación económica, extendió la noción de oferta pública a los contratos a término, futuros y opciones de toda clase, con lo cual incluyó a los commodities y de ese modo amplió la competencia de la Comisión Nacional de Valores, excepto cuando ella misma los exima. En el ámbito anglosajón, recordemos que la ley británcia de servicios financieros, dictada en 1986, consideró security a todo activo, derecho o interés, lo cual en el contexto del common law puede abarcar casi todo lo que se quiera. Tampoco hay una definición dogmática de titulo-valor en el derecho estadounidense, por lo cual no solamente los activos financieros definidos sino también los contratos de inversión pueden ser considerados en circunstancias de hecho un security a los fines de la ley de valores. Qué significa la extensión del concepto de VALORES MOBILIARIOS La ya clásica enumeración de las leyes estadounidenses de 1933 y 1934, al igual que las modernas normas europeas que — sin duda por causa de la globalización de los mercados — siguen similar método, no intentan una redefinición conceptual de la categoría: no se ocupam de la conformación jurídica de cada especie: unos son documentos cartulares, títulos de crédito en la más pura acepción vivantiana: otros son contratos de bolsa: otros son combinaciones sofisticadas de operaciones financieras o cambiarias (los sintéticos, por caso) cuya identidad es solo un nombre para entendidos. ¿ Qué tienen en común? La finalidad de determinar una materia sujeta a una regulación específica: la prohibición de usar indebidamente información que se conoce en razón del oficio o tarea, la oferta pública, la intermediación bursátil u otra. Hacia una nueva categoría de VALORES MOBILIARIOS De lo que llevo dicho, mi conclusión es que la actual evolución conduce a una nueva categoría sistemática de los valores mobiliarios, que unirá lo anterior y lo nuevo. Ello, por lo seguiente: En la aldea financiera global, los movimientos de capitales de inversión demandan modos eficientes, que significan seguridad, agilidad y bajo costo. La globalización de los mercados incita modelos semejantes para la creación y circulación de valores mobiliarios. Las categorías sistemáticas sufren, por tanto, un fuerte embate, ya que los hechos van delante de las teorías. La desmaterialización implica una nueva categoría in fieri, cuya denominación no es únivoca: valores en cuenta o negociables o escriturales o derechos-valor, pero cuyo significado responde a un mismo fenómeno. Principios tan pulidamente presentados por la doctrina clásica de los títulos-valores, como la legitimación por la posesión, la exhibición del documento para ejercer el derecho cartular y la traditio para transmitirlo, no pueden ser extendidos tal cual a un derecho que consta en una anotación en cuenta. Sin embargo, la desmaterialización no significa una regresión jurídica hacia la cesión de créditos, una pérdida de todo lo que aportó hasta hoy la disciplina de los títulos-valores. El régimen de los valores en cuenta sigue la experiencia de la circulación cartular. La circulación de derechos por el régimen de las cosas muebles se preserva. Asimismo, la legitimación, la inoponibilidad de excepciones y la irreivindicabilidad son indispensables para dar funcionalidad a los nuevos valores negociables. Esto se vio desde un comienzo, con las acciones escriturales. En derecho francés, Roblot y Guyon destacaron la noción de propiedad y no una simple relación crediticia en los registros de accionistas. Recordemos, de paso, que el Code de Commerce preveía ya en 1807 la posibilidad de que las sociedades anónimas no representaran sus acciones en láminas. Similar disposición contenía el Código de Comercio argentino de 1859. Así como la doctrina general de los contratos tuvo que admitir al lado de los bilaterales la nueva clase de los plurilaterales, la teoría de los títulos-valores deberá aceptar una noción más amplia, que abarque los documentos tradicionales y los activos negociables inmateriales, no con una simple analogía o una redefinición estipulativa de las palabras, sino con un significado nuevo y pleno de sentido. Valores mobiliarios y Mercosur Las precedentes apreciaciones acerca de la evolución de los valores mobiliarios abarca al derecho comparado y, por tanto, son válidas también para el Mercosur. Particularmente, Brasil fue precursor de los valores escriturales, en tanto que Argentina desarrolló tempranamente el depósito colectivo y la consiguiente desmaterialización funcional de los valores. Es decir, en ambos países hay experiencia ganada en tales materias. Ello significa que la circulación internacional de los valores mobiliarios por los medios habituales del mercado global no presentan cuestiones jurídicas sustanciales. La apertura de cuentas y las transferencias por débitos y créditos en las centrales depositarias en Brasil y en Argentina son perfectamente posibles. También es habitual la conexión con las centrales internacionales que atienden el tráfico del mercado global. Las Bolsas de Río, San Pablo y Buenos Aires han avanzado ya significativamente para la intercomunicación operativa de las respectivas plazas. También en este sentido, la Resolución 1968/92 del Banco Central de Brasil admitió, bajo determinada condiciones, que las personas físicas o jurídicas de nacionalidad brasileña inviertam en acciones cotizadas en Bolsas del Mercosur. Hasta el presente, la inversión se ha llevado a cabo conforme al denominado Anexo IV en Brasil, en tanto que la entrada y salida de capitales es totalmente libre en la Argentina y, a su vez el libre de cambio y la convertibilidad de la moneda facilitan las transacciones. También las Comisiones de Valores de Brasil y Argentina firmaron un convenio para reconocimiento recíproco de las autorizaciones de oferta pública en ambos países. Conforme a ese entendimiento se aprobó el lanzamiento de las acciones de YPF en 1993. El convenio comprende la cooperación en otros aspectos, pero lo esencial desde el punto de vista de los participantes del mercado viene a ser la simplificación de trámites y la consiguiente rapidez para ir a la oferta pública cuando una sociedad ya ha sido autorizada en cualquiera de ambos países. Así también la Comisión de Valores de Argentina considera a los papeles brasileños como si fueran nacionales para los límites de las carteras de los fondos comunes de inversión. En el denominado Protocolo de Colonia, suscripto en 1994, se establecieron regulaciones mínimas tendientes a integrar los mercados de valores, referidas a las operaciones internacionales en el ámbito del Mercosur. Tales regulaciones no eran tan mínimas, sino que — por el contrario — incurrían en un casuismo notorio. Además, un ordenamiento paralelo concerniente a emisores, valores, fondos y otros temas, no parecía funcional. Este es un tema que concierne a los procedimientos normativos a seguir en el Mercosur, por lo que no voy a incursionar en un análisis pormenorizado. El Mercosur es un camino a recorrer y llevará tiempo. Los acuerdos de tal transcendencia tienen sus lapsos de maduración. Soy un profesional que ha trabajado siempre en la actividad privada y tengo, solamente, la visión que me brinda esa experiencia. Es un punto de vista muy optimista, porque creo que los empresarios e inversores van a impulsar por mutua conveniencia el ritmo de integración en el Mercosur. La misión de los juristas es proveerles las herramientas. Rio de Janeiro, 05 de marzo de 1998. OS DERIVATIVOS E A LEGISLAÇÃO COMPARADA ARI CORDEIRO FILHO: Advogado Atualidade do tema "derivativo", nos mercados internacionais, suscita a conveniência de pesquisa de alguns aspectos jurídicos peculiares a esses negócios e de seu tratamento nas legislações dos países em que mais se praticam. Dadas as múltiplas formas que eles assumem, existe a tentação de encontrar uma definição ampla a qual, desde logo, balize o campo de abrangência do trabalho. A tradição latina de procurar definições teóricas cerebrinas, as quais acabam por tentar moldar realidades mutantes, parece-me, contudo, inapropriada, na área de derivativos: tais negócios exsurgiram do consuetudinário e estão permanentemente abertos a inovações. Este é o segredo de seu extraordinário desenvolvimento e, como constatei, esta tem sido a diretiva de legislações significativas no mundo civilizado: a de eliminar obstáculos às práticas inovadoras de agentes econômicos capacitados, nesta área. Em vez, portanto, de criar uma teoria jurídico-acadêmica de derivativos, parece-me mais consentâneo promover o assentamento de práticas operacionais e administrativas a eles peculiares. A partir delas, extrair os aspectos jurídicos relevantes, dentro de uma pesquisa simplificada, e dizer sobre o seus agentes (capazes), o seu objeto (lícito) e a sua forma (prescrita ou não defesa em lei): ex facto oritur jus. Em matéria de derivativos, tentar definir um limite de abrangência é menos racional do que procurar alargar o campo de consciência sobre suas múltiplas formas possíveis. Os negócios jurídicos com derivativos podem incorporar-se a contratos, a títulos ou a valores mobiliários. Negociam-se uns em bolsas de mercadorias e futuros e em bolsas de valores; outros, em mercados organizados ditos de balcão e, também, privadamente, por instituições do mercado financeiro e de capitais, por outras pessoas jurídicas ou físicas capacitadas, em negociações chamadas de globais ou, também de balcão (over tine counter gré a gré). O valor econômico atribuído a esses contratos, títulos ou valores mobiliários é derivado – e daí a sua designação genérica – do valor isolado ou conjunto de bens serviços ou direitos, reais ou meramente referenciais, bem assim de taxas ou índices. Estes subjacentes determinam ou influenciam os valores dos derivativos que os têm como referenciais. Apenas com o intuito de sintetizar, podem os derivativos, sob o enfoque operacional, ser grupados em dois tipos básicos: os contratos futuros e as opções. Uma grande quantidade de combinações e variações é possível, e elas têm sido tratadas, nas legislações, sob quatro categorias básicas: futuros (futures e forwards), opções, swaps e instrumentos híbridos. Os contratos acima podem ter como subjacentes, dos quais derivam ser valor: mercadorias (commodities), moedas (currency), taxa de juro (interest rates), valores mobiliários, índices de bolsa ou índices (equity index). Há contratos futuros sobre mercadorias, sobre moedas, sobre taxas de juro e sobre índice de bolsas, por exemplo. As opções podem ser diretas, sobre tais subjacentes, como sobre outros produtos derivativos: opções sobre contratos de entrega futura de bolsa ou de balcão (options on futures options ou forwards), opções sobre opções (compound options), sobre swaps (swaptions) ou sobre produtos híbridos. Criatividade, sofisticação e atendimento a áreas progressivas de demanda têm sido características de desenvolvimento das opções. Os swaps, mais largamente negociados no balcão, têm tido excepcional crescimento tanto no tocante a mercadorias, moedas, valores mobiliários quanto, sobretudo, no âmbito bancário, com modalidades estelares para taxas de juro (basis, reversible, seasonal, amortizing, accreting, roller-coaster, circus etc. ). Os produtos híbridos tanto podem estar contidos em instrumentos bancários (CD, recibos), em outros títulos de dívida (debêntures, bonds) ou em contratos de operações conhecidas como estruturadas, construídas para atender a interesses complexos. Irrompendo de estruturas jurídicas por vezes restritivas, os números destes mercados impressionam, mas devem ser lidos com o devido desconto, pois eles são meramente nocionais, ou seja, indicam montantes que geram percentuais de responsabilidades efetivas. Assim, um contrato de futuros, negociado em bolsa, tem um valor de face alto (1 ou 3 milhões de dólares, por exemplo), mas o que esta em questão, efetivamente, é uma diferença entre o preço referencial de aquisição ou venda do contrato e o preço de mercado, do dia, que ocasiona os chamados ajustes diários, a serem pagos pelos perdedores. Esses ajustes, em grandes bolsas americanas, podem chegar a centenas de milhões de dólares, e são rigidamente garantidos por margens. O risco efetivo de um lançador de uma opção (writer) é a diferença entre o valor atualizado do prêmio recebido e seu valor de mercado, ou entre o preço de exercício e o preço efetivo do subjacente. O risco do titular da opção é meramente o de perder o valor do prêmio pago, quando a opção vira pó, no jargão do mercado. Num swap, que, superficialmente, pode ser tido como permuta de fluxos financeiros diferenciados, o risco efetivo não é o principal sobre o qual se calculam as diferentes taxas ou os valores prometidos permutar, mas a diferença entre os cálculos de valores respectivos. Os montantes nocionais de derivativos representam o volume das transações em ser, em unidades monetárias, mas não o potencial de ganho ou perda associado ao risco de crédito ou risco de mercado. O risco de mercado decorre sobretudo do potencial de mudanças devidas a flutuações nos subjacentes: taxas de juro, taxas de câmbio, preços dos títulos, preços das mercadorias. O risco de crédito corresponde à conseqüência financeira de a contraparte inadimplir (custo de reposição do derivativo, a mercado, como regra geral). Destarte, apenas para visualizar, a vôo de pássaro, o volume de alguns interesses que está jungido ao mercado de derivativos, constatava-se em fins de 1991, um volume nocional de contratos, em ser, de swaps de taxas e de moedas, de US$ 3,87 trilhões. Naquele ano, o fluxo de novos swaps foi de 74.340 contratos, com um montante nocional de US$ 1,95 trilhão. Já nas bolsas, foram negociados, em 1992, mais de 600 milhões de contratos, com valor nocional em face de mais de US$140 trilhões (turnover). Para não exagerar a importância desses valores nocionais, que incluem atividades especulativas de curto e curtíssimo prazo, como day trade e scalps, podem ser trazidas outros números, representativos de responsabilidades efetivas, como os de negócios no mercado de câmbio global, que chegavam a US$ 880 bilhões por dia, ou US$ 220 trilhões anuais, em 1992 (fonte: Relatório do Grupo dos 30, ISDA e BIS). O Relatório do Grupo dos 30 aponta como exposição efetiva dos 50 maiores bancos americanos a derivativos (custos de reposição), um percentual, em 1992, de 1,61% do montante nocional, em contratos relacionados a taxas, e um percentual de 2, 98%, em contratos relacionados a moedas. O total, em dólares, em termos brutos, ascendia a US$ 144 bilhões ou 11% do valor de mercado dos ativos bancários e 120% de seu capital total, ou seja, apesar dos números nacionais impressionantes, os derivativos eram, em 1992, na realidade, uma fração pequena dos riscos rotineiros a que se sujeitavam os bancos americanos. O custo de reposição representa, nessas estatísticas, o custo positivo, a mercado, incluindo swaps, contratos a termos, títulos e depósitos com feições de derivativos, bem como contratos de bolsa de mais de 14 dias. Alan Greenspan, chairman do fed, afirmou, em setembro de 1992, que essas estatísticas sobreestimavam os riscos efetivos, podendo ser reduzidas entre 40% e 60% levando-se conta a faculdade de compensação de contratos de swaps, em caso de falência da contraparte (carta ao Senador Donald Riegle Jr.). Acredito, assim, que o fato marcante na introdução dos derivativos nos mercados mundiais é, não tanto, a significatividade de seus números em si, mas o que eles representam de consagração de novas técnicas de administração de riscos, indistintamente por instituições dos mercados financeiros e de capitais, por empresas e, até mesmo, por indivíduos. No meu entender, a "responsividade" do mercado, nos dias atuais, tanto a fatores de crise quando à atuação das autoridades monetárias e reguladoras, tornou-se diferente: ela pode ser mais rápida (faster); vai mais longe, pela comunicação dos mercados (further), porém, sob novos padrões, em face da importância das poupanças coletivas, arregimentadas em vultosos montes financeiros, e às técnicas inovadoras de administração de seus riscos. Ainda é cedo para definir padrões ou conclusões, mas a evolução legislativa comparada sugere fortemente que os derivativos passaram a desempenhar um papel importante e útil ao comércio e ao sistema financeiro mundial. Os poderes Executivos e Legislativo de países com economias relevantes tem obrado freqüentemente com zelo em constituir "portos seguros" para essas operações, em suas jurisdições, facilitando uma tendência por vezes induzida fortemente pelos agentes econômicos. ESFORÇOS LEGISLATIVOS E REGULAMENTARES, NOS ESTADOS UNIDOS, PARA ALARGAR O USO DE DERIVATIVOS Os mercados de diferentes contratos de derivativos costumam manter, entre si, uma relação simbiótica em seu crescimento. Dessa forma, os esforços tendentes a ampliar alternativas ou a estabelecer "portos seguros" para os agentes das operações, em matéria legal e regulamentar, seja em bolsa, seja em balcão, fazem por estimular o crescimento de ambos os mercados. Os mercados de grande liquidez das bolsas de mercadorias e de futuros e das bolsas decompor o risco de operações estruturadas, estabelecer seu próprio hedge, aproveitar oportunidades de arbitragem. Alguns dados disponíveis de 1991, enviados à Commodity Futures Trading Commission – CFTC, e relativos apenas a um intervalo entre 300 e 500 posições em aberto, nas duas maiores bolsas de futuros (a CBOT e a CME), já mostram que bancos ativos no mercado de balcão de derivativos – 20 americanos e 75 não-americanos – são usuários pesados dos contratos futuros de taxas de curto prazo: 37% das posições compradoras e 34% das posições vendedoras (fonte: Promisel Report – BIS). As sucessivas liberações regulamentares mais recentes, que ampliaram o número de agentes capacitados e as circunstâncias autorizadoras para contratos de balcão, fora de bolsa, certamente agasalharam um universo maior de impulsos criativos para atendimentos a demandas insatisfeitas e realçaram a interdependência e paralelismo de crescimento dos mercados. a) Nos esforços de alargamento dos mercados, para atender à demanda, cumpre mencionar a definição progressivamente adotaria, em termos das províncias regulamentares dos EUA: da CFTC da SEC do FED e do Oficce of the Comptroller of the Currency – OCC e do FDIC (por vezes). O Commodity Exchange ACT era, freqüentemente, interpretado com excessivo rigor terminológico, de tal sorte que, por exemplo, swaps mais elaborados ou estruturados ou instrumentos híbridos submetiam-se a uma verdadeira arquitetura legal, com excepcionais cuidados para se saber qual era sua característica predominante. O enquadramento do subjacente como commodity, na ampla acepção em que o termo pode ser tomado, criava áreas de conflito de jurisdição e de incerteza para os agentes criativos. Interpretações sucessivas da CFTC passaram a conter amenizações conceituais, possibilitando o desenvolvimento de certas operações. A caracterização restritiva de contratos forwards, em certos mercados, passou a admitir a evolução para termos bastantes padronizados, o cancelamento de obrigações contratuais por outras formas que não a entrega, a incerteza, no momento da formação do contrato, sobre se a entrega efetiva ocorreria, ou não, e um conceito de entrega reavaliado à luz da evolução do comércio. A própria CFTC admitiu que, em contratos forwards, o pagamento de mudanças de preço nos mercados, por diferença, passou a ter uma incidência mais do que ocasional, mantidos os demais requisitos. Como é sabido, diferentemente dos contratos futures, negociados obrigatoriamente em bolsa, os contratos forwards, de balcão, não são de adesão, ou padronizados, e são avençados privadamente entre as partes, quando à quantidade, condições e local de entrega, prazo de vencimento, forma de pagamento e sem interposição de uma clearing. Em princípio, a negociação é para entrega efetiva, e não para pagamento por diferença, e as partes devem ser comerciantes, ter capacidade para entregar ou receber a mercadoria(fato que rotineiramente deve ocorrer) com os riscos respectivos. b) Em 1974 foi editado o chamado Treasury Amendment, que retirou da área de abrangência do Commodity Exchange Act e considerou desnecessária a regulamentação da CFTC, negócios em moedas estrangeiras ou em certos instrumentos financeiros específicos, a não ser que fossem realizados em bolsas de futuros formalmente organizadas. Sendo esses negócios geralmente entre bancos e outros sofisticados participantes institucionais, considerou-se que a supervisão mais apropriada era a das agências governamentais supervisoras respectivas. A CFTC, de qualquer forma, interpretou que, se os negócios fossem dirigidos ao público em geral e se o mercado não tivesse supervisão, o público deveria ser protegido pela regulamentação peculiar à área da CFTC (interpretação nem sempre aceita pela Justiça). O Treasury Amendment tem como objetivo as negociações em (transctions in): moeda estrangeira, warrants, como opções securitizadas relativas a moeda ou valores mobiliários, direitos relativos a valores mobiliários, revendas de contratos de empréstimo a prestações, opções de recompra, títulos do governo, hipotecas e compromissos de compra de hipotecas. Ainda que excluídas da jurisdição da CFTC, as negociações nesses instrumentos financeiros podem ser sujeitas à regulamentação, conforme o caso, ou da SEC (oferta ou negociação pública de valores mobiliários) ou do Treasury. c) A área de opções teve uma segmentação jurisdicional, legislativa e regulamentar, entre as áreas de commodities e valores mobiliários, obedecendo aos princípios básicos que distinguem a área de competência da CFTC e da SEC. A SEC tem jurisdição sobre oferta, distribuição ou negociação públicas de: – opções sobre valores mobiliários (diretas); – opções sobre índices de valores mobiliários ou sobre grupos de valores mobiliários (cestas ou subíndexes); Acordo jurisdicional SEC x CFTC – 1982. – opções sobre moedas estrangeiras, negociadas em bolsas de valores. Futuros de índices de bolsa de valores e opções sobre futuros desses índices têm jurisdição concorrente da SEC. A jurisdição da SEC sobre essas opções padronizadas, ofertadas ou negociadas publicamente, é mantida em obediência às especificações da legislação peculiar a valores mobiliários daquele país: Securities Act, de 1993, e Securities Exchange Act, de 1934). Pode referir-se aos negócios de bolsa ou fora de bolsa, no mercado de balcão (over the counter – OTC). Aí, no entanto, é preciso distinguir a negociação publica de opções padronizadas, quer por sua emissão por intermediário para ofertá-las, quer por realizarem eles a aproximação das partes interessadas no negócio. Nesse caso, são aplicáveis as normas de supervisão da SEC, mas há as normas auto-reguladoras da National Association of Securities Dealers – NASD, com respeito a práticas eqüitativas de negócios, regras quando a clientes e a limites de posições. As regras pertinentes à área de jurisdição da SEC, especialmente as de prévio registro ou aprovação, contudo, não se aplicam aos negócios com opções sobre valores mobiliários, genuinamente privados, emitidas para clientes específicos ou limitados, sem oferta ou negociação pública, a despeito de poderem, também, ser cognominadas operações de balcão (over the counter – OTC), no mercado de derivativos. Quanto à CFTC, ainda de acordo com as leis básicas, sua de competência compreende, em matéria de poções: – opções sobre mercadoria (commodities), que não valores mobiliários: sua legalidade está subordinada à aprovação da CFTC e à sua negociação em bolsa designadas por aquela agência. Não há, como no caso de futures contracts, proibição legal de sua negocioção fora de bolsa, mas opções sobre mercadorias são, em regras, proibidas de serem negociadas no OTC, salvo isenção expressa; – trade options e dealer options: são isenções específicas autorizativas da negociação no OTC; – opções de sua área de jurisdição, negociadas em bolsas estrangeiras, se forem ser negociadas nos EUA; – opções sobre contratos de futuros são de exclusiva jurisdição da CFTC, que deve aprová-lo; – opções sobre contratos de futuros (futures), relativos a valores mobiliários, (ações e outros); opções sobre contratos futuros relativos a índices de valores mobiliários ou a grupo de valores mobiliários (cestas ou subíndices) também são sujeitos à aprovação da CFTC, mas com certas ingerências da SEC, que tem também jurisdição sobre contratos futuros de índices de ações e de títulos não-isentos, ou sobre opções relativas a estes contratos futuros, em face de requisitos mínimos enumerados em lei: liquidação em espécie, exceto para títulos isentos; insusceptibilidade à manipulação de preços no contrato ou nos valores subjacentes, amplitude e publicidade do mercado dos títulos ou do índice, como medida. Exemplificativamente, a SEC está fazendo exigências para autorizar lançamento de opções sobre índice de bolsa de valores brasileiras ou de futuros sobre este índice. Quer a SEC assegurar-se de que poderá averiguar os nomes de pessoas que negociem ações, para tomar conhecimento de possíveis manipulações nas ações subjacentes aos índices. A SEC pode, também, estabelecer exceções quanto a valores mobiliários não-isentos (nom-exempted securities), para o só efeito de qualificá-los como passíveis de negociações a futuro, tão-somente. Exemplo: títulos de alguns governos estrangeiros, como Inglaterra, Canadá, Japão, Austrália, França, Alemanha e outros. Trade options: são assim chamadas opções que podem ser negociadas fora de bolsa, relativas e mercadorias (exceto produtos agrícolas), ofertadas a adquirentes, cujo negócio envolve as mesmas mercadorias ou seus subprodutos, ou em circunstâncias que autorizem o ofertante a supor que o comprador tem negócios com as mercadorias, e adquire as opções com propósitos vinculados a seu negócio. Também opções podem ser emitidas no OTC por pessoas negociantes (dealers), com certas regras específicas (dealer options). Dados os termos utilizados pela lei (transactions in), em relação aos instrumentos nela especificados, vinham sendo consideradas como fora das exclusões do Tresury Amendment as opções, que, assim, continuariam a obedecer às normas até então vigentes. Ainda aí, há controvérsias jurisprudenciais, não dirimidas em definitivo, embora importantes decisões de cortes dêem suporte à interpretação excludente. As opções relativas à moeda estrangeira ficaram assim jurisdicionadas: – se negociadas em bolsa de mercadorias, devem ter a aprovação da CFTC; – se negociadas em bolsa de valores, devem ter a aprovação da SEC; – se negociadas no mercado de balcão, podem estar cobertas pela trade option exemption já vista (bancos e outras instituições); – pendendo de uniformização jurisprudencial nas cortes americanas, elas poderiam estar cobertas pela exceção do Treasury Amendment sendo livremente negociáveis no OTC. Para tanto, deveriam ser transações entre bancos ou outras instituições sofisticadas e informadas, insujeitando-se, assim, à jurisdição da CFTC. Ainda pendendo de uniformização jurisprudencial, poderiam ser negociadas no OTC tais opções relativas a moedas estrangeiras sem limitações quanto às partes envolvidas. Transações à vista (spot ou cash)de moedas estrangeiras, trade options e forwards de moeda estrangeira estão fora da jurisdição da CFTC. Só futures e opções de moeda estrangeira, assim, estariam sob a jurisdição da CFTC, apenas quando negociados em bolsa de mercadorias ou futuros. Também em relação a instrumentos significativos, pendiam dúvidas em sede judicial, quanto a estarem, ou não, protegidas pelo, Treasury Amendment, como, por exemplo, opções sobre títulos governamentais serem, ou não, livremente negociáveis no OTC. d) De qualquer forma, antes da abertura dada pelo Future Trading Protection Act, de 1992, o conhecido Glass-Steagall Act – GSA estabelecia razoável proteção (section 16) para a atuação ativa de bancos na área de derivativos. O GSA dá autoridade ao Office of Comptroller the Currency – OCC, em relação a bancos nacionais, a bancos estaduais membros e a sucursais de bancos estrangeiros, para implementar as leis relativas a bancos quando à sua organização e operações, e o OCC utiliza estes poderes, regulando as atividades de bancos em derivativos (circular 79/83 e BC-277/93, diante comentadas). O GSA reconhece aos bancos todos os poderes incidentais que sejam necessários para desenvolver o negócio de bancos... As regras da Secção 16 do GSA serviram de base para as operações de derivativos dos bancos no OTC, como operações incidentais bancárias: – autorização para buy and sell exchanger dá abrigo para negociações envolvendo moeda estrangeira (sport, forwards, options, swaps); – também sob este abrigo, praticavam-se operações relacionadas a taxas de juros: swaps, caps, floors, collars e swaptions, antes das isenções autorizativas da CFTC. e) Swaps Genericamente, o swaps é uma troca, entre parte, de fluxos financeiros diferentemente referenciados. I – Não se trata de negócios jurisdicionados pela Securities and Exchange Commission-SEC, conforme declaração pública daquela comissão. II – Sempre se discutiu muito sobre se os swaps teriam negociação ilegal no mercado de balcão OTC, já que poderiam ser caracterizados como contratos futures, dada sua própria natureza e a amplitude do conceito de commodities. Como nenhuma entrega física, raciocinava-se, é prevista nos swaps, então a liquidação futura não é forwards, e, sim, futures, portanto ilegal, fora de bolsa. III – Algumas incertezas legais e obstáculos ainda pairavam sobre a ponta criativa e dinâmica do mercado, apesar de a CFTC ter efetivado concessões e ajustamentos, por meio de declarações formais, como o Policy Statement Concerning Swap Transactions, de julho de 1989, no qual se procurava uma área segura de atuação para as instituições do mercado. Subseqüentemente, foi aprovado no Congresso americano o Futures Trading Pratices Act – FTPA, em 1992, instrumentando a CFTC com vista a criar certeza legal para um número de categorias existentes de instrumentos, tendo sido beneficiados os swaps, os chamados instrumentos híbridos, contratos de produtos de energia e os forwards. As exceções às rígidas normas do – Commodities Exchanger Act – CEA poderiam ocorrer por iniciativa formal, regulamentar ou administrativa, por parte da CFTC. IV – Em janeiro de 1993, a CFTC editou regulamentações, isentando os swaps das proibições relacionadas a tipo de mercado (e, conseqüentemente, jurisdição) constantes do CEA. A definição de swaps incorporou os conceitos já expressos nas alterações feitas à lei de falência americana (U.S. Bankruptcy Code) em 1990, que alargaram sua abrangência por intermédio de menção a any other similar agreement. A definição da Section 101 (55) do U.S. Bankruptcy Code [11 USC #101(55)] de swap agreement é verbis: (A) an agreement (including terms and conditions incorporated by reference therein) which is a rate swap agreement, basis swap, forward rate agreeement, commodity swap, interest rate option, forward foreign exchanger agreement, rate cap agreement, rate floor agreement, rate collar agreement, currency swap agreement, cross-currency rate agreement, currency option, any other similar agreement (including any option to enter into any of the foregoing); (B) any combination of the foregoing; or (C) master agreement for any of the foregoing together with al supplements. A conceituação de swap, aqui, é, na realidade, um enunciado de nomes das práticas mercantis consagradas, não-exaustivo, aberto às criações alternativas. Nesta definição ampla de swap, negociáveis livremente no OTC, fora da jurisdição da CFTC, não devem compreender-se os contratos que se incluam em categorias fungíveis e padronizadas, quando a condições econômicas substanciais. Não podem ser assim entendidos aqueles que sejam colocados ou negociados em mecanismos físicos ou eletrônicos multilaterais, por meio dos quais os participantes possam simultaneamente realizar transações e assumir obrigações entre si (CFTC Report on OTC Derivative Marketes and Regulation 1993, p. 79). Nesses casos, a negociação parece à CFTC ser mais apropriadamente realizável no âmbito do pregão bursátil. Outra consideração importante é status do crédito da parte que assuma obrigação efetiva ou potencial no swap, e que deve ter sido uma consideração importante para o nascimento do negócio e para suas condições. Pelas regras de janeiro de 1993, da CFTC, são partes elegíveis, para os swaps de livre negociação, várias categorias de instituições e entidades comerciais e, mesmo, pessoas físicas com ativos de porte: – instituições financeiras (bancos, trust companies, associações de poupança, credit unions); – seguradoras e companhias de investimento; – empresas ou outras pessoas jurídicas com ativos superiores a US$ 10 milhões ou patrimônio líquido superior a US$ 1 milhão e que entrem no negócio de swaps em função de sua atividade; – fundos de pensão com ativos superiores a US$ 5 milhões ou que realizem seus investimentos por meio de certos intermediários ou consultores; – corretoras (brokers, dealers) e comissários mercantis de futuros; – entidades governamentais; – pessoas físicas, com ativos superiores a US$ 10 milhões. f) instrumentos híbridos Os instrumentos híbridos são títulos ou obrigações usuais de mercado (uma debênture, um certificado de depósito ou depósito, por exemplo), representando uma dívida, mas que tem neles embutida uma obrigação conceituável como típica de um contrato de futures ou de opção, referida a uma mercadoria (commodity), valor mobiliário ou índice. Há de se perscrutar a natureza predominante do instrumento híbrido, para se chegar a conclusões quanto a seu grau de exposição a variações de preço na mercadoria subjacente, no valor mobiliário ou no índice referencial. Há, assim, avaliações quando à componente dependente de mercadoria, valor mobiliário ou índice e quanto àquela dela independente. Se o valor da componente independente da mercadoria é superior a 50% do valor do instrumento híbrido, então ele será livremente negociável no OTC, insujeitando-se às regras da CFTC, de negociação em bolsa de futuros e de mercadorias e proibição de contratos de opção de mercadorias. O valor da componente independente de mercadoria é calculado na época da emissão do instrumento, correspondendo ao valor presente dos pagamentos não referenciados ao preço da mercadoria. Já o valor das componentes dependente de mercadoria é fixado como correspondência a seus valores como se, então, exercidas opções de compra ou de venda das mesmas mercadorias, valores ou índice. Embora os títulos híbridos possam ser adquiridos mediante sistema de compra que inclua a entrega de margem (garantia), de acordo com as leis federais, o adquirente ou portador do título não pode ser obrigado a despender quantias adicionais, correspondentes a preço do bem, durante a vida do título, em seu vencimento ou resgate. Os instrumentos híbridos podem adquirir a configuração de valores mobiliários sujeitos a prévios registros na SEC, se destinados à oferta pública. Podem, também, estar sujeitos às regulamentações bancárias, caso uma de suas componentes tenha configuração de depósito ou outra que a sujeite às autoridades dessa área. g) Contratos de energia Para serem objeto de isenção das regras do CEA, os contratos de energia devem referir-se a produtos-fonte de energia, como o óleo cru, condensados, gás natural, gás líquido ou seus derivados. As partes devem atender a requisitos de qualificação mínima, podendo ser comerciantes que incorram riscos adicionais aos de variação dos preços nas mercadorias, tenham capacitação para entregá-las ou recebê-las e não sejam proibidos de praticar contratos de energia. Podem também ser partes: bancos, empresas com níveis mínimos de ativos e patrimônio líquido (US$ 5 milhões ou US$ 1 milhão) ou que obtenham garantias suficientes, corretores ou comissário de futuros, governos ou multinacionais. O adimplemento contratual em espécie deve ser sujeito à concordância da parte contrária, e podem as partes, também, subseqüentemente, entrar em acordo de cancelamento da obrigação por outra forma que não a entrega física. h) A Circular BC n. 277, de 27/10/93, do Comptroller of the Currency I – Esta circular assumiu significação relevante na regulamentação bancária sobre derivativos e expressamente substituiu a circular anterior, n. 79 (terceira revisão), datada de 19/04/83, a qual tratava da participação de bancos nacionais nos mercados de futuros financeiros e de forwards. II – A Circular BC 277 tem como temática a administração de riscos de derivativos financeiros pelos bancos. Os derivativos financeiros são definidos amplamente como instrumentos financeiros que derivam seu valor da performance de ativos, de taxas de juros ou de variação do câmbio, ou de índices. Os negócios com derivativos, pela circular, incluem uma vasta gama de contratos financeiros, como obrigações e depósitos estruturados, swaps, futuros, opções, caps, floors, collars, forwards, e várias combinações desses contratos. Caps são acordos de limites superiores de taxas; floors são acordos de limites inferiores de taxas; collars são acordos de limites superiores e inferiores de taxas (conjuntamente) ou variações limitadas a corredores ou bandas de taxas; forwards tem o conceito já analisado neste trabalho. A circular, ao contrário do que muito se propala, constata que os derivativos financeiros representam correntemente uma porção relativamente pequena do risco total de crédito, de mercado, de liquidez e operacional aos quais os bancos estão submetidos, na rotina de seus negócios. Aduz, ainda, que os derivativos financeiros, quando utilizados com propriedades, trazem grandes benefícios aos bancos nacionais. Eles dão aos bancos maior flexibilidade no gerenciamento de risco: – possibilitando separar os diferentes tipos de riscos, que são implícitos aos instrumentos financeiros e serviços bancários, e – ensejando sua transferência para outras partes que tenham maior apetência ou melhores condições para assumi-los ou para administrá-los. As transações com derivativos financeiros freqüentemente propiciam aos usuários as alternativas mais baratas de funding, pela redução dos custos, e, em alguns casos, pelo aproveitamento de oportunidades de arbitragem existentes nos mercados financeiros. E mais, os bancos podem usar os derivativos financeiros para reduzir eficientemente indesejáveis exposições a riscos, como alterações nas taxas de juro ou variações na taxa de câmbio. Finalmente, os bancos podem oferecer derivativos financeiros a clientes procurando instrumentos gerenciais de risco para ajudar a atingir os objetivos de seus negócios. III – Após essas considerações introdutórias, literalmente reproduzidas, o Office of Comptroller of the Currency – OCC encoraja os bancos ao uso de derivativos para estes propósitos, declarando, a seguir, que a complexidade dos derivativos financeiros levanta preocupações sobre seu uso por algumas instituições, sob certas circunstâncias. Traça, em conseqüência, as diretivas e best policies para administrar os riscos de crédito, de mercado, operacionais e legais. IV – Comparando-se a rigidez com que o Glass-Steagall Act e o Bank Holding Company Act segmentam a atividade bancária, não permitindo que ela enverede para atividade de investimentos, no mercado de capitais, e restringindo qualificadamente a penetração dos que praticam outras atividades no nicho próprio dos bancos, esta parte introdutória da circular BC 277 deixa bem claro que: – o engajamento em operações de derivativos, em múltiplas formas, não é estranho à área de operações de bancos, não mais sendo apropriado chamá-las de incidentais; – o campo dos derivativos não se confundem com a área de investimentos, subscrição e negociação de títulos e valores mobiliários, apesar do fato de participantes da indústria de investimentos poderem também engajar-se nessas operações de derivativos. Os derivativos seriam, assim, uma área civil no sentido do amplo espectro de usuários finais, de pessoas e instituições que neles se engajam como negociantes (dealers), dado não só o tipo de atividade como seu porte econômico; – o encorajamento do OCC é para que os bancos utilizem os derivativos, seja como usuários finais, para transferência ou administração de risco, seja como negociantes, para aproveitar oportunidades de arbitragens em mercados ou para atender as necessidades de clientes; – as operações com propósitos especulativos não são diretamente proibidas, mas não são, também, encorajadas, contempladas, instruídas ou, sequer, mencionadas. Na circular anterior, por exemplo, não se faziam distinções entre tipos de produtos em moedas estrangeira, e era permitido negociar por motivo que não o de hedge; portanto, a especulação era implicitamente admitida. Contrariamente, nos produtos de taxas de juro, a especulação era vedada; – já as operações referenciadas a mercadorias físicas são contempladas apenas para administração de riscos típicos de derivativos financeiros relacionados a mercadorias físicas, de forma a suplementar as atividades de gerência de riscos existentes na instituição, mediante submissão de plano detalhado ao OCC. V – Foram eliminadas várias restrições constantes da circular 79, anterior, a qual se dirigia nominadamente a futures e forwards. Como a Circular 79 especificava os instrumentos e lhes mencionava as possibilidades e vedações de uso, tem-se interpretado que a nova circular, n. 277, com menção genérica aos derivativos, cujo conceito abrange uma vasta gama de contratos financeiros, dos quais cita alguns, não diferenciou entre outros tipos de produtos, de negócios, contraparte, concentração etc., apenas afirmando que seu uso pode acentuar o risco de quebra de qualquer instituição. Ao dizer genericamente sobre riscos, nesta área, aos quais estão sujeitos os bancos, fala em alterações nas taxas de juro e de câmbio, nos preços das ações e commodities e em suas associadas volatilidades. Em vez, contudo, de estabelecer vedações a produtos ou limites especificados, orienta que os bancos devem adotar sistemas eficientes de administração de riscos, para se precaver do risco de inadimplência. A orientação que traça é a partir de sofisticadas técnicas de administrar os riscos de crédito, de mercado, de liquidez e operacional, e os bancos devem seguir esta orientação. O conteúdo orientador da BC n. 277 é bem significativo, quanto a controles, proporcionais aos riscos que sejam assumidos; – supervisão da administração superior do Conselho de Administração; – administração do risco de mercado; – administração do risco de crédito; – administração do risco de operações e de sistemas de controle; – problemas legais; – requisitos de capital; – contabilidade. Certamente, a BC n. 277 consolidou bases para atuação dos bancos comerciais na área de derivativos praticados privadamente OTC. Junto com os esforços legislativos a seguir descritos, ela provê nível satisfatório de certeza legal e regulamentar para a prática dessas operações com contrapartes americanas ou sob jurisdição americana. i) Outras Iniciativas Legislativas e Regulamentares para alargar o Uso de Derivativos nos EUA. As instituições financeiras, os intermediários do mercado e usuários finais do mercado de derivativos sempre estiveram advertidos para procurar, e procuraram tenazmente, um porto seguro, em termos legais e regulamentares, para efetivar esses negócios. Na parte regulamentar, foram aclarando-se alguns pontos, por meio de leis, Statements of Policy e de regramentos administrativos, como visto. O Report da CFTC de outubro de 1993, sobre OTC – Derivative Markets and their Regulation – já espelha bem a nova configuração do mercado de derivativos, sem interferências indesejáveis na rede de merchandising e levando em conta a necessidade de expansão dos participantes profissionais em derivativos financeiros da importância dos swaps. Há, no entanto, de mencionar, neste impressionante elo de providências das autoridades federais, administrativas e legislativas, outros esforços legislativos para resolver problemas legais considerados obstaculares: a) Um primeiro e preocupante problema legal era o da possibilidade de se considerar terminado um contrato pela falência de uma das partes, podendo a parte sã efetivar a compensação de créditos/débitos, num contrato-mãe (que continha diversos acordos) e acertar as contas por diferença (a modo de uma conta corrente). Em 1989, foi editado o Financial Institutions Reform Recovery Enforcement Act – Firrea, que aumentou os poderes da Federal Deposit Insurance Corporation – FDIC como uma espécie de interventor ou liquidante de instituições financeiras, autorizou os procedimentos de acerto de contas por diferença, seja por motivo de liquidação, seja por outro motivo contratualmente previsto, para os contratos que chamou de qualified financial contracts (securities contracts, commodity contracts, forward contracts, repurchase agreement, swap agreements: rate, basis, commodity, forward rate, forward foreign exchange, rate, cap, floor, collar, currency, cross-currency swap, similar agreements and any options on the foregoing). b) Outro entrave era, no caso de falência, o instituto do automatic stay, pelo qual se poderia procrastinar, por longo tempo, a solução de um contrato-mãe (master agreement), com a sua resilição e o acerto de contas por diferença. Algumas alterações na lei de falências americanas (US Bankruptcy Code), progressivamente, sendo a última em 1990, foram introduzindo certeza quanto ao término, desde logo, do contrato (early termination) para contratos financeiros, como contratos de títulos e valores (securities contracts), acordos de recompra e contratos forward. Em 1990, a alteração de lei autorizou a early termination para contratos de swaps. Importante, também tornou lícita a execução de quaisquer garantias vinculadas ao contrato de swap ou de qualquer outro acordo semelhante, para pagamento de importâncias devidas pelo falido em função do acima referido acerto de conta por diferença (ou, por valor líquido, net). A definição de swap, por essa alteração, tornou-se referencial para outras normas, e é bastante ampla, a ponto de considerar como protegido o contrato-mãe que contenha contratos abrangidos no conceito, junto com suplementos. (OBS.: A conceituação "aberta" de swap dada pelo US Bankruptcy Code foi já tanscrita). c) Um aspecto que ainda remanescia em área cinzenta era o de contratos exeqüíveis entre instituições financeiras que previssem acerto de contas por diferença (netting) e que deveriam estar completamente a salvo de provisões conflitantes de leis, de ação postergatória de liquidantes, moratória ou outro procedimento similar ou determinação, mesmo que procedente, de agência administrativa ou de uma corte (!!). Com o Federal Deposit Insurance Corporation Improvement Act-FDICIA, em 1991, até mesmo estas questões lindeiras foram previstas e a elas dada solução de tornar obrigatório o acerto por diferença. O conceito de instituições financeiras foi ampliado para abranger brokers and dealers e, também, agência e sucursais de bancos estrangeiros nos EUA, até comissários de futuros. Talvez as únicas dúvidas que ainda pairem nos EUA são as relacionadas a derivativos vinculados a ações, alguns aspectos das negociações de moeda estrangeira spot (spot FX transactions) e os negócios com bancos que têm agência localizadas no exterior, em relação à possibilidade de perseguição de garantias. j) Requisitos de Capital Bancário Apartado para Operações com Derivativos O tema de se estabelecer requisitos de capital mínimo apartado para os bancos, em proporção às suas operações com derivativos, foi largamente discutido e merece uma pequena introdução. Como é sabido, a grande mudança ocorrida no mercado bancário internacional, em termos de capitais mínimos bancários (equity cushion) foi a de fazer divergir o foco de interesse do lado passivo e estático de uma relação "capital próprio/capital de terceiros" para o lado ativo e dinâmico da relação "operações ativas/capital próprio", o que foi uma evolução muito apropriada. Com efeito, a relação capital próprio/capital de terceiros espelha somente uma situação inicial, de fontes, mas, talvez, só tardiamente repercutisse, pela deteriorização, ex post, dos números do patrimônio líquido, a atuação pouco sadia das instituições. Já as novas regras de relação operações ativas/capital, por sua atuação tempestiva à medida que se geram os ativos, sensibilizando diferenciadamente os requisitos de capital mínimo, conforme o grau de risco das operações, revelaram-se bastante mais apropriadas para filmar a situação dos bancos, em vez de tirar-lhes fotografias isoladas. Não se deixam de reconhecer as vicissitudes técnicas da implementação dessa normas em diferentes mercados e para diferentes culturas. Os princípios são válidos. Sua realização deve transpor barreiras locais, por exigência da globalização dos mercados. Os derivativos não geravam lançamentos cognitivos de risco das instituições, daí porque eram conhecidos como operações off balance sheet. O lançamento possível seria de registrar os montantes em contas de compensação, registrando os diferenciais a receber ou a pagar somente no término do contrato ou quando exigível a prestação. Criou-se, assim, uma pressão de analistas e de acionistas para que houvesse disclosure quanto a essas atividades, com vistas às análises, graduações de crédito e, até, para que não fosse possível esconder, aos esconder, aos acionistas, lucros oriundos dessas operações. A essas pressões se juntaram autoridades reguladoras para quem a ausência de registro expunha os bancos a riscos, sem a contrapartida de acesso a medidas convencionais de mensurá-los e de preveni-los. Muitas vozes, nos EUA, levantaram-se advertindo para os perigos dos derivativos off balance sheet, e várias sugestões de enquadramento foram colocadas na mesa de discussões. Entretanto, em termos competitivos, as instituições financeiras americanas estariam em completa desvantagem, em relação às demais, no mundo, se fossem adotados padrões rigorosos nos EUA, não correspondidos em outros países, ao mesmo nos competidores mais importantes. Houve importantes tratativas internacionais no Basle Supervisors Committe, de representantes do chamado Grupo dos Dez (Inglaterra, Japão, Alemanha, França, Itália, Canadá, Suíça, Holanda, Bélgica e Suécia) mais Luxemburgo. Como resultado, foi celebrado, entre essas autoridades, para confirmação legislativa ou regulamentar em seus países, o chamado Acordo da Basiléia – Basle Accord – 1988), cuja finalidade é estabelecer padrões mínimos de capital dos bancos para proteção contra o risco de crédito. O risco de crédito foi conceituado pelo Comitê da Basiléia como o principal risco à higidez do sistema bancário. Reconheceu, contudo, que, a seu tempo, a estrutura acordada para proteção contra risco de crédito deveria ser complementada para levar em conta direta e explicitamente os riscos de mercado. Em abril de 1993, foi emitida uma proposta pelo Comitê de Supervisão Bancária da Basiléia (Consultative Proposal by the Basle Committee on Banking Supervision) sobre o tratamento a ser dado pelos supervisores bancários quanto aos riscos de mercado. O documento entitulado The Supervisory Treatment of Market Risks -– Consultative Proposal by the Basle Committee on Banking Supervision, realça a importância dos riscos de mercado e reconhecer que era chegado o momento de integrá-los às regras de capital mínimo já adotadas. Celebrado o Acordo de Basiléia, sua edição proporcionou ao FED americano a oportunidade de emitir, em janeiro 1989, regras de capitalização bancária, abrangendo não só os riscos de crédito de operações bancárias tradicionais em empréstimos e em títulos, como os de posições em derivativos que expusessem o banco a riscos. Essas diretivas do FED muito ajudaram para a expansão do mercado. 7) OUTROS TEMAS LEGISLATIVOS E REGULAMENTARES a) Da capacidade A capacidade da contraparte de contratar alçou-se a problema de porte após a ocorrência do caso em que, em 1992, a UK House of Lords decidiu que a entidade administrativa do London Borough of Hammersmith and Fulham não tinha a necessária autorização legal para celebrar contratos de swap de taxas de juros, o que ela fizera durante a década de 1980. Com essa decisão de ilegalidade dos atos, ela não foi considerada vinculada às prestações contratuais previstas, do que resultou um volume de prejuízos considerável para 75 dos maiores bancos do mundo. Foram atingidos, em conseqüência, mais de 500 negócios com mais de 100 entidades públicas assemelhadas na Inglaterra anulando-se contratos retroativos a 1981. Representando as perdas cerca de US$ 175 milhões, elas correspondem a quase 50% do total sofrido pelas instituições do mercado com operações de swaps, desde seu início, e até 1993. A magnitude dos números serve de exemplo sobre como temas aparentemente de solução lógica trivial redundam em formidáveis querelas: o que entrou em discussão era se o Local Government Act de 1972 dava ou não poderes expressos para autoridades locais celebrarem contratos de derivativos, para hedge ou não importa qualquer outro objetivo. A capacidade de tomar emprestado não se confundiu com a de contratar swaps, não sendo esta considerada subsumida implicitamente naquela. O swap ainda que para hedge, foi até considerado jogo especulativo, por Lord Templeton, ardoroso defensor da nulidade, enfim declarada. Boa-fé, opiniões legais favoráveis, discussão com certos organismos regulamentadores, em que o ponto de vista mais corrente era o da capacidade implícita daquelas entidades públicas para os atos, não foram suficientes para evitar o sinistro jurídico, e mostram que, em se tratando de entidades públicas, deve haver previsão legal expressa vinculativa para o poder público, que gere inequívoco direito subjetivo para o administrado. Não se deve perder de vista, igualmente, que vitórias judiciais contra entidades públicas, no Brasil, podem ser de Pirro, pois a sistemática de execução contra a Fazenda Pública, por meio do requisitório judicial (precatório), torna inócuo o conteúdo econômico das sentenças, pela corrosão inflacionária e perenização das atualizações. Na França, houve, por parte da administração, uma atuação incisiva para clarificar o modo como as autoridades locais podem atuar com derivativos. Ela encerra lições. Desde 1982, com a Lei n. 82.123, de 2 de março, as autoridades locais tiveram substancial grau de autonomia para tomar emprestado e recorreram a várias fontes de financiamento. A capacidade de essas autoridades contratarem derivativos, com propósito conexo de hedging, nunca foi questionada. Havia, contudo, dúvidas quanto aos tipos de instrumentos passíveis de utilização, limitações, método de autorização e regras contábeis. Não havia, na França, possibilidade de levantamento de obstáculos do tipo dos levantados no caso Hammersmith & Fulham. Para o tipo de preocupações existentes, foi emitida uma circular ministerial em setembro de 1992 (Ministério da Fazenda e o equivalente ao Ministério do Interior), direcionada às autoridades locais e empresas. Entre outras normas: – as destinatárias podem utilizar, em princípio, todas as formas de derivativos; – não podem ser usados derivativos com propósitos especulativos (trading), apenas para hedge; para tanto: – o negócio deve ter o efeito de reduzir os riscos de flutuação de valor do item protegido ou do custo de empréstimo; – o risco deve ser identificado, levando em conta todos os ativos financeiros e exigibilidades da entidade; – deve haver uma correlação entre os preços do instrumento de hedge e o valor dos itens protegidos, de molde a neutralizar perdas e ganhos; · cada hedging deve ser aplicado a ativos, passivos ou compromissos que sejam homogêneos; · cada instrumento de hedge deve ser referenciado ou pró-rateado a um instrumento de débito conhecido e o total deste valor referencial de débito não deve exceder o total do débito da autoridade local. – as autoridades locais não podem realizar investimentos financeiros e todos os recursos pendentes de aplicação devem ser depositados no Banco de França sem juro; não podem, também, oferecer garantias (margem) para os negócios; – não pode haver remuneração sobre prêmio ou comissão paga pela autoridade local. Se houver vencimento antecipado, o retorno do prêmio ou comissão não pode ser adicionado de remuneração ou juro; – não pode haver pagamentos de up front sums em retorno por swaps com taxas fora de mercado (off-market swap). A soma paga adiantada é considerada um investimento financeiro amortizado ao longo da vida do swap e, portanto, ilegal; – só podem ser contrapartes estabelecimentos de crédito, como tais definidos pela lei bancária francesa de 1984. b) Do Jogo e Aposta – Nos Estados Unidos, o Futures Trading Protection Act – FTDA expressamente afasta dos conceitos de jogo de leis estaduais (bucket shops, gaming) os derivativos que excepcionam de restrições à negociação no mercado de balcão. Com os regulamento de janeiro de 1993, da CFTC, precisou-se conceitos sobre operações negociáveis privadamente (no balcão), sobretudo swaps, com isso retirando-se substância a muitas que buscavam seu fundamento inicial na suposta ilegitimidade, a ensejar a exposição também ao conceito de jogo. – A Austrália talvez seja o país onde exista o maior grau de incerteza sobre a matéria, sobretudo após o caso Hammersmith & Fulham, já que se supõe que as Cortes australianas seguirão a orientação da UK House of Lords em relação a todos os derivativos. Mesmo a existência de um propósito comercial válido, alegado por alguns doutrinadores, não parece ser considerado como base legal suficiente para elidir tal temor. – Na Inglaterra, apesar daquele fato marcante ali ocorrido em 1992, e a despeito dessas observações acima, em sua jurisdição os dispositivos do Gaming Act 1845 são hoje considerados inaplicáveis às operações excepcionadas pela Seção 63 do Financial Services Act 1986. Entre os investimentos nestes listados, estão warrants, opções, futures e contratos por diferença. Nem todos os contratos conceituáveis como derivativos, contudo, são ali nominados, mas há opiniões legais de que, como regra geral, eles seriam lícitos, se praticados de boa-fé... – No Japão, as leis de bolsas, tanto de bolsas de valores quanto de bolsas de mercadorias, consideram ilegal a especulação com índice de títulos ou de mercadorias, realizada dos mercados bursáteis (arts. 201 e 145, respectivamente). Julgam alguns autores japoneses muito difícil distinguir hedging e/ou investimento de especulação, portanto, se as operações com swaps relacionadas a ações ou a mercadorias, realizadas em balcão (privadamente), forem consideradas especulação com índice, elas poderiam ser consideradas ilegais, e aplicáveis as regras penais que proíbem e punem o jogo. Não julgam, contudo, plausível essa extensividade conceitual. De qualquer forma, argumentam que as instituições financeiras estariam fora dessas proibições específicas porque suas operações com swaps, em geral, têm legítimas razões empresariais, observadas as autorizações explícitas que tenham para operar nas diversas áreas (matéria administrativa). Quanto a corretoras, no Japão, elas se supõem autorizadas a operar com swaps, embora em swaps de moedas restrições. Na jurisdição de Cingapura, ressalvada autorização legal específica, a única entidade pública com capacidade para operar com derivativos é a Monetary Authority of Singapore-MAS. Se alguma entidade pública tivesse recebido autorização para endividar-se ou poder genérico de administração, mesmo que esses poderes pudessem ter interpretação de intuir a prática de operações convenientes ou vantajosas para o exercício de suas atribuições, ainda assim, à semelhança do caso Hammersmith & Fulham, não teriam capacidade de entrar em operações de swaps (e de outros derivativos). Só com autorização específica. Quanto às regras de proibição do jogo e aposta, que são as mesmas do English Gaming Act 1845, o entendimento, é de que o princípio geral da common law autoriza a entender que uma operação de swap contratada com um propósito comercial e não-especulativo não é proibida. Só são defesas as operações de swaps com propósitos especulativos puros, ou seja, sem referenciar-se claramente a um ativo ou passivo (a proteger). O mesmo princípio aplicar-se-ia a opções. Em 1979 foi introduzida uma norma específica no Civil Law Act [Seção 6 (4)], para esclarecer que não são nulos os contratos de entrega futura de mercadorias (em bolsa ou no balcão), mesmo que a liquidação se dê apenas por diferença de preços. Em 1986, uma nova lei (o Futures Trading Protection Act) estabeleceu o que era entendimento corrente, que o termo "mercadoria" abrangia conceitualmente instrumentos e que contratos negociados em bolsa não eram conceituáveis como jogo ou aposta. Quanto a swaps, permanece o entendimento de licitude, já exposto. É distinto do de contratos futures, contudo, pelo fato de que não se supõe que o swap envolva entrega de qualquer mercadoria (à exceção do cross-currency swap). A França é um exemplo incisivo de atuação do legislador para afastar entraves legais à operacionalização de derivativos. Apesar disso, remanescem problemas quando se trata de falência, por ser ali o redressement judiciaire bastante preocupado e minudente quanto à possibilidade de recuperação da empresa. Na área de jogo e aposta foram removidas incertezas provocadas pelo art. 1.965 Código Civil francês (semelhante ao art. 1.479 de nosso Código), e por uma lei de 1885. Em duas ocasiões, 1989 e 1991, foram feitas alterações legais, para excluir especificamente os negócios com derivativos do enquadramento como atividade ilícita, com efeitos frustados em lei. A lei francesa n. 93 – 1.444, de 31/12/93, em seu Titre III – Dispositions relatives aux Marchés À Terme, art. 8, inc. II, estabelece, também em relação a contratos negociados nos marchés à terme, e que obedeçam aos regulamentos bursáteis ou a contratos-padrão, que seus débitos/créditos são compensáveis e que os contratos podem prever sua resilição se pleno direito, ante a instauração de um procedimento de redressement judiciaire. Em parecer que elaborei para instituição do mercado em relação ao tema, com subsídios de importantes autores pátrios, cheguei à conclusão de que o art. 1.479 de nosso Código Civil não é aplicável às operações com derivativos, ainda que liquidadas por diferença, em tratando de negócios sujeitos à disciplina de leis mercantis e de leis especiais. c) Fundos de Pensão Nos Estados Unidos, os requisitos imanentes à responsabilidade fiduciária de administração de planos de aposentadoria foram estabelecidos pelo Employee Retiremente Incone Security Ac – ERISA, de 1974. Há uma obrigatoriedade, estabelecida como norma genérica apropriada, sem detalhamentos, de que os negócios envolvendo os ativos sejam realizados com prudência e sem conflito de interesses. Os planos estão sujeitos a relatórios periódicos ao Depatment of Labor e a requisitos especiais de contabilização e transparência. As regras genéricas podem resumir-se em: prudent expert, exclusive benefit, diversification e plan documents. Quanto à diversificação, é entendido que o administrador deve diversificar suas aplicações de forma a minimizar o risco de grande perdas, a não ser que, claramente, não seja prudente fazê-lo. O último mandamento citado acima determina ao administrador que aja em conformidade com a documentação básica do plano (cálculos atuariais, políticas etc.), desde que essa documentação esteja de acordo com as regras gerais do ERISA (esta regra seria muito útil, no Brasil, também, para informar regulamentações infralegais.) As autoridades americanas esposaram a interpretação de que a avaliação quanto à prudência, na administração desses planos, deveria levar em conta a carteira como um todo, e não cada investimento, individualmente, usado para delineamento e composição da carteira. Antes do ERISA e de regulamentação ocorrida em 1979, pensava-se que a lei desaprovava o uso de futuros e de opções nos planos de benefícios porque esses negócios são altamente alavancados e, freqüentemente, não produzem rendimentos. Na década de 80, contudo, com o crescimento dos mercados de futuros financeiros e de opções, autoridades passaram a interpretar que negócios com esses produtos não são intrinsecamente prudentes ou imprudentes: eles deve ser julgados coerentemente com o papel que eles desempenham na carteira, em geral, enquanto uma aplicação imobiliária pode ser altamente arriscada e danosa, com o correr do tempo, uma operação com futuro de índice (venda) pode ser aconselhável para uma administração conservadora. A Resenha BM&F n. 89, em artigo de Pedro Carvalho, conta a interessante sentença de Segunda Instância no Estado de Indiana, nos EUA, em que a corte condenou a administração de uma cooperativa de grãos por não ter usado instrumentos disponíveis de hedge no mercado, considerando a administração negligente. O próprio Comptroller of the Currency, na Trust Banking, Circular n. 2, de 19/12/79, e n. 14, de 16/10/1981, adotou a orientação detalhada para o uso de futuros pelos departamentos de trust dos bancos comerciais. Outra constatação fática é a de que os mandamentos do ERISA são de prudência e diversificação, para minimizar o risco de grandes perdas [§ 404 (a) (1) (c)]. Portanto, em certas circunstâncias, a administração que não utilizar instrumentos de hedge pode ser considerada imprudente, com certo rigor. Em 1982 o Departament of Labor, pela primeira vez, reconheceu oficialmente a adequação do uso de futuros para planos de pensão. Desde então, como constatam várias publicações especializadas, o uso de futuros e opções tem crescido substancialmente entre os fundos de pensão americanos (Pension & Investment Age, de 10/06/85, p. 51; Institucional Investor, abril de 1985, p. 105, apud Boletim da CME, de 1987). As leis estaduais americanas têm dispositivos diversos, permitindo, ou não, uso de futuros e opções nos planos de pensão de seus funcionários públicos. Numa declaração perante o Congresso, em 1988, o chairman do Federal Reserve Board, Alan Greenspan, afirmou que os futuros de índices de ações e proporcionam valor econômico para seus usuários, possibilitando aos fundos de pensão e a outros usuários institucionais proteger e ajustar posições rapidamente e barato, estes instrumentos acabaram por desempenhar um papel importante na gestão das carteiras. Hoje nove entre dez planos de pensão utilizam futuros financeiros e opções como instrumentos de administração de riscos nos Estados Unidos, e uma publicação especializada, Pension & Investment Age, lista anualmente os maiores fundos de pensão e administradores de dinheiro que se utilizam desses derivativos. Os objetivos de seu uso, atualmente, incluem: proteção contra riscos, mudanças na alocação das aplicações em ativos, mudanças de prazos de aplicações, redução de custos das negociações nos mercados (transaction costs), administração coordenada de ativo versus passivo, aumento de renda. A liquidez peculiar a estes mercados por negociações de outras instituições do mercado, por investidores e especuladores do mundo inteiro, trouxe maior segurança na utilização dos instrumentos e baixou os custos. Os futuros e opções de futuros de taxas de juro (eurodólar, US Treasllrv bills e bonds, sobretudo) ultimamente têm tido muito boa utilização pelos administradores de fundos de pensão, para uso na gestão de ativo/passivo. Os futuros de índices e opções sobre futuros de índices (put, sobretudo) têm tido larga difusão entre os administradores. No Canadá, os fundos de pensão são formas especializadas de trusts, embora alguns sejam constituídos sob a forma de sociedades especiais. Quando o empregador é entidade regulada por lei federal, então aplica-se a lei federal de fundos de pensão (bancos, companhias aéreas, estradas de ferro, entre outros). Se, contudo, há beneficiários em uma ou mais províncias, as leis locais podem ser chamadas à consideração. As autoridades reguladoras procuram ter entendimentos para uniformização. Muitas províncias tinham ou têm listas de investimentos que podem ser feitos. Mais recentemente, alterações nas legislações provinciais desses fundos trocaram estas listas por uma recomendação genérica de "investimentos com padrão de uma pessoa prudente". No caso dos fundos organizados como sociedades, existe o Pension Fund Societies Act (Canadá), que estabelece como fonte efetiva de poderes de gestão o estatuto da sociedade. A legislação federal, de aplicação geral, é o Pension Benefits Standard Act – 1985 (Canadá), que tem regulamentações dele defluentes. A mesma atitude provincial de trocar lista de investimentos possíveis por regime atado a um padrão prudente de investimentos ocorreu na área federal e as autoridades publicaram interpretação de que o uso de futuros e opções por certas entidades reguladas federalmente, inclusive fundos de pensão, deve ter propósitos claramente demonstráveis de hedging, e esta mesma interpretação, razoavelmente, deve estender-se a outros tipos de instrumentos de hedge. Províncias canadenses têm suas próprias leis sobre fundos de pensão: Pension Society Act (British Columbia), Pension Benefits Act (Ontario), Supplemental Pension Plans Act (Quebec). Como regra geral, a fonte efetiva de poderes para operar em derivativos são os estatutos e regulamentos do próprio fundo. Há menções a opções de compra ou de venda (cobertas) como parte de estratégias defensivas para adquirir certos investimentos (Alberta). Na província de Quebec, a Seção 169 do Supplemental Pension Plans Act requer de cada comitê de pensão de um fundo a adoção de documento escrito de políticas de aplicação. Detalhe importante é que este documento de políticas de aplicação não precisa ser submetido ou registrado junto às autoridades. Entre os requisitos necessários ao estabelecimento de políticas de investimento estão incluídas: exceto se já não previstas no corpo do plano, regra plano, regras aplicáveis ao uso de cono uso de contratos futuros, opções, warrants de ações, direitos de compra de ações ou outros instrumeros instrumentos financeiros. Assim, os fundos de pensão podem operar com derivativos em Quebec, observadas restrições que possam existir no próprio plano, em termos do plano ou nas políticas de investimento estabelecidas por escrito, em documento de âmbito interno, não-registrável junto às autoridades. Quanto às garantias que possam ser dadas por fundos de pensão, a lei federal não estabelece restrições, desde que os negócios sejam efetivados no curso regular de administração de seus ativos. O imposto de renda estabelece proibição de os fundos de pensão darem garantias para dinheiro tomado emprestado, mas não se refere a outros negócios. Cada plano pode estabelecer regras próprias a respeito, mas se houver restrições, elas devem ser de conhecimento de terceiros, para terem validade como forma de exoneração de responsabilidade. Na Inglaterra, um fundo de pensão não é normalmente uma entidade com personalidade jurídica própria. Os ativos do fundo são alocados a um ou mais trusttees e administrados por um administrador de investimentos apartado, por conta do trusttee. O administrador de investimentos praticará operações de derivativos como um agente do fundo. Os princípios gerais que se aplicam aos unit trusts, em termos de derivativos, aplicam-se aos fundos de pensão. A peculiaridade da lei inglesa é não destacar os fundos de pensão como different animals, em termos de responsabilidade de quem os administra. Os unit trusts são regulados. Os pelo Securities and Investment Board – SIB, de acordo com o Financial Services Act, de 1986. Podem ser autorizados ou não-autorizados, mas se submetem às mesmas regras, quanto a derivativos. Os unit trusts, não têm personalidade jurídica: agem por meio de um trusttee, diretamente, ou de investment manager. Costumam ser trusttees na Inglaterra grandes bancos e instituições, sendo companhias, estão eles também sob o regime de Companies Act. Cada trusttee mantém posições contratuais e investimentos on trust para investidores no unit trust. O poder do trusttee de praticar derivativos decorre dos termos do trust, mas no caso dos unit trusts autorizados, além do documento-base, vigoram regras quanto a poderes estabelecidas pelo SIB (Regulated Schemes Regulations). A maioria dos derivativos pode ser usada pelos unit trusts autorizados com o propósito de gestão eficiente de carteira (efficient portfolio management): redução ou eliminação de risco; redução de custos; melhoria de performance, por intermédio de arbitragem, lançamento coberto de opções ou empréstimos de ações. Seu uso é sempre subordinado ao objetivo geral de investimento declarado no trust. Cada negócio deve ser analisado como economicamente apropriado para reduzir risco ou custo, em função de oscilações setoriais de preços, de taxas de juro ou de bolsas, ou por motivo de uma troca pretendida de exposição a risco ou por motivações atadas a fluxo de caixa de curto prazo. Outros motivos: arbitragem, com resultado certo, ou recepção de prêmios de opções. Todos os negócios efetivados com este propósito de gestão eficiente de carteira devem estar plenamente cobertos por bens do acervo administrado e, sob certas circunstâncias, uma operação de derivativos pode prover esta cobertura para outra operação de derivativos. No Japão, não se observa o uso de derivativos pelos fundos de pensão, apesar de serem instrumentos conceitualmente necessários para hedge, na carteira. Lá os recursos são depositados em bancos fiduciários e os fundos de pensão não têm personalidade jurídica independente. Em termos legais, portanto, há um liame do banco com a administração dos recursos, mas ele se relaciona em nome próprio com terceiros. Daí porque ele poderá realizar operações de hedge, como os swaps, para os fundos administrados. Existe uma enorme demanda de swaps relacionada a essa área, mas algumas indefinições legais sobre o limite das responsabilidades dos bancos, em tais circunstâncias, restringe bastante as hipóteses de seu uso. Aparentemente, no Japão, até 1993, outras formas de derivativos, que não swaps, não eram de largo uso ou demanda, nessa área. d) Companhias Seguradoras Nos EUA, as companhias de seguro têm legislação reguladora tipicamente estadual e, em algumas delas, há restrições, veiculadas por leis que atribuem às leis estaduais cobrir assuntos relativos a investimentos. No entanto, como regra geral, lá se entende que as companhias de seguros têm capacidade para operar com derivativos ou, especialmente com swaps, em função de poderes genéricos que têm para celebrar contratos, não se tratando de assunto relativo a investimentos. Não obstante, como dito, algumas legislações estaduais aí imiscuem-se, por meio de leis sobre investimentos. A importância dos derivativos para as companhias seguradoras, nos Estados Unidos, é realçada pelo trabalho da National Association of Insurance Commissioners – NAIC cujo grupo de reguladores estaduais sobre leis de investimento (Model Investment Law Working Group) de estava finalizando, em 1993, uma Model Investment Law, preparada por equipe especial de pesquisa, para prover autorização expressa a companhias de seguros de vida, de saúde, de bens e de acidentes de operar como usuários finais, em operações de bolsa e de balcão com derivativos. Algumas limitações eram previstas em relação a usos de derivativos permissíveis, em relação ao crédito de contrapartes e de bolsas, e com respeito à extensão com que seriam utilizáveis opções, caps, floors, collars, swaps, operações futuras e a termo. Esses trabalhos devem ter sido concluídos em fins de 1994. No Canadá, o Insurance Companies Act, de 1º/06/1992, tornou induvidoso que as companhias de seguros podem celebrar contratos e derivativos (lei federal). Para efeitos internos, as seguradoras devem adotar padrões prudentes em seus negócios, mas esta orientação não é oponível a terceiros de boa-fé que com elas contratarem. O Office of the Superintendent of Financial Institutions – OSFI, que supervisiona as instituições financeiras federais (inclusive seguradoras), não considera futuros e opções como investimentos, mas julga que, em relação a eles, o comportamento das seguradoras deve ser o mesmo que em relação a investimentos e empréstimos de instituições financeiras (padrão de pessoa prudente). As normas provinciais não afetam a capacidade das seguradoras, havendo apenas incerteza nas províncias de Alberta e Quebec. As maiores incertezas, nas leis canadenses, referem-se à possibilidade de as companhias seguradoras oferecerem bens em garantia. Na Inglaterra, as companhias de seguros mais antigas, sobretudo as de seguro de vida, obtiveram autorização para funcionar por atos especiais do Parlamento. Atualmente a maioria delas se organiza sob a forma de companhias, estando sob o regime do Companies Act de 1985. Dessa forma, terceiros podem com elas contratar regularmente derivativos sem o receio de qualquer limitação vinculada ao problema de ultra vires ou de falta de aptidão de seus representantes legais para assumir compromissos (desde que não haja restrições em documentos de conhecimento da outra parte). Para aquelas autorizadas pelo Parlamento, é preciso estudar com cautela o ato autorizativo. Em relação à economia interna da companhia seguradora, as normas reguladoras estão no Insurance Companies Act, de 1982, e há possibilidade de interpretações restritivas. A Seção 16 declara que a seguradora não deve ser parte de atividades que não estejam em conexão com o negócio de seguros ou para os propósitos a eles apropriados. Tem-se concluído que o lançamento de opções não é um negócio relacionado. Investir seria relacionado, mas, neste caso, recebimento certo de um prêmio, em troca de assumir uma obrigação não de seguro, estaria fora das regras. Investir em derivativos também é visto como uma forma de obter e proteger retornos para a carteira, o que é considerado lícito. A França considera que as negociações com derivativos não estão vedadas pelas suas leis. A capacidade de as seguradoras operarem com derivativos é a mesma de outras empresas, não-reguladas. Há entendimentos administrativos de que o uso de derivativos para objetivos especulativos estaria fora do espírito dos regulamentos, mas, objetivamente, não há regras específicas, a respeito, no código de seguros. O volume de operações, contudo, não pode comprometer sua margem de solvência, pois a Commission de Contrôle des Assurances poderia determinar novos aportes de capital e desengajamento de tais operações. Só podem as seguradoras operar como usuários finais, para a gestão de seus recursos, e não como intermediários. O uso de derivativos, contudo, na França, tal como ocorreria no Brasil, acaba constrito por outras regras relacionadas à cobertura de reservas técnicas por meio de elenco de ativos específicos, às normas sobre moedas, sobre constituição de reservas contra a depreciação e sobre garantias. A esperança dos franceses é que regras da comunidade européia sobre certos tipos de seguros resultem em maior uso de derivativos, já que elas contemplam expressamente a redução do risco dos investimentos e a gestão eficiente da carteira como propósitos possíveis. Essas normas, contudo, sujeitam-se à ratificação de lei francesa, com emendas ao código de seguros. Essas emendas teriam de abranger não só os objetivos possíveis de uso de derivativos como as formas e métodos de cobrir as reservas técnicas. A lei de supervisão de seguros (VAG), na Alemanha, prevê que as seguradoras, tanto de caráter público quanto privado, só podem celebrar contratos de seguros e outros que sejam a eles diretamente relacionados. [Seção 7 (2), item 1]. Na mesma seção, item 2, o Versicherungsaufsichtsgesetz – VAG diz que contratos futuros e contratos envolvendo opções e instrumentos financeiros comparáveis são considerados relacionados, desde que se destinem a hedge de moedas e de flutuações de taxas de juro de ativos existentes ou de futura aquisição de títulos ou, então, se retorno adicional é gerado em relação a títulos existentes, a não ser que uma obrigação qualquer de entrega venha a resultar em déficit de ativos comprometidos. O não-cumprimento dessas normas não invalida negócios realizados por seguradoras privadas, mas sujeita a companhia a medidas administrativas das autoridades supervisoras. Nas seguradoras públicas, há a determinação do objetivo dos contratos de derivativos na lei e nos estatutos respectivos. Sua violação torna os contratos nulos. A lei japonesa dos negócios de seguros diz quais são os tipos de negócios em que as seguradoras podem entrar. Embora não haja previsão específica em orientações ministeriais, por se tratar de um negócio novo na praça, concluem os advogados japoneses que as seguradoras só podem contratar swaps em conexão com a gestão de seu ativo, considerando altamente improvável que as cortes considerem tais contratos nulos, por esta interpretação extensiva. Argumentos contrários seriam o de que investimento e hedging não se confundem. Contudo, em face dos enormes portfolios das seguradoras, elas têm criado uma situação de fato em que têm contratado crescentemente swaps com residentes no Japão (em iene) e swaps de moedas e/ou taxas de juro com bancos autorizados a operar em moeda estrangeira, como parte da gestão de seus ativos. Julgam os advogados que mesmo swaps de valores mobiliários seriam válidos, com propósito de hedge. Provavelmente, as seguradoras japonesas estão entrando também em opções de mercadorias e metais preciosos, em conexão com suas próprias posições em bonds ligados a esses subjacentes. A posição das autoridades não é totalmente clara, até o momento, como é peculiar no Japão, mas elas não proibiram tais negócios, embora tenham completa consciência de que as seguradoras estão operando com swaps. Há, até, tendência de operar com swaps por outras razões que não as exclusivas de hedge. e) Fundos Mútuos ou Sociedades de Investimento: Algumas Referências Externas Nos Estados Unidos, os fundos de investimento com oferta pública devem ser registrados na Securities and Exchange Commission (Securities Act – 1933 e Investment Company Act – 1940). Os prospectos devem identificar os objetivos do fundo para os acionistas e a maneira pela qual o fundo pretende atingir seus objetivos, incluindo as práticas operacionais que adotará. Aí se incluem as previsões quanto ao uso de futuros e opções. Se os investidores o solicitarem, deverão ser dadas informações mais detalhadas. Quaisquer alterações nas políticas fundamentais de investimento são proibidas, exceto se autorizadas por votação majoritária dos acionistas (participantes). Como são produtos relativamente novos, se o fundo desejar operar pela primeira vez com futuros e opções, deve, primeiro, procurar obter aprovação dos acionistas com procurações e autorizações obtidas na forma das normas SEC. Obtendo sucesso, poderá efetivar a alteração formal com a menção expressa da nova estratégia de investimento e de seus exatos objetivos. A etapa seguinte é conseguir as necessárias liberações da SEC e da CFTC. Há um problema para os fundos, pois o Investment Act de 1940 proíbe aos fundos a assunção de obrigações que representem dívidas (senior security). Essa proibição destina-se a evitar que o fundo assuma débitos privilegiados [Section 18 (f)]. A SEC inicialmente reagiu à idéia de que os fundos pudessem estabelecer contas de margem de garantia, sob o argumento de que estes seriam pagamentos preferenciais. Posteriormente, utilizando uma faculdade da própria lei [Section 6 (c)], a SEC concordou em permitir, formalmente, aos fundos que o solicitassem, operar com futuros e opções sob certas condições: o objetivo das operações não seria especulativo e seriam previstas limitações percentuais. Esses limites seriam sobre o montante de ativos utilizados como referenciais do hedge, ou usados para compensar ou cobrir posições nos mercados futuros e de opções, e sobre o montante global de margem inicial ou de prêmios pagos. A razão de fundo do SEC foi de que os futuros e opções seriam utilizados para reduzir os riscos de perda do fundo e, portanto, não contrariavam os propósitos da Seção 18 do Investment Act – 1944. Algumas regras sobre custódia de valores também trouxeram necessidade de atendimento conjunto de normas da SEC e da CFTC, estas em relação aos Futures Commission Merchants – FCM. Esses FCMs devem ter direito absoluto de liquidar posições em aberto numa conta que entre em déficit e, também, de retirar fundos da conta, por simples pedido, se certas condições ocorrem. Já a SEC, em relação a fundos que estejam custodiados com terceiros (bancos, corretoras de bolsas), permite que a entidade custodiante libere ativos para o FCM se um compromisso não foi honrado e se o fundo prontamente retira os ativos que não são mais necessários para margem. O fundo pode, ele próprio, realizar a custódia dos bens integrantes do ativo da carteira. Para que o fundo também não se enquadre como um Commodity Pool Operator – CPO, sujeito a regras especiais de registro e informações da CFTC, ele deve preencher um documento de desenquadramento junto à CFTC e à National Futures Association, em que o fundo se compromete a usar futuros e opções em commodities só para propósitos de hedge de boa-fé ou, então, que posições compradoras observarão certos limites que relacionem o valor dos subjacentes a disponibilidades. Outro limite é que o valor agregado de margens e prêmios não deve exceder a 5% do valor de mercado dos ativos do fundo, além de compromissos outros tendentes a descaracterizar exercício profissional de intermediação em contratos de futuros e opções. As leis federais não excluem a aplicação de leis estaduais de valores (blue sky laws), e algumas delas fazem restrições a ou proíbem o uso de derivativos por fundos em sua jurisdição. O estado da Califórnia restringia os lançamentos de opções de compra a 25% do patrimônio líquido do fundo e os estados de Indiana, Michigan, Minnesota, Missouri e Wisconsin proibiam mais de 5% dos ativos totais em opções e qualquer aplicação em futuros de commodities. Mais recentemente, contudo, muitos estados aboliram as restrições existentes, dada a extraordinária evolução dos mercados. Algumas autoridades estaduais concedem isenções ou waivers, ante solicitação. Na França, os principais veículos de investimentos coletivos, reunidos sob uma denominação genérica de Organismes de Placement Collectifs en Valeurs Mobilières – OPCVM, são: – Sociétes d’Investissement à Capital Variable – SICAV; – Fonds Communs de Placements – FCP; – Fonds Communs de Créance – FCC. A Lei n. 88 – 1201, de 23/12/88, subordina todos os OPCVM, além de ter criado os FCC. (A Lei n. 79-12, de 3/1/79, tratava dos SICAV e a Lei n. 79/594, de 13/7/97, tratava dos FCP sendo derrogadas, com exceção de alguns artigos. Outros documentos normativos se seguiram para o OPCVM: – Decreto n. 89 – 623 e 89 – 624, de 6/9/89; – Regulamento COB n. 89 – 02, de 28/9/89; – Instrução COB de 30/09/89 e 20/12/91; – Lei n. 89 – 531, de 2/8/89, sobre transparência dos mercados. O art. 28 da primeira lei citada, Lei n. 88 – 1201, permite aos OPCVM operar na compra e venda nos mercados a termo (marchés à terme) regulamentados, que, na França, compreendem as bolsas de futuros. A condição é que tal faculdade esteja prevista nos estatutos. No Decreto n. 89 – 624, as operações possíveis são as de futuros e opções, negociadas em mercados regulamentados, bem como swaps de juros, de divisas, de dividendos e de variações de índices. Permaneceu alguma dúvida sobre opções de balcão, mas, pelo menos em relação a caps, floors e collars, a COB interpretou que os e os podem com eles operar, já que, para ela, esses negócios constituem de swap (1982). O limite agregado de prêmios de opções, do valor das operações de futuros em aberto de swaps não pode exceder a uma vez o valor do ativo do fundo. Os fundos que se organizem especialmente para operar em certos mercados a termo regulados (Fonds Commun d’Intervention sur les Marchés à Terme, excepcionam-se deste limite. Os swaps são calculados pelo valor presente dos pagamentos futuros líquidos. Em março de 1933, também os FCC foram autorizados, pelo Decreto n. 93 – 589, a celebrar contratos de swaps de taxas de juro, em circunstâncias limitadas (casamento de fluxos de caixa ativos com passivos). Uma condição interessante é que os SICAV ou FCP só podem entrar em swaps quando lhes seja facultado resilir o contrato a qualquer tempo. A instituição deve, portanto, oferecer aos fundos cotações de saída periodicamente. Quanto aos caps, floors, collars, a COB requer que os contratos sejam vazados nos termos dos contratos padronizados (contrats-cadre) da Association Française de Banques – AFB, o que é normalmente seguido em relação aos swaps, em geral (contratos de 1988). Os SICAV e FCP não têm regras que obriguem a operar exclusivamente para propósitos de hedge, mas os FCP usados como fundos de pensão de empregados (FCP d’Entreprise) estão adstritos a essa regra. Para uma contraparte, é necessário sempre consultar os documentos constitutivos e regulamento para averiguar se o OPCVM pode operar com derivativos. Só instituições financeiras francesas e companhias de seguro francesas podem ser contrapartes dos SICAV, FCP e FCC em derivativos. Como já visto, a Lei n. 93 – 1444, de 31/12/93, expressamente considerou válidos os pagamentos por diferença e considerou-os aplicáveis também nos casos de redressement judiciaire (falência, concordata), o que constituiu elemento adicional de segurança para os administradores de OPCVM. CONCLUSÃO A matéria de derivativos experimentou notável evolução legislativa e regulamentar, em importantes países pesquisados, a par de assentamento de práticas negociais da espécie, tipicamente globais, em jurisdições de menor flexibilidade na formalização de novas regras. Alterações ocorridas tiveram uma característica freqüentemente liberatória, propiciando porto seguro para as operações, por agentes economicamente capacitados. A flexibilização da excessiva segmentação de províncias regulamentares fez ampliar, até o momento, os mercados de bolsa e de negociações privadas, tendo trazido benefícios recíprocos, em termos de aumento e atendimento de demanda, em ambos. Tanto o Estado legiferante quanto o Executivo têm apoiado as iniciativas criativas de seus agentes econômicos e procurado garantir-lhes competitividade, em termos globais. O mercado de derivativos é reconhecido como de extraordinária importância para administração de riscos. Riscos importantes que ele próprio possa representar dizem respeito aos que nele operam com objetivo de assumi-los, ou sem conhecimento de seu modus operandi. v- DIAGRAMAS PRODER 3 FUTURES X FORWARDS · PADRONIZADOS - tipo de contrato - tamanho do contrato (trade unit) NÃO-PADRONIZADOS - condições - produto subjacente - variável: o preço · FUNGÍVEIS · NEGOCIADOS EM BOLSA · (público pregão) NEGOCIADOS PRIVADAMENTE (balcão) · NEGOCIAÇÃOS “ANÔNIMOS” CONTRAPARTE - CONTRAPARTE EFETIVA É A CLEARING · NEGÓCIOS DIRETOS COM · NEGÓCIO ENTRE PARTES - Para comprar - Para vender - Para sair · RESTRIÇÕES QUANTO AO MONTANTE DE CONTRATOS POR PARTE: - MONTANTE LIVREMENTE AVENÇADO QUANTO À FLUTUAÇÃO DE PREÇOS - FLUTUAÇÃO LIVRE DE PREÇOS · · LIQUIDAÇÃO · LIQUIDAÇÃO - FÍSICA (entrega)- - FÍSICA (entrega) (+) - POR DIFERENÇA (+) - POR DIFERENÇA (raro) - CLEARING GARANTE - ENTRE PARTES, DIRETAMENTE GARANTIAS · GARANTIAS - Estabelecidas pela clearing - Estabelecidas e administradas pelas administradas por ela.partes. partes - MARGEM ajustada em função de -RISCO DO NEGÓCIO PREVALECE ajustes diários EXEMPLOS DE DERIVATIVOS TENDO COMO REFERENCIAIS VALORES MOBILIÁRIOS, OU ENTÃO, ELES PRÓPRIOS CONSIDERADOS VALORES MOBILIÁRIOS: OPÇÕES BURSÁTEIS SOBRE AÇÕES (padronizadas); OPÇÕES NÃO-PADRONIZADAS SOBRE AÇÕES DE CIAS. ABERTAS (WARRANTS-Instr. CVM 223/94); OPÇÕES NÃO-PADRONIZADAS SOBRE DEBÊNTURES CONVERSÍVEIS EM AÇÕES OU SOBRE NOTAS PROMISSÓRIAS REGISTRADAS PARA DISTRIBUIÇÃO PÚBLICA (WARRANTS), (Instr. CVM 223/94); TÍTULOS CONVERSÍVEIS EM AÇÕES OU OPÇÕES DE COMPRA DE AÇÕES DE EMISSÃO OU PROPRIEDADE DE EMPRESA OU INSTITUIÇÃO NO BRASIL, PARA COLOCAÇÃO NO EXTERIOR (Circular 2199/92 do BC); CERTIFICADO DE DEPÓSITO DE VALORES MOBILIÁRIOS; DEPOSITARY RECEIPTS (certificados representativos de ações, de outros valores mobiliários repres. de direitos a ações de companhias abertas brasileiras, emitidos por instituição depositária no exterior (custódia no Brasil) (Res. 1927/92-investimentos estrangeiros no Brasil); BDRs - BRAZILIAN DEPOSITARY RECEIPTS - (certificado de depósito de valores mobiliários de emissão de cia. aberta com sede no exterior, ali custodiados, com instituição depositária no Brasil. Res. 2318/96 - Investimentos de brasileiros no exterior); FUTUROS DE ÍNDICES DE BOLSA; OPÇÕES SOBRE FUTURO DE ÍNDICES DE BOLSA; BÔNUS DE SUBSCRIÇÃO; DIREITOS DE SUBSCRIÇÃO; RECIBOS DE SUBSCRIÇÃO; DEBÊNTURES CONVERSÍVEIS EM AÇÕES (VALORES NUMA DEBÊNTURE CONVERSÍVEL EM AÇÕES: • VALOR COMO RENDA FIXA, VALOR DE CONVERSÃO (OU VALOR DE FÓRMULA, VALOR DE MERCADO). OPÇÕES - Exemplos de negociação ampla entre partes, que foram adquirindo feições comuns ou conhecidas: - zero premium options: negociação de opções não padronizadas com repartição de benefícios entre as partes, de molde a proporcionar um prêmio zero. - Trigger options: investidor só paga o prêmio se a opção chegar ao vencimento in-the-money, ou seja, com exercício vantajoso intrinsecamente (preço, às vezes, o dobro das demais). - Multi-Asset Options: riscos de vários ativos ao mesmo tempo. · options on portfolio, basket options: opções sobre um conjunto de moedas, (faturamento em diversas moedas), ao invés de sobre cada uma delas; · spread options: pagamentos e recebimentos em diversas moedas. O item protegido é um diferencial geral das cestas de moedas; · "Quanto": opção de ações pela qual a taxa de câmbio era garantida (investimentos no exterior). - Lookback options: opção pela taxa ou preço mais baixo de um período transato (Custo mais alto). - Barrier options (discontinuous) - (knockouts): sõ são ativadas ou são extintas se atingido determinado nível de preços: up and out: acima do preço: cancelada up and in: acima do preço: ativada down and out: abaixo do preço: cancelada down and in: abaixo do preço: ativada - Compound option (multistep): opção de entrar num contrato de opção (transferência de controle, situações muito especiais). - Ladder, forward start, clicquet options: são opções, embutidas em títulos de dívida, que possibilitam ao investidor beneficiar-se de crescimento de um índice, ou relação, no nível de seu rendimento. (PEN: Protected Equity Notes, do Bankers Trust, incorporava rendimento do NIKKEI INDEX (dividendos ou valorização) ao principal, após três anos. Não há retorno, quando há desvalorização. - Digital options (discontinuous): só pode ser exercida se determinado evento ocorrer - Inflating Options: aumentam a vantagem do optante. Podem ser: · power options: têm maior vantagem que as opções lineares do mesmo tipo. · shout options: o investidor tem o poder de fixar o valor mínimo intrínseco da opção. No vencimento, ou recebe este valor mínimo ou exerce a opção (valor mínimo estabelecido por ele no shouting time) - Chooser option (multistep decision): o portador, após certo tempo, escolha se compra uma opção de compra (call) ou uma opção de venda (put) - Installment option (multistep decision): opção paga a prestações, com direito a desistência - Participating option: contém formas de participação na vantagem, mediante condições - Asian Options: opção de conteúdo variável. Dada uma determinada razão de conversão, ela vai sendo alterada com o fluxo de pagamentos da opção. Reduz-se o prêmio, normalmente. Opções baseadas em médias. Variações: Stochastic Options. MODALIDADES ATIVOS/ REFERENCIAIS Ações (Cias. Abertas) SPOT SPOT FUTURO TERMO TERMO OPÇÃO OPÇÃO SWAP SWAP BOLSA BALCÃO (BOLSA) BOLSA BALCÃO BOLSA BALCÃO BOLSA BALCÃO h h h h h (coberturas) Opções sobre Opções flexíveis swaps Bolsa (balcão) Debêntures simples conversíveis, commercial papers h h Ouro h h Ouro Cambial h h(1) h h(1) (coberturas) h h(4) h h h h h h h h Ibovespa (índice de bolsa) h Dólar Comercial h h Dólar flutuante h h(2) h h h h h h D.I. - 1 dia h h(2) h h h D. I. - 30 dias h h h h Taxa referencial h h h h Taxa-pré (fixado) h h h h Índice IGPM h h h h Taxa Selic h h h h Boi gordo (cambial) h h (4) Bezerro (cambial) h h (1) (4) Algodão (cmabial) h h (1) (4) Soja (cambial) h h (1) Café Arábica (cambial) h h (1) Café Robusta h h (1) h (1) Produtos; Mercadorias; serviços; energia elétrica (3) Contrato/títulos h(2) (1) (1) Sem previsão regulamentar direta - (2) Opções sobre futuros (Bolsa) - (3) Restrição e companhias estataris - (4) Em desuso ou pouco uso PROVIMENTOS ANTECIPATÓRIOS E PRIVATIZAÇÕES VALÉRIA MEDEIROS DE ALBUQUERQUE: Juíza Federal da 9ª Vara, Seção Judiciária do Rio de Janeiro. No dizer de Carnelutti: Processo é vida, mas também porquanto, tendendo o processo a atingir o seu fim moral com a máxima presteza, a demora na sua conclusão é sempre detrimental, máxime quando se cuida de evitar os empeços à sua própria eficácia na atuação do direito objetivo. Os processualistas preocupam-se com a efetividade do processo e ao tratarmos desse assunto nos deparamos com o problema da rapidez e segurança. Na busca constante da celeridade do processo e na segurança jurídica chegamos aos provimentos antecipatórios. Tentarei com o presente trabalho abordar os tipos de provimentos antecipatórios aplicados, possíveis ou não nas privatizações. Antes, cumpre traçar um perfil da privatização. A Lei n. 8.031, de 12/04/90, revogada pela Lei n. 9.491, de 09/09/97, instituiu o Programa Nacional de Desestatização, cujas modificações poderão ser feitas por lei, de acordo com a política da Administração a ser seguida, respeitadas as normas da Constituição. Definição de Leilão: Leilão é a modalidade de licitação entre quaisquer interessados para a venda de bens móveis inservíveis para a Administração ou de produtos legalmente apreendidos ou penhorados, a quem oferecer maior lance, igual ou superior ao da avaliação. É a modalidade de licitação consistente também, na alienação de bens móveis ou semoventes ao licitante que oferecer maior lance, igual ou superior ao da avaliação. A antecipação de tutela está prevista no art. 273 do CPC: O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu. A antecipação de tutela do art. 273 do CPC é dada mediante cognição sumária e objetiva, concedida ao requerente, total ou parcialmente. A doutrina tem sido unânime em afirmar que a tutela antecipada dos efeitos da sentença de mérito não é tutela cautelar, já que esta se limita a assegurar o resultado prático do processo ou assegurar a viabilidade da realização do direito pleiteado. O objetivo da antecipação de tutela, ao contrário, é conceder, de forma antecipada, o próprio provimento jurisdicional pleiteado ou seus efeitos. Assim, as medidas cautelares, impropriamente denominadas satisfativas, podem agora ser colocadas em juízo com tutela antecipatória do pedido. O art. 273 do CPC condiciona a antecipação de tutela à prova inequívoca e ao convencimento da verossimilhança da alegação. Assim, seria possível ou não a antecipação de tutela na privatização? Não há nenhuma lei que a proíba, uma vez que o art. 273 não trata especificamente desse assunto, sendo omisso. Assim, em tese, seria possível, desde que preenchidos os requisitos do art. 273 do CPC, isto é, a verossimilhança, conceito de probabilidade e prova suficiente, e o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação. Será muito difícil, quase impossível, provar a verossimilhança para se conceder a antecipação de tutela para vedar uma privatização, uma vez que existe a Lei n. 9.491/97 que autoriza a privatização, não podendo, portanto, haver verossimilhança, uma vez que a antecipação da tutela do art. 273 do CPC — para obstar ou impedir a privatização — não seria possível. Em face do não-preenchimento desse requisito da verossimilhança, tendo em vista que, se a Lei determina a privatização, o juiz não pode dizer que não cabe privatização, por estar adstrito às previsões legais — art. 126 do CPC — princípio da legalidade. O que poderia ser concedido, em sede de antecipação de tutela, desde que preenchidos os requisitos do art. 273, seria a suspensão do leilão para que seja examinado pelo juiz o preenchimento dos requisitos legais para sua convocação e publicação de editais. Nesse sentido, já decidi, não em um processo de conhecimento com pedido de antecipação de tutela, processo este que, aliás, nunca recebi em distribuição na Justiça Federal, mas sim em sede de ação civil pública e ação popular. Ao meditar sobre a possibilidade de interpor um processo de conhecimento para obstar a privatização, chego à conclusão de que o mesmo seria quase impossível, em face do não-preenchimento do art. 273 do CPC e seus requisitos. Analisando também o art. 273, § 3º, do CPC, chega-se à conclusão de que só cabe tutela antecipada nas ações condenatórias, uma vez que só se executa sentença condenatória, não sendo possível a tutela antecipada do art. 273 nas ações ordinárias contra privatizações, pois só cabe tutela antecipada em providência executável. Não cabe, portanto, antecipação de tutela nas privatizações que não são ações condenatórias. Além disso, é muito difícil que a mesma preencha os requisitos do art. 273 do CPC. O juiz pode extinguir o feito sem julgamento do mérito por falta de interesse processual nas ações de conhecimento que pedem antecipação de tutela nas privatizações. Quanto à medida cautelar de natureza garantidora, cautelar ou de mérito, entendo que é possível uma medida cautelar preparatória de ação desconstitutiva do ato que determinou o leilão, com natureza cautelar. Entretanto, no que respeita à medida cautelar na privatização, o Supremo Tribunal Federal já decidiu na Ação Direta de Inconstitucionalidade n.1.066-2, proposta pelo PDT — Partido Democrático Trabalhista, quando foi relator o Ministro Neri da Silveira, publicada no Diário Oficial de 23/06/95, p. 19.550: .......omissis. 4 - Os fundamentos da ação não justificaram a concessão de cautelar, não se caracterizando, também, o periculum in mora. 5 - Se porventura houver processo de privatização de empresa, que se tenha como contrário a lei especial referida ou aos princípios da Constituição, há vias judiciais adequadas, para eventualmente atacar o ato administrativo específico, tal como já sucedeu. Ação conhecida em parte e, nessa parte, indeferida a medida cautelar. Logo, o STF indeferiu a cautelar proposta. Ação civil pública e ação popular: No tocante à privatização o mais normal é que se interponha ação civil pública ou ação popular com natureza cautelar. A ação civil pública, disciplinada pela Lei n. 7.347, de 24/7/85, é o instrumento processual adequado para reprimir ou impedir danos ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, protegendo os interesses difusos da sociedade. O art. 5º da Lei n. 7.347/85 restringiu a legitimidade ativa ao Ministério Público e às pessoas jurídicas estatais, autárquicas e paraestatais, assim como às associações destinadas à proteção do meio ambiente ou à defesa do consumidor para propor a ação civil pública nas condições que especifica no art. 50. Assim, apesar de possível e bastante utilizada, a ação civil pública com pedido de liminar para suspender leilão de privatização tem seu âmbito de atuação restrito, em face do art. 5º da Lei n. 7.347/85, não podendo qualquer cidadão interpor uma ação civil pública. A prioridade do Ministério Público para a propositura da ação e das medidas cautelares supervenientes está implícita na própria Lei, quando estabelece que qualquer pessoa poderá e o servidor público deverá provocar a iniciativa do Ministério Público, ministrando-lhe informações sobre fatos que constituam objeto da ação civil e indicando-lhe os elementos de convicção. O Ministério Público sempre funciona nessa ação como parte ou fiscal da lei. Ação popular: é o meio constitucional posto à disposição de qualquer cidadão para obter a invalidação de atos ou contratos administrativos ou a estes equiparados, ilegais e lesivos ao patrimônio federal, estadual e municipal, ou de suas autarquias, entidades paraestatais e pessoas jurídicas subvencionadas com dinheiro público. Desse modo, com a ação popular, seria possível um pedido de liminar para suspender leilão de privatização, mas sua legitimidade também é restrita, uma vez que uma empresa ou pessoa jurídica não pode interpor ação popular. É regulamentada pela Lei n. 4.717, de 29/05/95, que lhe aplica o rito ordinário com algumas alterações, visando a melhor adequação aos objetivos constitucionais da legalidade administrativa, sendo possível o pedido e concessão da liminar. Trata-se de um instrumento de defesa dos interesses da coletividade, utilizável por qualquer dos seu membros. Por meio desta, não se amparam direitos individuais, mas sim interesses da comunidade. O beneficiário direto e imediato desta ação não é o autor, mas o povo, titular do direito subjetivo. Na forma do art. 5º, § 73, da Constituição Federal, o cidadão promove a ação popular em nome da coletividade. Assim, a ação civil pública constitui, ao lado da ação popular, meio de defesa e proteção do interesse público, devendo este ser provado de plano, ao serem elas interpostas contra processos de privatizações com pedido antecipatório. O CONCEITO DE VALOR MOBILIÁRIO NOS DIREITOS BRASILEIROS E NORTE-AMERICANO OSMAR BRINA CORRÊA LIMA: Professor Titular de Direito Comercial da UFMG e Subprocurador-Geral da República aposentado. 1 ALGUNS DADOS HISTÓRICOS 1.1 Depois de um período de enorme fartura e prosperidade, apenas interrompido por uma espécie de "pequeno contratempo", o país entrou numa fase extremamente difícil. Os fazendeiros atolaram-se em dívidas comprando terras e se viram agrilhoados pelas suas hipotecas. Havia enorme desigualdade na distribuição de renda. Os lucros dos milionários cresceram numa proporção muito maior do que os rendimentos da grande massa da população. O valor dos bens manufaturados subia vertiginosamente, mas os salários aumentavam muito pouco. Os mais ricos aplicavam capitais no exterior. Certo dia, a Bolsa de Valores, que fervilhava, ostentando índices espetaculares, rebentou como uma bolha de sabão. Constatou-se, então, que a prosperidade tinha boa parte dos seus alicerces na areia. Ademais, havia quinze milhões de trabalhadores sem emprego. O preço dos grãos atingiu o nível mais baixo. E o sistema bancário entrou em colapso. Parece familiar? Em novembro de 1932, o Presidente Hoover, concorrendo à reeleição, foi derrotado pelo candidato democrata Franklin Delano Roosevelt. Empossado, Roosevelt passou a introduzir alterações tão radicais na economia norte-americana que, para alguns, elas constituíam pouco menos que uma revolução. Contudo, o Plano por ele implementado visava menos à reforma do que à assistência e à recuperação. O chefe de Estado procurava não somente livrar a nação do pânico, mas também adotar uma nova política econômica: um New Deal, que traria uma vida mais farta à "massa dos homens esquecidos". Os esforços iniciais nesse sentido tomaram a forma de medidas financeiras. Os bancos foram fechados em todo o país por um período de dez dias. Proibiu-se a exportação de ouro e prata. Proibiu-se a acumulação de ouro ou de depósitos desse material no Tesouro. Pouco depois, a nação abandonou oficialmente o padrão-ouro. Roosevelt obteve autorização do Congresso para inflacionar o meio circulante, emitindo três bilhões de dólares em papel-moeda. Como essa medida não deu resultado, reduziu o teor do dólar a 59 centavos. Adotaram-se medidas para eliminar os abusos financeiros. A fim de impedir as epidemias periódicas de falências bancárias, o Congresso criou a Federal Deposit Insurance Corporation, a qual passaria a segurar os depósitos bancários até a quantia de 5.000 dólares. Foram impostas várias restrições ao uso do crédito bancário para fins de especulação. Os bancos comerciais tiveram ordem de se desfazerem dos bancos de títulos a eles filiados. Destinaram-se verbas de bilhões de dólares para a demolição das favelas, o combate à erosão do solo, o reflorestamento, a eletrificação rural, as instituições educativas e profissionais e a construção de estradas de rodagem, escolas, usinas geradoras de energia e hospitais. Os fundos para a execução de muitos desses projetos foram estabelecidos pelo National Industry Recovery Act (Lei de recuperação industrial), de 1933, que visava a desconcentrar o trabalho reduzindo as horas de atividade em cada indústria, mas também se propunha a estimular os negócios, criando assim novos empregos. Instituiu-se a National Recovery Administration, a fim de ajudar os produtores industriais a organizar códigos reguladores da profissão, das horas de trabalho e dos salários em cada uma das várias indústrias, impedindo a concorrência excessiva e a superprodução, capacitando os empresários a perceber um lucro razoável e a pagar salários elevados. A premissa básica subjacente da National Recovery Administration era a de que a economia norte-americana havia alcançado uma fase de maturidade, o problema da produção fora resolvido e que a preocupação dominante para o futuro deveria ser uma distribuição mais eqüitativa do poder aquisitivo entre a grande massa dos cidadãos. Isso não deixa de lembrar a filosofia explicitada por certo Ministro de Estado brasileiro, segundo a qual era preciso "deixar o bolo crescer", para depois reparti-lo. Em 1935, a Suprema Corte norte-americana, por unanimidade, declarou inconstitucional o National Industrial Recovery Act. Os historiadores observam que o fundamento técnico dessa decisão era a delegação do Poder Legislativo a órgãos do Poder Executivo. Mas conjecturam que os deploráveis efeitos da lei no sentido de fortalecer o monopólio contribuíram bastante para determinar a decisão judicial. É que o National Industrial Recovery Act suspendia as leis contra os trustes. Em 1939, após seis anos de New Deal, os rendimentos das classes dos lavradores e dos trabalhadores assalariados haviam aumentado cerca de 100% e eles haviam conquistado um grau de segurança econômica que jamais conheceram antes. Não obstante, os Estados Unidos ainda tinham mais de 9 milhões de trabalhadores sem colocação. Dentro do contexto do New Deal e nele integradas, promulgaram-se duas leis federais norte-americanas visando disciplinar o mercado de capitais e criou-se uma Comissão de Valores Mobiliários (Securities and Exchange Commission) para regular as trocas de mercadorias e ações e eliminar os pools, as vendas fictícias de títulos e outros estratagemas destinados a influenciar os mercados, bem como para fiscalizar a emissão de novos títulos. A lei federal de 1933 procurou disciplinar o mercado primário de valores mobiliários, ou seja, de emissão de novos títulos. A de 1934, o mercado secundário, de revenda, operacionalizado via Bolsas de Valores. Esses dados esparsos da história norte-americana, extraídos, principalmente, do livro História da Civilização Ocidental, de Edward McNall Burns (Porto Alegre: Globo, 1968, vol. II, cap. 28), certamente, lançarão insights proveitosos para a compreensão do que se passou e se passa no Brasil no contexto relacionado com o nosso tema. Conceituados historiadores consignam que tanto a causa da catástrofe de 1939 quanto a avaliação do New Deal ainda desafiam uma explicação perfeitamente satisfatória. 1.2 Não é preciso, e talvez se mostre frustrante, recorrer aos livros para trazermos à baila determinados dados de história mais recente do Brasil. Todos aqui vivenciamos, de uma forma ou de outra, a realidade histórica mais recente da sociedade brasileira: o suicídio de Getúlio Vargas, o período de euforia do Governo JK, a quem devemos esta bela Capital Federal, a renúncia de Jânio Quadros, a deposição de João Goulart e a tomada de poderes pela ditadura militar. Todos presenciamos momentos realmente difíceis, que deixaram marcas indeléveis. Enfatizou-se, a partir de 1964, a preocupação com o crescimento e o desenvolvimento econômicos. Uma preocupação que se manteve e se mantém até hoje, mas que apenas mudou de nome, em algumas circunstâncias. No Governo Sarney, por exemplo, a expressão "desenvolvimento econômico" viu-se substituída por "desenvolvimento social", compondo o chavão "tudo pelo social". Procurou-se planificar a economia, por meio de sucessivos Planos Nacionais de Desenvolvimento Econômico. Não podemos deixar de suspeitar que o New Deal tenha influído, consciente ou inconscientemente, na formulação das políticas de assistência e de recuperação instituídas pelo Governo Federal brasileiro a partir de 1964. O desenvolvimento econômico e, em contrapartida, o desenvolvimento social requerem a aplicação de enorme volume de recursos financeiros. Seria um truísmo afirmar que tais recursos sempre são escassos e que são limitadas as fontes para a sua obtenção. Para obter os recursos financeiros necessários, os governos contam com relativamente poucas alternativas. Uma delas é a inflação. Roosevelt, nos Estados Unidos, e JK, no Brasil, utilizaram-na com eficácia. Mas, no Brasil de 1964, a inflação havia-se tornado praticamente incontrolável, gerando enorme injustiça social. Para tentar fazer face a isto, indexamos a nossa economia. Outra fonte de recursos financeiros para financiar o desenvolvimento econômico decorre dos empréstimos externos, sempre objeto de muito receio e suspeita de que uma crescente dependência econômica acabe por se transformar em dependência política, com ameaça à soberania estatal. Uma terceira fonte de receita é a tributação, que encontra limites óbvios. Restava ainda o que se pode chamar de "autofinanciamento", que pressupõe a reorganização da economia, com a maximização e a otimização dos recursos financeiros existentes dentro do próprio país. Medidas drásticas foram tomadas em todas as áreas, sempre com o objetivo de promover a arrancada para o desenvolvimento econômico. Na seara jurídica, tais medidas se traduziram na promulgação de leis como o Código Tributário Nacional e muitas outras. Dentre estas, e para os objetivos mais específicos do nosso tema, a Lei n. 4.595, de 1964, denominada Lei de Reforma Bancária, que dispõe sobre a Política e as Instituições monetárias, bancárias e creditícias, cria o Conselho Monetário Nacional e dá outras providências e a Lei n. 4.728, de 1965, conhecida como Lei de Mercado de Capitais e que disciplina o mercado de capitais e estabelece medidas para o seu desenvolvimento. Consigno, de passagem, que o Prof. Luiz Alberto Silva, hoje radicado em Brasília, em tese de Doutoramento aprovada pela Faculdade de Direito da UFMG, argüía a inconstitucionalidade da delegação de poderes legislativos ao Conselho Monetário Nacional. Contudo, o Supremo Tribunal Federal não deu pela inconstitucionalidade. Seguiu-se toda uma pletora de leis, decretos-lei e decretos, que, numa perspectiva histórica, revelam a utilização do método do ensaio e erro. Merece especial destaque o Decreto-lei n. 157, que criou fundo de incentivos fiscais para a aplicação nas bolsas de valores. Insinuava-se, com especial relevo, a preocupação com o fortalecimento da empresa privada nacional, espremida entre as empresas públicas e as mistas, que não são genuinamente privadas — de um lado —, e as multinacionais, que não são genuinamente nacionais — de outro. A pletora de diplomas legais acabou por produzir um certo milagre econômico, culminando, no início da década de 70, com enorme volume de negociações nas bolsas de valores do país. Contudo, apesar de todas as medidas de precaução, não conseguimos evitar, ainda no início da década de 70, se repetisse no Brasil, guardadas as devidas proporções, o que ocorrera na bolsa de Nova Iorque em 1939. Assim, sob a égide do II PND, no Governo Geisel, promulgaram-se duas leis importantes: a Lei n. 6.404 e a Lei n. 6.385, ambas de 1976. A primeira é a Lei das Sociedades por Ações. A segunda, a Lei de Mercado de Valores Mobiliários, que dispõe sobre o mercado de valores mobiliários e cria a Comissão de Valores Mobiliários. 1.3 Esses dados históricos, aqui apresentados muito perfunctoriamente, constituem o pano de fundo que facilitará sobremaneira a abordagem do tema específico deste trabalho. Para quem quiser se debruçar mais detidamente sobre os objetivos e a história das leis das Sociedades Anônimas e do Mercado de Valores Mobiliários, sugiro a leitura do meu livro Responsabilidade Civil dos Administradores de Sociedades Anônimas, da Editora Aide, e, do livro Lei das S.A., de Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira, autores intelectuais da Lei n. 6.404, de 1976, publicado pela Editora Renovar. 2 PRESSUPOSTOS E OBJETIVOS DAS LEIS NS. 6.404 E 6.385 Tanto a Lei n. 6.404 quanto a Lei n. 6.385, ambas de 1976, partiram de alguns pressupostos, a meu ver corretos, a seguir enunciados sem muito rigor e sem nenhuma pretensão de exaustão: 1. No mundo moderno, a propriedade imobiliária perdeu muito da sua nobreza; uma empresa, por exemplo, costuma apresentar valor tremendamente superior ao do terreno onde se instala; 2. Num sistema constitucional que, tradicionalmente, consagra os princípios da economia de mercado, da livre iniciativa e da livre concorrência, é preciso fortalecer a empresa privada nacional; 3. Com o fortalecimento da empresa privada nacional pode ocorrer uma socialização das riquezas: o dinheiro nela aplicado pelos investidores do mercado é redistribuído periodicamente sob a forma de dividendos; 4. O fortalecimento da empresa privada nacional não pode prescindir da confiança depositada pelos investidores na lisura do mercado de valores mobiliários; 5. Para que os investidores se sintam encorajados a investir as suas poupanças na empresa privada nacional via mercado de capitais, é preciso que eles se sintam minimamente protegidos em seus direitos; 6. Tratando-se de um mercado muito sofisticado e vulnerável a fraudes, é necessário que um órgão governamental se incumba de discipliná-lo, fiscalizá-lo e punir os infratores. Quanto à Lei n. 6.385, particularmente, (1) criou ela a Comissão de Valores Mobiliários, à imagem e semelhança da Securities and Exchange Commission norte-americana, dotando-a de personalidade jurídica própria, sob a forma de autarquia federal; (2) delimitou o seu campo de atuação, no art. 1º; (3) fixou com clareza os seus objetivos; (4) estabeleceu o seu rol de competência, no art. 18; e (5) no art. 30, atribuiu à CVM a importante função processual de amicus curiae, nos processos judiciais que tenham por objeto matéria incluída no seu rol de competência. No rol de competência do art. 18, tem-se que: art. 18 - Compete à Comissão de Valores Mobiliários: (...) II - definir: (...) b) a configuração de condições artificiais de demanda, oferta ou preço de valores mobiliários, ou de manipulação de preço; operações fraudulentas e práticas não eqüitativas na intermediação de valores; A CVM usando dessa competência, formulou as definições com a Instrução n. 8, de 8 de outubro de 1979. Em mandado de segurança impetrado contra o Presidente da Comissão de Valores Mobiliários na Justiça Federal do Rio de Janeiro, o impetrante defendeu a tese da inconstitucionalidade dessa atribuição de competência à Comissão de Valores Mobiliários, argumentando que ela fere o princípio da reserva legal (nullum crimen, nulla poena sine lege), uma tese com da qual discordo inteiramente. Aliás, consta daqueles autos parecer do ilustre jurista Caio Tácito, que também conclui pela constitucionalidade. 3 O CONCEITO DE VALORES MOBILIÁRIOS NO DIREITO BRASILEIRO A Lei n. 6.385 definiu os valores mobiliários com precisão quase cirúrgica, no seu art. 2º, caput: art. 2º São valores mobiliários sujeitos ao regime desta lei: I - as ações, partes beneficiárias, debêntures, os cupões desses títulos e os bônus de subscrição; II - os certificados de depósito de valores mobiliários; III - outros títulos criados ou emitidos pelas sociedades anônimas, a critério do Conselho Monetário Nacional. Depois de definir os valores mobiliários no caput do art. 2º, a lei, no parágrafo único desse mesmo artigo, explicita os títulos excluídos do conceito de valor mobiliário: Parágrafo único. Excluem-se do regime desta Lei: I - os títulos da dívida pública federal, estadual ou municipal; II - os títulos cambiais de responsabilidade de instituição financeira, exceto as debêntures. Com base na abertura a ele concedida pelo inc. III do art. 2º da Lei n. 6.385, o Conselho Monetário Nacional resolveu considerar como valor mobiliário à nota promissória emitida por sociedade por ações, destinada à oferta pública — os commercial papers —, excetuando apenas aquelas emitidas por instituições financeiras, sociedades corretoras e distribuidoras de valores mobiliários e sociedades de arrendamento mercantil (Resolução n. 1.723, de 27 de junho de 1990, do Banco Central). Posteriormente, também passou a considerar valores mobiliários: I - Direitos de Subscrição de Valores Mobiliários; II - Recibos de Subscrição de Valores Mobiliários; III - Opções de Valores Mobiliários; e IV - Certificados de Depósitos de Ações. (Resolução n. 1.907, de 26 de fevereiro de 1992, do Banco Central do Brasil). Uma leitura atenta dos dispositivos legais citados nos permite classificar os valores mobiliários em duas categorias principais. Grosso modo, alguns deles caracterizam-se como verdadeiros títulos de crédito propriamente ditos, correspondendo ao conceito de debt do Direito norte-americano. Outros, como títulos de crédito impropriamente ditos, correspondendo ao conceito de equity do Direito norte-americano. São títulos de legitimação. Vou tentar sistematizar um pouco melhor essa classificação. 1. Em primeiro lugar, temos os valores mobiliários que se caracterizam como títulos de crédito propriamente ditos e incondicionados contra a companhia. Nessa categoria, arrolamos as debêntures. Existem várias modalidades de debêntures, quanto à garantia, mas, no vencimento, todas elas se tornam títulos de dívida líquida, certa e exigível, dotado de força executiva. 2. Em segundo lugar, temos aqueles valores mobiliários que se caracterizam como títulos de crédito propriamente ditos, mas condicionados. Nessa categoria inserimos as partes beneficiárias. Seus titulares fazem jus a uma participação nos lucros da companhia. Como se percebe, o crédito condiciona-se à existência de lucros. 3. Finalmente, encontramos alguns valores mobiliários que atribuem aos seus titulares não um crédito contra a companhia, mas um direito, como, por exemplo, os bônus de subscrição, os direitos de subscrição de valores mobiliários e as ações. Quanto às ações, o direito de crédito contra a companhia só surge quando ela, tendo dado lucros, delibera a sua distribuição em assembléia-geral. É compulsória a distribuição do dividendo obrigatório quando a companhia gera lucros num determinado exercício. Essa tentativa classificatória não é perfeita e, na prática, a precisão conceitual costuma ficar comprometida. Tornou-se comum, por exemplo, a emissão de partes beneficiárias a título oneroso, com todas as características de debêntures, o que, a meu ver, torna compulsório o resgate com pagamento da quantia investida, por ocasião do seu vencimento. A norma da Lei n. 6.404, de 1976, e a Resolução n. 1.907, do Banco Central do Brasil, permitem-nos ainda uma segunda classificação. Existem valores mobiliários corpóreos ou corporificáveis, como a notas promissórias comerciais, e outros incorpóreos, como, por exemplo, as ações escriturais e os direitos de subscrição de valores mobiliários. Com a exposição do Prof. Carlos Alberto Rohrmann, ter-se-á uma notícia atualizada sobre os recentíssimos estudos em andamento a respeito da problemática da negociação de valores mobiliários por intermédio da Internet. Curiosamente, só na década de 60 e, principalmente, na de 70, os demais países do mundo parecem ter começado a demonstrar curiosidade sobre a legislação norte-americana sobre mercado de valores mobiliários. Em meados da década de 70, quando fazia o meu Mestrado numa Universidade norte-americana, tive colegas da França, da Alemanha, da Holanda, do Japão, da China, da Coréia e da Venezuela, que, como eu, demonstravam especial interesse em conhecer e estudar aquele setor da legislação. Observem que a COB — Commission des Opérations de Bourse — foi instituída, na França, pela Ordonnance 67-833, de 28 de setembro de 1967, e a CONSOB italiana, pela Lei n. 216 de 1974. 4 O CONCEITO DE VALORES MOBILIÁRIOS NO DIREITO NORTE-AMERICANO Como já vimos, a sofisticada legislação norte-americana sobre o mercado de valores mobiliários teve início com duas leis federais, promulgadas em 1933 e 1934. A lei federal norte-americana de 1934, considerada "frouxa" pela quase unanimidade da doutrina naquele país, praticamente se contentava com a exigência de uma full disclosure (ampla e precisa informação aos investidores do mercado). Segundo alguns estudiosos, assegurada essa ampla e precisa informação, o investidor tinha o direito de fazer dele mesmo um idiota. Contudo, essa frouxidão viu-se compensada pelo rigor das chamadas blue sky laws, promulgadas por diversos Estados federados daquele país. Tais leis punem rigorosamente aqueles que, com fraude e engodo, prometem ao investidor um maravilhoso, mas ilusório, céu azul. De 1934 até os dias atuais, desenvolveu-se uma miríade de normas regulamentadoras do mercado de valores mobiliários norte-americano, promanadas da Securities and Exchange Commission federal e das Securities Commissions dos 50 Estados federados, dos Distritos de Colúmbia e de Porto Rico, bem como da National Association of Securities Dealers. Trata-se de um plexo de normas bastante complexo e sofisticado, verdadeira delícia e tormento para os advogados norte-americanos. Um movimento, que já encontrou ressonância no Estado do Texas, com o Capital Markets Deregulation and Liberalization, de 1995, vem-se formando no sentido de abolir as blue sky laws estaduais. Contudo, existe uma resistência muito grande a esse movimento por parte de Estados que temem um decréscimo na sua arrecadação. A Seção 3 do Securities and Exchange Act de 1934, destinada a definições, no seu n. 10, define o que se deve entender por valores mobiliários (securities). Embora o faça de maneira bem extensa e analítica, não possui a precisão quase cirúrgica da lei brasileira, mesmo porque as diversas definições contidas na Seção 3 são precedidas da seguinte ressalva: a menos que o contexto requeira algo mais (unless the context otherwise requires). Paralelamente a essa definição da lei federal, cada uma das blue sky laws estaduais também apresenta uma definição própria. E embora todas elas sejam parecidas no atacado, no varejo apresentam diferenças sensíveis. A pedra fundamental, o alicerce ou norma pétrea de toda o disciplinamento jurídico do mercado de valores mobiliários norte-americano encontra-se na Seção 10b-5 e na Regra 10b-5. Esses textos, conhecidos como "dispositivos Anti-Fraude" da Lei de 1934, são extensos, analíticos, e se viram mais pormenorizados ainda no decorrer do tempo. De maneira resumida, pode-se afirmar que eles visam, basicamente, evitar comportamentos de insider trading, de manipulação do mercado e, fraudes em ofertas públicas de ações, em alienações e tomadas de controle e nas negociações com os investidores. 5 OS CONCEITOS DE VALORES MOBILIÁRIOS NOS DIREITOS BRASILEIRO E NORTEAMERICANO Embora o método do direito comparado que, a meu ver, valida o Direito como ciência, pudesse ajudar enormemente para se analisar com maior precisão as semelhanças e as diferenças dos Direitos brasileiro e norte-americano na conceituação de valores mobiliários, tentando lapidar alguma definição mais universal, penso que a maior preocupação deve ser outra. A meu ver, mais importante seria uma consideração de ordem sociológica, que diz respeito à hermenêutica jurídica. Nos países ligados ao sistema romano-germânico de Direito, com tradição mais arraigada de codificação, nota-se acentuada tendência para uma interpretação mais literal e formal da norma jurídica, embora a Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro (Decreto-lei n. 4.657, de 1942), no art. 5º, disponha que na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum, e o art. 85 do Código Civil reze que nas declarações de vontade se atenderá mais à sua intenção que ao sentido literal da linguagem. Já nos países vinculados ao sistema anglo-americano da common law, existe certa tendência predominante no sentido de se buscar sempre o princípio jurídico que se esconde por detrás das regras escritas — codificadas ou não. Parece que o estigma do pragmatismo imprimido pelos filósofos norte-americanos naquela sociedade se reflete com intensidade no trabalho dos tribunais que, sempre muito apegados à análise dos fatos, aparentemente estão sempre a se perguntar: que princípio geral do direito se aplica e funcionará neste contexto fático específico, para que seja atingida a justiça buscada pelo Direito? Como conseqüência dessa diferença sociológica, pode-se constatar e prever que os administradores e intérpretes da Lei de Mercado de Valores Mobiliários brasileira tendem e tenderão a dar uma interpretação mais literal, estrita, restrita e não-extensiva ao conceito de valores mobiliários. 6 A JURISPRUDÊNCIA NORTE-AMERICANA SOBRE O MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS Devido ao tempo decorrido desde o início da década de 30, as diversas Cortes norte-americanas já tiveram oportunidade de construir extensa jurisprudência sobre o direito dos valores mobiliários. A sua orientação fixou-se no sentido de que, nesta seara, devido ao interesse público envolvido, os agentes do mercado de valores mobiliários se acham jungidos a um padrão maior de diligência do que aquele exigido da pessoa comum. Os tribunais norte-americanos — talvez pela pluralidade de leis e de conceitos — também já produziram um trabalho intenso no sentido de lapidar a definição de valor mobiliário. Nota-se certa tendência ampliativa do conceito. Em muitos casos concretos julgados pelas Cortes americanas, elas, depois analisarem cuidadosamente os fatos, formulam um teste para verificar se o título, a operação, a negociação ou o esquema questionados se caracterizam como security. Esses testes costumam variar no tempo e no espaço, mas, de uma forma ou de outra, sempre acabam influindo em decisões subseqüentes, do mesmo ou de outro Tribunal. Apenas a título de ilustração selecionei os seguintes casos: No caso Silver Hills Country Club vs. Sobieski, julgado pela Suprema Corte da Califórnia em 1961, no qual se questionava se a participação em clube recreativo e de lazer caracterizava valor mobiliário, o teste adotado foi o do risco: os associados correm algum risco patrimonial? No caso Securities and Exchange Commission vs. Kiskot Interplanetary, Inc., julgado pela Corte de Apelação do Quinto Circuito em 1974, envolvendo um esquema de venda de cosméticos, o teste formulado abrangia três elementos principais: (1º) houve um investimento em dinheiro? (2º) o esquema, no qual o investimento foi efetuado, funciona como empresa?; e (3º) nesse esquema, o esforço efetuado por aqueles que não são o investidor principal é significante, a ponto de poder acarretar a insolvência ou contribuir para o sucesso da empresa? No caso United Housing Foundation, Inc. vs. Forman, julgado pela Suprema Corte dos Estados Unidos em 1975, envolvendo uma cooperativa imobiliária (para incorporação de imóveis), aquele tribunal, depois de consignar que deveria examinar a substância — as realidades econômicas de cada uma das transações —, explicitou que o teste a ser aplicado consistiria em indagar se o esquema envolveu investimento de dinheiro num empreendimento comum, com o proveito proveniente somente dos esforços de outrem. E acrescentou: este teste, de forma resumida, compreende os atributos essenciais que orientam todas as decisões da Corte definindo um valor mobiliário. A pedra de toque é a presença de investimento num empreendimento comum, fundado numa razoável expectativa de lucros provenientes dos esforços empresariais ou gerenciais de outrem (...). Diferentemente, quando um comprador é motivado (apenas) pelo desejo de usar ou consumir o bem comprado (...), não se aplicam as leis de mercado de valores mobiliários. 7 A JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA SOBRE O MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS A rigor, ainda não se pode falar na existência de uma jurisprudência brasileira sobre o mercado de valores mobiliários. Na verdade, até mesmo a jurisprudência sobre a sociedade anônima, se comparada com aquela formada sobre a sociedade por cotas de responsabilidade limitada, os títulos de crédito, a falência e a concordata, por exemplo, mostra-se de pobreza franciscana. Uma pesquisa cuidadosa nos repertórios de jurisprudência brasileira a partir do verbete "valores mobiliários" não produz um resultado extenso. O Supremo Tribunal Federal já concluiu que vulnera interesse da União a falsificação de títulos e valores mobiliários e seu lançamento no mercado financeiro de capitais (Habeas-Corpus n. 49.048 - SP, j. em 03/09/1971, in: DJU, 01/10/1971). Em vários processos em que se questionava a legalidade da Taxa de Fiscalização do Mercado de Valores Mobiliários, criada pela Lei n. 7.940, de 1989, em face do art. 77 do Código Tributário Nacional, o Superior Tribunal de Justiça deixou de apreciar o mérito da questão por razões de forma. Num dos casos, concluiu pela não-caracterização da ofensa. De acordo com o julgado nele produzido, a expressão final do parágrafo único do art. 77 do CTN, segundo a qual a taxa "não pode ser calculada em função do capital das empresas" está abrangida na sua primeira parte ("a taxa não pode ter base de cálculo ou fato gerador idênticos aos que correspondam a imposto"), isso porque patrimônio líquido (capital efetivo das empresas) é expressão adequada para o cálculo do imposto, e não para o cálculo de taxas, posto que nenhuma relação tem com a atividade estatal (Agravo Regimental em Agravo de Instrumento RIP 00027482, in: DJU, 22/08/1994). Alguns autores norte-americanos, em artigos sobre sociologia jurídica publicados nos Estados Unidos sobre a realidade jurídica brasileira, apontam fatores sociológicos que poderiam explicar a rarefação da nossa jurisprudência sobre a de sociedade anônima e o mercado de valores mobiliários. Um desses trabalhos refere-se à carestia das custas processuais e dos honorários de advogados; morosidade da justiça; falta de treino dos magistrados para lidar com problemas financeiros complexos, o que reduziria a expectativa de decisões justas; relutância em litigar, não inteiramente explicada por todos os fatores acima; e desconfiança de que mesmo as decisões justas venham a ser executadas (Poser, Securities Regulation in Developing Countries, in: Virginia Law Review, 52/1925, 1966). A esses fatores, poder-se-ia acrescentar um dado puramente estatístico. Segundo estatística do Departamento Nacional de Registro do Comércio, de todas as empresas registradas no Brasil no período de 1985 a 1997, menos de 1% são sociedades anônimas. Ora, se considerarmos que pouquíssimas companhias brasileiras se caracterizam como abertas, teremos encontrado mais um elemento justificativo da rarefação jurisprudencial sobre a legislação do mercado de valores mobiliários no nosso país. Além disso, tenho observado que, na prática, muitos magistrados têm feito vista grossa ao comando imperativo do art. 31 da Lei n. 6.385, de 1976, segundo o qual, nos processos judiciais que tenham por objeto matéria incluída na competência da Comissão de Valores Mobiliários, será esta sempre intimada para, querendo, exercer o seu papel de amicus curiae, o que dificulta o trabalho informativo e pedagógico daquela autarquia. 8 CONSIDERAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA NORTE-AMERICANA PELAS CORTES BRASILEIRAS A longa e rica experiência da jurisprudência norte-americana sobre o mercado de valores mobiliários, sem dúvida, também merece ser considerada pelos tribunais brasileiros. No meu Curso de Direito Comercial — Sociedade Anônima (Belo Horizonte, D’El Rey, 1995), procuro chamar a atenção para o voto de confiança e a conseqüente responsabilidade, bem como os desafios que a lei estabeleceu para o Poder Judiciário nessa área. Se me pedissem para sintetizar como a experiência da jurisprudência norte-americana poderia ajudar o Poder Judiciário brasileiro nesse desafio, eu diria que de duas maneiras principais: afastando-se um pouco daquela arraigada política de sistemática não interferência do Poder Judiciário na vida das empresas, que herdamos da tradição européia, particularmente a francesa; e sem necessariamente abandonar a cultura e a elegância da erudição, analisar sempre os fatos com rigor e precisão científicos. COMMERCIAL PAPER, EXPORT NOTES - ENDOSSADOR NÃO-RESPONSÁVEL PELO TÍTULO DE CRÉDITO THEOPHILO DE AZEREDO SANTOS: Professor da Universidade Estácio de Sá e da UERJ. A velocidade das alterações legislativas, a internacionalização da economia e a globalização suscitam questões que desafiam os juristas. Cito apenas dois exemplos: em dois concursos para professor de Direito Comercial, dos quais participei em 1997, e em Reunião das Juntas Comerciais de todo o Brasil, em Salvador, professores e procuradores desconheceram ou pretenderam negar o novo conceito de empresa comercial — qualquer que seja o seu objetivo — a sociedade será comercial, desde que tenha fim lucrativo, salvo as exceções previstas em lei (Lei n. 8.934, de 18 de novembro de 1994, art. 2º e Decreto n. 1.800, de 30 de janeiro de 1996)1. E — outro exemplo — edital aprovado pela CVM — Comissão de Valores Mobiliários, relativo à negociação de ações do Unibanco em Wall Street, menciona a prática conhecida no mercado de capitais como Green Shoe, isto é, a permissão aos bancos de investimentos internacionais de solicitar a emissão adicional ao volume original de ações, em razão do sucesso das vendas. COMMERCIAL PAPER Commercial Paper é valor mobiliário de curto prazo, de valor fixo e vencimento em data certa, de emissão de sociedade anônima, de sua exclusiva responsabilidade, colocado no mercado com desconto a favor dos investidores, diretamente pela empresa emitente (colocação fechada) ou pela rede de distribuição do mercado de capitais2. A necessidade de ampliar as iniciativas de captação para financiar o investimento produtivo levou a desenhar-se um valioso e ágil instrumento para a redução dos custos financeiros que oneram as atividades econômicas. Daí a criação desse novo valor mobiliário, batizado de Commercial Paper, nome utilizado pelo mercado, pela imprensa e pelas autoridades monetárias. Na verdade, é simples nota promissória, emitida por sociedades por ações, destinada à oferta pública, considerada valor mobiliário pela Resolução n. 1.723, de 27 de janeiro de 1990, do Conselho Monetário Nacional, com base na Lei n. 6.385, de 7 de dezembro de 1996, cujo art. 2º permite a instituição de outros títulos criados ou emitidos pelas sociedades anônimas, a critério do Conselho Monetário Nacional. A opção pela nota promissória decorreu não apenas de ser documento já de largo uso no mercado, mas, ainda, para fugir à criação de novo título de crédito, que reclamaria a aprovação do Congresso Nacional. Embora não explicitado pelos interessados, o Commercial Paper emitido por empresa brasileira e colocado no exterior3 veio possibilitar a transferência de recursos depositados no exterior para o nosso país: a empresa interessada encarrega o banco internacional de colocar seus títulos, que, na verdade, já estão suficientemente cobertos, reduzindo-se, obviamente, o custo financeiro da operação, que não oferece, assim, nenhum risco. O mercado de Commercial Paper existe há mais de 120 anos, nos Estados Unidos, mas seu crescimento e aceitação generalizados ocorreram nos últimos 60 anos, principalmente depois de 1950. Depois, passou a ser usado, na Europa, apesar da oposição do sistema bancário, pois representa instrumento de desintermediação financeira. O Commercial Paper é uma nota promissória não garantida. Vale dizer que a confiança no título decorre, exclusivamente, da qualidade da empresa emissora. Daí ser praxe nos Estados Unidos a obtenção do chamado credit rating: espécie de nota que se atribui ao candidato a tomador que deve refletir sua saúde econômico-financeira, seu potencial e futuro de negócios. As organizações privadas Fitch Standard & Poor e Mood’ys são as maiores avaliadoras de credit rating, com velha tradição de idoneidade no mercado e publicações técnicas que identificam seus critérios de estimação dos riscos. O mercado brasileiro já conta com sociedades de avaliação de riscos que criaram seu prestígio pela qualidade de seus trabalhos e valor técnico de seus sócios. A "securitização de recebíveis" deu ainda maior realce às funções dessas empresas. O rating, embora longe de ser infalível (veja o recente caso dos países asiáticos) não deixa de ser um valioso instrumento para a proteção dos investidores e requer uma técnica sofisticada que, após certo período, conferem às avaliadoras credibilidade pública. Na França, coube à ADEF — Agence d’évaluation financière —, criada em 1986, a introdução dessa sistemática de avaliação. As principais regras que presidem a emissão de Commercial Paper, no Brasil, resumidamente, são as seguintes: a) só podiam emiti-lo as companhias que tinham patrimônio líquido igual ou superior a 10 milhões de UFIR’s, mas, considerando o fato de que há empresas fechadas que também poderão utilizar-se dessa forma de captação de recursos, a Instrução n. 155, da CVM, de 7 de agosto de 1991, eliminou essa formalidade; b) computado o montante de NP’s a serem emitidas, o índice de endividamento do Passivo Circulante mais Exigível a Longo Prazo, dividido pelo PL, não podia exceder a 1.2, exigência cancelada em 1991, para atender o maior número de empresas; c) somente poderão colocar NP’s as companhias que estiverem em dia com as obrigações contraídas em colocações anteriores; d) o valor nominal da NP, expresso em moeda nacional, não poderá ser inferior à quantia equivalente a 314.170,25 UFIR’s (301.949,03), na data da deliberação de sua emissão. Esse valor, hoje, dificulta a utilização desse título pelas médias empresas, que certamente terão de concorrer, no mercado de capitais, com as grandes organizações; e) as NP’s deverão ser emitidas com prazo mínimo de vencimento de 30 dias e máximo de 180 dias, contados da emissão; f) na data do vencimento, a NP deve ser liquidada, vale dizer, inexiste possibilidade de sua renovação; g) a emissora poderá, havendo anuência expressa e formal do titular, resgatar antecipadamente as NP’s. Mas o resgate parcial só pode ser efetivado mediante sorteio ou leilão, colocando-se, assim, todos os investidores situação igual. O mercado não conhece, na prática, essa sistemática de resgate parcial; h) para todos os efeitos, a data de emissão de NP’s deverá ser a de sua efetiva integralização, a qual será feita em moeda corrente, à vista, quando da subscrição. Os custos significativamente mais baixos dos recursos captados mediante colocação desses títulos tornaram o mercado altamente competitivo. Daí o surgimento, para operações maiores ou emissões de empresas sem experiência de colocação desses títulos no mercado internacional, da exigência de garantia, normalmente representada por uma carta de crédito ou de aval bancário, no sentido de assegurar o resgate ou elidir a inadimplência. Exemplo foi a primeira colocação de Commercial Paper pela Companhia Vale do Rio Doce (bem antes de sua privatização) com aval de bancos japoneses. Chegou-se a fazer uma analogia entre debênture subordinada e o Commercial Paper, que têm algumas características comuns: 1º) ambos são valores mobiliários emitidos por S.A.; 2º) ambos são colocados nos mercados em função da qualidade da empresa emissora; 3º) ambos são emitidos por empresas que são, a priori, analisadas e classificadas quanto ao seu risco; 4º) ambos não têm garantias reais ou fidejussórias; 5º) ambos têm suas emissões, para distribuição pública, registradas na CVM. Há, também, diferenças: 1ª) os CP’s são de prazo curto, ao passo que as debêntures subordinadas, normalmente, são de prazo médio e longo. Nos Estados Unidos, em 1997, a empresa Safra Republic Holding S.A. emitiu, em base fiduciária pelo Republic Bank of New York, em Luxemburgo, para financiar e manter empréstimo por debêntures subordinadas com vencimento em 15 de outubro de 2997, vale dizer, título de 1000 anos. Entre nós, o prazo médio do Commercial Paper está em 180 dias, ao passo que as debêntures têm sido lançadas com vencimento de 3 a 5 anos, a fim de melhor atender ao planejamento financeiro das empresas. 2ª) os CP’s têm valor mínimo, o que não ocorre com as debêntures: 3ª) no caso de falência da empresa emissora, os CP’s serão considerados créditos quirografários, ao passo que as debêntures subordinadas estão abaixo dos credores quirografários, preferindo apenas os acionistas no ativo remanescente (Lei n. 4.404, de 15 de dezembro de 1976). Para terminar o tema, uma rápida referência ao Euro Commercial Paper, cujos emissores são empresas com sede o Brasil ou agências de bancos e subsidiárias de empresas brasileiras no exterior. Seus investidores são pessoas físicas ou investidores institucionais. A colocação desses papéis ocorre por mecanismo formal de cotação estabelecido com um grupo de bancos definido previamente (os dealers). Em 1979, no Projeto de Lei apresentado ao III Congresso Nacional de Sociedades Corretoras de Valores, em Fortaleza, foi sugerida a expressão "nota promissória". Em nossa tese de concurso para titular da UERJ, em 1980, indicamos paper commercial, e o advogado Denis Borges Barbosa preconizou a criação do "cheque a termo ou cheque de captação de poupança".4 Pretendiam que só as companhias abertas poderiam emiti-lo, tese que, felizmente, não foi acolhida. Os emissores pagam os serviços de avaliação para exame de seus papéis e para obter classificação de risco, segurança, rentabilidade, liquidez, no passado, no presente e perspectivas para o futuro, a evolução do negócio explorado (mercado interno e/ou externo), qualidade dos sócios etc. (Exemplo: Coteminas). A Instrução da CVM n. 155, de 1991, no caso de emissão de NP’s, dispensou o registro da companhia emissora na CVM, exigido pela Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976. E esse ato normativo dispensa também a apresentação do prospecto, que é o documento que contém os dados básicos sobre a operação. AS EXPORT NOTES O processo de converter qualquer item de ativo em um título com liquidez é chamado securitização5, de que são exemplos as Export Notes. A preocupação de dolarizar ou indexar, à outra moeda forte, os ativos financeiros das empresas multinacionais que operam no Brasil foi um desejo constante desde o início da década de 80. A própria autoridade monetária permitiu, ocasionalmente, que empresas exportadoras e importadoras, com liquidez, efetuassem depósitos dolarizados no Banco Central do Brasil (Resolução n. 1.208 e 1.209, de 31 de outubro de 1986, Circular n. 1.805 e Comunicado DEEAM n. 963, de 1986), para, posteriormente, revogar essa legislação e permitir apenas que as empresas participassem de leilões de OTN’s cambiais (Resolução n. 1.492, de 29 de junho de 1988 e Circular n. 1.333, de 1988), que foram pouco aceitas pelo mercado. Daí terem os advogados dos exportadores, de instituições financeiras e do Banco Central do Brasil, adaptado à nossa realidade as Export Notes, já largamente conhecidas no comércio internacional. Houve, por parte do Governo, compreensão de que o processo deveria fluir com velocidade, simplicidade e segurança, de acordo com a prática do comércio exterior. Assim, o próprio mercado financeiro acabou criando um produto que atende aos interesses das empresas exportadoras carentes de capital de giro, dispostas a efetuar aplicações dolarizadas e, em conseqüência, com um redge (proteção), que passou a ser conhecido como Export Notes. Na prática, temos a seguinte situação: a) o exportador tem interesse em obter recursos financeiros por prazos geralmente superiores a 180 dias, que não são fáceis de serem alcançados no mercado interno; b) o investidor (brasileiro ou estrangeiro) tem interesse em aplicar recursos indexados ao dólar, por prazos geralmente superiores a 180 dias, desde que ofereçam segurança, rentabilidade e liquidez, além de serem negociados por instituição financeira de bom conceito no mercado; c) o exportador tem contratos de fornecimento a longo prazo, com revisões periódicas de preços e embarques variados (v.g., exportação de minérios); d) por se tratarem de contratos de exportação, eles são fechados em dólar, gerando, portanto, créditos nessa moeda; e e) os contratos de exportação-ativo em moeda forte legitimam a emissão dos títulos em dólares norteamericanos. Os advogados encontraram, em conseqüência, uma estrutura operacional que viabiliza uma indexação dolarizada legalmente sem artifícios ou subterfúgios tipo inside-letter entre nós conhecida como "carta de gaveta". Qual a sua fundamentação jurídica? Em razão de a operação ter sido formalizada em moeda estrangeira, sem ferir a proibição legal (o real tem curso forçado), por se referir a contrato internacional, pois no contrato de exportação uma das partes é residente e domiciliada no exterior e o objeto do acordo — a mercadoria exportada — destina-se à venda a entrega fora das fronteiras nacionais. Com engenho e arte, os advogados encontraram forma de não descumprir-se o art. 2º, inc. I, do Decretolei n. 857, de 11 de setembro de 1969, que declara serem nulos de pleno direito os contratos, títulos e quaisquer documentos, bem como as obrigações que, exeqüíveis no Brasil, estipulam pagamento em ouro, em moeda estrangeira, ou, por alguma forma, restrinjam ou recusem nos seus efeitos ou curso legal do real. O art. 2º do citado Decreto-lei n. 857 reza: Não se aplicam as disposições do art. anterior: I - aos contratos e títulos referentes à importação e exportação de mercadorias. Nessa operação, o exportador possui, legitimamente, direitos creditórios dolarizados contra o importador (direito a receber reais equivalentes ao dólar na data do pagamento). Pode, em conseqüência, ceder esses direitos, que emanam do crédito internacional. E nasce a nota promissória emitida pelo exportador, cuja função é garantir, assegurar a cessão de seu direito de crédito contra o importador e funciona como "colateral" de uma relação jurídica que inclui a indexação legitimada em moeda forte e, portanto, esse título também pode ser dolarizado. Na verdade, embora conhecida no mercado como Export Notes, o título de crédito escolhido foi a Nota Promissória, de largo conhecimento internacional, o que facilita sua negociação e não exige a sua aprovação pelo Poder Legislativo. Quanto ao contrato entre o exportador e o cessionário, qual a sua natureza jurídica? É, evidentemente, uma cessão de direito de crédito. Não se trata de uma cessão de contrato de exportação. O cessionário adquire o direito a receber a prestação, sem obrigar-se a contraprestar qualquer coisa (no caso, seria exportar a mercadoria). O Departamento Jurídico do Banco Central do Brasil deu parecer favorável a essa sistemática operacional, validada pela Circular n. 1.846, de 20 de novembro de 1990, que regulamentou a matéria de maneira simples, sem minudências desnecessárias e sem gerar ônus burocráticos para as partes contratantes, mas exige que o exportador contrate o câmbio em banco autorizado, proporcionando, assim, os reais necessários à liquidação da operação. Esse mercado está hoje operacionalizado pela CETIP — Central de Custódia e de Liquidação Financeira de Títulos, com o escopo de controlar eletronicamente as emissões, o registro de negócios com esse título, além do processamento dos ajustes físicos e financeiros decorrentes dos títulos registrados no sistema, via rede de teleprocessamento da CETIP. Convém observar que só, em 6 de março de 1992, o Banco Central do Brasil referiu-se expressamente às Export Notes (Circular n. 2.064), voltando a fazê-lo novamente em 1993 (Circular n. 2.347) e 1994 (Circular n. 2.511). ENDOSSADOR NÃO-RESPONSÁVEL PELO PAGAMENTO DO TÍTULO DE CRÉDITO É sabido que o endosso é o meio de transferência dos títulos à ordem, visando à segurança da circulação dos crédito. Produz dois efeitos: a) transfere os direitos do endossador e b) confere direitos contra o endossador, que é co-obrigado, responsável pelo aceite e pagamento. Há, contudo, hipóteses contempladas em lei, nas quais o endossador não é responsável pelo cumprimento da obrigação identificada no documento. As Notas Promissórias Commercial Papers só podem circular por endosso em preto, de mera transferência de titularidade, constando, obrigatoriamente a cláusula "sem garantia"6, agasalhada pela Lei Uniforme de Genebra sobre Letras de Câmbio e Notas Promissórias, promulgada pelo Decreto-lei n. 57.663, de 24 de janeiro de 1966, que, na primeira alínea do art. 15, estabelece: O endossante salvo cláusula em contrário, é garante tanto da aceitação como do pagamento. Em conseqüência, os endossatários dos Commercial Papers não podem, validamente, responsabilizar o endossador pelo pagamento do título, devendo agir contra o emitente. EXPORT NOTES No caso das Export Notes, vinculadas à cessão parcial ou total de direito de crédito em moeda estrangeira, sua negociação é subordinada às disposições do Código Civil, cujo art. 1.974 estatui: Salvo estipulação em contrário, o cedente não responde pela solvência do devedor7. Portanto, o endosso das Export Notes não transforma o endossador em co-responsável pelo pagamento dessa nota promissória. CONHECIMENTO DE TRANSPORTE Já desde 10 de dezembro de 1930, o Decreto n. 19.473, que regula os conhecimentos de transporte de mercadorias, no art. 6º, estabelece que o endossador apenas responde pela legitimidade do conhecimento e existência da mercadoria, para com os endossatários posteriores ou portadores. Se o conhecimento é falso ou se a mercadoria, antes da data do endosso, fora extraviada ou perdida, responderão os respectivos endossadores. E os conhecimentos não à ordem não podem ser transferidos pelo endosso8. TÍTULOS RURAIS O endossatário ou o portador de nota promissória rural ou duplicata rural não tem direito de regresso contra o primeiro endossador e seus avalistas (Decreto-lei n. 167, de 14 de fevereiro de 1967 - Dispõe sobre os títulos de crédito rural). Por quê? Trata-se de inequívoca proteção ao produtor rural e suas cooperativas, que venderam seus produtos e negociaram, em bancos comerciais, seus títulos. Constitui instrumento de estímulo à atividade econômica já sujeita a riscos e dificuldades normalmente superiores aos dos demais negócios. A eliminação da garantia "bonitas" do endossador não lhe retira, mas mantém sua responsabilidade pela veracidade do título. Também os endossadores de Cédula de Produto Rural — CPR — não respondem pela entrega do produto, mas, tão-somente, pela existência da obrigação. Já aqui o produtor recebeu, antecipadamente, o valor correspondente à promessa de entrega de produtos rurais. Como sujeitar os endossadores — compradores — credores ao pagamento do título, se o inadimplemento ressaltou, exclusivamente, de ato do produtor — vendedor — devedor? CHEQUES Em várias hipóteses, o endossador do cheque não responde pelo seu pagamento; 1º) o cheque pagável à pessoa nomeada, com a cláusula "não à ordem", ou outra equivalente, só é transmissível pela forma e com os efeitos de cessão. Se houver endosso, o cessionário não terá direito de regresso contra o endossador; 2º) são nulos o endosso parcial e o do sacado (banco — depositário). O Prof. Fran Martins sustenta que se, porém, o endosso é feito a duas ou mais pessoas, conjuntamente, não se considera esse endosso como um endosso parcial, pois apenas o direito de receber a importância total do título foi transferido para duas ou mais pessoas. Essas, no seu conjunto, formam um só sujeito ativo dos direitos incorporados no título, devendo a eles, conjuntamente, ser o cheque pago. (Títulos de Crédito,4ª edição, Rio: Forense, 1988, vol. II, n. 52, p. 63 e 64); 3º) o endosso lançado fora do cheque ou da folha de alongamento elide a liquidez do título, em relação aos endossadores. Aplicam-se ao cheque as regras sobre as cartularidade; 4º) não tem validade o endosso de mandatário sem poderes especiais do titular do cheque; 5º) se houver estipulação em contrário, o endossador não garante o pagamento; 6º) pode o endossador proibir novo endosso; nesse caso, não garante o pagamento a quem seja o cheque posteriormente endossado, mas sim ao seu endonatário; 7º) o detentor de cheque "à ordem", provado que não é portador legitimado, após uma série ininterrupta de endossos, não terá direito ao seu pagamento e nem poderá cobrá-lo dos endossadores; 8º) o endosso posterior ao protesto, ou declaração equivalente, ou à expiração do prazo de apresentação produz apenas os efeitos de cessão. É o chamado "endosso póstumo ou tardio", que pode, porém, transferir a propriedade do título; 9º) se não houver prova forma da apresentação do cheque em tempo hábil e a recusa de pagamento, não pode o portador promover a execução contra os endossadores e seus avalistas; e 10º) prescrito o cheque (seis meses contados da expiração do prazo de apresentação), o portador não poderá executar os endossadores e nem os demais signatários do título9. CONHECIMENTO DE DEPÓSITO E WARRANT Não é o endossador do conhecimento de depósito pessoalmente responsável pela dívida que onera a mercadoria depositada. A finalidade desse endosso é conferir ao endossatário a faculdade de dispor da mercadoria10, salvo os direitos do credor, titular do warrant. A posição do endossatário do conhecimento de depósito é idêntica à do adquirente de qualquer coisa móvel empenhada ou de imóvel hipotecado: adquire a propriedade da coisa com o ônus de solver no limite do valor da coisa — a dívida. Uma explicação quanto à responsabilidade do primeiro endossador do warrant — ele é Obrigado Direto (Decreto-lei n. 1.102, de 21 de novembro de 1903, art. 23, § 7º). Esse primeiro endossador do warrant não é, pois — registra o Prof. João Eunápio Borges — como qualquer endossador dos títulos cambiais e os demais endossadores do mesmo warrant — simples devedor de regresso: é o devedor principal e direto cuja obrigação subsiste mesmo que não seja tirado oportunamente o necessário protesto por falta de pagamento (art. 23, § 7º), tese acolhida também por Carvalho de Mendonça, Lacour et Bouteron, Georges Ripert e tantos outros. ENDOSSO CANCELADO Não cabe ação contra o endossador que, legitimamente, cancela o seu endosso. É comum dizer-se que o endosso transmite a propriedade do título. Assim como a simples tradição do título, sem o endosso, é insuficiente para a transmissão de sua propriedade, também o endosso só produz esse efeito quando a ele se seguir a entrega do título ao endossatário. Em conseqüência, se o endosso foi cancelado legitimamente, inexiste responsabilidade do endossador. ENDOSSADORES DE DUPLICATAS Todos os que lançam suas assinaturas na duplicata assumem a obrigação de pagar o título, inclusive os endossadores e seus avalistas, cujas obrigações se equiparam às dos avalizadores e, sendo todos estes coobrigados, para que o portador possa voltar-se contra obrigados regressivos, deverá protestar o título. Assim, esgotado o prazo legal — trinta dias, contado do vencimento da duplicata — não tendo sido tirado o protesto, perderá o titular o direito de regresso contra os endossadores e respectivos avalistas. Fran Martins11 deu acolheita a tese que nos parece não ter base legal, ao dizer: Não menciona a lei sobre se a fatura ou conta extraída por profissional liberal ou pessoa que presta serviço eventual pode ser descontada em estabelecimentos bancários, como acontece com as duplicatas mercantis ou de prestação de serviço. Na realidade, sendo aplicáveis a essas faturas ou contas os dispositivos constantes da lei, naturalmente tais documentos assumem características de títulos de crédito impróprios, podendo, desse modo, circular como os títulos de crédito em geral, isto é, através do endosso. Outro professor também ilustre, Antônio Carlos da Costa e Silva12, considera que A fatura, bem assim a conta de venda, são cuidadas no art. 22 da Lei das Duplicatas, como títulos de crédito, e, portanto, exeqüíveis e estão sujeitas ao protesto. Ora, em nenhum dispositivo legal está expressa a natureza jurídica da fatura como título de crédito e a possibilidade do seu protesto e a sua executividade, por si só, não lhe alteraram a natureza. Convém lembrar a que a Lei n. 4.728, de 14 de julho de 1965, que disciplina o mercado de capitais, no art. 75, estabelece que o contrato de câmbio, desde que protestado por oficial competente para o protesto do título, constitui instrumento bastante para requerer a ação executiva. Mas, ninguém, até hoje, transformou aquele contrato em título de crédito. Conclusão: a fatura e o contrato de câmbio não são transferíveis pelo endosso. AÇÃO DE LOCUPLETAMENTO Não obstante a desoneração de responsabilidade cambial, dispõe o art. 48 da Lei n. 2.044, o sacador ou aceitante fica obrigado a restituir ao portador, com os juros legais, a soma com a qual se locupletou à custa deste. E também cabe contra o emitente da nota promissória. Trata-se da ação do locupletamento, que é ordinária e não pode ser promovida contra o endossante ou contra o avalista, mas exclusivamente contra o sacador, o aceitante e o emitente, na nota promissória13. CERTIFICADO DE DEPÓSITO BANCÁRIO — CDB É título de crédito que representa uma promessa de pagamento à ordem, da importância depositada acrescida do valor da remuneração ou rentabilidade convencionada, indicada a data da sua exigibilidade. O prazo mínimo é de trinta dias, quando remunerado a taxas prefixadas; quatro meses, quanto utilizada a TR ou TBF como base de remuneração; e também cento e vinte dias, quando contratado com base em taxas flutuantes. Quem pode emiti-lo? Os bancos comerciais, de desenvolvimento, de investimentos e múltiplos em favor dos respectivos depositantes, exceto instituições financeiras, entidades da administração federal indireta e das fundações supervisionadas pela União. Pela Decisão n. 362, de 1994, o Tribunal de Contas da União admitiu o recebimento de depósitos a prazo fixo do SESI, SEC, SENAI, SENAC e dos Sindicatos, Federações e Confederações de Categorias Econômicas e Profissionais e de empresas administradoras de consórcios, mas suas sobras de caixa nessa modalidade só podem ser aplicadas no Banco do Brasil e ou Caixa Econômica Federal, elidindo, dessa maneira, proibição editada pelo Conselho Monetário Nacional e Banco Central do Brasil. Já as sociedades de crédito, financiamento e investimento são autorizadas a emitir somente a favor de seus acionistas, que são titulares de ações nominativas. Esses certificados terão, sempre, a forma nominativa, sendo transmissíveis somente por endosso em preto. Qual a responsabilidade do endossador do CDB? O endossador só responde pela legitimidade do titulo e existência do depósito na data do endosso, cabendo à instituição financeira emissora a responsabilidade pelo pagamento14. CESSIONÁRIO - ENDOSSADOR O Mestre João Eunápio Borges, com a didática que o tornou renomado comercialista, explica que, além da circulação cambial, propriamente dita, pode a letra passar de um patrimônio a outro, pelos meios do direito comum: cessão, a sucessão causa mortis, o casamento, a fusão ou a dissolução de sociedades, a aquisição em hasta pública e em tantos outros casos15. A transferência do título, nessas hipóteses, poderá ser realização pela cessão. Tem o cessionário o direito de endossar validamente o título, restabelecendo a circulação cambial interrompida por aquela cessão? O jurista mineiro responde afirmativamente, mencionando no endosso a qualidade de cessionário do endossador16. Portanto, esse endossador será co-obrigado cambial, responsável pelo pagamento do título. NOTAS BIBLIOGRÁFICAS 1 A Lei n. 9.930, de 27 de dezembro de 1996, no art. 55, estabelece: As sociedades civis de prestação de serviços profissionais relativos passam, em relação aos resultados auferidos a partir de 1º de janeiro de 1997, ao exercício de profissão legalmente regulamentada de que trata o art. 1º do Decreto-lei n. 2.397, de 21 de dezembro de 1987, a ser tributadas pelo Imposto de Renda de conformidade com as normas aplicáveis às demais pessoas jurídicas. 2 Somente nos dois primeiros meses de 1998 foram emitidos R$ 5.147.010.000, 00 (Cinco bilhões, cento e quarenta e sete milhões e dez mil reais) conseqüência do processo de privatização. 3 Resolução n. 1.734, de 31 de julho de 1997, do CMN. 4 ... seria um título de crédito pagável ao fim de um certo prazo, a partir do qual se aplicariam as regras e penalidades relativas ao cheque à vista. (Revista Brasileira de Mercado de Capitais. vol. n. 15, 1979, p. 501 e 502). 5 Securitização é o processo de emissão e alienação de certificados ou títulos, lastreados em financiamentos de mesma natureza, conjugados especialmente para este fim. A chamada "securitização de recebíveis" representa a troca de créditos futuros por liquidez imediata. Nos Estados Unidos essas operações superam os 300 bilhões de dólares e, no Brasil, já se estima um potencial de 72 bilhões de reais, segundo o Banco Lloyds S.A. 6 Instrução n. 134, da CVM, de 1º de novembro de 1990. É, hoje, pacífica a legitimidade da cláusula "sem garantia", tornando o endosso apenas uma transferência do documento, com a sua entrega. Nesse sentido: João Eunápio Borges, Fran Martins, Waldírio Bulgarelli, Egberto Lacerda de Almeida, Rubens Requião e muitos outros juristas. 7 Circular do Banco Central n. 1.846, Comunicado n. 2.732 e Circular n. 2.605, de 12 de dezembro de 1995. 8 Waldemar Ferreira. Produz, portanto, o efeito de cessão civil. O conhecimento do Transporte Empresa Gráfica, Revista dos Tribunais, 4.932, p. 75, n. 23. Ferroviário, 9 Lei n. 7.357, de 2 setembro de 1985, arts. 17, § 1º, art. 18, § 1º, art. 19, primeira parte, art. 19, in fine; art. 21 e seu parágrafo único; art. 22; art. 27; art. 47, II e art. 59, respectivamente. 10 Mendonça, J. X. Carvalho de. Tratado de Direito Comercial Brasileiro, vol. V, 2ª parte, n. 1.14.1 Borges, João Eunápio.Títulos de Crédito. Rio de Janeiro:Forense, 1971. p. 251 e 252, n. 264. 11 Título de Crédito, vol. II, n. 134, p. 240. 12 A Cobrança da Duplicata Adaptada ao Código de Processamento Civil, Forense, 1978, nº 9.2, p. 236 13 Antônio Carlos Costa e Silva, em seu Tratado do Processo de Execução, Aide Editora, 2ª edição, 1º volume, p. 244 a 247, nº 24.10, defende a prevalência da Lei Uniforme de Genebra, que admite a execução contra os endossadores, pois ela derroga a Brasileira e, neste caso, prevalece sobre ela, mas acaba reconhecendo, na prática, a inutilidade desse argumento, pois o endossador pode ter sido embolsado do que despendeu. 14 Resolução nº 18, de 18/02/66, nº XLI, letra "c" 15 Título de Crédito, Forense, Rio, 1971, n. 96, p. 82. 16 Obra cit., onde esclarece: Dir-se-á que, não figurado como endossatário o nome deste endossador, estaria rompida a cadeia de endossos. Mas, a situação é semelhante à que resultaria dos outros meios de aquisição pelo direito comum: estaria impedido de endossar o herdeiro, o sócio a quem tocou a letra, na partilha social etc.? E, se por acaso, não fosse ele concessionário, mas simples ladrão ou inventor do título, ficaria na mesma situação do falso procurador, cujo endosso não interrompe cambilamente a série de endossos. É essa, aliás, a autorizada, opinião de Arminjon Et Carry (La lettre de Change. p. 259). PERSPECTIVAS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS EM FACE DO DESENVOLVIMENTO DA INFORMÁTICA CARLOS ALBERTO ROHRMANN: Bacharel em Direito e em Ciência da Computação, Professor de Direito Virtual da Faculdade de Direito Milton Campos e Advogado. I - Introdução O desenvolvimento da Informática e sua conseqüente integração aos mais variados setores da economia é um fenômeno incontestável. Inicialmente, tratava-se apenas da otimização das rotinas e economia de tempo e dinheiro. Ocorre que um fato deu novo dimensionamento à interligação da informática à economia: o surgimento das redes de computadores. Por meio das redes de computadores amplas1, tornou-se possível a intensa troca de informações ao longo do mundo, com algumas vantagens, sendo as principais o custo baixo de comunicação e a ligação em tempo real. Em outras palavras, utilizando-se das redes há como estabelecer uma troca constante de dados atualizados "segundo a segundo". Da possibilidade de se efetuarem trocas de dados surgiu uma gama imensa de aplicações comerciais. Os dados que circulam nas redes podem ser propostas de contratos, confissões de dívidas, pedidos de compras, em resumo, contratos dos mais variados tipos. Neste texto procuramos abordar a possibilidade jurídica de se realizarem operações típicas do Mercado de Valores Mobiliários usando os recursos computacionais interligados em redes. Antes de se adentrar em tal tema, há de se ressaltar um ponto da maior relevância: o que se refere à estrutura técnica e jurídica viabilizadora dos negócios efetivados pelas redes. II - A assinatura digital Quando se busca o aperfeiçoamento de um contrato por intermédio de computadores, um item é de fundamental relevância: certificar-se de que a pessoa que está do outro lado é realmente quem diz ser para que se possa alcançar uma efetiva eficácia probatória do contrato digital. A solução técnica encontrada é a utilização de recursos de criptografia assimétrica consolidada na legislação instituidora da "assinatura digital" já existente na Alemanha e em vários Estados norte-americanos. Há, na verdade, não só a necessidade da garantia jurídica do vendedor de que está negociando com a pessoa certa, bem como de eventuais exigências legais quanto à obrigatoriedade da presença da assinatura das partes. Em outras palavras, um documento digital "assinado" deve ser aceito como se fora um documento escrito que atendesse às formalidades legais. É exatamente o que dispõe o modelo de Lei da UNCITRAL para o comércio eletrônico: Art. 7º - Assinatura § 1º - Onde a lei exige a assinatura de uma pessoa, tal exigência será satisfeita em relação a uma mensagem de dados se: a) for usado um método capaz de identificar a pessoa que aprova a informação e a confirmação de tal aprovação sobre a mensagem de dados; b) se esse método for confiável, como apropriado para o fim que a mensagem de dados for gerada ou comunicada, sob quaisquer circunstâncias, inclusive sob acordos, os mais relevantes; § 2º - O parágrafo 1º se aplica se a exigência ali contida estiver sob a forma de uma obrigação ou simplesmente sob a de previsão de conseqüências pela falta de assinatura2; Antes de adentrar-se no estudo do aspecto técnico e doutrinário da assinatura digital, buscaremos na legislação alemã (alínea 1 do § 2º do art. 3º da Lei de Assinatura Digital, de 1º de agosto de 1997) um conceito de assinatura digital: (1) Para os propósitos desta Lei, "assinatura digital" significa um selo afixado aos dados digitais, o qual é gerado por uma chave privada de assinatura e comprovador do dono da chave de assinatura e da integridade dos dados com o uso de uma chave pública de assinatura sustentada por um certificado da chave de assinatura utilizada, fornecido por uma autoridade de certificação, de acordo com o § 3º desta Lei3. Sem embargo do conceito supracitado, colhido da legislação alemã, também o Direito norte-americano contribui significativamente com a matéria. Embora o primeiro Estado a legislar a matéria tenha sido o de Utah4, há uma onda de legislações tratando de assinaturas digitais e assinaturas eletrônicas (termo mais amplo, que envolve o uso de "senhas" como assinaturas) varrendo os demais Estados norte-americanos5. No intuito de ser coerente com o projeto da UNCITRAL, bem como na busca de uma maior segurança jurídica, a legislação brasileira deve adotar o modelo alemão e eleger a "assinatura digital" como aquela que utiliza o modelo de chaves privada e pública de criptografia assimétrica. É da maior relevância que fique claro o seguinte: a assinatura digital é um substituto eletrônico para a assinatura manual. Ela exerce o mesmo papel, e mais, serve também para proteger a mensagem digital transmitida mediante rede de computadores, uma vez que o texto é codificado por intermédio dos algoritmos de criptografia. Nota-se, ainda, que a assinatura digital não é uma imagem digitalizada da assinatura manual, mas sim um conjunto muito grande de caracteres alfanuméricos. Nota-se a presença dos conceitos de "chave privada" e "chave pública". Para que se possa melhor entendê-los, faz-se mister uma breve referência ao estudo da criptografia, matéria relacionada à Ciência da Computação. Criptografar uma mensagem corresponde a codificá-la, tornando-a protegida no caso de uma interceptação não desejada. Na verdade, criptografia é a técnica que visa manter uma comunicação segura. Para tal, pode-se fazer uso de recursos singelos como aqueles utilizados pelas crianças ao trocar cada letra do alfabeto por um símbolo convencionado. Trata-se de transformar um texto legível em um conjunto de caracteres indecifráveis. As principais aplicações da criptografia surgiram relacionadas às aplicações militares, devido à necessidade de se trocar mensagens secretas sem que o inimigo tivesse acesso. Foram, assim, sendo desenvolvidos programas de computador contendo algoritmos cada vez mais sofisticados de criptografia. O nível de segurança do programa está associado à possibilidade matemática cada vez menor de se conseguir descobrir, a partir de uma mensagem criptografada, qual o conjunto numérico capaz de "descriptografá-la". Os atuais programas de criptografia trabalham com probabilidades de falha de proporções exageradamente remotas, a ponto de se dizer matematicamente impossível (ou improvável, em face do tempo de processamento que seria necessário). Existem tanto a criptografia "simétrica" quanto a "assimétrica". Na primeira, o programa que codifica o "texto" em caracteres indecifráveis, vale-se da mesma "chave" para criptografar quanto para descriptografar. Já na assimétrica, a "chave" utilizada para criptografar é uma (chave privada) e a chave necessária para descriptografar é outra (chave pública). A criptografia simétrica é insuficiente para o comércio eletrônico, uma vez que há necessidade do compartilhamento da chave privada de certa pessoa com as demais partes envolvidas, o que levaria à insegurança. Já com a criptografia assimétrica, a chave privada é de conhecimento apenas do seu dono e não circula pela rede de computadores. Uma vez que o objetivo deste trabalho está associado ao estudo jurídico da assinatura digital, não há como aprofundar-se tecnicamente no tema da criptografia e seus algoritmos. A RSA Laboratories disponibiliza, por meio da Internet, maiores informações técnicas acerca do tema6, bem como inúmeras publicações científicas. Para os propósitos deste trabalho, faz-se necessário admitir a segurança matemática do uso da moderna criptografia, o que pode ser chancelado pelas inúmeras legislações alienígenas supracitadas que já a aceitam. Além das legislações americanas e alemãs, pode-se listar outras iniciativas, na Europa e na América, envolvendo a criptografia assimétrica como técnica viabilizadora da assinatura digital: Na União Européia: em abril de 1997, o Parlamento Europeu adotou a "Iniciativa européia para o comércio eletrônico", que visa encorajar o crescimento vigoroso do comércio virtual na Europa. Logo a seguir, em 8 de outubro do mesmo ano, o Parlamento Europeu aprovou o European Framework for Digital Signature and Encryption, fazendo referência ao uso da técnica em apreço. Na UNCITRAL: em 12 de dezembro de 1997, foi lançada a última versão do Projeto de Lei Uniforme para Assinaturas Eletrônicas, que trata, em sua Seção II, das assinaturas digitais, chegando a defini-las como sendo aquelas que se valem da criptografia assimétrica. Na Argentina: em 17 de março de 1997, por meio da Resolução n. 45/97, da Secretaria de Serviços Civis, o Governo chancelou as propostas do Subcomitê de Assinatura Digital e Criptografia, o que levou à apresentação do projeto institucionalizador da assinatura digital no país, para o setor público, ao Presidente da República. Um ponto interessante, que, embora escape um pouco do objetivo central deste texto, é o relacionado à proibição do governo americano de exportar programas de criptografia moderna. Cuida-se de uma posição do governo americano sob a alegação de que se trata de ferramenta estratégica para a segurança nacional. Todavia, já há projetos de lei no Congresso Americano7 no sentido da liberação da exportação dos programas, o que seria bastante interessante, em decorrência da própria necessidade de o comércio virtual internacional transacionar com maior segurança. Basicamente, o funcionamento da criptografia envolve o uso de dois códigos, duas chaves de criptografia atribuídas a uma mesma pessoa. A primeira, apenas o proprietário conhece: é a "chave privada". Sua função é a de criptografar a mensagem que se pretende transmitir. A chave pública, por seu turno, será capaz de "abrir", de "descriptografar" apenas as mensagens que foram criptografadas pela chave privada a ela associada. A cada chave privada de criptografia existe uma — e uma só — chave pública associada e, obviamente, cada par de chaves estará associado a apenas um usuário, a apenas uma pessoa como "proprietária". Antes de aprofundar no tema da assinatura digital, deve-se precisar o que vem a ser a "mensagem" de dados trocada entre os usuários. Para as pessoas, pode ser um contrato de compra de ações, ou até mesmo um "título de crédito virtual". Para o computador, trata-se de um arquivo de dados transmitido por via digital, também conhecido como EDI (Electronic Data Interchange). Por ser um arquivo de dados digital, transmitido por meio de computador e utilizado, conforme certos padrões, pelo comércio eletrônico, trata-se de um recurso da maior relevância para a viabilização das transações comerciais. Retornando ao tema da criptografia, percebe-se que cada pessoa deve ter uma chave privada de criptografia, que somente ela conheça, e uma chave pública, utilizada para "abrir" os documentos digitais criptografados pela chave privada. A grande vantagem dessa idéia é que a chave privada de criptografia não é do conhecimento de terceiros, garantindo, assim, maior segurança para o seu dono contra eventuais fraudes. O funcionamento prático da assinatura digital envolve, ainda, a necessidade de uma terceira parte desinteressada, que faz a certificação de que a chave privada utilizada é mesmo do assinante do documento digital (o que pode ser, ainda, por exemplo, do emitente da "nota promissória virtual"). Esta terceira parte é a Autoridade de Certificação8. A própria legislação alemã supracitada traz um conceito bastante didático da Autoridade de Certificação: (2) Para os propósitos desta Lei, Autoridade de Certificação significa uma pessoa natural ou jurídica que certifica a atribuição de chaves públicas de assinatura para as pessoas e para tal possui uma licença conforme o § 4º desta Lei. A Autoridade de Certificação desempenha, pois, a tarefa de comprovar, mediante a emissão de um certificado, que o assinante daquele documento digital é efetivamente a pessoa com quem a outra parte espera estar negociando. Em resumo, se o credor recebe uma confissão de dívida virtual e se o CA emitir o certificado, não restarão dúvidas de que os aspectos formais do documento digital estarão sendo respeitados. Há, pois, garantia jurídica para o credor. Um pequeno detalhe que não deve passar despercebido é o conceito de certificado. Assim o conceitua o Prof. Froomkin, da Faculdade de Direito da Universidade de Miami: Um certificado é uma afirmação emitida por uma Autoridade de Certificação que provê a confirmação independente de um atributo afirmado por uma pessoa titular de assinatura digital9. Do conceito acima, conclui-se que o certificado pode assegurar não só quem é a pessoa que assinou digitalmente o EDI, bem como outros parâmetros. Consegue-se assim certificados de hora, residência, maioridade, dentre outros. Deve-se ater, todavia, ao certificado que atesta a identidade do emissor do EDI, do "assinante digital". Também a legislação alemã pertinente à matéria em discussão elenca, de forma taxativa, os elementos que devem estar contidos nos certificados10. Uma pergunta pode ficar do estudo dos CA’s: Teria um emissor de certificado funções análogas às de um cartório? Seria o CA uma espécie de "cartório virtual"? A analogia não é de toda absurda. Tanto não o é que a própria American Bar Association e a United States Arm of the International Chamber of Commerce estão estudando a possibilidade da criação de uma nova espécie de notário: o CyberNotary. Retornando, pois, à assinatura digital, pode-se dizer que ela nada mais é do que um identificador acrescido a um determinado pacote de dados digitais, gerado por uma chave privada de assinatura do assinante e que só será decodificado por uma chave pública associada àquele assinante e garantida por uma autoridade de certificação (CA), que faz a identificação das partes e a posterior certificação, emitindo certificados de autenticidade da chave pública utilizada. Uma vez recebido o certificado de autenticidade emitido pela autoridade competente, surge uma presunção juris tantum de que, do outro lado, está realmente o dono da assinatura digital, o que possibilita não só o fechamento de contratos virtuais, mas também o crédito por meio das redes de computadores; daí a origem dos "títulos de crédito virtuais". Tome-se um exemplo ilustrativo do funcionamento do recurso em tela, em um contrato de negociação de ações celebrado pelas partes por meio da rede de computadores: De um lado, o investidor "I", e, do outro, o vendedor, por exemplo, uma companhia chamada "C". A empresa exige, para fazer a transferência da ação, que o investidor emita uma confissão de dívida digital, um "título de crédito virtual", contendo os requisitos formais de uma nota promissória. Tal exigência é atendida pelo interessado, que vai transmitir a nota por meio do ambiente digital (um EDI). Antes de transmiti-la, o investidor vai criptografá-la, fazendo uso de sua chave privada de criptografia. O título está criptografado e nele foi inserida uma marca que é a assinatura digital do emitente. A empresa recebe o documento criptografado e o envia, por meio da rede de computadores, à Autoridade de Certificação (por intermédio de seus computadores ligados na rede), que possui a chave pública, associada ao investidor, de abertura (única capaz de "descriptografar" a mensagem codificada pelo investidor com sua chave privada). O CA tenta abrir a mensagem criptografada. Como a chave pública de uma pessoa abre somente as mensagens criptografadas pela chave privada a ela associada, se a mensagem for "descriptografada" com sucesso, o CA pode emitir um certificado garantindo que a assinatura digital do investidor apontado foi encontrada naquela mensagem e que do outro lado está realmente a pessoa com quem a empresa quer celebrar o contrato. Do contrário, se a chave pública não abrir o EDI criptografado, não será expedido o certificado, uma vez que tal fato significa que o documento digital não está "assinado" pelo dono da chave privada associada. Nota-se, mais uma vez, que se pretende garantir a segurança jurídica dos negócios virtuais. O importante é ressaltar que qualquer alteração na estrutura do documento eletrônico compromete a assinatura. Assim, o assinante tem a garantia de que os termos de sua manifestação de vontade não serão mudados. Um problema evidente que surge é o risco de o proprietário de uma chave privada perdê-la. Uma pessoa passaria a ter acesso à "assinatura" de outra. O mau uso pode ocorrer. Daí surge a inevitável pergunta: haveria responsabilidade do CA em certificar uma assinatura utilizada por outrem? E, ainda: estaria o dono da chave privada, indevidamente utilizada por outrem, sujeito a adimplir eventual contrato que não tem sua efetiva participação? Antes de responder a tais questões, julga-se da maior importância considerar duas situações distintas: na primeira, o usuário comunica ao CA a perda da chave privada e pede seu conseqüente cancelamento; na segunda, não ocorre tal providência . Entende-se que, na primeira hipótese, o CA deverá proceder ao cancelamento da chave privada perdida e da chave pública associada. Surgirá, assim, para o CA, a obrigatoriedade de manter uma lista de certificados revogados, contendo as chaves inválidas. Trata-se da proposta legal contida no modelo alemão. É claro que, após tal comunicado, se o CA certificar uma operação que utilizou uma chave cancelada, sua responsabilidade será patente, estando o antigo proprietário da chave isento de qualquer responsabilidade. O problema surge para o particular quando este é desapossado de sua chave privada e não comunica o fato ao CA. Ora, sem tal comunicação, o CA poderá certificar eventualmente uma operação não efetuada pelo legítimo dono da chave. Uma vez que a assinatura digital, devidamente certificada, gera uma presunção de que, do outro lado, está o dono da assinatura associada ao conjunto de chaves privada-pública, entende-se que o ônus da prova desloca-se para o particular. E, mais, a situação ainda se complica quando se pensa na possibilidade da presença de um terceiro de boa-fé que poderia estar eventualmente envolvido. Há de prevalecer tal posição, pois do contrário a segurança jurídica estaria comprometida, visto que o certificado emitido pelo CA estaria sujeito a contestações judiciais, cabendo ao credor o ônus de provar que, embora tenha recebido a certificação de um CA, aquele certificado corresponde a uma assinatura digital gerada por uma chave privada não usada de má-fé. Como o Direito não socorre aqueles que dormem, cabe ao dono da chave privada mantê-la o mais bem protegida possível e comunicar qualquer furto ou perda com a maior brevidade. A legislação de Utah11 baseia-se neste esquema, ou seja, impõe ao consumidor o ônus de comunicar a perda da chave privada. Nota-se que há duas questões distintas relacionadas à assinatura digital: a primeira refere-se à eficácia probatória dos contratos celebrados por meio dos computadores e a segunda está mais próxima da discussão acerca da segurança e privacidade dos usuários dessa nova tecnologia. Como se pode perceber, ainda neste final de século, o tema é novo e vem despertando movimentos legiferantes em todo o mundo, culminando com a proposta de lei uniforme da UNCITRAL. Trata-se de uma matéria de grande interesse não só para o advogado como para o público que, em breve, há de ter disponível uma poderosa ferramenta destinada a agilizar e facilitar o comércio virtual com maior segurança. Um ponto que não se pode perder de vista é o aspecto internacional do comércio virtual, associado ao fato de que a Internet está bastante difundida pelos mais variados países. Embora seja intuitivo que uma rede de computadores, espalhada por todo o mundo, ligada em tempo real, e a baixo custo, crie um ambiente global, ainda assim torna-se importante lembrar tal característica das redes amplas de computadores a fim de que sempre seja possível pensar em soluções propostas para o Direito Comercial Virtual em termos o mais amplo possível. Devem ser lembradas as palavras de Roberta Cooper Ramo, Presidente da American Bar Association, que conceituou, em recente artigo, a Internet como sendo criadora de uma comunidade ao longo do mundo, operando em tempo real. É exatamente nesse sentido que se entende que a legislação deve, a exemplo do modelo alemão, reconhecer a validade dos certificados emitidos por CA’s de outros Estados. No caso brasileiro, tome-se a situação do Mercosul, por exemplo. Não há motivos para se criarem barreiras à validade de um certificado emitido nos demais países do bloco. É claro que se trata de mais um tema para discussão nos tratados internacionais. III - O Direito Comercial Virtual e as Bolsas de Valores Agora que já foi exposta a forma legal de se efetuarem com segurança os contratos comerciais por meio dos computadores, vejamos como tem sido a prática no mercado de valores mobiliários. Se no Brasil ainda não temos uma atuação efetiva por parte da CVM quanto à oferta de ações por intermédio da Internet, a experiência da SEC serve-nos de referência preliminar. A SEC começou a desenvolver seu sistema eletrônico de disclosure em 1983. Ao longo da década de 80, foram disponibilizadas diversas versões experimentais do sistema para voluntários, até que, em 1991, o sistema ficou disponível; seu nome: EDGAR — Electronic Data Gathering, Analysis, and Retrieval12. Em 23 de fevereiro de 1993, a SEC emitiu quatro comunicados sobre a adoção de regras provisórias. Segundo essas regras, quase todos os documentos processados pelas divisões de Corporation Finance e Investment Management deveriam passar a ser preenchidos por meio eletrônico de transmissão direta. No dia 19 de dezembro de 1994, a SEC emitiu o comunicado Securities Act n. 7.122 (59 FR 67752), estabelecendo o caráter permanente daquelas regras e tornando-as aplicáveis a todos aqueles sujeitos a registro no país e às respectivas partes interessadas. Diversos tipos de documentos podem ser submetidos ao registro eletrônico da divisão Corporation Finance: os relatórios anuais dos possuidores de títulos, fornecidos à SEC, com vistas às informações relativas às regras sobre procurações, às solicitações de isenção e aos relatórios sobre os planos de benefícios de empregados. Dessa forma, por meio do EDGAR, é possível que qualquer pessoa ligada à Internet tenha acesso a toda informação pública submetida eletronicamente para a SEC. A partir de 1º de janeiro deste ano, a SEC passou a exigir o preenchimento eletrônico obrigatório de vários documentos de disclosure13. O outro lado da moeda é o que se refere à negociação de valores mobiliários por intermédio das redes de computadores. O primeiro lançamento público de ações pela Internet ocorreu em 1996. A responsável foi a Spring Street Brewing Company, uma empresa americana especializada em fabricação de cervejas do tipo belga, que procurou levantar capital de giro por meio de uma oferta pública de ações na Internet14. Foi apurado um total de US$ 1.600.000,00 com a venda de 844.581 ações ordinárias, a mais, de 3.500 investidores particulares. Vale lembrar que a cervejaria conseguiu uma economia com as despesas de corretoras. Deve-se ressaltar que o lançamento foi embasado na Regulation A do Securities Act de 1993, que permite o lançamento de títulos até o limite de cinco milhões de dólares por meio de procedimentos simplificados. A seguir, a empresa SSB criou uma espécie de "mercado secundário virtual" em um computador ligado à Internet onde seus acionistas poderiam negociar seus títulos15. A SEC concedeu uma aprovação preliminar para tal operação em 1º de maio de 1996. A cervejaria deu a esse sistema o nome de Wit-Trade, decorrente do nome originário de uma cerveja de sua fabricação (Wit-Beer). Wit-Trade é um mecanismo baseado num BBS, onde as pessoas procuram eventuais parceiros para comprar ou vender ações ordinárias da SSB. Em suma, por meio da Wit-Trade, pode-se acompanhar a evolução das ações ordinárias da SSB como nos meios tradicionais de informações financeiras, sem custos adicionais, tais como corretagens ou comissões. No que tange ao embasamento legal dessas operações, tem sido aplicada a Rule 254 da Regulation A, a qual permite que o emitente de títulos publique e distribua, a eventuais tomadores de ações, materiais publicitários, por meio do rádio ou televisão. No caso do material exposto na Internet, os arquivos desta equivalem, por analogia, ao papel do rádio e da televisão. A Rule 255 da Regulation A também permite o uso de circulares de ofertas preliminares a fim de facilitar os entendimentos do negócio. Trata-se de uma boa ferramenta para divulgação dos negócios na comunidade da Internet, com o uso concomitante do correio eletrônico. Uma outra experiência interessante está sendo levada a cabo pela Pennsylvania Securities Commission, que, numa iniciativa que visa facilitar o ingresso de capital nas empresas, autorizou que as Companhias ofereçam valores mobiliários por meio da Angel Capital Electronic Network (ACE-Net). Tal sistema, disponível pela Internet, coloca em contato as empresas com milhares de grandes investidores, conhecidos como Angels. Trata-se de investidores bem sucedidos e que sabem acompanhar os riscos de investimentos em títulos de companhias abertas ainda em crescimento16. Ocorre que as operações por meio da ACE-Net são disponíveis apenas para investidores cadastrados, e não para o público em geral. Cuida-se de uma política que visa preservar a confiabilidade das operações desse novo meio. Para que se possa ter uma idéia, a Pennsylvania Securities Commission não aceita que pessoas que já sofreram sanções disciplinares por operarem indevidamente no mercado acionário possam cadastrar-se para uso do sistema computadorizado17. Hoje inúmeras transações de ações são realizadas nos Estados Unidos pela Internet, tendo como principais vantagens a redução do custo de corretagem e a possibilidade de acesso por inúmeras pessoas ao longo do globo. A principal preocupação da SEC reside em fornecer um mecanismo seguro de regras para a oferta de ações via redes de computadores. Um ponto que decorre naturalmente dessa questão é o que se refere à possibilidade de fraudes. A primeira solução é a utilização dos recursos tecnológicos da criptografia assimétrica, o que, todavia, deve ocorrer sem embargo da proibição e fiscalização de certas práticas abusivas, como a "manipulação de mercado18" e o spamming (transmissão de mensagem, normalmente falsa, a inúmeros investidores por meio do correio eletrônico). A título ilustrativo, pode-se citar o recente caso da Pleasure Time, Inc. Foi levada a notícia à SEC de que John C. Hicks e um sócio haviam levantado quantias da ordem de três milhões de dólares com a venda de títulos a milhares de investidores contactados pela Internet. Foi questionada a inobservância a determinadas formalidades legais referentes à venda de ações. No mesmo dia, por intermédio de uma medida cautelar, os bens dos envolvidos ficaram indisponíveis. Logo em seguida, foram devolvidos os valores investidos. IV - O "problema do ano 2000" e o Direito Societário Em se tratando de problemas que a informática pode trazer ao mercado de valores mobiliários, sem embargo das fraudes, parece-nos que o mais relevante atualmente é o chamado "problema do ano 2000", também conhecido como "o bug do milênio", ou ainda, Y2K. Em breves linhas, trata-se da questão decorrente do fato de a maioria dos programas de computador utilizar apenas dois dígitos para representar o ano. Assim, "99" representa o ano "1999"; "98", o ano "1998"; e, sucessivamente, em linha decrescente, "01" representa o ano "1901". Não é difícil concluir que "00" é interpretado pelo computador como "1900". O problema é de solução aparentemente simples. Ao invés de dois dígitos, os programas devem passar a utilizar quatro dígitos para armazenar o ano. Assim, não teríamos "00", e sim, "2000". Não se trata de uma solução difícil de ser implementada, todavia, em se tratando de grandes companhias, como bancos, fabricantes de automóveis, empresas aéreas; o número de linhas de programação é tão grande que a alteração passa a envolver custos gigantescos. Em artigo publicado na Gazeta Mercantil19, há uma referência a valores iniciais de quatorze bilhões de dólares que poderão alcançar o triplo dessa soma. E, mais, considerando-se a compra de novos equipamentos e programas, a conta mundial pode crescer para seiscentos bilhões de dólares. Em uma pesquisa realizada na Argentina aponta-se que o orçamento previsto para consertar o bug na Previdência e em outras áreas do setor público alcança dois bilhões e meio de dólares. O problema em foco tem fomentado inúmeras ações judiciais nos Estados Unidos, o que é explicado pela dependência da economia americana em relação aos sistemas informatizados. Ocorre que as companhias abertas americanas, em decorrência das Seções 11 e 12 do Securities Act de 1933, bem como da Rule 10b-5 under Securities Exchange Act de 1934, devem fazer o disclosure de todas as informações acerca de fatores de risco que podem causar impacto na operação da empresa, a ponto de afetar os resultados. O não-atendimento dessa imposição legal acarreta responsabilidade da companhia. Assim, se uma determinada companhia não apresenta, corretamente, seus custos envolvendo o conserto do Y2K, surge, para os acionistas, um direito de ação em face da companhia. Como a Rule 10b-5 do Securities Exchange Act de 1934 trata da responsabilidade dos diretores por erros no disclosure, nota-se, claramente, que um tratamento inadequado que a companhia possa dispensar ao "problema do ano 2000", ao ponto de refletir negativamente em suas ações, pode levar ao ajuizamento de ações derivadas pelos acionistas. Resta agora aguardarmos os impactos negativos que o problema causará no mercado de valores mobiliários, bem como possíveis erros graves de programação que aparecerão na virada do ano 1999 para o ano 2000 e as batalhas judiciais que certamente virão. Por fim, fica a certeza de que o meio virtual oferece inúmeras oportunidades para o comércio em geral que já são mundialmente utilizadas. Cabe, agora, ao Direito, em sua tarefa, quase sempre árdua, de prover instrumentos capazes de viabilizar a segurança das relações humanas, adaptando-se a essa nova realidade tecnológica. NOTAS BIBLIOGRÁFICAS 1 Também conhecidas como Wide Area Networks-WANs, as redes amplas ligam computadores localizados em cidades distintas, vencendo a "Tirania da Geografia". Por outro lado, redes restritas a um mesmo ambiente físico (como um escritório, ou mesmo um prédio) são redes locais: Local Area Networks-LANs. Existem ainda as intranets, redes formadas pelos computadores de uma empresa, com acesso à Internet. 2 Modelo de lei uniforme da UNCITRAL para o comércio eletrônico. Trata-se do excerto do relatório da United Nations Commission on International Trade Law (UNCITRAL), apresentado na 29ª Assembléia-Geral realizada entre 28 de maio a 14 de junho de 1996. 3 ALEMANHA. Federal Act Establishing the General Conditions for Information and Communication Services — Information and Communication Services Act — Informations — und Kommunikationsdienste-Gesetz-IuKDG. 4 Trata-se do Utah Digital Signature Act, de 1995. 5 Dos 39 Estados norte-americanos, lidando com legislações acerca da matéria, 16 tratam especificamente de assinaturas envolvendo criptografia forte (chaves privada e pública). Estados como Flórida, Indiana, Mississippi e New Hampshire incluem a definição tanto de assinatura eletrônica quanto de assinatura digital. Outras referências acerca do tema e detalhamento encontram-se na seguinte publicação: SMEDINGHOFF, Thomas J. Analyzing State Digital Signature Legislation. Fort Knox Forum. Fort Knox Escrow Services, Inc. [Out/1997] 6 RSA Laboratories <http://www.rsa. com>. 7 Dentre as propostas de lei, citam-se o Encrypted Communications Privacy Act — S 376 e o Security and Freedom through Encryption Act (SAFE) — HR 695. 8 Conhecidos como certification authority, ou, simplesmente, CA. 9 FROOMKIN, Michael. The essential role of trusted third parties in electronic commerce. Oregon Law Review, Vol. 75, 1996, p. 49-115. 10 Trata-se do § 7º do art. 3º da Lei Alemã de Assinatura Digital. 11 Lei de Assinatura Digital de Utah, § 46-3-406 (1996). 12 "Agrupamento, Análise e Recuperação de Dados por Meio Eletrônico". 13 Trata-se da Rule 14 of Regulation S-T, October 24th, 1997. 14 A fonte de consulta utilizada foi, dentre outras: GREG, Desmond. Internet Stock Offerings. 15 O sistema foi considerado pela SEC, em 22 de março de 1996, como um mecanismo inovador com potencial para prover a empresa de acionistas com investimentos de maior liquidez. 16 Maiores referências estão disponíveis em: PENNSYLVANIA SECURITIES COMMISSION. Securities Offerings on the Angel Capital Electronic Network and the Pennsylvania Sucurities Act of 1972 (1972 Act). Release n. 96CF-5. 17 Pennsylvania Securities Commission, Division of Corporation Finance, Release n. 96-CF-5, de 23 de dezembro de 1996. 18 A "manipulação de mercado virtual" ocorre no caso do spoofing (logro), quando uma pessoa se faz passar por um membro influente de uma companhia de capital aberto, ou, pior, utilizando-se da identidade de um acionista realmente influente, busca obter informações da empresa para, fazendo uso delas, criar um anúncio virtual e, daí, interferir no preço dos títulos. 19 GROSS, Neil. Consertar o "bug" custa muito caro. Gazeta Mercantil, São Paulo, 31 dez. 1997. Empresas e negócios, informática & telecomunicações, p. C-2. AS BOLSAS DE VALORES E OS VALORES MOBILIÁRIOS NEWTON DE LUCCA: Mestre, Doutor, Livre-Docente e Adjunto pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e Juiz do Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Considerações preambulares Já se disse, com extrema propriedade, que entusiasmo é aquele estado de ânimo com o qual a imaginação triunfa sobre o raciocínio1. Permito-me invocar a máxima, desajeitadamente, embora não como canhestra tentativa de dar, eventualmente, um tom pretensamente literário ao início dessas singelas palavras (ainda que, no íntimo, esse desejo escondido de escriba frustrado me persiga implacavelmente até hoje...), mas com o confessado propósito de tentar justificar a minha presença na fase crepuscular desse nosso memorável simpósio. Com efeito, só poderá ter sido mesmo o meu entusiasmo pelo tema dos valores mobiliários que terá levado o eminente Ministro Fontes de Alencar, de um lado, ilustre Coordenador-Geral da Justiça Federal e Diretor do Centro de Estudos Judiciários — a quem não me canso de render as mais sinceras homenagens pelo brilhante trabalho que vem realizando à frente desse Centro — e, de outro lado, o eminente Ministro Adhemar Maciel, Coordenador do evento, a me formularem tão honroso convite. Assim, só me resta esperar que a circunstância pouco alentadora para a platéia de contar apenas com um entusiasta — e não por quem detenha, efetivamente, o conhecimento científico-doutrinário sobre o tema proposto — possa ser parcialmente compensada pela sincera vontade que tenho de despertar e de estimular o interesse dos mais doutos sobre a matéria. I - Estrutura e função das bolsas de Valores Bem sei que tenho-me repetido muito ao insistir nessa idéia fundamental de que os estudos dos institutos jurídicos não podem mais, a partir das preciosas contribuições de Ascarelli e de Bobbio, ficar adstritos à procura de sua natureza jurídica, tão em voga ao longo da centúria passada e mesmo com algum prestígio no presente século. Há de ter o jurista moderno a sua visão não apenas ontológica dos institutos jurídicos, devendo levar em consideração, necessariamente, também os aspectos de sua natureza teleológica. Mas, ao fazê-lo, haverá de levar em conta a sábia e oportuna advertência do Eminente Professor Fábio Konder Comparato2: Essa consideração biangular dos institutos jurídicos, que já passou em julgado como o melhor método de exposição do direito, só alcança porém sua plena virtualidade quando se percebe que não se trata de uma antinomia, mas de idéias complementares. A estrutura de qualquer norma ou instituto jurídico deve ser interpretada em vista das funções, próprias ou impróprias, do conjunto de seus elementos ou disposições: e toda função é limitada pela estrutura do conjunto. O ensinamento ganha especial relevo em matéria de bolsas de valores e de mercado de valores mobiliários, pois estamos diante de uma realidade em que os instrumentos são criados e desenvolvidos tendo em vista um fim claramente perseguido por uma política econômica3 que não se acha apenas consagrada em textos de lei como também na própria Constituição Federal. Não se estará dizendo muito, portanto, quando se afirma obedecer o regime jurídico das bolsas de valores e dos valores mobiliários nelas negociados a essa diretriz fundamental de nossa Carta Magna, consubstanciada na livre iniciativa, um dos fundamentos da nossa ordem econômica (CF, art. 170, caput) e, igualmente, de nossa própria República (CF, art. 1º , inc. IV). Vamos, agora, para maior facilidade no trato de nosso tema, rememorar alguns conceitos que nos interessam de perto, tais como: Sociedade Aberta, Bolsas de Valores, Mercado de Valores Mobiliários, Mercado de Bolsa, Mercado de Balcão, além da própria noção do que sejam os Valores Mobiliários. Comecemos, então, pela definição de Sociedade Aberta. Dispõe o art. 4º da Lei n. 6.404/76 que: Para os efeitos desta lei a companhia é aberta ou fechada conforme os valores mobiliários de sua emissão estejam ou não admitidos à negociação em bolsa ou no mercado de balcão. Parágrafo único: Somente os valores mobiliários da cia. registrada na Comissão de Valores Mobiliários podem ser distribuídos no mercado e negociados em bolsa ou no mercado de balcão. Antes do advento da Lei n. 6. 404/76, as companhias que tivessem suas ações negociadas nas bolsas de valores eram consideradas sociedades de capital aberto, de conformidade com a chamada Lei do Mercado de Capitais —, Lei n. 4.728, de 14 de julho de 19654 — tendo sido tais sociedades equiparadas às companhias abertas pela Resolução n. 457, de 21 dezembro de 1977, do Conselho Monetário Nacional, que assim dispôs: para todos os efeitos legais e regulamentares, serão consideradas como sociedades anônimas de capital aberto todas as companhias abertas5. Assim, salvo como valor meramente histórico, inexiste utilidade prática na distinção entre companhia aberta e sociedade de capital aberto. Voltemos, então, ao conceito de companhia aberta. Percebe-se, pelo texto desse art. 4º, que o critério levado em conta pela Lei n. 6.404 foi o de financiamento da sociedade, isto é, quando os recursos de capital de uma sociedade são buscados junto ao público, nós estamos diante de uma companhia aberta, sendo fechada, ao revés, quando a sociedade é financiada pelos seus próprios acionistas. Socorro-me, uma vez mais, do eminente Prof. Fábio Comparato que em seu tão citado Aspectos Jurídicos da Macro-Empresa destacou: Em certa passagem da sua Ciência da Lógica, Hegel observou que os aumentos quantitativos acabam redundando em modificações qualitativas dos seres. Invocando o exemplo das combinações químicas, mostrou como a mudança na quantidade provoca nós ou saltos específicos na natureza. E concluiu que o mesmo fenômeno pode ser observado na vida moral, onde nos encontramos em presença da mesma transformação do quantitativo em qualitativo, e de diferenças de qualidade que parecem corresponder a diferenças de grandeza6. Assim, a par do conceito legal de companhia aberta fornecido pela lei, é fácil imaginar que essas sociedades pressupõem, em primeiro lugar, uma grande pluralidade de tomadores dos valores mobiliários por elas emitidos e, em segundo, um grau de dispersão entre esses tomadores que os impeça de defender adequadamente os seus interesses perante os controladores e administradores dessas entidades. Daí que se torna indispensável a fiscalização e o controle, por parte do Poder Público, da atividade empresarial das companhias abertas e do universo de suas relações com essa ampla coletividade de acionistas ou debenturistas, despreparada que está esta última — pelo menos presumivelmente — para a eficaz defesa de seus interesses. Era escusado esclarecer, talvez, que não estamos querendo dizer, com essas últimas considerações, que a pluralidade de investidores e o fator de dispersão existente entre eles seja o critério da lei para caracterizar o regime jurídico da companhia aberta. Vimos que, pelo texto do art. 4º, basta que haja a oferta ao público das ações, debêntures ou de outros títulos emitidos pela companhia, para que esta já seja considerada aberta, independentemente do número de tomadores. O conceito de oferta ao público, existente na lei, é bastante amplo e bastou ter existido a negociação de ações no mercado de Bolsa ou de balcão para que a companhia se submeta ao regime especial estabelecido pela lei. A esse propósito, diz-nos o ilustre Prof. Modesto Carvalhosa: Em conseqüência, a maneira de configurar esse regime é simples. Basta que as ações tenham sido negociadas no mercado de valores mobiliários por meio de qualquer instituição que o integre (bancos de investimentos, sociedades corretoras, distribuidoras, agentes autônomos etc.), ou, então, se houver inclusão dessas ações em qualquer fundo de investimento, para que a sociedade emissora das ações, debêntures, bônus de subscrição, certificados de depósitos de ações, partes beneficiárias, seja caracterizada como companhia aberta7. As conseqüências de ser a sociedade anônima caracterizada como companhia aberta são tão numerosas8, no que se refere a seu regime jurídico, que me parece procedente a conclusão de serem elas mais diferentes, estrutural e funcionalmente, das sociedades anônimas fechadas, — malgrado a identidade de nome e de texto legal que as regula — do que estas últimas o são em relação às sociedades por cotas de responsabilidade limitada.9 Vejamos, agora, as noções de mercado de bolsa e mercado de balcão. Considerase mercado de bolsa, diz o Prof. Modesto10, (...) aquele em que as transações efetuam-se num local determinado e adequado ao encontro de seus membros (sociedades corretoras) e à realização, entre eles, de transações de compra e venda de títulos e valores mobiliários, em mercado livre e aberto, especialmente organizado e fiscalizado pela associação civil que o mantém e pela Comissão de Valores Mobiliários. Já o mercado de balcão, segundo o mesmo jurista, (...) é o conjunto de transações concluídas diretamente entre instituições ofertantes e aceitantes, sem qualquer interferência de terceiros, convencionando-se livremente o valor da transação, sem embargo da fiscalização que a Comissão de Valores Mobiliários exerce sobre essas atividades. No que concerne ao conceito doutrinário das bolsas de valores, muito haveria o que se dizer. São muitas, na verdade, tanto as definições quanto as discussões que poderemos encontrar sobre essas entidades. Limitar-me-ei, no entanto, a apenas algumas delas. Sob o ponto de vista legislativo, em primeiro lugar, foram as bolsas consideradas órgãos auxiliares dos poderes públicos pelo art. 1º da Lei n. 2.146, de 29 de dezembro de 1953. Tratava-se, na verdade, de uma atecnia jurídica. Explicava-nos Pontes a respeito, logo após a transcrição desse artigo11: Não é bem isso. As bolsas oficiais de valores são bolsas, como quaisquer outras, para as operações de lançamento ou de compra e venda de títulos das entidades de Direito Público. Uma das suas funções é a de lançar títulos estatais, de subscrição pública, e outra, a de fiscalização desses lançamentos, de modo que lhes incumbe verificar a legalidade da subscrição dos títulos e das emissões, bem como a da subscrição pública (tomada pelo público)12. Pouco mais adiante, nosso insigne jurisconsulto voltou ao tema com maior vigor ainda: As bolsas oficiais de valores, diz a Lei n. 2.146, de 29 de dezembro de 1953, são "órgãos auxiliares dos poderes públicos, na fiscalização dos lançamentos de emissões de títulos, por subscrição pública". A expressão "órgãos" poderia sugerir que as bolsas de valores são partes integrantes do Estado. A Bolsa de Valores é organização de Direito Público, que depende de constituição pelo Estado; não é, porém, órgão do Estado. Daí estar o adjetivo "auxiliares" que se acrescentou a "órgãos"13. A Lei n. 4.728 terá sido mais técnica a esse respeito e não considerou as bolsas de valores como órgãos auxiliares dos poderes públicos, estabelecendo, em seu art. 6º, que elas teriam autonomia administrativa, financeira e patrimonial, funcionando com a supervisão do Banco Central do Brasil e de acordo com a regulamentação a ser expedida pelo Conselho Monetário Nacional14. O art. 7º dessa mesma lei delegou competência ao Conselho Monetário Nacional para fixar as normas gerais a serem observadas na constituição, organização e funcionamento das bolsas de valores. Com a Lei n. 6.385/76 voltou-se, de certa forma, à imprecisa terminologia anterior à legislação de 1965, pois foram as Bolsas de Valores consideradas entidades integrantes do Sistema de Distribuição de Valores Mobiliários (art. 15, inc. IV), incumbindo-lhes, como órgãos auxiliares da Comissão de Valores Mobiliários, a fiscalização dos respectivos membros e das operações nelas realizadas (art. 17, parágrafo único). No que se refere à função específica das bolsas de valores, sabe-se que é ela, fundamentalmente, a de promover a negociação dos valores mobiliários, motivo pelo qual é para estes que, nesse momento, a nossa atenção se volta. II - Estrutura, função e espécies dos Valores Mobiliários A discussão a respeito da natureza dos valores mobiliários, por si só, poderia ocupar todo o tempo de nossa palestra, se se quisesse levar adiante uma investigação conceitual de caráter científico-doutrinário. Se o próprio conceito de título de crédito — muito mais antigo e muito mais assente na literatura jurídica universal, a partir da concepção de Vivante — foi parcamente assimilado e elaborado pela doutrina nacional, que se poderia dizer, então, de uma noção muito mais recente e sobre a qual existem apenas algumas isoladas manifestações doutrinárias? Como é sabido, um título será tido como de crédito se ele for necessário para o exercício do direito literal e autônomo nele mencionado; conforme consagrado na célebre fórmula vivantiana15. Será valor mobiliário, no entanto, se estiver previsto no elenco constante do art. 2º da Lei n. 6.385, de 07/12/76. Em virtude dessa fundamental diferença, fizemos as seguintes considerações — ora resumidas — pouco após a edição do retrocitado diploma legal16: Cumpriria indagar, ante a disposição do art. 2.º da referida lei, qual é a relação existente entre os ditos "valores mobiliários" e os títulos de crédito. Seriam os primeiros uma espécie do gênero dos segundos? Ou simplesmente haveria uma analogia relacional entre duas categorias distintas uma da outra? De atentar-se que, no art. 2º da Lei n. 6.385, foi dito que "as ações, as partes beneficiárias e debêntures, os certificados de depósito de valores mobiliários" e outros títulos estariam sujeitos à nova disciplina legal. Como classificar-se, em conseqüência, com o novo texto legal, a ação da sociedade anônima? Seria ela um título de crédito ou um valor mobiliário? Ou, antes ainda, os valores mobiliários são ou não títulos de crédito? Parece-nos importante assinalar, desde logo, que os valores mobiliários não possuem um elemento peculiar que os distinga dos títulos de crédito. O único traço distintivo — se é que se possa falar assim — é o de que os valores mobiliários assumem, em princípio, a característica de serem negociados em mercado. Exatamente por serem negócios realizados em massa, cuidou a lei de proteger, por diversas formas, os titulares desses papéis. Mas, como é óbvio, não parece de nenhum rigor metodológico dizer-se que a negociação em mercado seja característica absoluto dos valores mobiliários. Não só no plano semântico, como no da própria Lei n. 6.385, inexiste justificativa dogmática para tal conclusão. ....... ....... Fixadas tais premissas, diríamos que o conceito de valores mobiliários não possui qualquer liame lógico com o de "títulos de crédito". Podem os títulos de crédito, em alguns casos, assumir as feições de valores mobiliários e, vice-versa, estes poderão, concomitantemente, ser considerados como aqueles. Mas são dois sistemas distintos, sem uma correspondência lógica entre ambos. Em outras palavras, o que torna um papel um título de crédito é algo completamente diverso daquilo que o faz considerá-lo, eventualmente, um valor mobiliário. Essas nossas observações mereceram dois reparos do eminente Prof. Waldírio Bulgarelli, que assim se pronunciou a respeito17: Não obstante o acerto das ponderações do autor, há de se fazer dois reparos: primeiro, há certo liame lógico entre as duas denominações, como foi mostrado por Ferri, como já vimos; segundo, é que se os títulos de crédito poderão vir a ser considerados como valores mobiliários (o que duvidamos nos casos, por exemplo, dos certificados de transportes ou de depósito etc.), a contrapartida não é verdadeira, pois não será qualquer valor mobiliário que poderá ser considerado título de crédito. De tais afirmações, todavia, não chegamos a destoar, pois nem afirmamos em algum momento de nossas considerações sobre a matéria se existiria ou não liame lógico entre as denominações e, muito menos ainda, que todo valor mobiliário poderia ser considerado título de crédito. Com efeito, existe sim uma divergência evidente entre o nosso pensamento e o daquele ilustre professor, mas ela não se localiza, rigorosamente falando, em nenhum dos dois reparos a que ele se referiu. Situa-se ela, na verdade, na seguinte passagem do Prof. Waldírio Bulgarelli18: (...) é bom lembrar que ao dispor a Lei n. 6.385 (art. 2º), sobre a possibilidade de virem a ser considerados como valores mobiliários, a critério do CMN, outros títulos, não falou em papéis ou documentos, mas se referiu expressamente a títulos, comprovando de certa forma a assertiva da subordinação da noção de valor mobiliário à condição de título de crédito. Entendemos, de nossa parte, que, tirante a aplicação subsidiária do endosso dos títulos cambiários (sendo estes últimos, como se sabe, espécie do gênero títulos de crédito) aos valores mobiliários, por expressa referência legal, não vemos qualquer outra subordinação destes últimos à teoria geral dos títulos de crédito. Quanto aos demais aspectos dessa apaixonante discussão, remetemos o leitor ao nosso A CambialExtrato19 no qual nos aprofundamos um pouco mais sobre a matéria. O que sempre sustentamos, com maior ênfase — e continuamos a fazê-lo no presente — é a inexistência de uma relação de gênero e espécie entre os títulos de crédito e os valores mobiliários, pois o que faz determinado papel vir a ser considerado, eventualmente, um valor mobiliário é algo inteiramente diverso do que o leva a categorizá-lo como sendo um título de crédito. Despiciendas, pois, maiores considerações a respeito. Os valores mobiliários constituem uma categoria legal e não um conceito doutrinário, para efeitos de identificação do regime jurídico a eles aplicável. Assim, são valores mobiliários aqueles previstos no art. 2º da Lei n. 6.385/76, isto é, as ações, as partes beneficiárias, as debêntures, os cupões desses títulos e os bônus de subscrição (inc. I); os certificados de depósito de valores mobiliários (inc. II); e os outros títulos criados ou emitidos pelas sociedades anônimas, a critério do Conselho Monetário Nacional (inc. III), valendo lembrar, neste último caso, que esse órgão incluiu no rol dos valores mobiliários: os direitos de subscrição de valores mobiliários, os recibos de subscrição de valores mobiliários, as opções de valores mobiliários, os certificados de depósitos de ações20e as notas promissórias emitidas por sociedade por ações, destinadas à oferta pública, que ficaram conhecidas por commercial papers21. Finalmente, em virtude da falta de regulamentação e de fiscalização em relação aos investimentos em parceria agrícola (mais conhecidos como de "boi gordo"), o próprio Governo Federal, por medida provisória do Presidente da República, houve por bem proteger os investidores desse mercado, considerando que tais investimentos coletivos deveriam ser controlados pela Comissão de Valores Mobiliários22. De resto, quadra assinalar que a função econômica exercida pelos valores mobiliários é inteiramente diversa da que é cumprida pelos títulos de crédito. Enquanto nestes mobiliza-se o crédito e promove-se a circulação de riquezas, a partir de negociações singulares realizadas pelos empresários no exercício de sua atividade, com emissão de títulos cambiários ou cambiariformes representativos dessas operações concretizadas, naqueles, como bem esclarece Ferri, desponta na linha de frente a mobilização de capitais das sociedades emissoras e a dispersão dos títulos perante a coletividade de investidores23. Passemos, agora, ao conceito de Mercado de Valores Mobiliários. Enquanto as noções de mercado financeiro e de capitais distinguem-se com certa facilidade, parecendo claro que o primeiro esteja voltado ao financiamento de recursos de curto prazo, com nítida proeminência dos Bancos Comerciais como principais agentes desse mercado, nele predominam operações de desconto de duplicatas e de empréstimos, cabendo ao segundo o papel de financiar recursos de médio e de longo prazos, tanto para bens de capital quanto para o consumidor final, com destaque para a atuação dos Bancos de Investimento e das Sociedades de Crédito, Financiamento e Investimento, a noção de mercado de valores mobiliários — onde serão negociadas as ações das sociedades anônimas, as debêntures, os bônus de subscrição, as opções de compra de ações, os certificados de depósito de valores mobiliários e outros — tende a ser confundida, por causa de sua similitude, com a de mercado de capitais. Explica-se o fenômeno, de um lado, pela simples cronologia dos fatos. De outro lado, decorre ele da semelhança de negociação existente entre esses dois mercados. Sob o primeiro aspecto, relembre-se que a Lei n. 4.595, de 31 de dezembro de 1964, alcunhada de Lei da Reforma Bancária, cuidara de reestruturar o Sistema Financeiro Nacional, criando, de forma até certo ponto serôdia24, um Banco Central, e acima dele, como órgão de cúpula desse sistema, o Conselho Monetário Nacional. Já a Lei n. 4.728, de 14 de julho de 1965, disciplinadora, entre tantas outras coisas25, do mercado de capitais propriamente dito, embora com caráter nitidamente complementar à Lei n. 4.595 — redefinindo e ampliando, por exemplo, a competência do Conselho Monetário Nacional e do Banco Central do Brasil —, voltara-se para propiciar o financiamento tanto da produção quanto do consumo de bens duráveis, mediante o mecanismo das chamadas letras financeiras26, com cláusula de correção monetária, possibilitando a existência de um mercado que não poderia ser atendido pelos bancos comerciais que, por longa tradição, sempre foram captadores de recursos de curto prazo27. Quanto ao segundo aspecto relativo à tendência natural de serem confundidas as noções de mercado de capitais e de mercado de valores mobiliários — decorrente da semelhança de negociação existente entre esses dois mercados —, cumpre observar-se, antes de mais nada, que em ambos existe uma finalidade comum, qual seja, a de que em ambos se pratica uma captação de recursos destinada à capitalização das empresas. A diferença só se torna mais palpável pela razão de que no mercado de capitais são também negociados os títulos públicos, enquanto no mercado de valores mobiliários essa modalidade acha-se expressamente excluída por força do parágrafo único do art. 2º da Lei n. 6.385/76. De toda sorte, nunca será demais insistir na idéia de que estão presentes em nossa realidade econômica três diferentes tipos de mercado: o financeiro, o de capitais e o de valores mobiliários28, podendo conceituar-se este último como: (...) aquele em que são negociados os valores de que trata o art. 2º da Lei n. 6.385/76, que se destinam, basicamente, ao financiamento do capital das empresas, seja sob a forma de percentagem no seu capital social (ações), seja sob a forma de mútuo (debêntures). Essa distinção tricotômica, porém, não apresenta maiores diferenças práticas. Embora se possa dizer que o Mercado de Valores Mobiliários esteja sob a tutela precípua da Comissão de Valores Mobiliários, enquanto o financeiro e o de capitais estejam sob a regulação, fiscalização e o controle do Conselho Monetário Nacional e do Banco Central do Brasil, compete por lei ao CMN, igualmente, definir a política a ser observada na organização e no funcionamento do Mercado de Valores Mobiliários29. Vamos fazer, agora, completando esse item II da exposição, apenas um vôo — meramente panorâmico — sobre as espécies de valores mobiliários30. Ações das sociedades anônimas abertas Já salientamos, em diversas oportunidades anteriores — e sempre estribado num ensinamento preciso de Ascarelli31 —, que as ações das sociedades anônimas não conferem a seu titular propriamente um crédito — nem portam consigo um direito literal e autônomo nelas mencionado, conforme costumamos acrescentar para diferenciá-las dos títulos de crédito —, mas antes, com maior rigor dogmático, uma posição, isto é, um estado de sócio, do qual decorrem, por sua vez, uma série de direitos de natureza patrimonial32 e extrapatrimonial33 e, até mesmo, de obrigações, como as relativas ao pagamento das entradas das ações não-integralizadas. Tal ensinamento, sem dúvida precioso, serve para mostrar que esses direitos e obrigações têm como pressuposto comum a ação e não os direitos que decorrem desse pressuposto como, por exemplo, o direito ao dividendo e os cupões das ações que o representam, materializados em documentos distintos. Daí dizer Ascarelli, com o descortino habitual, que ela constitui um título de crédito ou título-valor, enquanto faculta a incorporação dessa posição num título que circula conforme as regras dos títulos de crédito, ou seja, transferindo um direito literal e autônomo; constitui, mais exatamente, um título de participação, enquanto — na categoria geral dos títulos de crédito ou títulos-valores — pode-se subdistinguir a subespécie dos títulos de participação, caracterizados justamente pelo fato de se prenderem à posição de membro de uma pessoa jurídica, ou seja, ao pressuposto, do qual, por seu turno, verificados eventualmente demais requisitos, decorrem direitos, poderes, obrigações diversas34. Note-se, no entanto, que a ação da sociedade anônima, a par de tais conceituações — ora configurada como um título de crédito35, com função predominantemente circulatória, ora como um título de participação, com função de corporificar — como vimos, as várias espécies de direitos decorrentes da condição de acionista, ela é, ainda, um valor mobiliário, por expressa disposição legal. Restaria indagar, então, quais seriam as principais conseqüências dessa categorização. Já observamos que a afirmação de ser a ação da sociedade anônima um valor mobiliário36, por si só, não parece conduzir a uma grande conseqüência prática. E assim acontece porque não existe uma teoria geral dos valores mobiliários, isto é, um conjunto de princípios sistematizados e coordenados logicamente que poderiam ser aplicados às ações das sociedades anônimas. Existem, na verdade, duas categorias distintas de valores mobiliários: uma primeira, a qual se aplicam as disposições da Lei n. 6.385/76 e demais normas da Comissão de Valores Mobiliários, cuja identificação decorre do art. 2º dessa lei; e uma segunda, de menor importância, por não se achar sujeita às regras fiscalizadoras da CVM. É fora de dúvida que a ação da sociedade anônima se acha enquadrada na primeira dessas categorias. Poder-se-ia dizer, em última análise, que a importância prática está em identificá-la como valor mobiliário previsto no art. 2º da Lei n. 6.385 e não simplesmente como valor mobiliário. Assim, as conseqüências de tal conclusão são as de que toda a disciplina normativa existente para o mercado de valores mobiliários — leis, decretos, resoluções, instruções, deliberações, pareceres de orientação da CVM etc. — aplica-se às ações das sociedades anônimas, como valores mobiliários que são sujeitos a tal disciplina. Exemplificativamente, poderíamos dizer que o valor nominal das ações das sociedades abertas não poderá ser inferior ao mínimo fixado pela CVM; a distribuição de emissão no mercado depende de prévia autorização da CVM; só agentes autônomos e as sociedades com registro na CVM poderão exercer a atividade ou corretagem de ações fora da bolsa; nenhuma emissão pública de ações poderá ser feita sem prévio registro na CVM; aplicação à companhia que tenha suas ações negociadas na bolsa ou no mercado de balcão de numerosas normas legais e regulamentares e assim por diante. Partes beneficiárias Trata-se de um título polêmico e que teve a sua existência suprimida no Direito francês vigente. Segundo a definição do Prof. Philomeno J. da Costa, baseada no Decreto-lei n. 2.627, muito pouco diferente da lei atual nesse particular, as partes beneficiárias constituiriam: Título de crédito sem valor nominal, representativo do direito a lucros de sociedade por ações, por esta emitido como remuneração de serviços prestados por fundadores, acionistas, terceiros ou como contraprestação de alguma operação social e resgatável no vencimento com fundos formados de parcelas dos lucros líquidos sociais. Questão interessante em relação às partes beneficiárias diz respeito à ordem de preferência estabelecida pelo art. 190 da Lei n. 6.40437, merecedora da autorizada crítica do também saudoso Prof. Fran Martins que, a par de considerar verdadeira excrescência a sobrevivência desse título entre nós, asseverava ser injusta essa ordem para com os acionistas da empresa que ficaram em posição de desvantagem em relação aos titulares de partes beneficiárias38. Já o Prof. Modesto Carvalhosa, mesmo compreendendo que a supressão desse título no Direito francês estivesse justificada pelo seu desuso na prática societária daquele país, entendeu compreensível a decisão do legislador pátrio em manter esse título de participação dentro de uma filosofia correta de abertura das possibilidades e dos mecanismos contratuais das empresas modernas, que, ao invés de suprimirem modalidades de negociação, devem, isto sim, ampliá-las39. Debêntures Para o Prof. Bulgarelli, as debêntures são títulos de crédito causais, representativos de frações de mútuo, com privilégio geral sobre os bens sociais ou garantia real sobre determinados bens, emitidos por sociedades anônimas, no mercado de capitais. Parece não existir dúvida quanto à natureza jurídica da debênture: tanto para a doutrina nacional quanto para a alienígena são elas incluídas na categoria dos títulos de crédito, circulando no mercado de valores mobiliários como se fossem títulos cambiais ou cambiariformes. Trata-se, como foi dito, de título causal, sendo o negócio jurídico subjacente à escritura de emissão. Se se trata de emissão de debêntures para distribuição no mercado — categorizando-se, por causa disso, como valores mobiliários — deverá constar dessa escritura de emissão a figura do agente fiduciário dos debenturistas, devendo existir a aprovação prévia da Comissão de Valores Mobiliários. A função das debêntures é evidente. Constituem elas um poderoso instrumento para a capitalização das companhias. O seu caráter público já houvera sido destacado por Carvalho de Mendonça40 : Estando em jogo a ordem pública e a moral, todos os países têm mais ou menos reconhecido a necessidade de regular esses empréstimos mediante normas especiais, sujeitando-os a um regime de sincera publicidade para dificultar, senão impossibilitar, os ardis e as fraudes. Exatamente por serem valores mobiliários, as debêntures estão sujeitas às disposições da CVM, que detém competência normativa sobre vários aspectos, podendo mencionar-se, exemplificativamente, as seguintes: — para fixar os limites para a emissão de debêntures negociadas em bolsa ou no balcão, ou a serem distribuídas no mercado (art. 60, § 3º); — para aprovar padrões de cláusulas e condições que devam ser adotados nas escrituras de emissão, recusando a sua admissão ao mercado da emissão que não satisfaça a esses padrões (art. 61, § 3º); — para estabelecer as normas sobre as atividades desenvolvidas pelo agente fiduciário dos debenturistas (art. 66 e §§); — para convocar a assembléia de debenturistas (art. 71, § 1º); — para autorizar a negociação, no mercado de capitais do Brasil, de debêntures emitidas no exterior (art. 73, § 4º). Bônus de subscrição Semelhantemente ao conhecimento de depósito e respectivo warrant — títulos xipófagos como a doutrina brasileira costuma os designar sugestivamente — eram os bônus de subscrição previstos pelo art. 44 e parágrafos da já citada Lei do Mercado de Capitais41, podendo o titular da debênture conversível, da qual originaram-se os bônus, subscrever as ações a que tinha direito desde que apresentasse, simultaneamente, o cupão respectivo. A não-apresentação do cupão significava a presunção de que o mesmo houvera sido negociado, autonomamente, conservando o titular da debênture apenas o direito de receber o crédito nela correspondente, enquanto o direito de subscrição de novas ações foi por aquele alienado a terceiro. Foram os bônus de subscrição definidos pela própria Lei n. 6.404 (art. 75 e §): São títulos negociáveis que conferirão aos seus titulares, nas condições constantes do certificado, direito de subscrever ações do capital social da empresa. Certificados de depósito em garantia A propósito deles, diz-nos a Exposição de Motivos: O art. 43 cria certificado de depósito de ações, da mesma natureza do conhecimento de depósito em armazém geral: é título emitido por instituição financeira, representativo de valores mobiliários por ela mantidos em depósito e que deverá substituir, na legislação em vigor, os certificados de depósito em garantia, regulados pelo art. 31 da Lei n. 4.728. O regime legal é o mesmo do conhecimento de depósito em armazém geral, com os ajustamentos da diversidade de natureza dos bens objeto do depósito. Como atrás já foi frisado, a relação dos valores mobiliários hoje existente no direito pátrio não se esgota nos títulos retromencionados, tendo sido criados, posteriormente à Lei n. 6.385, os Direitos de Subscrição de Valores Mobiliários, os Recibos de Subscrição de Valores Mobiliários, as Opções de Valores Mobiliários, os Certificados de Depósitos de Ações e as notas promissórias emitidas por sociedade por ações, destinadas à oferta pública, conhecidas no mercado por commercial papers, além dos contratos de parceria agrícola — ordinariamente designados como investimentos em boi gordo —, tudo sob a fiscalização e controle da Comissão de Valores Mobiliários42. III - Principais conclusões As bolsas de valores, de um lado, e os valores mobiliários, de outro, representam eficiente mecanismo de desenvolvimento da atividade empresarial. Há necessidade de dotar a CVM da mais poderosa infraestrutura de recursos materiais e humanos para o exercício da fiscalização e do controle de nosso mercado de valores mobiliários. Plasmada que foi à imagem e semelhança da Securities Exchange Comission norte-americana — que tão relevantes serviços tem prestado ao mercado bursátil daquele país — a nossa CVM, em que pese o meritório e assinalado esforço até aqui desenvolvido para a moralização de nosso mercado, não dispõe ainda do aparelhamento necessário para o pleno desempenho de seu inafastável papel. Cabe ao Poder Judiciário, também, dar uma significativa contribuição para que se ponha cobro aos abusos que, infelizmente, são muito amiúde cometidos em nosso mercado. É costumeiro que muitos administradores mal-intencionados, ao se acharem sob a fiscalização da CVM, batam às portas da Justiça Federal para, em nome de um pretenso direito à indevassabilidade de seus negócios, venham a obter liminares impedindo aquela entidade fiscalizadora de recolher as provas de sua conduta ilícita. Aos magistrados caberá, então, com o necessário e permanente cuidado, avaliar a necessidade de que tal fiscalização seja efetiva e eficazmente realizada, sem que legítimos interesses de sigilo empresarial possam estar sendo eventualmente violados. Aqui — talvez mais do que nunca — seja imprescindível a utilização da prudentia com que os romanos distinguiam o justo do injusto e que tão bem souberam buscar na frônessis grega. Muito mais do que as tecnicalidades do processo civil, que tanto parecem empolgar a todos, juizes e tribunais deveriam sempre praticá-la. NOTAS BIBLIOGRÁFICAS 1 Cfr. W. Warburton, Divine Legation, Livro V. 2 Cfr. Direito Empresarial, A reforma da empresa, Saraiva, p. 4 . 3 O Prof. Modesto Carvalhosa acentuou, em palestra pronunciada no Simpósio sobre Valores Mobiliários, igualmente organizado pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, realizado na cidade de Porto Alegre, em novembro do ano passado, o caráter eminentemente voltado à política econômica do governo brasileiro em relação à nossa Lei de Sociedade por Ações, ao contrário do que sucede, por exemplo, em países como a Inglaterra e os Estados Unidos da América nos quais inexiste essa função na lei acionária. E em sua clássica obra, tantas vezes citada no decorrer desta nossa exposição (Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, Ed. Saraiva, volume 1, Introdução à edição de 1997), o ilustre professor é enfático a respeito: tal retrocesso demonstra mais uma vez a persistência e aprofundamento do perfil institucional da lei societária, sempre a serviço das macropolíticas governamentais do momento. No caso presente, sua política está voltada a atender à implantação de um Estado neoliberal. Some-se a esse tatcherismo tropical a tendência sempre demonstrada pelos controladores e suas entidades de classe, contrários ao procedimento de eqüidade representado pela oferta pública. 4 Foram as Resoluções n. 16, 26, 106 e 176, do Conselho Monetário Nacional, que disciplinaram essa matéria, estabelecendo condições mínimas para a categorização de sociedade de capital aberto. 5 O inc. II dessa Resolução estabeleceu que continuaria a prevalecer a definição de companhia aberta, contida no item I da Resolução n. 436, de 20 de julho de 1977, até que a Comissão de Valores Mo biliários regulamentasse o art. 21 da Lei n. 6.385, de 07 de dezembro de 1976. 6 Editora Revista dos Tribunais, 1970, p. 1. 7 Cfr. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, edição Saraiva, 1997, vol. 1, p.32. 8 Cfr., a respeito, a importante listagem feita pelo Prof. Carvalhosa (ob. cit., p.32/33) dos vários artigos da Lei n. 6.404 que estabelecem disciplina estatutária especial para as companhias abertas. 9 Para o exame dos vários critérios distintivos da grande e da pequena companhias, cfr. o clássico estudo de Giovanni Balbi, in Rivista delle Società, Giuffrè, Milão, jan./abril de 1964, p. 86 e ss. 10 Ob. cit., p.37, baseando-se no art. 1º da Resolução n. 1.656, de 26 de outubro de 1989, do Conselho Monetário Nacional, alterada pelas Resoluções n. 1.760, de 31 de outubro de 1990 e 1.794, de 27 de fevereiro de 1991. 11 As bolsas oficiais de valores são órgãos auxiliares dos poderes públicos, na fiscalização dos lançamentos de emissões de títulos, por subscrição pública. 12 Tratado de Direito Privado, tomo LII, p. 222. 13 Idem, p. 228/229. 14 A primeira Resolução do Conselho Monetário Nacional sobre a matéria foi a de n. 39/66. Seguiu-se a de n. 922/84. Posteriormente, foi editada a já citada Resolução n. 1.656/89, alterada pelas de n. 1.760/90 e 1.794/91. 15 Cfr.Trattato di Diritto Commerciale, 5ª edição, vol.III, p. 63/64. 16 Cfr. Aspectos da Teoria Geral dos Títulos de Crédito, Editora Pioneira, 1979, pp. 36/37. 17 Cfr. Títulos de Crédito, Ed. Atlas, 9ª edição, p. 94. 18 Revista de Direito Mercantil, Nova Série, Ano XIX, n. 37, janeiro-março de 1980, p. 94 e ss. 19 Tese de doutoramento apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, publicada pela Revista dos Tribunais, 1985, p. 151 e ss. 20 Conforme art. 1º da Resolução n. 1.907, de 26 de fevereiro de 1992. 21 Conforme art. 1º da Resolução n. 1.723, de 27 de junho de 1990. Tendo o art. 3º dessa Resolução autorizado a Comissão de Valores Mobiliários a baixar normas complementares a respeito da matéria, foi editada a Instrução n. 134, de 1º de novembro de 1990, que traçou normas pormenorizadas sobre os commercial papers. 22 Cfr. Medida Provisória n. 1.637, de 08 de janeiro de 1998, que dispôs sobre a regulação, fiscalização e supervisão dos mercados de títulos ou contratos de investimento coletivo, tendo o art. 1º estabelecido o seguinte: Constituem valores mobiliários, sujeitos ao regime da Lei n. 6.385, de 7 de dezembro de 1976, quando ofertados publicamente, os títulos ou contratos de investimento coletivo, que gerem direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros. Tendo o § 3º do art. 1º dessa Medida Provisória outorgado poderes à Comissão de Valores Mobiliários para regulamentar a matéria, esta editou a Instrução CVM n. 270, de 23 de janeiro de 1998, dispondo sobre o registro de companhia emissora de títulos ou contratos de investimento coletivo e a Deliberação CVM n. 238, da mesma data, requisitando informações às sociedades lançadoras de títulos ou contratos de investimento coletivo. 23 Cfr. Il titolo di credito, Torino, 1965, p. 36 e ss. 24 A afirmação do texto principal baseia-se na seguinte circunstância: na década de 30, De Kock assinalava serem apenas três os países de importância que ainda não possuíam um Banco Central: a Venezuela, a Irlanda do Norte e o Brasil. Até a década de 60 aqueles dois outros países criaram o seu Banco dos Bancos, sendo que o Brasil só viria a fazê-lo em 1964, com a Lei n. 4.595, retromencionada. Anote-se que, antes do advento dessa lei, o país possuía, apenas, um embrião de Banco Central, representado pela extinta Superintendência da Moeda e do Crédito - SUMOC, que funcionava junto ao Banco do Brasil. Mas as funções que essa entidade desempenhava estavam muito distantes das que eram próprias de um Banco Central. 25 Já se aludiu, com freqüência, ao aspecto de constituir-se a Lei n. 4.728 numa verdadeira colcha de retalhos, posto que a mesma regulou matérias bastante diversas entre si, como, por exemplo, letras de câmbio ao portador (vide, adiante, nota de rodapé n. 26) com cláusula de correção monetária, ações e obrigações endossáveis, debêntures conversíveis em ações, sociedades anônimas de capital autorizado, sociedades e fundos de investimento, contas-correntes bancárias, alienação de ações das Sociedades de Economia Mista, alienação fiduciária em garantia etc. 26 Como é sabido, longa polêmica estabeleceu-se no país sobre a matéria, a partir do reconhecimento pela nossa mais alta Corte de Justiça, em 1971, de que vigoravam entre nós as Leis Uniformes, decorrentes das convenções genebrinas, nas quais não se admite a existência de letra de câmbio ao portador. Mas, ao tempo da edição da Lei n. 4.728, de 1965, vigorava no Brasil o nosso antigo Decreto n. 2.044 (a chamada Lei Saraiva), que previa a possibilidade de serem as letras de câmbio emitidas sob a forma ao portador. O impasse veio a ser solucionado — e muito adequadamente — pelo próprio Supremo Tribunal Federal, que considerou as letras emitidas pelas Sociedades de Crédito, Financiamento e Investimento como válidas, em observância à Lei do Mercado de Capitais, posição que fora defendida, com descortino, pelo Prof. Lélio Candiota Campos e pela Consultoria-Geral da República. 27 Deve-se ao saudoso e inesquecível Prof. Sylvio Marcondes a construção jurídica que propiciou a emissão das letras de câmbio com cláusula de correção monetária, em obra que marcou época para os estudiosos da matéria : O aceite bancário, publicado originalmente em 1959 e republicado em Problemas de Direito Mercantil, 2ª tiragem, 1970, Ed. Max Limonad, p. 249 e ss. 28 Com razão, assim, Marcos Paulo de Almeida Salles, in Comentários à Lei das Sociedades por Ações, vol. 3, co-edição do Instituto dos Advogados de São Paulo e da Editora Resenha Universitária, 1980, p. 18. 29 Cfr. art. 3º, inc. I, da Lei n. 6.385/76. 30 Por iniciativa do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, tivemos a oportunidade, em novembro do ano passado, no Simpósio realizado na cidade de Porto Alegre, de discorrer especificamente sobre a ação da sociedade anônima, detendo-nos um pouco mais sobre a função e sobre a natureza jurídica da ação. Permitimo-nos, pois, nessa oportunidade, valermo-nos fundamentalmente das considerações tecidas naquela oportunidade. 31 Cfr. Appunti di diritto commerciale, vol. II, 3ª edição, Roma, 1936 e, também, Teoria Geral dos Títulos de Crédito, Saraiva, 1943. p. 185. 32 Como, por exemplo, o de receber dividendos. Também poderiam ser considerados como direitos patrimoniais: o de preferência na subscrição de novas ações, nos aumentos de capital ; o de participar do acervo da companhia em caso de liqüidação desta; e, ainda, o de possuir co-propriedade nas reservas da sociedade. 33 Como o de votar e o de ser votado na assembléia geral. O direito à informação e o de fiscalização dos negócios sociais, na forma prevista em lei, também seriam direitos de natureza extrapatrimonial. 34 Cfr. Problemas das Sociedades Anônimas e Direito Comparado, Saraiva, p. 341. 35 Sempre defendemos, na verdade, que as ações nominativas da sociedade anônima — por lhes faltarem os requisitos da cartularidade, da literalidade e da autonomia — não poderiam ser consideradas títulos de crédito. Com o advento, entre nós, da Lei n. 8.021, de 1990, foram extintas as ações endossáveis e as ao portador, permanecendo apenas as nominativas. Chega-se à conclusão, então, de que a ação da sociedade anônima no Direito brasileiro, não pode, rigorosamente falando, ser considerada um título de crédito, segundo a concepção tradicional dessa categoria especial de documentos. Lembramos, a propósito, que o saudoso Prof. Philomeno Joaquim da Costa (Anotações às Companhias, vol. I, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 1980. p. 202), após identificar que a ação da sociedade anônima brasileira seria, em principio, considerada um título de crédito, tanto na concepção italiana quanto na brasileira, afirma, com inteiro acerto: Contudo, se a transferência depende de registro nos livros sociais, transferindo-se mesmo os seus direitos sem a exibição do papel (ação), este já não é mais o documento necessário para o exercício de um direito literal e autônomo que nele se contém, citando, em nota de rodapé, o Prof. Theophilo de Azeredo Santos (...) que assim se expressara: incluir as ações nominativas entre os títulos literais, completos ou formais, abstratos e constitutivos de crédito é, a nosso ver, erro palmar. E conclui, nessa mesma nota, o Prof. Philomeno: Está certo. 36 Estamos quase de acordo com o Prof. Philomeno J. da Costa quando ele, baseado em Georges Ripert e René Roblot, tece as seguintes considerações sobre os valores mobiliários: valor mobiliário é o título de crédito negociável, representativo de direito de sócio ou de mútuo a termo longo, chamado também título de bolsa. É expressão francesa tipicamente pragmática; não possui característica científica; talvez se possa ressaltar nessa categoria a particularidade de que instrumentaliza a busca de uma renda pelo seu titular; é essencialmente negociável. A classe, para se ter uma sua visão geral, opõe-se aos outros títulos de crédito categorizados como efeitos de comércio, outro galicismo jurídico, a traduzir os papéis criados pelo comércio para ensejar a realização das suas operações; são normalmente negociáveis, traduzindo um crédito a termo curto. (ob. cit., p. 111 e 112). Como já foi dito, temos que os valores mobiliários não são, necessariamente, títulos de crédito, já que são dois sistemas inteiramente distintos, não obstante as suas analogias e correspondências. Não existe, para nós, relação de gênero e espécie entre os valores mobiliários e os títulos de crédito, ao contrário do que sustentou o Prof. Philomeno, como se vê na seguinte passagem: Constitui um equívoco conceitual a distinção entre título de crédito e valor mobiliário existente no disposto pelo inc. I do art. 183, como já se viu. Ali se dispõe, a propósito de critérios de estimação para balanço, que o custo ou cotação no mercado, se este menor, fixarão registros dos direitos e títulos de crédito e quaisquer valores mobiliários não classificados como investimentos". Se os últimos representam espécie (nota 1, letra f) dos outros, a referência a este traduz também qualquer valor mobiliário (ob. cit. p. 203, nota n. 12). Na nota 1, letra f, referida pelo citado professor, está afirmado o seguinte (ob. cit., p. 197): Quanto à classificação dos títulos de crédito pelo seu maior ou menor período de tempo da sua existência (valores mobiliários e efeitos de comércio), repete-se que ela não tem valia teórica alguma (v. anot. 1 ao art. 4º). E, por sua vez, nessa última anotação, vamos encontrar o texto da p. 111, pouco acima transcrito. 37 Diz esse artigo que as participações estatutárias de empregados, administradores e partes beneficiárias serão determinadas, sucessivamente e nessa ordem, com base nos lucros que remanescerem depois de deduzida a participação anteriormente calculada. 38 Cfr. Comentários à Lei de Sociedades por Ações, Forense, vol. I, p. 280/281, onde se lê: há uma evidente injustiça em relação ao direito dos acionistas quanto à participação desses nos lucros, pois os dividendos distribuíveis só serão calculados depois de, apurado o lucro líqüido, que é o resultado do exercício que remanescer após efetuadas as deduções acima analisadas, serem feitas deduções relativas ao fundo de reserva legal, e constituídas as reservas estatutárias, as reservas para as contingências, se houver, a retenção de lucros, quando deliberada, e as reservas de lucros a realizar. Só então se pensará em remunerar o acionista, que concorreu com capital para a existência da sociedade, enquanto que os beneficiários terão os seus direitos assegurados, e em maior proporção, depois de, apenas, terem sido feitas provisões para o pagamento do imposto sobre a renda, deduções relativas à participação de debêntures nos lucros sociais e as relativas à participação de empregados e administradores, quando assim dispuser o estatuto. O sentido protecionista da lei para com os portadores de partes beneficiárias é evidente. 39 Ob. cit., volume 1, p. 355. 40 Tratado de Direito Comercial Brasileiro, vol. IV, p. 99. 41 Dispunha o § 8º desse artigo que o direito à subscrição de capital poderá ser negociado ou transferido separadamente da debênture conversível em ação, desde que seja objeto de cupão destacável ou sua transferência seja averbada pela sociedade emissora no próprio título e no livro de registro, se for o caso. 42 Por razões de tempo e de espaço, estaremos reservando nossa exposição sobre esses novos valores mobiliários para futura oportunidade.